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A nova incursão das polícias comunitárias na América Latina (Tradução)

Agenda 15/07/2019 às 14:04

Tradução do artigo “La nueva incursión de las policias comunitarias en Latinoamerica” de autoria de Roberto Carlos Barrera, de língua espanhola para portuguesa. Link do texto original: http://www.pensamientopenal.com.ar/system/files/2018/10/doctrina47053

A nova incursão das polícias comunitárias na América Latina.

¹ Roberto Carlos Barrera

² tradução por Matheus Maciel 

No amanhecer de um novo século, uma nova ordem social prevalece, imperando nas sociedades do mundo, com grandes avanços tecnológicos, uma comunidade internacional de maioria global com fortes laços comerciais onde os mercados econômicos são amplamente influentes nas políticas de cada Estado.  O século passado deixou grandes crimes por parte de diferentes Estados totalitários, o que levou à prática de diferentes violações ou transgressões ao Estado de Direito, como crimes que ofenderam e feriram a humanidade como um todo, por isso, se legislou de maneira conjunta, e com o mesmo espírito de justiça para que esses genocídios não voltassem a acontecer.

Seguindo essa mesma ordem, esses fatos mencionados eram cometidos, em geral, pelas Forças Armadas, em conjunto com alguns partidos políticos desses países, uma vez que eles foram instalados no poder de maneira democrática ou através de golpes de Estado. Fica claro que estes métodos de governança tornaram o Estado de Direito restrito e, na maioria dos casos, eliminados por completo, causando um poder centralizado e tirânico.

Na América Latina, golpes ocorreram principalmente no Cone Sul - Argentina, Chile, Uruguai, Bolívia, Paraguai, Brasil, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela - e na América Central - República Dominicana, Nicarágua. Algumas dessas ditaduras foram contemporâneas, tornando possível um esquema de extermínio transnacional. Através de acordos secretos, as Forças garantiam a perseguição dos inimigos, como é o caso do chamado "Plano Condor", no qual a coordenação e informação era dirigida pela Agência Central de Inteligência estadunidense (CIA). Esta agência não apenas coordenava como também conspirava para os golpes dos estados, sem deixar de lembrar que isso acontecia dentro de um contexto geopolítico em que se desenvolveu a chamada Guerra Fria e, para isso, os Estados Unidos formaram um centro de treinamento denominado Escola das Américas. Uma vez que as ditaduras foram levadas adiante pelas Forças Armadas, esses grupos militares - com a cumplicidade de partidos políticos e de uma aristocracia seleta da sociedade, a exemplo de empresários, da Igreja Católica, de corporações sindicais e alguns outros grupos -, governavam os países, concentrando os três poderes da República em uma Junta Militar, intervindo de forma radical e violenta nas diferentes entidades do Estados; centralizados, descentralizados ou autárquicos, nada escapava dessa modalidade de ataque. Estas intervenções nos diferentes organismos e poderes, em geral, não tinham como consequência apenas crimes, tortura, roubos e outros crimes para a população, mas também uma grande depressão econômica, inflação, crescimento de déficit fiscal, desemprego, queda do PIB, queda nas exportações, abertura das importações, fechamento de fábricas e poderíamos continuar descrevendo as medidas econômicas e sociais que produziram ferimentos graves para as economias internas e regionais.

Depois de analisarmos um contexto político do século XX, voltaremos à criação de duas Forças de Segurança, particularmente na Argentina. Uma delas é a Prefeitura Naval da Argentina, criada para o patrulhamento e cuidados de rios e do mar do país, resguardando a vida dos marinheiros assim como o patrimônio em que se encontram; e a outra Força de Segurança que mencionaremos é a Gendarmería Nacional Argentina, que tem como missão a proteção das fronteiras, de rotas nacionais ou provinciais, Missões de Paz sob o comando da ONU, proteção de mandatários, etc. Escolhemos essas duas forças porque são as que mais representam o que as Forças Armadas fizeram com as Forças de Segurança. A Armada Argentina, no começo, a partir de sua criação gradual, em 1810, sempre travou grandes batalhas navais contra ataques externos, sendo que um dos mais comemorados foi o chamado "regresso forçado"; e sempre desempenhou um  papel muito forte na vida institucional da Argentina. É por isto que é criada a Prefeitura Naval Argentina como uma Força de Segurança dependente da Marinha do país - para cumprir o que eles consideravam ser uma tarefa menor, a exemplo do poder policial nos rios internos e o patrulhamento do mar argentino. Esta criação foi formalizada por meio de uma lei de 1969, também devendo mencionar que foi durante uma ditadura militar (presidente Juan Carlos Ongania) que esta lei foi promulgada e também que, com o passar do tempo, sofreu muitas modificações. 

No que tange ao Exército Argentino, também criou uma força de segurança complementar para desenvolver o que julgavam ser tarefas menores, como a proteção das fronteiras; para isto, foi criada a Gendarmería Nacional Argentina, sendo que esta nova força foi criada (em 1938) por lei em um governo conservador que havia apoiado golpes militares.

Houve ainda uma criação particular que foi a PAN, a antiga Polícia Aeronáutica Nacional, uma força criada pela Força Aérea Nacional para exercer o poder de polícia nos aeroportos nacionais e internacionais. Aqui, a deixamos de lado porque recentemente foi profundamente reformada (para não dizer dissolvida) e seus integrantes tiveram a opção de continuar na Força Aérea ou serem integrados a uma nova força, a Policia de Seguridad Aeroportuaria, subordinada ao Ministério de Segurança da Nação Argentina. Agora, tornamos essas Forças de Segurança subordinadas ao atual Ministério de Segurança da Nação (ex-Ministério da Defesa), o que mostra o que aconteceu com todas as polícias na América Latina e qual foi a conseqüência que até hoje é vigente na estrutura das polícias. A criação dessas forças policiais foi estruturada à imagem e à semelhança das Forças Armadas; os policiais tinham oficiais que eram integrantes das Forças Armadas, que ignoravam os controles naturais, e os comandantes das Polícias Provinciais ficavam responsáveis pela arma que usariam, o que significa dizer que, durante as ditaduras militares, os órgãos que seriam dominados eram repartidos. A influência e intervenção que os militares tiveram nas Forças de Segurança deixaram uma impressão negativa até os dias de hoje.

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O objetivo dos oficiais era militarizar, aumentar o poder de ação para atuar não só na repressão interna em cada país, mas também se buscava um apoio logístico para a implantação em todo o território nacional. Para este processo de militarização, foram criadas leis com o objetivo de derrubar o espírito militar nas forças policiais; um exemplo é a Polícia Federal Argentina, que, em sua Lei Orgânica, a qual estabelece faculdades, funções,prisões e dependências; foi durante a ditadura militar que foram criadas a .Lei para Pessoais 21965 e o decreto regulamentar 1866/83. Naquela época, todos os poderes sofriam com intervenção e o Legislativo Nacional não era exceção, portanto, essas duas foram o produto do Comitê Consultivo Legislativo (CAL), que era composto por três membros de cada uma das Forças Armadas, sendo eles os responsáveis pela elaboração de leis; esta é a expressão máxima da militarização na Polícia Federal argentina, já que não possui nenhuma de suas leis que regulam sua atividade na democracia.

Já vimos que a Prefeitura e a Gendarmería Nacional também foram criadas por leis de governos pouco democráticos ou de ditaduras. É doloroso reafirmar que quase todas essas leis que estabelecem funções, organogramas, etc., ainda são válidas na Democracia. Devemos também considerar que as medidas mais extremas existentes nessas leis foram revogadas por outra lei ou por resoluções ministeriais, mas não soluciona a questão fundamental de erradicar esse espírito de militarização.

A volta das democracias para a América Latina encontrou, como saldo, que as polícias que eram totalmente disciplinadas e subordinadas a um poder militar e respondiam a uma Doutrina de Segurança do Estado adquirida na Escola das Américas, que esteve nessas dependências por muitos anos, foram totalmente removidas do cumprimento da Segurança Pública e Cidadã, antes que isso ainda possa ser visto em sua formação que ainda continua, agora vamos dar certas circunstâncias que vão exemplificar o que dissemos até aqui; 

É muito comum que as polícias chamem a certas dependências pelo prenome corpo, a exemplo de Corpo de Polícia Montada, Corpo de Infantaria, Corpo de Grupos Especiais e assim poderíamos continuar citando. Essa denominação diz respeito à distribuição geográfica que o Exército Argentino tinha em todo o território nacional: Primeiro Corpo do Exército, Segundo Corpo do Exército, Terceiro Corpo do Exército. 

Outro aspecto é o das hierarquias ou do escalonamento que existem nas polícias, chamados de listas de oficiais e suboficiais, respondendo a uma ordem vertical dominante nas Forças Armadas. Nos países anglo-saxões, essa hierarquia não existe, uma vez que existe um sistema de promoção por mérito e/o de capacidade, todos estando na mesma hierarquia.

Outro elemento que foi transplantado para a polícia foi a capelania:  esse corpo religioso militar (lembre-se que a Igreja Católica apoiou incondicionalmente as ditaduras militares) gera uma grande despesa de recursos públicos, já que os sacerdotes que pertencem ao clero das polícias têm hierarquias equivalentes aos oficiais superiores, com salários semelhantes aos recebidos pelos cargos de chefia, eles são encarregados de "conter espiritualmente os membros", esta medida é totalmente totalitária e contrária à nossa Constituição, que garante que cada habitante tem o direito de professar livremente seu culto. As Forças impõem a religião católica aos seus membros, de forma semelhante ao  que fazem os colonizadores da América quando trouxeram "Salvação" aos povos nativos. Nós poderíamos continuar citando circunstâncias diferentes que evidenciariam a formação que as Forças Armadas deixaram sobre as forças de segurança, mas esta estrutura teve como resultado polícias militarizadas totalmente repressivas e com poder de fogo, em alguns casos, superiores às Armas do Estado , gerando muitos casos de excessos em suas funções e tornando-se parte do problema da insegurança que cresce nas grandes cidades. 

Deve-se recordar da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso José Angel Alvarado/ c Estado de México/ s Desaparecimento Forçado. 

A Corte faz uma análise, em sua sentença, e ordena ao estado mexicano que não confie as tarefas de segurança interna às Forças Armadas, já que elas não estão capacitadas para esta atividade. Essas instituições foram criadas para combates bélicos de grande magnitude e não para realizar operações de segurança interna de um país, sendo que, desde que teve início a intervenção militar em assuntos internos, a taxa de homicídios havia crescido de forma significativa, mostrando que ter mais poder de fogo não é sinônimo de mais segurança, pelo contrário, de grave violação dos Direitos Humanos. Isto foi algo que os governos democráticos observaram em consenso com todas as medidas que vinham tomando para reduzir o nível de nocividade das polícias, adotaram a doutrina da Polícia Comunitária ou de Proximidade. Esse tipo de dogma é uma nova visão de fazer tarefas preventivas e intervenção antes do crime por parte das Forças de Segurança, na qual seus membros têm uma comunicação fluida e conhecimento das condições sociais, com os habitantes de uma determinada comunidade, podendo ter uma resposta personalizada; nesta mesma doutrina, também existe uma grande participação de políticas de gênero, articulando-se com vários órgãos estaduais de caráter social, o que gera grande confiança das pessoas; neste mesmo caminho, são realizadas reuniões comunitárias com o objetivo de escutar os habitantes, em alguns estados, existe uma comunicação constante através das redes sociais, são ministrados cursos de primeiros socorros, palestras em escolas sobre questões de segurança cidadã; tudo isso faz com que os membros das forças policiais tenham uma proximidade genuína com as pessoas, dentro desse esquema a polícia recebe treinamento especial .

Anteriormente, citamos o caso de Alvarado/c Estado do México, quando o Exército cometeu crimes contra a humanidade, agora vamos voltar a falar do país mexicano - mais precisamente, da cidade de Morélia, capital de Michoacán, onde há alguns anos se implementou a visão do policiamento comunitário, e que, segundo as autoridades, a taxa de homicídios caiu 18% em 2017 em relação a 2016 e, em diferentes aspectos, os moradores disseram que se sentiam mais seguros. O governo federal mexicano já planeja implementar isso a nível nacional; as vozes mais críticas dizem que não é viável que esse método de segurança consiga combater o crime organizado e  o tráfico de drogas, mas essa política de segurança comunitária acrescenta um fator fundamental que nenhum outro tem, que é a participação ativa dos habitantes. Obviamente, o crime organizado tem que ser investigado por departamentos específicos. O desempenho dessa nova areduzbordagem, que os níveis de danos ou prejuízos advindos da polícia com vestígios militares das ditaduras latino-americanas, de modo informativo tem chegado a outros países: Brasil (2008), Uruguai (2005), Chile (2001), Argentina (2011), Equador (2004), México (2015), Nicarágua (2007) etc.

O século XX colocou a segurança interna de seus habitantes em polícias completamente afastadas da sociedade, mas próximas e dominadas pelas Forças Armadas, tendo como foco principal a Segurança do Estado. Neste século XXI, houve uma importante mudança na questão da polícia institucional, ao compreender que a segurança interna de um país deve obedecer às demandas de seu povo, uma segurança pública cidadã que tem como resposta a confiança e o apoio da sociedade.

² Matheus Maciel é Advogado, Especialista em Direito Processual Civil e Assessor Especial da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas.

Sobre o autor
Matheus Queiroz Maciel

Advogado, Assessor da Prefeitura Muncipal de Lauro de Freitas, Especialista em Direito Processual Civil e Mestrando em Saúde, Ambiente e Trabalho pela UFBA

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