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Políticas penais de baixo impacto social e a vitimização propositada do Estado brasileiro

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Agenda 17/07/2019 às 16:00

Resumo:O direito penal orientado a tratar a repressão do crime pode apresentar soluções práticas e objetivas para o caos que se apresenta no Brasil, entretanto, não é suficiente para o tratamento eficaz. Ocorre que, o olhar atento, escancara que o ativismo policial gera frutos desejáveis para a sociedade. É esta a chave para a solução de quase todos os problemas do sistema criminal atual, razão destas linhas de aproximação. Temos que entender que o Estado não pode maquear os problemas sociais, mas sim, proteger suas vítimas com alternativas claras para a efetivação da dignidade da pessoa humana. Isto posto, também a gestão do amparo às vítimas deve ter propósito limpo e honesto de simplesmente enxergar quem suplica por socorro.

Palavras-chave: Cortina da legalidade. Gestão da vítima. Violência institucional. Vitimização. Ativismo policial.

Sumário: Introdução. 1. Cortina da Legalidade. 1.1- Tratamento penal da pobreza. 1.2- Imagem ideal das vítimas e a indústria do resgate. 2. O Estado violador de direitos. 3. Categorização das vítimas. Conclusão. Referências.


Introdução

Estas linhas exploram como o Estado gerencia uma vítima de sua própria violência, realidade presente em todas as capitais do Brasil. Para situar o leitor, cabe simplesmente imaginar uma vítima que seja profissional do sexo buscando proteção e reparação por tudo o que perdeu no dia da invasão da polícia em seu ambiente de trabalho. Ao fazê-lo, examine os mecanismos pelos quais o estado pune putas e administra suas vítimas.

Concentre-se nos processos pelos quais ativistas e diversos ramos do estado navegam para garantir seus respectivos interesses. Longe de um aparato homogêneo e bem coordenado de atores sociais unificados, te envolvo em um estado que é heterogêneo, complexo e encenado por diversos atores sociais.

Em paralelo, imagine as mães de crianças mortas pela polícia nas favelas, olhando atentamente para os momentos em que o Estado decide agir ou não, quando se depara com vítimas de violência própria. Proponho o uso da gestão de vítimas como um termo que incorpora a conceituação do Estado brasileiro como aquele que gerencia seus sujeitos e, ao fazê-lo, “ensina a ser”.

O referencial do “baixo impacto social” do título tenta captar como essas dinâmicas complexas operam nos contextos de prostituição, ativismo e violência institucional. Além do direito, como algo correto, o direito em português também significa um direito, como em direitos humanos, e a lei, no sentido em que os estudantes de direito estudam direito. Neste artigo, uso o termo ativismo das trabalhadoras do sexo para me referir à luta liderada pelas trabalhadoras do sexo por seus direitos e contra a vitimização. Este artigo fornece uma visão sobre o ativismo policial no contexto da violência que aparece hoje.

O baixo impcto social é exatamente estar fazendo as coisas de uma maneira que impede o acesso aos direitos, em vez de protegê-los. Uma expressão proferida em vários contextos, literalmente é a forma diminutiva de “fazer as coisas certas” e implica fazer as coisas de acordo com o que se espera, não necessariamente o que é “correto”. Eu uso a expressão para se referir ao uso que o estado faz de seus próprios processos burocráticos e brechas de uma maneira que promove seus próprios interesses silenciando as vítimas de sua própria violência.

Embora este artigo enfoque principalmente o sistema policial e judiciário, importante lembrar que permeia também o setor da saúde. Na verdade, ocore que representantes da sociedade civil não estão seguindo necessariamente as regras. Nesse caso, trata-se de explorar processos semelhantes de manipulação do estado burocrático para proteger seus próprios interesses.


1.      Cortina da Legalidade

Veja bem, centenas de mulheres perdem seus locais de trabalho e casas como resultado de ataques do estado. Os apartamentos usados ​​para a prostituição são marcados como cenas de crime com fita amarela da polícia que diz: “Cena do crime. Não ultrapasse". A polícia posta avisos de condenação nas portas dos apartamentos que declaram que esta sendo condenado devido ao seu “péssimo estado de conservação” e “confirmação do uso do local para práticas criminosas”.

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Outras vezes, muitas das portas são destruídas durante invasão, então, elas não podem mais ser trancadas e proteger os poucos pertences que restam depois da invasão policial. Vários pequenos protestos ocorrem sem qualquer retorno para a minoria vitimizada por abusos em abordagens. Por vezes, as profissionais do sexo denunciam o que aconteceu e reafirmam seu desejo e direito ao trabalho. Mais tarde, familiares alertam para "ter cuidado" com o que dizem ou "poderia haver consequências".

Muitas mulheres passam a trabalhar em outras áreas da cidade quando percebem que o prédio não era vai reabrir imediatamente, mas um pequeno grupo sempre continua a denunciar ativamente a violência e trabalhar para reabrir o seu local de trabalho. Instituições apoiam as mulheres no Brasil, incluindo a Davida, o Observatório da Prostituição e cargos políticos, como o mandato dos deputados e as Comissões de Direitos Humanos e Direitos da Mulher da Assembléia Legislativa, que por vezes participam e organizam uma audiência pública para dar visibilidade ao assunto.

É recorrente que nestas audiências públicas se concentrem no escopo dos abusos e na ilegalidade das ações da polícia. Ali é denunciado publicamente o que aconteceu, falando abertamente sobre a extensão da violência policial. O escritório dos defensores públicos estaduais e a Ordem dos Advogados do Brasil também confirmam a ilegalidade dos autos de condenação e toda a operação policial.

Mas, atenção, os avisos de condenação são ilegais porque marcam o grupo objeto da atuação policial. De fato, não cabe à polícia condenar os apartamentos. Não é correto que qualquer juiz peça, nos bastidores, ao chefe de polícia responsável pelo ataque, que faça “o que fosse necessário” para conseguir o que precisa. O interesse em expulsar as trabalhadoras do sexo do prédio e a subsequente impunidade do Estado por suas ações, portanto, parece estar ligado a interesses mútuos em livrar a construção da prostituição, não apenas os crimes possivelmente investigados.

A realidade nua e crua é que às vezes não há motivo legal, mas talvez haja um motivo moral para as ações de Estado, algo deplorável. Se o papel do Estado é proteger, a “proteção” para o Estado é que o incomoda ? As ações ilegais são feitas por trás do que pode ser denominado “cortina da legalidade”. A cortina da legalidade, combinada com a mentalidade “por qualquer meio necessário”, é exemplar da abordagem abuso de autoridade do Estado.

A moralização e a militarização do Esstdo não são, naturalmente, fenômenos inerentemente ligados, mas se tornaram contingentemente ligados no Brasil, pois a polícia achou útil empregar mobilizações de 'qualidade de vida' amigáveis ​​à mídia e blitzes de moralidade pública 'em vez de embarcar sobre a reforma interna ou enfrentar as milícias e a corrupção dentro de suas próprias fileiras.

Em vez de combater o crime, é recorrente desencadear uma onda de violência estatal contra os trabalhadores do sexo, intensificando a corrupção estatal e o envolvimento da polícia na administração de empresas de prostituição em parceria com redes de vigilância chamadas milícias.

Nesses contextos, o componente moral das ações do Estado serve para desviar a atenção de questões mais profundas dentro das forças policiais, como a corrupção e / ou disputas de poder com a milícia. Enfim, a extensão dos interesses que expulsam as trabalhadoras do sexo de um prédio e a impunidade da polícia fica ainda mais clara quando a trabalhadora sexual mais sincera é sequestrada, espancada e cortada com uma lâmina de barbear. A ideia é que se a vítima não parar de falar com a imprensa sobre o que aconteceu, ela e seus filhos sofrem as consequências. Simples assim.

Sentindo-se ameaçada tanto pela polícia quanto pela milícia, a vítima sente que não tem para onde se virar. Ela não podia ficar próxima a sua família ou retornar ao seu endereço de casa por medo de colocar a si mesma e a família em risco. Consciente da gravidade dos riscos que enfrenta, sobra a opção de abrigo da mulher, estabelecido para as vítimas da violência doméstica, e não da violência estatal.

O abrigo é a forma do estado de silencia-la e colocá-la em algum lugar onde ela não pode se comunicar e simplesmente "cresce no molde". Às vezes, é a maneira do Estado esquecer dela sem sentir-se responsável e resolver o problema do próprio Estado, e não dela. Enfim, às vezes com o estado é assim, eles levam a pessoa embora, a colocam em um abrigo e o problema [do estado] acabou.

1.1-      Tratamento penal da pobreza

A interpretação do abrigo como uma forma de prisão é uma reviravolta interessante a se  análisar. O “tratamento penal da pobreza” como uma resposta militarizada e violenta aos problemas sociais e à desigualdade fomentada pelas políticas neoliberais. A análise de gênero sobre o Estado carcerário neoliberal e sua interseção com movimentos feministas de combate ao tráfico aponta para as maneiras pelas quais tais estruturas penais permearam os discursos humanitários globais de maneiras que punem em nome da proteção.

É real o “tratamento penal das vítimas” promovido pelos mesmos sistemas que penalizam a pobreza. Ele é agravado pela política contemporânea de sexo e gênero que reforça o estigma em torno da prostituição e vitimização de profissionais do sexo. O tratamento penal das vítimas no estado é um endosso da violência contra a pessoa humana em todas as suas formas. Além disso, a manipulação do Estado para divulgar informações que a pessoa não quis divulgar, é outra violação para servir ao interesse do estado. O “mau uso” das forças do Estado sem outras vias de reparação, são outros exemplos do uso estratégico de processos burocráticos pelo Estado. e brechas para avançar e proteger seus próprios interesses.

1.2-      Imagem ideal das vítimas e a indústria do resgate

O Estado não se responsabiliza por manter a qualidade de vida que a pessoa tinha antes do ataque da força policial. As vias burocráticas para benefícios silenciam o ativismo e legitimam a ilegalidade das ações do Estado. É uma imagem de sacrifício, impregnada de moralidade, e imagens de gênero, o Estado oferece mais uma punição do que proteção. A imagem ideal das vítimas indica quem é uma vítima e quem não é, mas também tem o poder de reforçar a dominação racial e de gênero.

Em uma análise, as maneiras pelas quais as imagens de mulheres brancas de classe média vítimas de estupro “transformam o racismo desenfreado no sistema de justiça em algo que parece uma justificativa razoável, necessária e não racista para a punição”. O “gerenciamento” da vítima envolve transformá-la em um tipo de vítima que ela se recusa a ser, ou seja, negando a violência a que ela foi submetida pela polícia, o que perpetua a contínua violência da recusa do Estado em cumprir suas obrigações de protegê-la.

Cabe destaque aos imperativos morais por trás do cuidado e proteção que muitas vezes servem para apagar a política e a responsabilidade por trás do sofrimento. Obrigar a parar seu ativismo, o não reconhecimento da responsabilidade do Estado em causar suas perdas; pelo contrário, são esforços para apagar sua identidade e silenciar esse aspecto de sua história.

De fato, a violência do Estado é reconhecida condição para proteção. O Estado viola seus direitos duas vezes; uma vez no ataque, e duas vezes através dos esforços da vítima para buscar proteção.

Acadêmicos de várias disciplinas exploram o poder silenciador e prejudicial dos programas estabelecidos para “proteger” os profissionais do sexo como vítimas, em contexto do tráfico de pessoas e exploração sexual. Existem estudos que concentram-se na economia política do governo e movimentos não-governamentais, ou “indústrias de resgate”, que foram estabelecidas sob o pretexto de “salvar” vítimas do tráfico, no entanto, em sua essência, são guiados por discursos antiprostituição conservadores e ações repressivas que silenciam mais do que protegem.

No Brasil, os discursos fazem ainda mais, infantilizando e entrincheirando as mulheres, nos envolvimentos da tutela do Estado, tratando-os como sujeitos e não como cidadãos; como crianças, não adultos. Veja o discurso popular mais comum sobre o tráfico no Brasil como “O Mito de Maria”, uma história perpetuada através de um projeto de pesquisa altamente criticado com números não confiáveis e outros canais de mídia populares como telenovelas que desenham uma narrativa de uma mulatta pobre e inocente que é enganada por um homem estrangeiro malvado para viajar para outro país onde é prometido fazer fortuna, apenas para ter todos os seus documentos confiscados e ser mantida como escrava sexual em um escuro e perigoso bordel em um país estrangeiro genérico, ainda sinistro.

Seria melodrama, ou “uma técnica brilhante e familiar para desviar o olhar da complexidade e da contradição, oferecendo um substituto simplificado e emocionalmente emocionante”. Quando realizado corretamente, o melodrama é útil por desviar o olhar do público e da política das questões trabalhistas da prostituição e conseqüências de sua ilegalidade, que muitas vezes estão na base de situações de abuso e violência em contextos de trabalho sexual. É real que o melodrama funciona para desviar a atenção da violência institucional que alguém sofreu nas mãos do Estado.

Quem precisamente o Estado está disposto a proteger ? A culpa é transferida para a vítima, não para o Estado. Desta forma, o melodrama é uma tecnologia moral que pune, em vez de proteger.

A moralidade e as emoções recebem mais peso do que a lei no contexto das políticas em torno da prostituição. Na visão do Estado, existem tipos de prostitutas que são “possíveis” de existir dentro de certos regimes políticos e morais.“Possíveis prostitutas” referem-se àqueles que serão autorizados pelo estado a exercer seu direito ao trabalho se comportarem dentro de um padrão, como não usar roupas vulgares, ser sutil em suas abordagens aos clientes, ajudando a combater a exploração sexual de menores e não perturbando a paz pública.

O centro das mulheres oferece um papel de “possível prostituta”: ela tem o direito à proteção se adequar-se às regras sociais. Os profissionais do sexo no Brasil são frequentemente punidos por todos os lados: aqueles que são vítimas de violência e forçados a se submeterem a condições de incapacitação para receber proteção, e aqueles que escolhem ficar fora dos sistemas e permanecem vulneráveis ​​ao abuso estatal e aspectos criminalizados de sua profissão. Desse modo, a duvidosa estatura da prostituição no Código Penal Brasileiro facilita a abordagem de casuística do Estado ao mesmo tempo em que elimina a responsabilidade de proteger um puta que se recusa a se enquadrar nas categorias de vítimas sexualizadas do Estado.

Sobre o autor
Eduardo Paixão Caetano

Professor de Direitos Humanos e Delegado de Polícia Judiciária Civil. Atualmente Delegado Controlador Geral de Administração e Finanças da PC-AM. Foi titular da DECON, 17º DP e 25º DP e Conselheiro do Fundo Estadual de Defesa do Consumidor (CONDECON).. Doutorando em Ciências Jurídicas. Formação como Mestre em Direito Ambiental. Autor dos livros: "Direitos Humanos, vocação do Delegado de Polícia" (ISBN 978-85-400-1964-5), "Consciência ambiental para efetivação da dignidade humana no sistema prisional" (ISBN 978-85-400-2178-5) e "Poder do Óbvio para Blindagem do Consumidor Consciente e Outras Justiças" (ISBN 978-65-89973-08-9). Autor dos livros "Direitos Humanos, vocação do Delegado de Polícia", ISBN 978-85-400-1964-5, e "Consciência ambiental para efetivação da dignidade humana no sistema prisional", ISBN 978-85-400-2178-5.

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