Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Teoria geral da prova no direito Processual Penal brasileiro

1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A TEORIA DA PROVA PENAL

            Prova é tudo aquilo que contribui para o convencimento do juiz, ou seja, o que é levado ao seu conhecimento pelas partes, que detém a expectativa de convencê-lo acerca da realidade dos fatos inerentes ao respectivo processo. Portanto, é possível afirmar que as provas são os instrumentos pelos quais se busca reconstruir um fato passado, com o intuito de trazer à tona o que realmente ocorreu em determinada situação delituosa. Acerca deste conceito, o ilustre autor Guilherme de Souza Nucci (2014) ensina que o termo da palavra prova é originário do latim, probatio, que remete a ensaio, verificação, exame, razão, confirmação, sendo que deste deriva-se o verbo de provar, probare, que significa reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com algo.

            A doutrina estabelece dois tipos de destinatários de prova, os direitos e indiretos. Os destinatários direitos consistem nos magistrados, considerando que, conforme dito anteriormente, os elementos probatórios são destinados à estes, a fim de convencê-los. Os indiretos, por sua vez, são as partes, tendo em vista que, quanto maior for o número de provas juntadas ao processo, maior será a probabilidade delas se convencerem e, desse modo, consequentemente, aceitarão com mais tranquilidade a decisão, minimizando assim o risco de vingança privada.

            As provas são classificadas de acordo com determinados critérios, quais sejam, quanto ao seu objeto, que consiste na relação do elemento probatório com o fato a ser comprovado, sendo que, na modalidade direta, consiste unicamente ao fato por si demonstrado, como, por exemplo, a testemunha ocular, enquanto que, na modalidade indireta, refere-se a outro acontecimento que leva ao fato, como por exemplo, o álibi. Quanto ao seu efeito ou valor, a prova será considerada plena quando necessária para a condenação, bem como quando causa no julgador o sentimento de certeza quanto ao fato ocorrido. Este item será retomado com maior explanação no capítulo três desta pesquisa.

            Ainda, em relação ao sujeito, a prova será tida como real quando resulta do fato, como, por exemplo, fotografias ou filmagens do local do crime, enquanto que a prova pessoal depende do conhecimento de alguém, como a confissão e a testemunha. Por fim, quanto à forma ou aparência, a prova testemunhal está relacionada à afirmação de uma pessoa, podendo se dar nas oitivas ou mesmo no interrogatório do réu, enquanto que a prova material é aquela que demonstra e descreve o fato, como o exame de corpo de delito, os instrumentos do crime e também a prova documental.

            Em relação aos meios de prova, consistem em instrumentos que serão utilizados para produzi-las e leva-las até o conhecimento do julgador, sendo chamados de nominados ou inominados. Os meios comprobatórios nominados referem-se aos previstos em lei, explanados nos arts. 158 a 250 do Código de Processo Penal (CPP). Os inominados, por sua vez, tratam-se de meios de produção não disciplinados em diplomas legais, como, por exemplo, conversas no WhatsApp ou Facebook.

            Insta salientar que ambas as espécies podem ser utilizadas, considerando que o princípio da verdade real permite a emprego de meios probatórios atípicos (inominados), desde que legítimos e legais, ou seja, quando não há afronta ao próprio ordenamento jurídico, matéria esta que será tratada no capítulo quatro. Contudo, as partes possuem encargos em relação às provas que serão produzidas e juntadas ao processo, o que será explanado no próximo tópico, acerca do chamado ônus da prova.


2 ÔNUS DA PROVA

            O denominado ônus da prova consiste na incumbência que recai sobre a parte de provar a veracidade do fato alegado, ou seja, define quem deverá provar ser o agente culpado ou inocente. Segundo Renato Brasileiro de Lima (2015), existem duas correntes em relação à distribuição do ônus da prova, sendo que a minoritária aponta que no processo penal esse ônus é exclusivo da acusação, enquanto que a corrente majoritária defende a sua distribuição entre as partes. Portanto, no tocante ao ônus da acusação, estará condicionada a provar tanto a existência do fato típico quanto a autoria ou participação do acusado neste e, ainda, o nexo causal (a relação do resultado ocorrido com a conduta praticada). Do mesmo modo, deverá demonstrar os elementos subjetivos, quais sejam, o dolo ou a culpa, que serão comprovados a partir da análise dos elementos no caso concreto.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

            A defesa, por sua vez, está encarregada de provar fatos modificativos, impeditivos, extintivos e até um eventual álibi. Entretanto, no tocante à corrente minoritária supracitada, Nestor Távora (2014) defende que, na verdade, a defesa não possui ônus probatório, tendo em vista que, se a acusação não obtiver êxito ao provar suas alegações, ao final do processo, em caso de dúvida, o réu deverá ser absolvido, em atenção ao princípio da presunção da inocência. Nesse sentido, o ônus da prova deve ser analisado sob a ótica do princípio citado e, portanto, a defesa ficaria inerte durante todo o processo, sendo que, ao final, em caso de dúvida, o juiz deve absolver o acusado.

            Outrossim, o juiz não possui ônus probatório algum, pois é inerente às partes tal atribuição, tendo em vista que deve se manter imparcial e inerte frente ao processo, seguindo os ditames do princípio da inércia processual. Contudo, possui a possibilidade de determinar, de ofício, a produção de provas em circunstâncias especiais, conforme explanado no art. 156 do CPP, quais sejam, a produção antecipada das provas consideradas urgentes e relevantes e a realização de diligências a fim de sanar dúvidas sobre algum ponto relevante.


3 A VALORAÇÃO DA PROVA PENAL PELO JUIZ

            No processo penal, existem os chamados sistemas de valoração da prova. Conforme Paulo Rangel (2015, p. 515): ‘’O sistema de provas é o critério utilizado pelo juiz para valorar as provas dos autos, alcançando a verdade histórica do processo’’. Três foram os principais sistemas adotados.

3.1 Sistema da intima convicção do juiz

            Neste sistema, o magistrado tem a possibilidade de avaliar a prova com liberdade, sendo que não possui obrigação de fundamentar a sua decisão. No Brasil, tal sistema é adotado apenas em relação ao Tribunal do Júri, tendo em vista que o jurado não precisa fundamentar a sua escolha, conforme preceitua o art. 5º, XXXVIII, b, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88).

3.2 Sistema da verdade legal ou formal

            Nesta modalidade, existem determinados valores para cada tipo de prova, estabelecidos por lei, sendo que cabe ao juiz simplesmente obedecê-las. Este sistema não é adotado no processo penal brasileiro, exceto em algumas situações exclusivas, como no caso da prova quanto ao estado civil de pessoa natural, exigindo-se, para tanto, que seja apresentado documento hábil para sua demonstração, bem como nos crimes em que é possível detectar vestígios, caso em que será indispensável o exame de corpo de delito a fim de apontar a sua existência.

3.3 Sistema do livre convencimento motivado

            Também chamado de persuasão racional, este é o sistema de valoração de provas aderido pelo Brasil, sendo calcado na ideia de que o julgador possui plena liberdade de decidir, contudo, estritamente de acordo com o trazido aos autos pelas partes e com a devida fundamentação de sua decisão. Cabe ressaltar que os elementos informativos produzidos em fase policial, ou seja, pré-processual, não podem ser considerados, única e isoladamente, para fundamentar uma sentença condenatória, contudo, não são simplesmente menosprezados, servindo como elementos na formação da convicção do julgador, conforme expõe o art. 155 do CPP.


4 PROVAS ILEGAIS

            Em relação às provas ilegais, cabe destacar que esta nomenclatura se dá a espécie, sendo que dela derivam as provas ilegítimas e ilícitas. As provas ilegítimas são aquelas obtidas por meio de desobediência às normas de direito processual, ou seja, a juntada de um documento no último dia que antecede um plenário do júri, por exemplo, contrariando as regras estabelecidas no CPP. Já as provas ilícitas dizem respeito à obtenção destas por meio de violações a direitos materiais, como, por exemplo, utilizar-se da tortura para obter a confissão do acusado, contrariando direitos constitucionais inerentes a todos os seres humanos.

            A doutrina majoritária defende a aceitação e utilização da prova ilícita nos casos em que este se faz o único meio para provar a inocência do réu no processo. Tal entendimento teve seu berço na Alemanha, sendo chamada de teoria da proporcionalidade ou razoabilidade, tendo em vista que, nestas situações, estará sendo protegido, em verdade, um bem maior, qual seja, a liberdade de um inocente. Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho (1999, p. 234):

Na verdade, se a inadmissibilidade das provas ilícitas está no capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais do homem, não pode repugnar à comum consciência jurídica o fato de a defesa conseguir por meio ilícito prova que demonstre a inocência do imputado. Poder-se-á, então, dizer: male captum, bene retentum. [...] É preciso que nos pratos afilados da balança sejam pesados os bens jurídicos envolvidos, e, à evidência, a tutela do direito de liberdade do indivíduo “es un valor más importante para la sociedad” que a tutela do outro bem protegido pela proteção do sigilo. Assim, uma interceptação telefônica, mesmo ao arrepio da lei, se for necessariamente essencial a demonstrar a inocência do acusado, não pode ser expungida dos autos. Entre o sigilo das comunicações e o direito de liberdade, este supera aquele (grifo do autor).

            No mesmo sentido, Vicente Greco Filho (1998, p. 200) ensina que:

[...] entendo, porém, que a regra não seja absoluta, porque nenhuma regra constitucional é absoluta, uma vez que tem de conviver com outras regras ou princípios também constitucionais. Assim, continuará a ser necessário o confronto ou peso entre os bens jurídicos, desde que constitucionalmente garantidos, a fim de se admitir, ou não, a prova obtida por meio ilícito. Veja-se, por exemplo, a hipótese de uma prova decisiva para a absolvição obtida por meio de uma ilicitude de menor monta. Prevalece o princípio da liberdade da pessoa, logo a prova será produzida e apreciada, afastando-se a incidência do inc. LVI do art. 5° da Constituição, que vale como princípio, mas não absoluto, como se disse.

            Outrossim, existem as provas ilícitas por derivação, ou seja, são meios probatórios que, ainda que produzidos legalmente em momento posterior, estão afetados pela ilicitude na sua via originária. O clássico exemplo para se entender tal teoria é o da interceptação telefônica que, realizada sem ordem judicial, nela é descoberto o local onde estão escondidos entorpecentes, por exemplo, e, diante disso, é expedido mandado judicial de busca e apreensão. Portanto, neste caso, a busca e apreensão realizada seria, em tese, lícita.

            Ocorre que, em entendimento pacificado pela ‘’teoria dos frutos da árvore envenenada’’, tais provas igualmente são consideradas ilícitas, sendo esse entendimento internalizado no ordenamento jurídico brasileiro e exposto no art. 157, § 1º do CPP: ‘’São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.’’   

            Nas palavras de José Francisco Cagliari (p. 19), Promotor de Justiça de São Paulo:

Na posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e, pois, mais intransigente com os princípios e normas constitucionais, situa-se a chamada “teoria dos frutos da árvore envenenada” (fruits of the poisonous tree), desenvolvida pela Suprema Corte Americana, e segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos. Assim, a obtenção ilícita da informação se projeta sobre as diligências subseqüentes, aparentemente legais, maculando-as e a elas transmitindo o estigma da ilicitude penal.

            No mesmo sentido, Paulo Rangel (2016, p. 484-485) diz que: ‘’O preço de se viver em uma democracia não tolera esse tipo de prova colhida ao arrepio da lei. Do contrário, não vale a pena viver em um Estado Democrático de Direito’’. Em relação ao réu, também neste ponto há uma relativização, seguindo-se a teoria da proporcionalidade, sendo sempre em caráter estritamente excepcional.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 22 jun. 2019.

______. Decreto-Lei n.º 3.689/41, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em 22 jun. 2019.

______. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 22 jun. 2019.

CAGLIARI, José Francisco. Prova no Processo Penal. Disponível em http://www.revistajustitia.com.br/artigos/299c16.pdf. Acesso em 21 jun. 2019.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed., rev., atual e ampl. Salvador: JusPODIVM, 2015.

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. 11ª ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

______. Código de Processo Penal Comentado. 13ª ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 23ª ed., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2015.

______. Direito Processual Penal. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.

TÁVORA, Nestor; ROQUE, Fábio. Código de Processo Penal para concursos. 5.ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2014.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 3.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

Sobre os autores
Mike dos Passos

Aluno do oitavo semestre do curso de Direito da Antonio Meneghetti Faculdade – AMF

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!