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A prostituição: Direitos Humanos de quem? (Tradução)

Agenda 15/07/2019 às 14:07

Tradução do artigo “La prostitución. Derechos humanos, ¿ de quién?” de autoria de Silvia Chejter. Link do texto original: http://www.pensamientopenal.com.ar/system/files/2016/12/doctrina44631.pdf

A prostituição: Direitos humanos de quem?

¹ Silvia Chejter

² tradução por Matheus Maciel 

O que significa abordar a prostituição a partir de uma perspectiva de Direitos Humanos? Direitos humanos de quem? Daqueles que pagam? Das que são prostituídas? Daqueles que lucram com a prostituição alheia, de modo direto ou indireto? É um direito humano prostituir? Ou ser prostituída/do?

Nos últimos anos, investiguei alguns aspectos do sistema de prostituição. Em 1998-1999, fiz uma pesquisa a pedido da Unicef sobre a prostituição infantil e, em anos mais recentes, sobre políticas públicas relacionadas, e sobre homens que pagam por sexo ou prostitutas, geralmente chamados de "clientes". Li muito sobre os debates contemporâneos que geram controvérsias, geralmente centrados nos regimes políticos legais da prostituição (abolicionismo, regulacionismo, proibicionismo). É justamente nesses debates  que o discurso dos direitos humanos foi incorporado, ao que recorrem tanto os regulamentaristas quanto os que propõem a legalização, como os abolicionistas, que consideram a prostituição como uma forma de violência contra a mulher. 

Pessoalmente, sou abolicionista, uma posição que assumo como socióloga, como cidadã e como militante feminista. E, como tal, rejeito a crítica que os setores que detêm outras posições fazem ao abolicionismo: que o abolicionismo não defende os direitos das pessoas prostituídas. No entanto, o direito das pessoas prostituídas não é sinônimo do "direito à se prostituir".

Kathleen Barry, uma socióloga americana, foi uma das primeiras, senão a primeira, a usar o discurso dos direitos humanos na década de 1970 como uma estratégia para promover não apenas o direito das mulheres à autodeterminação, mas também incluir a prostituição como uma violação dos direitos humanos. 

Em seu livro The prostitution of sexuality, ela reflete sobre esse tema e relata que levou duas décadas para desenvolver uma estratégia baseada no conceito de direitos humanos, uma ideia que surgiu quando ela escreveu seu primeiro livro sobre escravidão sexual, em meados dos anos 70, que permitiu que ela descobrisse como a prostituição revelava completamente a condição de classe de todas as mulheres.

"Apelar para os direitos humanos para mim foi fortalecer os direitos das mulheres como uma classe, como uma condição coletiva, proteção que ainda não era reconhecida para as mulheres. A descolonização da exploração sexual das mulheres como classe ainda não havia começado. (...) Eu tentei que as mulheres fossem reconhecidas como um território sexual colonizado que exigia proteção, (...) queria que a exploração sexual viesse a ser conhecida, de acordo com os padrões de direitos humanos estabelecidos pelas Nações Unidas para os outros grupos. Queria que a exploração sexual fosse tratada como um crime contra a humanidade, bem como contra um ser humano individual" (tradução livre). Em 1994, Kathleen Barry promove uma convenção internacional contra a exploração sexual, proposta que ela mesma escreve, e que é o último capítulo de seu livro The prostitution of sexuality, no qual ela define e diferencia as diferentes formas de exploração sexual. Quanto à prostituição, define no art. 3. como "o uso do corpo das mulheres como uma mercadoria que pode ser comprada, vendida, trocada, não apenas por dinheiro, e que inclui prostituição casual, rua, militares, de bordéis, pornografia, turismo sexual e mercado de namoradas ou esposas por correspondência ".

Prostituição e Sociedade

Passaram mais de vinte anos desse projeto, que deu lugar a uma campanha internacional promovida pela CATW (Coalizão Contra o Tráfico de Mulheres) criada alguns anos antes, mas que não foi implementada. Para as próprias organizações de direitos humanos, a questão não tem sido ou não é o tema de suas agendas, exceto ocasionalmente. Até poucos anos atrás, essa não era uma questão central na agenda política dos movimentos feministas, em parte porque, nos anos 80 e 90, suas ações visavam tornar visível e reconhecer outras formas de violência contra as mulheres (violências em casais, abusos sexuais e estupros, assim como discordâncias ideológicas e políticas em torno a política de prostituição).

Mais recentemente, nos últimos anos, o assunto tem sido incorporado de maneira mais sistemática à agenda feminista internacional e nacional, apesar de ainda seguir sendo objeto de controvérsias. Neste artigo proponho revisar, embora de maneira muito parcial, por razões óbvias de espaço, as visões sociológicas, nas quais diferentes conceitualizações podem ser identificadas, das quais derivam as propostas políticas. Uma leitura de textos clássicos permite afirmar que tampouco tem sido um tema de interesse para as ciências sociais. Foi necessário esperar que os estudos feministas entrassem na academia para que finalmente alguma investigação sociológica pudesse ser iniciada. Uma rápida olhada na produção sociológica recente mostra um crescente interesse no fenômeno, com predomínio de estudos etnográficos, baseado ementrevistas com mulheres e travestis prostituídas e quase sempre voltadas para a coleta de suas vidas, experiências, representações, etc. A maioria se limita à prostituição de rua, aos circuitos mais pobres; ou são estudos sobre o tráfico de seres humanos, um assunto que eclipsou outras dimensões do problema. Estes últimos baseiam-se principalmente em julgamentos judiciais. Os estudos estatísticos são escassos e até grotescos porque, na ausência de dados, fazem estimativas cujas diferenças são muitos milhões de pessoas. Da mesma forma, são divulgadas estimativas sobre os lucros bilionários das organizações de prostituição sem certos dados. Isso revela a dificuldade em fazer pesquisas, mas também a falta de interesse, a falta de financiamento e assim por diante.

Uma visão geral revela que a sociedade não tem esse problema associado aos direitos humanos e, nos últimos anos, os discursos sociais se concentraram no tráfico de mulheres, com um efeito ideológico que tem se convertido a prostituição em um problema secundário isolando-o do tráfico, separação que contradiz as lógicas da realidade do bordel, já que o tráfico é nada mais do que uma das formas mais frequentes ou generalizadas de recrutamento de mulheres para serem prostitutas.

A maioria das pessoas prostitutas são mulheres pobres, pessoas com sexualidade socialmente desqualificada (em geral feminizadas, exceto gigolôs) e imigrantes de países pobres.

Definições

Considerar seriamente a prostituição como uma questão de direitos humanos nos leva um passo além dos habituais debates para nos concentrarmos na discussão sobre prostituição como uma prática, e não apenas sobre regimes legais, os controles de saúde, as formas de recrutamento, os critérios de aceitabilidade, as cumplicidades institucionais ou políticas, para mencionar tópicos que persistem no debate público há décadas. De uma perspectiva sociológica, colocam-se em jogo definições e enquadramentos que, sem dúvida, estão inseridos em diferentes propostas e propostas políticas, ainda que, paradoxalmente, seja notório que as práticas de prostituição sejam defendidas por posições tanto conservadoras quanto progressistas.

As definições e as argumentações do campo sociológico e de outras ciências sociais articulam, embora de diferentes formas, sobre a dimensão econômica e sexual da prostituição, duas dimensões que estão sempre presentes. Embora na literatura sociológica existam quase tantas definições quanto autorias, existem pelo menos duas grandes correntes.

Mesmo correndo o risco de simplificar, existe uma corrente que define a prostituição como uma troca de sexo por dinheiro, fruto de um acordo livre ou contrato entre duas pessoas, em que uma das pessoas paga outra por sexo. Nessa corrente, às vezes é explícito que são os homens que pagam e as mulheres que fazem sexo, como a definição proposta pela criminologista canadense Colette Parent: "prostituição se refere a serviços sexuais heterossexuais oferecidos por mulheres". Em outros casos, é implícito que sejam as mulheres que colocam sua sexualidade a serviço doshomens. Para Gail Pheterson, retornando à definição de Paola Tabet,” O intercâmbio de serviços sexuais para compensação financeira ou material pode ser caracterizado como prostituição ou também pode se integrar ao relacionamento conjugal. “(...) A existência de contínua trocas econômicas sexuais entre mulheres e homens é um fato de toda organização social entre culturas e ao longo da história" (tradução livre). 

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Da mesma forma, para o sociólogo francês Michel Maffesoli, a prostituição é uma forma de sociabilidade cuja função é "harmonizar os opostos e manter o equilíbrio cósmico e da sociedade (...) A prostituição de origem religiosa permite enfatizar que, além do individualismo, há mais ou menos um corpo coletivo, centralidade subterrânea que funda a durabilidade da sociabilidade". E quando fala sobre prostituição hoje, afirma que a prostituição "é a medida da confusão de corpos que se inscrevem em reciprocidade absoluta (...) o compartilhamento de mulheres por homens e homens por mulheres".

Não está claro a que sociedades ele se refere quando diz "reciprocidade absoluta". Já que não diz quando ou em que circunstâncias as mulheres trocam os homens. Embora Maffesoli estabeleça uma continuidade ou pontos comuns entre a prostituição sagrada e a prostituição contemporânea, outros autores enfatizam que a prostituição como a conhecemos hoje não ocorreu em todos os períodos, por exemplo, nas sociedades coletoras ou de caçadores, como explica Françoise Héritier, que argumenta que "requer a existência ao mesmo tempo dos estados, o desenvolvimento do comércio, das formas de artesanato e indústria, de coletividades mais amplas e de um certo desenvolvimento urbano". 

Por outro lado, Julia Varela afirma que "a institucionalização da prostituição ocorreu no final da Idade Média em íntima interdependência com o surgimento de uma sociedade em que a obra protegida do  que o trabalho protegido das corporações aparece como reverso da condição salarial. As prostitutas constituíram um dos primeiros grupos de empregados (...) que tiveram que  submeter-se a certas normas profissionais impostas pelos donos dos bordéis, isto é, pelas autoridades reais, religiosas e municipais".

Da segunda corrente, mencionaremos apenas dois autores que pesquisaram e publicaram textos quase clássicos sobre o assunto. A já mencionada Kathleen Barry, que em seu livro Sexual Slavery, esclarece: "Eu queria explicar o uso do sexo/sexualidade como poder, como dominação, como uma condição da opressão e não estava pensando especificamente sobre prostituição nesse momento. Pensava na opressão como uma condição de classe". Anos mais tarde, em 1995, quando escreve The prostitution of sexuality, ela se concentra totalmente no assunto. É quando ela define a prostituição como "o poder sexual em sua forma mais grave, global, institucionalizada e cristalizada (...) que torna as mulheres em objetos disponíveis, usáveis, ilimitadamente acessíveis (...) a prostituição é a forma mais extrema e cristalizada de exploração sexual, condição política e base da subordinação das mulheres".

Marie-Victoire Louis, um socióloga francesa, rejeita categoricamente que possa ser considerar como Direito Humano o direito de trocar sexo ou corpo de outra pessoa por dinheiro e assim como Barry, diz que a prostituição é um sistema dominação global, ao que ele denomina “sistema proxeneta” e define “como uma das manifestações da dominação patriarcal (...) sistema que organiza e legitima a disponibilidade do sexo/corpo de certos seres humanos, qualificados como prostitutas, mulheres na grande maioria dos casos, para outros seres humanos, homens em quase todos os casos". E continua: "sob o controle, a responsabilidade e o benefício dos Estados, de todos os Estados, incluindo os Estados que se dizem abolicionistas (e dos cafetões), que são as pessoas físicas e morais, que garantem potencialmente a todos os homens e efetivamente a todos os clientes a possibilidade, praticamente em todos os lugares, e sempre do acesso comercial a pessoas qualificadas de prostitutas" (tradução livre).

Tanto Marie-Victoire Louis quanto Kathleen Barry, embora enfatizem a subordinação/ exploração sexual, não ignoram o fato de que o poder sexual se cruza com o poder econômico ou a classe e com outros poderes: geracionais, étnicos, coloniais, para apontar os mais importantes.

Ao mesmo tempo, ninguém sabe que a maioria das pessoas prostituídas são mulheres pobres, pessoas com sexualidades socialmente de hierarquizadas (em geral feminizadas, exceto gigolôs), imigrantes de países pobres, assim como ninguém conhece a realidade da prostituição infantil.

Economicismo e Prostituição

As diferentes perspectivas concordam que a relação da prostituição é uma relação baseada na assimetria tanto econômica como sexual. No entanto, algumas autoras privilegiam a dimensão econômica sem ignorar a dimensão sexual e outras privilegiam a dimensão sexual sem ignorar a dimensão econômica. As propostas políticas diferem, já que as primeiras têm propostas destinadas a melhorar as condições econômicas e as segundas, a superar a dominação sexual.

Entre as primeiros estão Gail Pheterson, Dolores Ju-liano e Paola Tabet, que admitem a dominação sexual. Gail Pheterson, psicóloga americana, reconhece que "aqueles que pagam pelo sexo são quase exclusivamente homens, e as mulheres que fornecem. Embora homossexuais ou transexuais forneçam serviços sexuais, isso não muda a relação sexo-gênero, porque, como as mulheres, servem aos homens" (tradução livres).

Dolores Juliano, uma antropóloga para quem a prostituição "pode se tornar um campo de experimentação e liberdade sexual" garante que "essa vantagem é principalmente para o cliente". Paola Tabet também diz muito claramente: "as mulheres renunciam às próprias doenças sexuais".

Essas ideias são coincidentes com as organizações de mulheres prostituídas, que não levantam críticas ao modelo sexual patriarcal. Pelo contrário, reafirmam e suas reivindicações são mais de natureza econômica, de direitos civis, de reivindicações contra abusos policiais ou de descriminalização em países que têm regimes proibicionistas. Mas ainda podem até chegar a dizer que o sexo não é sexo. Segundo Colette Parent, ao contrário dos movimentos de mulheres e homossexuais, as organizações de mulheres prostituídas "não exigem que suas práticas sexuais sejam legitimadas como expressão de sua sexualidade; Elas afirmam que seus serviços sexuais constituem uma forma legítima de trabalho (...) suas atividades sexuais são investidas de diferentes significados de acordo com o contexto social e individual e não se envolvem com intimidade (...) são atividades laborais e envolvem apenas a identidade profissional. são também práticas que por si só não significam que as mulheres servem aos homens; também pode ser um serviço entre mulheres e entre homens. Desta forma, a sexualidade não é mais concebida como reveladora da identidade pessoal e sim como uma questão que deve ser enquadrada na divisão social do trabalho" (tradução livre).

Aqueles que privilegiam a dimensão sexual da prostituição rejeitam a ideia de que a prostituição é uma "obra como qualquer outra". Amélia Valcárcel, uma filósofa espanhola, argumenta que "devemos lembrar que nem sempre o sentimento legitima uma prática, muito menos a transforma em trabalho. As máfias, mas também algumas pessoas bem-intencionadas, insistem muito na vinculação de consentimento e trabalho. Vale lembrar que isso é uma falácia. Ainda que um modo de vida seja escolhido não significa que este modo de vida seja automaticamente desejável. (...) O consentimento não converte um trabalho em uma grande variedade de trabalho. A prostituição não é um bom modelo de relação de emprego ou relacionamento entre homens e mulheres. Se inclusive o considerássemos, por um momento, seriamente, que modelo de relação de emprego seria? Um que colidiria frontalmente com nossa norma sobre direitos trabalhistas". A conhecida cientista política Carole Pateman rejeita com diversos argumentos que o "contrato sexual" é um "contrato comercial".  Primeiro, ela argumenta, como Barry, Louis e muitas outras autoras abolicionistas, que a prostituição faz parte do exercício da lei do direito sexual masculino, uma das maneiras pelas quais os homens asseguram o acesso ao corpo das mulheres.

Entre os argumentos que ela usa para negar a natureza comercial do contrato sexual, ela aponta que, na prostituição, não há apenas exploração econômica, mas subordinação sexual, que a idéia de que é um trabalho como outro não diferencia entre trabalhadores livres, empresárias ou regimes de exploração, que a diferença entre a relação trabalhador-capitalista e a da mulher prostituta (embora ambos tenham o uso da pessoa e do corpo das pessoas) difere na medida em que o capitalista não tem interesse intrínseco no corpo e na pessoa do trabalhador, porque está interessado apenas nos bens que produz e, por outro lado, os homens que contratam uma prostituta têm apenas um interesse: a prostituta e seu corpo.

Na legislação internacional dos Direitos Humanos, se estabelece com clareza que "a prostituição e o mal que a acompanha, o tráfico de seres humanos para a prostituição, são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana".

A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw) de 1979 estabelece: "Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas, inclusive de caráter legislativo para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração da prostituição da mulher’’.

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as Mulheres (Convenção de Belém do Pará, 1994) inclui a prostituição forçada, junto com as violações, os abusos, etc., como uma das formas de violência contra as mulheres. Todas essas convenções foram ratificadas pela Argentina e, portanto, são válidas em nosso país.

Na Argentina, as políticas públicas são a continuidade das políticas concebidas e definidas no início de 1900, 24 que estabelecem a distinção entre "prostituição" e "prostituição forçada", conceito que permeou o imaginário social. A prostituição que a lei reprime é aquela que está associada ao tráfico, ao proxenetismo e à prostituição infantil. Haveria outra prostituição que seria aceitável quando essas três condições não estão presentes.

Cem anos se passaram e essa distinção entre uma prostituição tolerável e uma não tolerável ainda é válida. As reformas legais recentes não têm modificado os valores ou critérios sobre os quais foram estabelecidos.

Diante desse abolicionismo, o "novo abolicionismo" ou "modelo sueco" não admite essa diferença. A prostituição é uma forma de violência e, portanto, uma violação dos Direitos Humanos. Engloba políticas legais e sociais para desencorajar a prostituição, apoiando as mulheres em seus direitos a um trabalho decente e incluindo medidas de sanções não apenas para cafetões e traficantes, mas também para prostitutas. Modelo que foi incorporado nas políticas de outros países, a França recentemente e Noruega, Islândia, Irlanda do Norte, África do Sul, Coréia do Sul.

Parafraseando Marx, pode-se dizer que a prostituição é um símbolo de triunfo total do capitalismo, já que "o que os homens consideravam inalienável tornou-se objeto de mudança (...) inclusive as coisas que até então eram transmitidas mas nunca trocadas, eram doadas mas nunca vendidas, elas seriam adquiridas mas nunca eram compradas: virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc., enfim, tudo passou para a esfera do comércio".

Georg Simmel, um dos poucos filósofos que consideravam a prostituição uma questão filosófica, disse: “frente ao mandato moral de Kant,de que nunca deve usar um ser humano como mero meio, mas reconhecê-lo em todo momento como fim, a prostituição implica o comportamento absolutamente oposto em relação às duas partes que intervêm. Entre as relações mútuas dos seres humanos, a prostituição é o caso mais óbvio de uma degradação recíproca ao caráter de meios puros". E conclui: "toda vez que um homem compra uma mulher com seu dinheiro, um pouco de respeito devido à essência humana desaparece".

Notas

A Convenção Internacional contra o Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outros (1949) diz, considerando a prostituição e o mal que acompanha o tráfico de pessoas para fins de prostituição, são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana. Artigo 1: As Partes deste acordo comprometem-se a punir qualquer pessoa que, a fim de satisfazer as paixões de outrem: 1) conclua a prostituição de outra pessoa, mesmo com o consentimento de tal pessoa; 2) Explorar a prostituição de outra pessoa, mesmo com o consentimento dessa pessoa. Artigo 2: As Partes deste acordo também se comprometem a punir qualquer pessoa que: 1) mantenha uma casa de prostituição, administre ou conscientemente apóie ou participe de seu financiamento; 2) conscientemente ou conscientemente aluga um edifício ou outras instalações, ou qualquer parte deles, para explorar a prostituição de outros.

A Convenção de Belém do Pará diz no artigo 2: significa que a violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica: a) que ocorre dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer que o agressor compartilha ou compartilhou o mesmo endereço que a mulher, e isso inclui, entre outros, estupro, abuso e abuso sexual; b) ter lugar na comunidade ou é perpetrada por qualquer pessoa, incluindo, entre outros, o abuso sexual estupro, tortura, tráfico, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho e em instituições, centros de saúde educacionais ou em qualquer outro lugar ec) que seja perpetrado ou tolerado pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

Esta distinção foi estabelecida em 1913 com a Lei 9.143, que foi incorporada quase sem alterações no Código Penal ainda em vigor. É interessante ler os debates parlamentares que confrontaram o deputado socialista Alfredo Palácios e um deputado da província de Córdoba. Palácios entrou para a história como o pai do abolicionismo, embora tenha defendido a prostituição se não estivesse associado aos critérios acima mencionados. Arturo Bas considerou que era uma instituição que prejudicava a dignidade das mulheres. Veja a ata da Câmara dos Deputados, datada de 17 de setembro de 1913.

¹Silvia Chejter é socióloga, professora da Faculdade de Ciências Sociais e diretora do centro Encuentros Cultura y Mujer. Especializada em questões de gênero. É autora, entre outras, dos livros La Voz Tutelada: Violação e Voyeurismo (1990, Montevidéu, Nordan), Prostituta Infantil (2000, Buenos Aires, UNICEF), Feminismos Latino-Americanos. Tensões, mudanças e rupturas (2005, Madri, acsUr), lugar comum: prostituição (2011, Buenos Aires, EUdEBa), feminicídios e impunidade (2005, Buenos Aires, cEcYM), homicídios conjugais e de outros casais. A decisão judicial e o sexismo (2014, Buenos Aires, Editorial del Puerto).

² Matheus Maciel é Advogado, Especialista em Direito Processual Civil e Assessor Especial da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas.

Notas

Veja chejter, s. (2000). criança prostituída. Buenos Aires, UNICEF.

2 chejter, s. e Rodríguez, M. (2011). Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Políticas públicas entre 2000 e 2010. ONU Mulheres, cEcYM-cepep 2000-2011. relatório de pesquisa. Não publicado

3 chejter, s. (2011). lugar comum Prostituição Buenos Aires, EUdEBa.

4 diferentemente da convenção de 1949, como se verá, trata-se de prostituição ou exploração sexual que inclui tanto a direta como aquela em que há intermediários.

5 Barry, K. (1986). escravidão sexual. Barcelona, Edições dos presentes.

6 Barry, K. (1995). A prostituição da sexualidade. New York University Press (p. 10).

7 Barry, K., op. cit., p. 327.

8 Algumas estimativas publicadas por organizações internacionais dizem que "entre 0,25% e 1,5% das mulheres são prostitutas. Ou estamos falando de um problema que envolve milhões de pessoas. Veja lim, l. (1998), O setor do sexo: As bases econômicas e sociais da prostituição no sudeste da Ásia, oiT.

9 pai, c. (1994). "Da vergonha às demandas. A questão da venda de serviços sexuais ", na revista de direito Criminal et de criminologie, n º 9-10, no Canadá.

10 Pheterson, g., Citado por legardinier, c. (1992). Dictionnaire critique du féminisme. PUF, França (p.166).

11 Maffesoli, M. (1990). "Prostituição como uma forma de sociabilidade", em New Society No. 109, p. 106-115.

12 Héritier, F. (2012). "L'origine de la prostitution", entrevista conduzida por H. assekour. disponível em: https://www.facebook.com/notes/osez-le-f%c3%a9minis

13 Varela, j. (1995). "Prostituição, o comércio mais moderno", no arquipélago, N ° 21, Madri.

       14 Barry, K., op. cit, p. 9-11.

  15 louis, M. V. (2001-2002). "Prostituição: contre l'Europe proxénète, a França peut-elle encore s'affirmer abolicioniste? Parcours du grep ", enles cahiers du grep midi-pyrénées n ° 254, p. 135-178.

16 Pheterson, g. (2000). Dictionnaire critique du féminisme. Paris, Presse Universitaire de France, p. 167

       17 juliano, d. (2005). "Sexo trabalho à vista. Polêmicas e estereótipos ", em cadernos PagU, p. 79-106.

       18 Pheterson, g., Op. cit., p. 34-35.

19 Pai, c. (2001). "As Identidades Sexuais e os Travailleuses de l'industrie du sexe et l'aube du nouveau millénaire". Artigo apresentado no congresso de sociologia e sociedade da Universidade de Ottawa.

       20 Valcárcel, a. (2007). "A prostituição é um modo de vida desejável?", In El País, 21-5-2007. disponível em: http://elpais.com/diario/2007/05/21/opinion/1179698404_ 850215.html.

21 Pateman, c. (1995). O contrato sexual. México, Editorial antrophos, p. 274-283.

Sobre o autor
Matheus Queiroz Maciel

Advogado, Assessor da Prefeitura Muncipal de Lauro de Freitas, Especialista em Direito Processual Civil e Mestrando em Saúde, Ambiente e Trabalho pela UFBA

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