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Investigação defensiva: entre a possibilidade e o dever.

Agenda 08/07/2019 às 16:04

O artigo trata, em termos breves e gerais, da recente discussão encetada acerca da investigação criminal levada a cabo pelo advogado, em defesa dos direitos do cliente, mediante disciplina do Conselho Federal da OAB.

Investigação defensiva: entre a possibilidade e o dever.

 

José Pedro Zaccariotto [1]

“Devemos fazer planos para a liberdade, e não só para a segurança, ainda que pela única razão de só a liberdade poder tornar a segurança segura.”

Karl Popper

1. Proêmio.

O tema da investigação defensiva, embora mais atual do que nunca, remete-me, particularmente, a chuvosos dias do mês de novembro do já distante ano de 2004, quando, no município litorâneo do Guarujá/SP, se encontravam em curso as IV Jornadas Brasileiras de Direito Processual Penal, uma realização do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP (então dirigido pela saudosa professora Ada Pellegrini Grinover), em edição dedicada à discussão da investigação criminal.

Nesse evento, no seu derradeiro dia, coube ao Prof. José Barcelos de Souza (2004), no bojo de palestra titulada Poderes da defesa na investigação e investigação pela defesa, trazer à baila a vertente temática, sob a conclusão, como depois consignado em artigo dotado da mesma denominação, de que não deveria “haver dúvida alguma de que a defesa pode investigar, sempre que isso lhe parecer útil para o esclarecimento do fato e para a obtenção de prova”.

Passados quase quinze anos, pode-se dizer que a investigação defensiva, ao menos no plano das possibilidades, avulta como inconteste realidade, assim na medida em que se acha regulamentada por meio do Provimento n° 188, de 11.12.2018, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, publicado no DeOAB de 31.12.2018, p.4 (https://deoab.oab.org.br/pages/materia/19).

Não obstante o caráter oficial dessa promoção, escorada no poder regulamentar legalmente deferido à instituição (art. 54, V da Lei n° 8.906/94), a verdade é que, já passados vários meses desde a sua vigência, ainda se pode observar um menor número de referências acerca de sua efetiva e inovadora aplicabilidade do que às menções  a variegados questionamentos que seguem sendo suscitados sobre vários pontos que orbitam esse regramento, a se destacar aqueles alusivos ao seu fulcro constitucional e/ou a sua base legal, aos seus limites, às formas e aos momentos de execução e de consequente utilização, à sua natureza facultativa ou obrigatória etc.

Portanto, aflora de todo inegável que, a despeito do tanto que precedentemente já foi aduzido sobre este precioso tema, muito ainda resta a ser discutido a seu respeito, máxime agora que duma hipótese transformou-se em realidade. E em que pese este acanhadíssimo espaço, que torna inviável o seu discorrimento em termos razoavelmente proficientes, adiante se buscará lançar algumas notas destinadas ao fomento de um necessário e vivo debate sobre a investigação defensiva, visando – a bem do justo processo criminal – o seu avivamento e amadurecimento.

2. Em defesa da investigação defensiva.

Inicialmente, cumpre registrar que do ponto de vista histórico, a atuação da defesa no campo da investigação criminal, não se trata precisamente de uma novidade, valendo, à guisa de ilustração, recorrer ao magistério de João Mendes Júnior (1901, p. 24), que dava a conhecer que em Roma, ainda em meados de sua fase republicana, o processo era deflagrado com a acusação formulada por qualquer pessoa (já excluídas as mulheres e excetuados menores, magistrados, indigentes e aqueles julgados caluniadores). Conhecendo a denúncia, o pretor fixava uma data para o julgamento (diei dictio), e nesse interlúdio

"o proprio accusador, investido de uma commissão (legem), que lhe era conferida pelo pretor, procedia ás investigações, a todos os actos da instrucção, dirigia-se aos lugares, apprenendia documentos, notificava e inquiria testemunhas, sendo que, para effectividade, a commissão consignava penas contra os que recusassem obedecer. Por seu lado, o accusado, que já tinha sido notificado da accusação, ficava com o direito de seguir o accusador, fiscalisar seus actos, fazel-o acompanhar de um agente que vigiasse suas diligenciais, assistir ao exame das testemunhas, interrogal-as e contradictl-as. Esta phase era a da inquisitio, que deveria estar terminada no dia fixado para a audiencia ou sessão de julgamento". (Sic – negritado)

Mas pondo uma vez mais os pés na contemporaneidade, releva ainda voltar ao ano de 2004, a fim de colocar em evidência um importante e rico artigo então publicado por Azevedo e Baldan (2004, p. 6-8), denominado A preservação do devido processo legal pela investigação defensiva: ou do direito de defender-se provando, cujo teor prestou-se a descortinar uma série de fundamentais premissas à compreensão do instituto e ao reconhecimento de sua legitimidade, além de ofertar ao exame modelo deduzido no âmbito do direito alienígena, com o detalhamento da legislação processual, igualmente italiana, todavia em vigor apenas neste início de milênio.

"Após a superação do modelo inquisitivo e a implantação do sistema acusatório no estatuto Rocco, assistiu o processo penal italiano à introdução da expressão "investigação do defensor", pela primeira vez, com a alcunhada "Lei Carotti" (Lei nº 479, de 16-12-1999, em vigor desde 03-01-2000), a qual, embora com o mérito de conferir dignidade codificada à investigação defensiva, apresentou deficiente disciplina para pleno exercício dessa faculdade.

Finalmente a Lei nº 397, de 07-12-2000, alterando os artigos 327 e 391 do código de ritos italiano, introduziu disposições específicas em matéria de investigação da defesa, atribuindo ao advogado o direito-dever de, coadjuvado ou não por peritos técnicos e investigadores privados, empreender inúmeras ações tendentes à produção de evidências probatórias favoráveis a seu assistido, para tanto sendo-lhe permitido: a) promover o colóquio não documentado, consistente na entrevista pessoal e informal a potenciais testemunhas; b) receber ou colher (sem a presença do imputado, da vítima ou de outras partes privadas) declaração escrita de pessoas, com a cominação de crime de falso testemunho (excluídas as que, já ouvidas no inquérito ou processo, estão proibidas de depor perante o defensor); c) requerer laudos periciais ou, então, produzi-los através de assistentes técnicos, d) efetuar vistoria em coisas ou inspecionar lugares públicos ou privados (exceto aqueles abrangidos pela expressão "casa"), em caso de dissenso do particular requerendo expedição de autorização judicial; e) solicitar documentos em poder da Administração Pública, deles extraindo cópias, e, finalmente, f) formar o instrumento para documentação dessas atividades visando ao seu posterior encarte em qualquer estágio do inquérito ou processo. Tal tarefa, não adstrita a ritos ou formas, pode ser desenvolvida em qualquer fase ou grau da persecução penal ou, ainda, em caráter meramente preventivo, isto é, diante da possibilidade de instauração de eventual procedimento criminal." (negritado)

Também neste início século, em face do direito pátrio, não poucas e acreditadas vozes levantam-se a exigir não apenas um maior protagonismo do defensor no processo criminal, mas notadamente em sua fase extrajudicial, onde o direito de defesa, até então legalmente circunscrito ao exercício meramente suplicatório previsto no art. 14 do CPP, era garantido ao investigado somente se e quando formalmente declarado indiciado.

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Malgrado o fato da Lei Maior então já dispor, e de longa data, em seu art. 5º, LXIII, que ao preso “será (...) assegurada a assistência (...) de advogado, nossa mais alta Corte jamais havia dado a esse comando, até então, interpretação apta a auspiciar um efetivo direito de defesa [2], de modo a ensejar o indispensável reparo pela nossa melhor doutrina, sempre veemente ao rejeitar qualquer correspondência entre a encimada previsão constitucional e uma atuação advocatícia restrita à tão cômoda quanto indevida posição de figuração numa inerte e inerme plateia processual. Nesse sentido específico merece ser salientada a exemplar lição de Rogério Lauria Tucci (2004, p. 104-105):

"Ora, assistência de advogado, não só ao preso, como ao indiciado, durante o desenrolar da informatio delicti, não significa assistência passiva, de mero espectador dos atos praticados pela autoridade policial e de seus agentes, mas, sim, assistência técnica, na acepção jurídica do termo, qual seja a atuação profissional de advogado.

Como bem intuiu NAGIB SLAIBI FILHO, a esse respeito, a assistência de advogado ‘não significa a presença fiscalizadora do profissional habilitado aos atos processuais, mas, sim, sua interveniência no processo, pois senão não seria a advocacia essencial à função jurisdicional. Ainda no inquérito policial ou no auto de prisão em flagrante delito, tem o advogado poder de reperguntar, requerer diligências e providências que achar convenientes ao ato, sem prejuízo, é claro, da autoridade processante deferir, ou indeferir, sempre com fundamentação, o que lhe foi requerido.  E concedida, induvidosamente – permitimo-nos complementar -, ao defensor técnico do investigado, ou indiciado, a utilização dos meios em lei previstos para impugnar qualquer ato arbitrário da autoridade policial."

Entrementes, embora firmes passos tenham sido dados com vistas a viabilizar esse mais proficiente desempenho defensivo – vide, por exemplo, a edição, pela Suprema Corte, da Súmula Vinculante n° 14 [3], bem assim a edição da Lei n°13.245/16 [4] -, novas vozes fizeram-se ouvir em favor da investigação defensiva, mormente reclamada como instrumento fundamental à garantia de igualdade no plano do processo penal.

Sobressaíram-se, nessa caminhada, a valiosa contribuição de André Augusto Mendes Machado, que em 2009 defendeu, com absoluto êxito, dissertação de mestrado sobre o tema, e o brilhante artigo de Diogo Malan (2015, p. 407), denominado “Investigação Defensiva no Processo Penal”, publicado em 2012, em que apresentou a focalizada atividade como um direito fundamental, alicerçado tanto no direito à prova defensiva, quanto na garantia da paridade de armas[5]. E acerca da igualdade processual, utilizando-se de argumentos da época que hoje lhe dariam ainda maior razão, ponderou:

"Quanto a este último aspecto, o Ministério Público dispõe de vastos poderes e recursos materiais e humanos para investigar infrações penais, podendo requisitar diligências e instauração de inquérito policial à Po­lícia Judiciária (art. 129, VIII, da CF/1988), além de dispor de quadros funcionais investigativos e periciais próprios, ao menos no Estado do Rio de Janeiro.

Embora a Carta Constitucional não tenha facultado ao órgão mi­nisterial a realização direta de diligências investigativas - questão con­troversa na doutrina e na jurisprudência - é fato que a instauração de procedimentos investigativos ministeriais inominados é uma realidade nos dias de hoje.

Assim sendo, se afigura imperativo que o acusado disponha dos mesmos poderes investigativos ao alcance do Ministério Público, em ho­menagem ao princípio da par condido."

Contudo, especial impulso ao desenvolvimento do tema foi ofertado por esse jurista ao expor, de forma minudente, o caráter obrigacional que a investigação defensiva adquiriu em face do ordenamento jurídico dos Estados Unidos da América, bem assim a remansosa compreensão, assentada pelas decisões da Suprema Corte desse país, de que “o dever de investigação (duty to investigate) é um dos corolários lógicos do dever de proporcionar ao acusado uma defesa técnica efetiva” (2015, p. 397, grifado e negritado).

Não fosse só isso, tal dever ainda recai sobre os advogados norte-americanos por força de disposição interna da entidade que procede o controle desses profissionais, aos moldes da OAB, naquele país (American Bar Association), cujo regramento, no que tange à investigação (norma 4-4.1: Dever de Investigar e Engajar Investigadores), dispõe com clareza meridiana, logo em sua alínea “a”: “O advogado de defesa deve investigar todos os casos e determinar se existe uma base factual suficiente para acusações criminais[6] (negritado).

Nessa esteira, ganhou o tema, com o passar dos anos, sempre maior importância e atualidade, vindo a ser estudado e discutido, além de outros inúmeros fóruns, de forma sistemática e aprofundada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, que no ano de 2018 empenhou-se não apenas em debate-lo em vários pontos deste país, como também chegou a realizar, em sua sede em São Paulo, em cinco datas espalhadas pelos meses de novembro e dezembro, um curso voltado a “capacitar o profissional ao seguro exercício da investigação criminal defensiva, sob os prismas teórico e prático, unindo a análise de modelos legais comparados e o potencial emprego no contexto do ordenamento brasileiro e de sua iminente alteração”. [7]

3. O Provimento n° 188/2018 do CFOAB.

Muito mais do que um vaticínio, a encimada referência, concernente à “iminente alteração” do ordenamento brasileiro, baseava-se, na verdade, em um trabalho que o próprio IBCCRIM já vinha desenvolvendo no âmbito dos seus laboratórios de Ciências Criminais, realizados Brasil afora sob a batuta do Prof. Edson Luís Baldan (coautor do precursor artigo sobre o tema, inicialmente aduzido), e cujas sementes vieram logo a germinar no Rio Grande do Norte, onde as ideias discutidas foram encampadas pela Comissão de Advocacia Criminal da OAB, presidida por Gabriel Bulhões, dando vida a um projeto destinado a regulamentar o exercício da investigação defensiva no país [8].

Recebida pelo Conselho Federal da OAB, a proposta foi objeto de estudos e final aprovação, levando à edição, em 11.12.2018, à publicação do Provimento n° 188/2018, o qual, consoante estabelecido em seu art. 7°, concebeu a investigação defensiva como “ato legítimo de exercício profissional”, que compreende, a teor de seu art. 1°:

"o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte."

Merece registro, ademais, que a par desse mencionado fato, naturalmente antevisto pelo IBCCRIM, a alusão à alteração do ordenamento brasileiro - embora neste caso dificilmente possa-se cogitar alguma iminência – por certo também mirava o projeto de lei n° 8.045/10, em presente tramitação pelo Congresso Nacional, visando a instituição de nova conformação para o Código de Processo Penal, cujo art. 13 – “É facultado ao investigado, por meio de seu advogado, de defensor público ou de outros mandatários com poderes expressos, tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo inclusive entrevistar pessoas” – se propõe a disciplinar, ainda que timidamente, a investigação defensiva. [9]

4. Dúvidas, críticas e proposições.

Como era de se esperar, a edição do versado Provimento gerou reações de todas as ordens, e assim dúvidas e críticas. Em que pese a impossibilidade de se dar vez, neste restritíssimo espaço, ao exame de cada um dos questionamentos e/ou objeções conhecidos, proceder-se-á, adiante, ao singelo registro das considerações que melhor se apresentam a estimular a deflagração do debate por esta via colimado.

Nessa senda, não há como se ignorar o manifesto de Henrique Hoffmann e Eduardo Fontes (2019), cujo decidido título, “Advogado não pode fazer investigação criminal defensiva”, fala por si só. Conforme esses autores, a discorrida iniciativa da OAB não só violaria a legalidade, com também não se ajustaria à premissas ditadas pela jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Doutra parte, e em sentido diametralmente oposto, asseguraram Aury Lopes Jr., Alexandre Morais da Rosa e Gabriel Bulhões (2019), em artigo denominado “Investigação defensiva: poder-dever da advocacia e direito da cidadania”, que o dito ponto nodal do telado Provimento residiu justamente no “rígido controle para que não houvesse qualquer inovação do ponto de vista legal”. Ademais, concluíram que a atividade em comento “não só está inequivocamente autorizada, como é uma exigência do processo penal democrático e constitucional do século XXI”.

Impende consignar que os primeiros tiveram o incisivo apoio de Eduardo Luiz Santos Cabette (2019) - “A polêmica sobre a investigação defensiva” -, que atento a essa disparidade fez questão de registrar que o apontamento de todas as lacunas aferíveis no Provimento exigiria mais do que um artigo jurídico, demandando sim um “tratado volumoso”. Houve Cabette, em meio à essa saraivada de críticas, por tratar o cuidado ato do Conselho Federal da OAB como uma “aberração”, muito embora reconhecesse não se poder tê-lo como a primeira monstruosidade, produzida nestes mesmos moldes, a conspurcar a investigação criminal no Brasil, posto que anteriormente um simples ato administrativo já havia disciplinado a, por assim dizer, “investigação acusatória” entre nós. E à vista dessa inconteste realidade, coube ao articulista antecipadamente lamentar:

"O Provimento 188/18 CFOAB constitui mais uma aberração a exemplo da Resolução 182/17 CNMP, mas as chances de sua corroboração pelo STF são, infelizmente, enormes, tendo exatamente como precedente a ousadia ministerial que resultou numa chancela da Suprema Corte Brasileira à violação da legalidade e da constitucionalidade."

Diante dessa conjuntura, não contraposta por  Aury Lopes Jr., Alexandre Morais da Rosa e Gabriel Bulhões, é de se convir que, desse modo, ora parece coexistir, no processo penal brasileiro, investigações criminais de duas distintas naturezas, a saber, uma de caráter acusatório e oficial, levada a efeito pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária, e outra de índole defensiva e particular, a cargo, como dever ou possibilidade, dos advogados. Também supostamente, cada uma dessas investigações serviria aos estritos propósitos institucionais de seus autores, remetendo definitivamente a decantada busca da verdade – outrora concebida como matéria prima essencial para a edificação da justiça – para as plagas da utopia.

Com efeito, exsurge de interesse, nesse plano, descobrir a que justos fins se prenderiam tais apurações, pois se de um lado o agente público do parquet ou da polícia está constitucionalmente adstrito a uma série de princípios reitores de sua atuação (moralidade, impessoalidade, indisponibilidade do interesse público, razoabilidade etc.), de outro é de se ter em mente que tais amarras não prendem, na mesma medida frise-se, o advogado, uma vez que se é verdade que este profissional é indispensável à administração da justiça (art. 2°, caput, da Lei n° 8.906/04), e também que, no seu ministério privado, presta serviço público e exerce função social (§ 1°), é igualmente certo que o seu efetivo compromisso verte-se na postulação de decisão sempre favorável ao seu constituinte (§ 2°).

Assim, é de se ponderar que enquanto assiste ao Ministério Público deixar de denunciar o investigado, quando evidenciado inocente no âmbito de suas apurações ou daquelas realizadas pela Polícia Judiciária, ao advogado que, no exercício da investigação defensiva, vier a concluir pela culpa do seu constituinte, descaberá a adoção de medida simétrica, assim na medida em que se acha vinculado ao dever imposto pelo art. 21 do Código de Ética e Disciplina da OAB [10], que lhe impõe “assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado”. Nesse diapasão, parece ter relevo perquirir, certamente em exercício hipotético, mas considerando a moralidade pública mencionada no art. 2° do citado Código, o que haveria de ser feito com a prova incriminadora obtida pelo defensor em suas próprias investigações?

Neste ponto, de bom alvitre trazer à consideração a advertência de André Augusto Mendes Machado (2009, p.79), atinente à inexistência de igualdade no tratamento igualitário dispensado a desiguais:

Acusador e acusado realmente estão em posições desiguais na persecução penal, pois aquele possui o aparato estatal para ampará-lo. enquanto este deve contar com as suas próprias forças. No entanto, de tal circunstancia não se infere a ausência de paridade de armas no processo penal; ao contrário, depreende-se a necessidade de se garantir o equilíbrio de oportunidades entre as partes para demonstrarem as suas teses. Por isso, em algumas situações, pode haver o tratamento diferenciado da parte mais fraca, para compensar a sua posição mais frágil na persecução penal.

No tocante à suposta imparcialidade da Polícia Judiciária, tópico tão caro a Hoffmann, Fontes e Cabette, cabe não se esquecer que essa atividade - em boa e democrática teoria desvinculada tanto da acusação, quanto da defesa -, cumpre, a teor do § 2° do art. 140 da Carta Paulista, papel “instrumental à propositura da ação penal”, ao passo que o inquérito que produz, segundo recente decisão do STF, “é peça destinada à formação da opinio delicti do órgão acusatório” (Pet 7612/DF, rel. Min Edson Fachin, 2ª Turma, julgamento em 12.03.2019)!

Assinale-se, por fim, que Lopes, Morais da Rosa e Bulhões não creem que a eficácia da investigação defensiva foi garantida apenas com a publicação do Provimento n° 118, reclamando, doutra sorte, para o futuro, uma série de providências complementares, assim exemplificadas:

"i) da criação de manuais deontológicos e de boas práticas profissionais; ii) de certificação específica para formação da advocacia investigativa; e, principalmente, iii) da edição de uma lei que sedimente e amplie as prerrogativas da advocacia a partir da visão da investigação defensiva." (negritado)

5. Considerações Finais.

É de se crer, enfim, que as breves notas acima colecionadas bem se prestam a auspiciar a finalidade neste modesto trabalho engendrada, relacionada ao intento de patrocinar o estudo e o debate da investigação defensiva e, por essa via, ajudar a encontrar caminhos para a otimização do processo penal pátrio, cuja induvidosa precariedade mui provavelmente se trate do único ponto de efetiva concordância de todos os doutos autores ora citados, bem assim da esmagadora maioria daqueles que que possuem interesse e/ou atuam nessa tão espinhosa, quanto fundamental área. 

REFERÊNCIAS.

AZEVEDO, André Boiani e, BALDAN, Édson Luís. A preservação do devido processo legal pela investigação defensiva: ou do direito de defender-se provando. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.11, n.137, p. 6-8, abr. 2004.

BULHÕES, Gabriel. Investigação defensiva e a busca da paridade de armas no processo penal. Boletim IBCCRIM n° 305, abril/2018, p. 7-9.

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. A polêmica sobre a investigação defensiva. Disponível no site JusBrasil - https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/671168109/a-polemica-sobre-a-investigacao-defensiva – edição de 05.2.2019. Acssado em 15.4.2019.

HOFFMANN, Henrique; FONTES, Eduardo. Advogado não pode fazer investigação criminal defensiva. Disponível no site Consultor Jurídico - https://www.conjur.com.br/2019-jan-29/academia-policia-advogado-nao-realizar-investigacao-criminal - edição de 15.4.2019. Acessado em 08.5.2019.

LOPES Jr, Aury; MORAIS DA ROSA, Alexandre Morais da Rosa; BULHÕES, Gabriel.  Investigação defensiva: poder-dever da advocacia e direito da cidadania. Disponível no site Consultor Jurídico - https://www.conjur.com.br/2019-fev-01/limite-penal-investigacao-defensiva-poder-dever-advocacia-direito-cidadania - edição de 1°/2/2019. Acessado em 15.4.2019.

MACHADO, André Augusto Mendes. A Investigação Criminal Defensiva. Dissertação de mestrado, elaborada sob a orientação do professor Antonio Scarance Fernandes, disponível em https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-27082009-114835/publico/Andre_Augusto_Mendes_Machado_Dissertacao.pdf. Acessado em 20.2.2019.

MALAN, Diogo. Investigação Defensiva no Processo Penal. Doutrinas essenciais: Direito Penal e Processo Penal. BADARÓ, Gustavo Henrique (org.). São Paulo:  Editora RT, vol. VI,  2015, p. 389-418.

MENDES JÚNIOR, João. O processo criminal brasileiro, Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1901, p. 24.

SOUZA, José Barcelos de. Poderes da defesa na investigação e investigação pela defesa. Disponível no site Migalhas - https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI8498,41046-Poderes+da+defesa+na+investigacao+e+investigacao+pela+defesa – edição de 02.12.2004. Acessado em 20.2.2019.

TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal. 2ª ed. rev. e atual.. São Paulo: RT, 2004, p. 105.


[1] Mestre em Direito. Professor da Faculdade de Direito de Sorocaba – FADI e da Universidade Paulista – UNIP, campus Sorocaba. Professor da Academia de Polícia “Dr. Coriolona Nogueira Cobra”, do Estado de São Paulo. Advogado. Delegado de Polícia aposentado. 

[2] Vide, nesse sentido, alguns decepcionantes acórdãos do STF: HC 73.898-2-2 e RE 166.239.

[3] “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. DJe nº 26, p. 1, em 9/2/2009.

[4] Essa inovação legislativa serviu, em especial, a alterar e introduziu incisos no art. 7° da Lei n° 8.906/74, ampliando e robustecendo os direitos dos advogados, notadamente em face da investigação criminal.

[5] Sobre o tema vide também artigo de Gabriel Bulhões, “Investigação defensiva e a busca da paridade de armas no processo penal”, publicado no Boletim IBCCRIM n° 305, edição do mês de abril de 2018, p. 7-9.

[6] Tradução livre do site da AMERICAN BAR ASSOCIATION. Fourth Edition of the Criminal Justice Standards for the Defense Function. Part IV. Disponível em https://www.americanbar.org/groups/criminal_justice/standards/DefenseFunctionFourthEdition/ Acessado em 08.5.2019.

[7] Vide https://www.ibccrim.org.br/evento/390-Teoria-e-Pratica-da-Investigacao-Criminal-pelo-Defensor.

[8] Vide https://investigacaodefensiva.com.br/ibccrim-conselho-pleno-da-oab-aprova-resolucao-que-regulamenta-investigacao-defensiva/.

[9] Vide https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/SEGURANCA/573884-CAMARA-CRIA-COMISSAO-ESPECIAL-PARA-ANALISAR-NOVO-CODIGO-DE-PROCESSO-PENAL.html  e https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1638152&filename=PL+8045/2010.

[10] Publicado no Diário da Justiça, Seção I, do dia 01.03.95, pp. 4.000/4004.

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