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O impacto gerado pelo crime organizado em face à violação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes no Brasil

Agenda 01/07/2019 às 22:09

O presente trabalho propõe o leitor a realizar uma reflexão sobre o que já foi conquistado em termos de legislação quanto à proteção dos direitos da criança e do adolescente bem como analisar se essas garantias estão inseridas na realidade brasileira.

 

1. Introdução

 

Os direitos da criança e do adolescente é uma conquista recente na sociedade brasileira e ainda se encontra em uma constante evolução. Muito se lutou para ter conquistado que o a pessoa em desenvolvimento carece de especial atenção uma vez que ainda não pode se valer completamente de sua cidadania e independência. Apesar dos esforços, tanto no campo nacional quanto no campo mundial, há ainda uma ruptura entre a realidade e o que a lei prescreve.

O presente trabalho propõe o leitor a realizar uma reflexão sobre o que já foi conquistado em termos de legislação quanto à proteção dos direitos da criança e do adolescente bem como analisar se essas garantias estão inseridas na realidade brasileira.

Em um segundo ponto, o trabalho visa demonstrar de que forma a criminalidade organizada e a violência urbana impacta na vida dessas crianças e quais são os principais direitos violados em meio a uma crise de segurança pública a qual o Brasil se encontra. Para explicar de uma forma clara e objetiva, foram necessárias unir pontos de vistas jurídicos, políticos e sociológicos a fim de aproximar o leitor do fiel retrato o qual o presente artigo pretende problematizar.

No decorrer do trabalho, ficará claro que o objetivo deste artigo visa buscar soluções em frente a um problema social que se arrasta por décadas o qual é a perda de milhares de jovens para o mundo do crime, seja na condição de vítima, seja na condição de escravos da criminalidade.

Primeiramente é necessário analisar como se opera os direitos das crianças e dos adolescentes dentro do sistema jurídico brasileiro, buscando fontes e princípios de ordem internacional, constitucional e aquelas infralegais para assim, se ter uma base concreta de como se encontra o ordenamento jurídico na proteção de garantias e direitos fundamentais desse grupo de indivíduos.

Por fim, o ponto principal desse trabalho é chegar a uma visão técnica de como se encontra o Brasil no dever de proteger suas crianças e adolescentes, apontando os principais desafios para que a legislação realmente promova o bem-estar desse público tão especial para nossa nação.

 

2. Conceito de criança e adolescente

 

O primeiro ponto deste artigo trata do conceito de criança e de adolescente, sendo de extrema importância para que se possa reproduzir de maneira fiel a evolução dos seus direitos, os quais nem sempre existiram ou foram respeitados.

A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 realizada pela Assembleia Geral das Nações Unidas e ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 99.710/1990 conceitua em seu artigo primeiro que “criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo.”

No entanto, em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 8.069/1990, “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.” E complementa no seu parágrafo único que nos casos expressos em lei, será aplicado de forma excepcional tal Estatuto às pessoas entre 18 e 21 anos de idade.

É necessário ainda verificar que o conceito infatojuvenil acima descrito é uma construção muito recente, sendo que, na maior parte da história geral, esses sujeitos eram tratados como meros bens, mão-de-obra ou até mesmo equiparados a adultos. Tais fatos só começaram a mudar a partir do século XIX no qual passou-se a ter uma visão mais afetiva da infância como algo que carente de afeto e educação (OLIVEIRA, 2013).

 

3. Os direitos da criança e do adolescente no atual sistema jurídico brasileiro

 

O direito infantojuvenil no Brasil é fruto de uma evolução gradativa operada através da evolução normativa no Brasil e no mundo tendo como base fatos históricos geralmente ligados à necessidade de melhor proteger o menor em sua vulnerabilidade.

A legislação avançou de forma morosa, sendo que o primeiro documento que efetivamente protegia a criança se deu por volta de 1927 com o chamado Código de Menores. O Código de Menores de acordo com Veronese (1997, p.10 apud OLIVEIRA T. C, 2013, p. 346) então:

[...] conseguiu corporificar leis e decretos que, desde 1902, propunham-se a aprovar um mecanismo legal que desse especial relevo à questão do menor de idade. Alterou e substituiu concepções obsoletas como as de discernimento, culpabilidade, responsabilidade, disciplinando, ainda, que a assistência à infância deveria passar da esfera punitiva para a educacional.

                      

Com o passar das décadas e com o avanço da legislação brasileira, em destaque para Constituições brasileiras e os tratados internacionais de Direitos Humanos, a criança e o adolescente passaram a conquistar mais direitos, sobretudo os protetivos.

Não pretendemos esgotar aqui a evolução histórica dos direitos da criança e do adolescente, mas sim, evidenciar que o grande marco do reconhecimento deste se deu com a Constituição de 1988, a qual delimita a atual estrutura legal voltada para o assunto. Partindo disso, temos positivado no artigo 227 da Constituição Federal de 1988 que:

 

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

O texto do artigo citado traz consigo grande conteúdo, sinalizando claramente a responsabilidade da família, da sociedade e do Estado de maneira efetiva como sendo os três sujeitos necessários para a formação da garantia dos direitos elencados na Constituição em relação a dignidade da criança e do adolescente. Porém, é na família que tais garantias são efetivadas primeiramente, devendo o Estado avalizar condições mínimas para que esta exerça sua função e ao mesmo tempo, para que não seja despejada sobre ela a completa responsabilidade e o ônus da tarefa.

Em 13 de julho de 1990, foi aprovada no Congresso Nacional o Estatuto da Criança e do Adolescente como fruto de reinvindicações de movimentos sociais que lutavam em defesa do ideal de que crianças e adolescentes eram também sujeitos de direitos e mereciam o acesso à cidadania e proteção. O ECA foi publicado através da lei federal 8069/90.

Com o ECA, o viés protetivo da Constituição Federal de 1988 foi solidificado através de uma lei moderna para o seu tempo, principalmente na questão da responsabilidade da família, da sociedade e do Estado sendo positiva que nenhuma criança passaria a ser vítima de problemas sociais, ideológicos ou culturais. Assim, posiciona-se o art. 5º do Estatuto: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”       

O ECA, no seu art. 7º postula que toda criança e adolescente têm direito à vida e à saúde e essas duas garantias fundamentais são efetivadas através de políticas sociais públicas capazes de permitir o nascimento, o desenvolvimento e a convivência sadia e harmoniosa em um contexto onde haja condições dignas de existência.

A responsabilidade do Estado não está somente vinculada pelas leis internas. A Convenção sobre os Direitos das Crianças de 1989 também condicionam aos Estados Partes a obrigação de zelar pela qualidade de vida das crianças e adolescentes bem como sua dignidade. No Brasil, a Convenção encontra-se ratificada pelo Decreto 99.710/1990 e traz, dentre outras positivações a obrigação por parte dos Estados Partes em adotar medidas administrativas, legislativas e de índoles afins para a implementação dos direitos reconhecidos como sendo fundamentais para este grupo de indivíduos, nos contextos econômicos, sociais e culturais tendo a afirmação de que toda criança tem direito à vida, à máxima sobrevivência e ao adequado desenvolvimento.

Diante de tamanha construção a cerca dos direitos da criança e do adolescente, a sua condição de vulnerabilidade ficou evidenciada para a sociedade e com isso a evolução dos seus direitos, tanto na esfera nacional quanto na esfera mundial foram tomando proporções importantes.

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O Estatuto da Criança e do Adolescente, com tal linha de pensamento se preocupou com todos os detalhes necessários ao bom gerenciamento da qualidade de vida dos menores, tanto em relação a prioridade de atendimento, ao respeito a vida, liberdade de expressão, cultura, integridade física e moral dentre outros pontos norteadores dos Direitos Humanos.

Recentemente, no ano de 2016, o Estatuto também estendeu a garantia de políticas públicas efetivas às mulheres na qualidade de mães ou gestantes garantindo nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao acompanhamento médico, tendo em vista a preocupação em dar condições de sobrevivência à criança logo na gravidez. Isso trouxe mais uma evolução no que tange a dignidade da criança, melhor reforçando isso temos a fala de Katia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel (2016, p. 69):

O Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece direitos que devem ser exercidos mesmo antes do nascimento. Não bastaria, e até atentaria contra a integralidade da proteção infantojuvenil, assegurar saúde e vida a crianças e adolescentes destinatários da norma estatutária sem reconhecer a importância da boa formação do feto, para garantia de uma vida saudável após o nascimento.

 

Tudo isso solidificou a ideia de que toda criança é um sujeito de direitos e a ela, deve se dar o devido respeito como tal. O ECA foi um grande marco nesse contexto, sendo por meio dele que outros meios de proteção pudessem vigorar atualmente. Isso se deu porque o Estatuto citado foi uma inovação dentro da legislação brasileira, passando de uma concepção rígida e positivada da lei para um conjunto principiológico onde o Estado pudesse adequar a norma a cada caso concreto em possíveis limitações. Assim, necessário entender que:

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente é um sistema aberto de regras e princípios. As regras nos fornecem a segurança necessária para delimitarmos a conduta. Os princípios expressam valores relevantes e fundamentam as regras, exercendo uma função de integração sistêmica, são os valores fundantes da norma. (AMIN, 2016, p. 53)

 

E é diante deste contexto nacional que os direitos das crianças e dos adolescentes se encontram hoje. Solidificados por uma legislação inovadora cujo ponto principal é abrir a proteção desses indivíduos para toda a comunidade nacional, seja pela família, pela sociedade, pelas organizações não governamentais ou pelo Estado através de um trabalho conjunto e interdependente reunidos em um objetivo em comum através de políticas públicas voltadas para este público, principalmente nas áreas de educação, segurança e saúde.

 

4. Os conflitos armados no Brasil e o seu impacto nas garantias fundamentais das crianças e dos adolescentes

 

A violência no Brasil não é um mero fenômeno indesejado dotado de temporariedade, ele faz parte da sociedade brasileira. Conviver com esse problema social se tornou em muitas regiões um elemento do cotidiano ao ponto de pessoas caminharem normalmente ao lado de criminosos armados com fuzis como se aquilo fosse comum àquela comunidade, assemelhando-se com o cotidiano de pessoas que vivem grandes guerras ao redor do mundo, tais como a da Síria e a do Iêmen.

Antes de iniciarmos o impacto desses conflitos dentro da seara dos direitos das crianças e dos adolescentes, é imprescindível que o que faz uma sociedade criminosa é a atuação do Estado de uma forma errada. A violência no Brasil é uma herança que vai sobrevivendo por gerações justamente porque o Estado age na maioria das vezes de forma repressiva, obstando assim a possibilidade de curar o problema através da prevenção, seja por meio de melhores condições de futuro para essas crianças, seja através a intervenção em ambientes propícios a disseminar conteúdos contrários à paz e a dignidade.

O temor ainda existe dentro desse contexto, e em profundidade. O crime organizado hoje domina algumas regiões do Brasil, guerras entre quadrilhas e policiais ou contra quadrilhas rivais disseminam mortes quase todos os dias. Forma de governos internos os quais se intitulam donos de determinadas favelas se criam em contradição à democracia. Para título de exemplo, em uma matéria feita pelo jornalista Alexandre Hisayasu, pelo O Estado de S. Paulo publicada em 07 de janeiro de 2017 há atualmente 27 facções disputando o controle do crime organizado em todos os estados do país.

É nesse contexto que se encontram milhares de crianças e adolescentes. Mergulhados em um ambiente criminalizado e com pouca participação do Estado. A sua qualidade de vida, educação, integridade física e costume estão rodeados por conflitos armados e traficantes.

Nos dizeres de Daniela Kléber (2014):

Numa idade de brincar e de ir pra [sic] escola, as crianças que vivem em zonas de conflitos armados veem sua infância interrompida para conviver com situações inomináveis. Consideradas as maiores vítimas das guerras, seus corpos pequenos e frágeis, quando sobrevivem a tais horrores, levam dentro de si marcas indeléveis, que se prologam pela vida adulta.

                       

Entendemos como marcas, tantos as físicas as quais possam ser frutos de agressões, balas perdidas, atentados como também aquelas morais e psicológicas. Marcas capazes de violar os direitos presentes em nosso ordenamento jurídico como bem prescreve o art. 17 do ECA: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.”

Nossa legislação, como já dito, possui autonomia para garantir os direitos dos pequeninos e jovens, porém, a realidade ainda se encontra distante da total efetivação. Nesse mesmo ponto, cita Andréa Rodrigues Amin (2016, p. 85):

O paradigma da proteção integral, sistematicamente, está consolidado, mas culturalmente ainda há muito a fazer. O estigma do menor como objeto de proteção parece conceder o direito de tratar a criança e o adolescente como bem se entender, sem enxergá-los como pessoas, carecedoras de tratamento digno e resguardo à sua integridade física, psíquica e intelectual

                       

É nesse contexto que muito se perde em relação aos efeitos dos conflitos internos entre Estado e o crime organizado ou entre o crime organizado em si, transformando regiões em uma verdadeira zona de guerra. Para se ter uma real noção do objeto a ser tratado aqui, devemos conceituar o que vem a ser organização criminosa. De acordo com os renomados juristas Cleber Masson e Vinicius Marçal citando o art. art. 1.º, § 1.º, da Lei do Crime Organizado (2015, p. 42):

Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

 

Tal conceito é de fundamental importância para esse trabalho pois o crime organizado funciona como um institui ilícito dentro da sociedade, com hierarquia e engenharia funcional complexa. Cada membro possui sua tarefa específica e delineada dentro do escopo criminoso, atuando como uma espécie de indústria do crime. Essas organizações possuem como quartel general a própria comunidade onde se mantém protegidos atrás de pessoas inocentes, reféns dessa criminalidade.

Por conta da criminalidade institucionalizada no Brasil, o país encontra-se entre o 7º mais perigoso e mortal para crianças e adolescentes, na frente inclusive de países que se encontram em conflitos armados explícitos como é o caso do Afeganistão. Os dados são oriundos do relatório “"Um Rosto Familiar: A violência nas vidas de crianças e adolescentes", apresentado internacionalmente pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no ano de 2017. Neste relatório, o Brasil ocupa o sétimo lugar em um ranking dos países onde mais se matam crianças e adolescentes homens na faixa etária de 10 a 19 anos, com uma assustadora taxa de 59 mortes por um grupo de 100 mil jovens em mesma faixa etária (AZEVEDO, 2017).

De acordo com esse relatório ainda, verifica-se que as crianças e os adolescentes vivenciam a violência em todas as fases de sua infância e adolescência, seja nas mais variadas configurações, porém, tais vivências frequentemente relacionam-se pelas mãos de pessoas em que confiam ou com quem interagem diariamente. Tendo como base tal afirmação, pode ser dizer que a criança e o adolescente das zonas de conflito convivem diariamente com comunidades sitiadas pelo tráfico de drogas e pelo crime organizado. Por isso, os seus direitos são renegados pela própria comunidade a que está inserida, diferente de países em guerra, que geralmente, o ofensor é um país estrangeiro ou um grupo alheio a sua realidade.

Tal convivência é claramente contrária ao que a legislação brasileira e mundial prega, ferindo todo o conjunto dos direitos infantis e juvenis. Somente pelos dados demonstrados acima, fica óbvio que diariamente milhares de jovens tem suas vidas expostas, ou sofrem alguma privação dos seus direitos. Sejam pela violência que atinge a escola, seja pela influência da criminalidade em sua vida ou simplesmente por serem vítimas de preconceito por estarem situados em ambientes tomados pelo crime organizado.

Neste ponto, é evidenciado a omissão e negligência do Estado, que além de não proteger esses sujeitos, permitem que a criança e o adolescente percorram um caminho diferente do que se pregam os pilares dos direitos fundamentais na infância.

Todas as crianças e todos os adolescentes têm o direito de ser protegidos contra a violência que lhes é infligida por qualquer pessoa em sua vida – sejam pais, professores, amigos, parceiros ou desconhecidos. E todas as formas de violência vivenciadas por crianças e adolescentes, independentemente da natureza ou gravidade do ato, são prejudiciais. Além do sofrimento desnecessário e da dor que causa, a violência destrói pouco a pouco a autoestima de meninas e meninos e impede seu desenvolvimento. (UNICEF, 2017)

No aspecto geral, os conflitos armados e a violência no Brasil interferem na vida das crianças e adolescentes sob várias formas, a primeira e mais prejudicial viola o direito à vida, cujas consequências dos confrontos por muitas vezes ceifam as vidas de adolescentes seja pelo fato de estarem incursos na vida criminosa, seja pelo fato de serem vítimas de crimes, balas perdidas ou a precariedade das condições de vida resultantes da inexistência do poder estatal.

Em um outro ponto, aparece os problemas derivados da violência, principalmente no acesso à educação e à saúde. Comunidades pobres, onde há maior tendência à marginalização de crianças e adolescentes raramente oferecem condições mínimas para que tais sujeitos permaneçam na escola. Muitos até trocam o caderno por fuzis na desesperada ilusão de que, com isso, vão sustentar sua família e garantir um “futuro promissor” dentro desse contexto.

Por conta de se situarem em zonas de perigo, outro grande fator violador dos Direitos Humanos das crianças e adolescentes brasileiros está a discriminação. Em 2014, a taxa de homicídios entre adolescentes homens negros foi quase três vezes maior que entre os brancos segundo estudos realizados pela Unicef e publicados no relatório A FAMILIAR FACE Violence in the lives of children and adolescents (2017, p.51).

Segundo este documento internacional, esses adolescentes tendem a viver em regiões com níveis mais elevados de homicídio, com desigualdade social e de renda, acesso às armas, atividades de tráfico de drogas, uso de drogas ilícitas e álcool, escassez de oportunidades de emprego e com desorganização e segregação urbana. O resultado disso se reflete na sociedade, estigmatizando ainda mais a ideia preconceituosa do negro e do morador de periferia como sujeitos criminalizados.

Por fim, é fácil perceber o motivo da violência se perpetuar no Brasil. Sem a efetiva tutela do Estado, as crianças e adolescentes ficam a mercê de uma cultura baseada unicamente na influência do crime e do ódio às instituições policiais. A sociedade acaba sendo vítima do próprio crime cometido pela omissão à triste realidade das crianças nos contextos urbanos.

 

5. As soluções e procedimentos necessários para garantir efetiva proteção da criança e do adolescente no cenário nacional

 

Primeiramente é de se deixar claro que não compete somente ao Estado a correção da atual realidade infantojuvenil. A família tem papel fundamental na construção do ser, não podendo se omitir a esse direito-dever como bem prescreve Katia R. L. de Andrade Maciel (2016, p.129):

O poder familiar, pois, pode ser definido como um complexo de direitos e deveres pessoais e patrimoniais com relação ao filho menor de idade, não emancipado, e que deve ser exercido no superior interesse deste último. Sendo um direito-função, os genitores biológicos ou adotivos não podem abrir mão dele e não o podem transferir a título gratuito ou oneroso.

           

É através de uma família saudável que a criança torna um sujeito com seus direitos garantidos. Para que a Constituição realize seu objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária, é preciso de famílias bem estruturadas e sólidas, pois estas são os berços da base indispensável para o sucesso na educação dos seus filhos e filhas.

Com isso, um outro sujeito responsável pela mudança da atual realidade se faz com a sociedade em geral, seja por meio da cultura, seja por meio de empresas cidadãs ou organizações voltadas para a efetivações dos direitos das crianças. Isso busca o acolhimento do indivíduo em crescimento frente à um ideal de sociedade mais propício a um desenvolvimento humano saudável. Sendo claro esse objetivo no art.15 do ECA: “a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.”

Como terceiro e não menos importante agente capaz de modificar a realidade apresentada neste trabalho tem-se o Estado. Ele é o único capaz de coordenar de maneira pública e sistemática os temas relativos aos direitos da criança e do adolescente, fazendo uso de políticas públicas, intervenções em situações de adversidades e tratamento da sociedade como um todo. A seguir, baseado nas possibilidades estatais, apresentaremos um conjunto de atitudes capazes de reduzir ou até mesmo extinguir os efeitos causados por conflitos dentro do território nacional com base no viés protetivo da pessoa na infância.

Primeiramente, requer planos nacionais mais efetivos e coerentes em relação ao tema com o objetivo de reduzir as taxas de violência em um âmbito geral, envolvendo o campo nacional como um todo, principalmente, em relação à segurança pública. Ideia esta claramente apresentada pela Unicef (2017, p. 5):

São necessários planos nacionais coerentes e bem coordenados e ações subsequentes para reduzir as taxas persistentemente altas de violência contra meninas e meninos desde a infância até a adolescência. A prevenção contínua da violência exige iniciativas multissetoriais abrangentes e coordenadas envolvendo tanto o governo quanto a sociedade civil. Esses devem ser baseados em evidências sobre o que funciona para prevenir e responder às múltiplas formas de violência que as crianças e os adolescentes sofrem em sua vida diariamente.

 

Outro ponto fundamental está na necessidade de mudança de padrões que perpetuam a violência como dito anteriormente. Cortar a herança deixada por uma sociedade com cultura e vivência tomada pelo crime se faz mediante a educação e o combate às atitudes sociais que renovam o ciclo de violência. Ou seja, a cultura obscura gerada pelo crime deve ser fortemente combatida com programas escolares de prevenção, utilizando as escolas como instrumentos de apoio para que o Estado possa desenvolver uma corrente concisa de conscientização dos malefícios causados pela adesão de culturas incompatíveis com a paz e com as garantias fundamentais do ser humano em geral.

Por fim, como titular do monopólio da força, o Estado deve implementar políticas públicas para superar a violência e a criminalidade por meio do aperfeiçoamento da qualidade de vida da sociedade e do melhoramento dos serviços prestados, sobretudo em questões de segurança pública.

Tornar comunidades mais seguras e promover ambientes livres de ameaça é fundamental de acordo com o Unicef. Para conseguir tal status, as políticas nacionais devem centrar-se em estratégias preventivas, principalmente limitando o acesso às armas de fogo e retirando o poderio de grupos criminosos. Ainda de acordo com a Unicef “Esses serviços devem incluir uma série de opções em diferentes setores, desde o tratamento humanizado das vítimas de violência na infância por sistemas de justiça e segurança até o apoio físico e psicossocial oferecido pelos sistemas de saúde e assistência social.”

Diante disso mostra-se claro que não se trata apenas de proteger as crianças e adolescentes do contexto violento gerado pelos conflitos internos oriundos do crime organizado, como também, proteger o ambiente no qual a criança se encontra, começando pelo apoio à família, passando para a conscientização da sociedade para este problema e por fim, atentando-se às noções estratégicas de política públicas voltadas principalmente para a segurança, combate à criminalidade, à educação e à saúde em todos os seus níveis sociais.

 

6. Conclusão

Conclui-se deste trabalho que o ordenamento jurídico confere às crianças e adolescentes brasileiros uma ampla proteção em todos os contextos sociais através da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente, de leis ordinárias com o viés protetivo e, também, por meio de vários tratados e convenções internacionais o qual se compromete em cumprir. No entanto, para que estes direitos sejam efetivamente conferidos, a lei deve ser cumprida pela sociedade e pelo poder público.

O objetivo principal deste trabalho foi identificar o impacto causado pela violência conferida pelos conflitos armados, pelo crime organizado e pela violência em geral na vida das crianças, evidenciando dessa forma que seus direitos são constantemente violados por esta situação.

De modo geral, milhares de crianças estão expostas a riscos e à insegurança, tendo sua vida, dignidade, futuro, saúde, educação, liberdade de expressão, integridade física e moral dentre outros direitos ameaçados pela realidade violenta vivida por muitas regiões do país, em especial aquelas controladas pelo tráfico e pelas facções criminosas como é o caso das favelas do Rio de Janeiro e de São Paulo.

O aumento da violência diminui as expectativas de futuro para nossas crianças e adolescentes ao passo que contribui para que a sociedade permaneça no meio de constante conflito entre o Estado e o crime organizado, uma vez que este sobrevive do aliciamento de menores para a prática de suas condutas criminosas.

Diante dessa realidade causada principalmente pela inércia do Estado, muito se discute questões sobre maioridade penal ou o agravamento da punição para crianças e adolescentes infratores. No entanto, fica evidenciado que esse público não passa de vítimas de um sistema de segurança público defasado e ineficiência. No presente trabalho, o objetivo é verificar que não se trata de atingir os direitos das crianças e adolescentes, mas sim prevenir que mais jovens caíam nas mãos do crime por estarem expostos às condições propícias para tal acontecimento.

Percebe-se então de que não se trata de uma mera questão penal, os problemas devem ser visualizados por conceitos mais abrangentes e ter o entendimento de que o público infatojuvenil, assim como a sociedade, sofrem com o fenômeno da violência gerada pelo crime organizado, pelo tráfico de drogas e pelos conflitos deles decorrentes.

Com isso, o trabalho nos levou a conclusão de que, embora o Estado Juiz tenha garantido direitos fundamentais para as crianças e adolescentes com normas e leis principiológicas e modernas, o Estado Administração falha em ser inerte em relação às políticas públicas necessárias a efetivação de tais direitos, provocando assim um efeito global e prejudicial aos direitos fundamentais desse público que, por ainda não terem plena capacidade de exercer sua cidadania, ficam a mercê de julgamentos preconceituosos e de uma injusta concepção das suas garantias.

Como soluções para a resolução desse problema, foi oferecido alguns procedimentos que, se realizados de maneira eficiente, poderiam diminuir as consequências ou até mesmo extinguir o efeito da criminalidade na vida de muitas crianças. Dentre tais soluções, apontamos políticas públicas adequadas envolvendo a educação preventiva, planos nacionais de fortalecimentos das instituições estatais imprescindíveis para o desenvolvimento econômico, social e cultural nas 

Porém, talvez a solução mais importante evidenciada tenha sido a valorização da família como sendo a base necessária para o desenvolvimento do ser humano. É através da família que a criança é apresentada para o mundo, cabendo à sociedade e ao Estado zelar por essa unidade afetiva. E, para que a família possa fornecer condições saudáveis para tais crianças e adolescentes, todos os outros campos citados devem andar juntos. Um lar saudável significa que em sua volta não há insegurança, não há hospitais precários, escolas falidas ou qualquer outro meio que dificulte o exercício da cidadania. Para tanto, os cidadãos, a sociedade em geral, organizações nacionais e internacionais bem como o Estado deve andar juntos, construindo uma cultura baseada no repúdio ao crime e à violência dentro e fora de casa.

 

7. Referências bibliográficas

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HISAYASU. Alexandre. 27 facções disputam controle do crime organizado em todos os Estados do País. O Estado de S. Paulo. Versão digital. Disponível em < http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,27-faccoes-disputam-controle-do-crime-organizado-em-todos-os-estados-do-pais,10000098770>. Acesso em novembro de 2017.

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MACIEL. Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade, (coordenação) Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2016. Vários autores.

MASSON, Cleber, Crime organizado / Cleber Masson, Vinicius Marçal. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

OLIVEIRA. Thalissa Corrêa de. Evolução histórica dos direitos da criança e do adolescente com ênfase no ordenamento jurídico brasileiro. Centro de Ensino Superior de Valença. Disponível em < http://faa.edu.br/revistas/docs/RID/2013/RID_2013_24.pdf>. acesso em novembro de 2017.

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Sobre o autor
Leandro Ferreira da Mata

Cientista Jurídico; bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio Brasília; Especialista em Direito da Criança, Juventude e dos Idosos e em Segurança Pública e Organismo Policial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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