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Natureza jurídica da quilometragem paga pela empresa a seus empregados

Agenda 11/07/2019 às 18:00

Palavras-chaves: Imposto de renda; fato gerador; empregados; despesas

Sumário: 1. Consulta. 2. Parecer. 2.1. Do fato gerador do imposto sobre a renda. 2.2. Da natureza indenizatória da quilometragem paga pela consulente. 2.3. Da necessidade de alterar a sistemática adotada pela consulente. 2.4. Respostas aos quesitos.


1.Consulta

A consulente, por meio de seu advogado, pede o nosso parecer acerca do procedimento correto a ser adotado no pagamento do valor da quilometragem rodada a seus empregados, considerando que a empresa vem procedendo a retenção do Imposto sobre a Renda na Fonte.

Formula os seguintes quesitos:

1 – Qual a natureza jurídica do valor da quilometragem paga?

2 – Caso seja alterada a sistemática vigente de retenção do IR existe a possibilidade de autuação pelo Fisco?


2. Parecer

2.1. Do fato gerador do imposto sobre a renda

Trata-se de pagamentos feitos a empregados, a título de ressarcimento das despesas, decorrentes de  utilização de veículo individual a serviço da empresa consulente.

Cuida-se de identificar a natureza jurídica desse pagamento. Se representar salário, a consulente estaria correta no seu procedimento de reter o IR. Vejamos.

O fato gerador do imposto sobre a renda está definido no art. 43 do CTN:

“Art. 43 – O imposto de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.

A obrigação tributária surge com a aquisição de disponibilidade econômica  ou jurídica de renda ou proventos  de quaisquer natureza.

Proventos são os acréscimos patrimoniais  que não são abrangidos pela renda, na dicção do inciso II do citado artigo 43. E renda  é o produto do capital, do trabalho ou de combinação de ambos.

Logo, o Código Tributário Nacional adotou o conceito de renda acréscimo. Não se cogita de renda  aonde não haja acréscimo patrimonial.

Quando a Constituição Federal, em seu art. 153, inciso III, outorgou competência impositiva à União para, privativamente, instituir o imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza, não deu margem ao legislador ordinário para definir, a seu talante, o que seja renda e proventos de qualquer natureza. Do contrário, de nada adiantaria a rígida discriminação constitucional de impostos que, de um lado, confere exclusividade de tributação pela entidade política contemplada e, de outro lado, coibe a ação das demais entidades políticas não contempladas. São os aspectos positivo e negativo  da discriminação constitucional de rendas tributárias.

Assim, o conceito de renda acréscimo  que deflui do art. 43 do CTN, editado com fundamento no art. 146, III, “a” da Constituição Federal, é absolutamente vinculante. Descabe ao legislador ordinário, através da técnica de ficção jurídica, considerar como renda, aquilo que não o é na acepção do Código Tributário Nacional.

Logo, o fato gerador do imposto de renda, levado em conta pelo CTN, é o acréscimo patrimonial. E acréscimo patrimonial outra coisa não é, em termos de linguagem comum, senão a riqueza nova que vem acrescer o vulto do patrimônio preexistente. Esse conceito pertencente ao direito privado, utilizado para definição de competência impositiva da União, é insuscetível de modificação pela legislação tributária. É o que prescreve o art. 110 do CTN:

“A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.

2.2 Da natureza indenizatória da quilometragem paga pela consulente

Se o pagamento é feito a empregados para  ressarcir as despesas de locomoção, por condução própria, a serviço da empresa, não há que se cogitar de natureza salarial, pois, esse fato escapa do conceito de renda acréscimo. Nada mais representa esse pagamento do que reposição do patrimônio desfalcado do empregado.

Daí porque tem decidido a jurisprudência de nossos tribunais que esse pagamento tem natureza indenizatória e não, natureza salarial:

“EMENTAAJUDA – QUILOMETRAGEM – NATUREZA.

A ajuda-quilometragem, que se traduz em reembolso de despesas com combustível, em serviço, tem natureza indenizatória, não integrando o salário, ante os termos do artigo quatrocentos e cinquenta e sete, parágrafo segundo, da CLT. Recurso provido” (RR. nº 67676, TST, Rel. Min. Vantuil  Abdala, DJ de 08/04/94, p. 7.400).

“EMENTA – VERBA QUILOMETRAGEM  - NATUREZA SALARIAL.

Não integra o salário verba paga a título de quilometragem, mesmo que mensalmente, eis que seu objeto é ressarcir despesas de veículo do empregado na execução de seu serviço, e não um pagamento pelo serviço prestado tendo, portanto, a parcela, natureza meramente indenizatória” (RR. nº 264126, TST, Rel.Min. Carlos Alberto Reis de Paula, DJ de 27/11/98, p. 204).

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“EMENTA – AJUDA DE CUSTO ALIMENTAÇÃO E QUILOMETRO RODADO – NATUREZA JURÍDICA.

A ajuda de custo alimentação e ressarcimento por quilometro rodado tem natureza indenizatória. Desta forma, estas parcelas não integram o salário do empregado” (RR. nº 141412, TST, Rel. Min. João Tezza, DJ de 16/02/96, p. 3202).

Algumas decisões judiciais em sentido contrário resultam da verificação da situação fática de cada caso. É óbvio que se a empresa pagar, habitualmente, a seus empregados o “reembolso de quilometragem”, sem a efetiva comprovação da despesa realizada, aquela verba paga passa a ter natureza salarial, sendo absolutamente irrelevante o nomen iuris  dado.

É o que se verifica do  acórdão, cuja ementa vai abaixo transcrita:

“EMENTA.

1.REEMBOLSO.   QUILOMETRAGEM. NATUREZA.

Considerando que os documentos apresentados às fls. 29/31, consoante ressaltado pelo Regional, demonstram que a Reclamada conferia, habitualmente, ao Reclamante taxa de reembolso por quilometro rodado, independentemente de qualquer despesa realizada ou comprovada, a referida parcela ora em discussão possui natureza salarial por caracterizar “plus” na remuneração do Autor. Deste modo, entende-se que a parcela paga ao Reclamante ajusta-se perfeitamente ao disposto no § 1º do artigo 457 da CLT, o qual discrimina as parcelas que integram o salário do empregado.

Revista conhecida, mas a que se nega provimento.

2.DIFERENÇA NOS REPOUSOS SEMANAIS REMUNERADOS SOBRE COMISSÕES.

A verba “bonificação”, por visar a premiar o empregado como retribuição e incentivo à produção, possui natureza salarial. Deste modo, deve tal bonificação repercutir na remuneração do repouso semanal remunerado.

Revista conhecida, mas a que se nega provimento” (RR. nº 105302, TST, Rel. Juíza Convocada Eneida Melo, DJ de 07/12/00, p. 760) .

2.3. Da necessidade de alterar a sistemática adotada pela consulente

Por cautela, convém disciplinar, no âmbito da consulente o pagamento dessas despesas, estipulando o valor por quilometro rodado a ser pago, bem como sujeitando o empregado destinatário desse pagamento à prévia apresentação de relatório da viagem com comprovação das despesas realizadas.

Impõe-se, dessa forma, a alteração da sistemática vigente na consulente a fim de que, doravante, deixe de efetuar a retenção do imposto de renda na fonte sobre os pagamentos feitos à título de reembolso da quilometragem rodada. O equivocado procedimento da retenção do IRF poderá ensejar a exigência indevida da contribuição social, inclusive do SAT, sobre os valores pagos a empregados da consulente, a título de ressarcimento de despesas.

2.4. Respostas aos quesitos

1 – Qual a natureza jurídica do valor da quilometragem paga?

R: O valor da quilometragem paga pela consulente a seu empregado tem natureza indenizatória, insusceptível de tributação pelo imposto de renda.

2 – Caso seja alterada a sistemática vigente de retenção do IR existe a possibilidade de autuação do Fisco?

R: A possibilidade sempre existe, contudo, não é provável que venha ocorrer  a autuação que, se concretizada, poderá ser invalidada por qualquer medida judicial que comporte provimento antecipado ou preventivo. Na verdade, os empregados que tiveram o imposto retido na fonte, em tese, têm o direito de repetição contra o fisco federal.

É o nosso parecer s.m.j.

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Informações sobre o texto

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