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O inquérito policial no Direito brasileiro

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Agenda 26/07/2019 às 20:04

O artigo tem como objetivo apresentar uma análise do inquérito policial, propondo-se a examinar questões relacionadas a este tema como sua origem histórica, conceito, características, princípios relacionados, e as formas de instauração e encerramento.

1. ORIGEM HISTÓRICA DO INQUÉRITO POLICIAL

A palavra inquérito tem origem do termo latim in + quaerere, que significa buscar alguma coisa em uma determinada direção1. De modo geral, o termo pode ser entendido como um conjunto de atos concatenado, realizados de forma sistêmica e continuada, que visa descobrir algo.

No Brasil, o inquérito policial teve sua origem com a edição do Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871, que regulamentou a Lei n° 2.033, de 20 de setembro de 1871, e assim prescrevia:

“Artigo 42. O inquerito policial consiste em todas as diligencias necessarias para o descobrimento dos factos criminosos, de suas circumstancias e dos seus autores e complices; e deve ser reduzido a instrumento escripto, observando-se nelle o seguinte:

1º Far-se-ha corpo de delicto, uma vez que o crime seja de natureza dos que deixam vestigios.

2º Dirigir-se-ha a autoridade policial com toda a promptidão ao lugar do delicto e ahi, além do exame do facto criminoso e de todas as suas circumstancias e descripção da localidade em que se deu, tratará com cuidado de investigar e colligir os indicies existentes e apprehender os instrumentos do crime e quaesquer objectos encontrados, lavrando-se de tudo auto assignado pela autoridade, peritos e duas testemunhas.

3º Interrogará o delinquente, que fôr preso em flagrante, e tomará logo as declarações juradas das pessoas ou escolta que o conduzirem e das que presenciarem o facto ou deite tiverem conhecimento.

4º Feito o corpo de delicto ou sem elle, quando não possa ter lugar, indagará quaes as testemunhas do crime as fará vir á sua presença, inquirindo-as sob juramento a respeito do facto e suas circumstancias e de seus autores ou complices. Estes depoimentos na mesma occasião serão escriptos resumidamente em um só termo, assignado pela autoridade, testemunhas e delinquente, quando preso em flagrante.

5º Poderá dar busca com as formalidades legaes para apprehensão das armas e instrumentos do crime e de quaesquer objectos á elle referentes; e desta diligencia se lavrará o competente auto.

6º Terminadas as diligencias e autuadas todas as peças, serão conclusas á autoridade que proferirá o seu despacho, no qual, recapitulando o que fôr averiguado, ordenará que o inquerito seja remettido, por intermedio do Juiz Municipal, ao Promotor Publico ou a quem suas vezes fizer; e na mesma occasião indicará as testemunhas mais idoneas, que por ventura ainda não tenham sido inqueridas.

Desta remessa dará immediatamente parte circumstanciada ao Juiz de Direito da comarca.

Nas comarcas especiaes a remessa será por intermedio do Juiz de Direito que tiver a jurisdicção criminal do districto, sem participação a outra autoridade.

7º Todas as diligencias relativas ao inquerito serão feitas no prazo improrogavel de cinco dias, com assistencia do indiciado delinquente, se estiver preso; podendo impugnar os depoimentos das testemunhas.

Poderá tambem impugnal-os nos crimes afiançaveis, se requerer sua admissão aos termos do inquerito.

8º Nos crimes, em que não tem lugar a acção publica, o inquerito feito a requerimento da parte interessada e reduzido a instrumento, ser-lhe-ha entregue para o uso que entender.

9º Para a notificação e comparecimento das testemunhas e mais diligencias do inquerito policial se observarão, no que fôr applicavel, as disposições que regulam o processo da formação da culpa”.

Muito embora este diploma legal fosse o primeiro a trazer expressamente o termo e a definição de inquérito policial no Brasil, tem-se que desde os primórdios da civilização sempre existiu um procedimento inominado que de alguma forma visava apurar as infrações penais. Isto se verifica pela própria história do Direito, quando de início não havia um Estado propriamente formado e imperava a fase da vingança privada, na qual as vítimas ou seus familiares apuravam por si próprios os comportamentos desviantes do senso comum e das normas de conduta, vindo no final eles mesmos a aplicarem a pena cabível ao delinquente, nesse momento histórico a pena era confundida com a vingança.

À medida que surge o Estado, paulatinamente a sociedade vai depositando nele o direito de processar, julgar e punir o acusado, nessa fase muitas vezes a vítima ou seus familiares colhiam os elementos necessários à instrução criminal e os encaminhavam ao julgador, que no final do procedimento aplicava a pena que entendia cabível ao caso.

Com o advento do Estado absolutista a vítima perde sua participação ativa na apuração da infração penal, sendo designado pelos imperadores os juízes, que eram encarregados de investigar os crimes e apurar sua autoria e materialidade. O procedimento era inquisitivo e o juiz atuava em um com plenos poderes agindo ex officio, com o objetivo de promover uma maior repressão a delinquência. As funções de acusar, defender e julgar estavam concentradas em um único órgão.

Posteriormente, em Roma e em Atenas, adotou-se a sistemática do processo acusatório, sendo chamado de processo penal das partes, no qual acusação e defesa estariam em um mesmo nível de igualdade de direitos estando presente o contraditório, a publicidade e a imparcialidade do juiz.

Modernamente, começou a se adotar na França o chamado sistema penal misto, no qual o procedimento é inquisitivo na fase de instrução e acusatório na fase de julgamento.

Em Portugal, como procedimento de apuração das infrações penais existia desde as Ordenações Manuelinas de 1.521 as chamadas devassas, semelhantes ao inquérito policial, porém era apurada a autoria e a materialidade delitiva ex officio sem a participação do acusado e, em razão disso, via de regra deviam posteriormente ser ratificadas em juízo. Com os forais, foi estabelecido em Portugal o inquérito propriamente dito, diferenciando-se da devassa porque nele se exigia a participação do acusado no procedimento.

Em 1808, com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, não havia uma organização policial institucionalizada, sendo que a segurança pública nas áreas rurais, vilas e cidades eram realizadas pelos alcaides, com auxílio dos quadrilheiros e capitães-do-mato.

Foi instituída, em 10 de maio de 1808, pelo então Príncipe Regente Dom João VI a Intendência Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil, sendo este o marco do surgimento da Polícia Civil no Brasil. Este órgão passou a ter como atribuições realizar a segurança pessoal da família real e a segurança da comunidade. Ao intendente cabia a atribuição de decidir a respeito de condutas ilícitas, decidia pela prisão ou liberdade de alguém, levava pessoas a julgamento, bem como condenava e supervisionava o cumprimento de penas.

Em 13 de outubro de 1827 foi criado o cargo de Juiz de Paz, que ficava responsável pela administração das tarefas policiais. Ao Juiz de Paz cabia a investigação criminal, contudo devido as necessidades locais eles passaram a delegar tal atribuição para outras pessoas, dando origem ao termo “delegado”.

Tal sistema vigorou até a edição da Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841, que reformou o Código de Processo Criminal de 1832. Foi realizada uma profunda mudança, sendo restringida as atribuições dos Juízes de Paz e criado o cargo de Delegado de Polícia. Criou-se uma estrutura policial hierarquizada que era então formada pelo Chefe de Polícia, que era escolhido entre os Juízes de Direito e os Desembargadores, sendo um para cada província e um para o município da Corte, e os Delegados e Subdelegados de Polícia, que eram escolhidos entre os Juízes de Direito e quaisquer cidadãos.

O artigo 4º, da Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841, impunha às Autoridades Policiais “remeter, quando julgarem conveniente, todos os dados, provas e esclarecimentos que houverem obtido sobre um delito, com a exposição do caso e suas circunstâncias, aos juízes competentes para formação da culpa”. Neste sistema foi imposta a obrigação às Autoridades Policias que o procedimento investigatório fosse escriturado, pois no caso da Autoridade que investigava não ser aquela responsável pela formação da culpa, todos os informes obtidos deveriam ser escriturados para remessa ao juiz competente, com isso teve origem no Brasil ao embrião do atual inquérito policial.

Poucos anos depois, surgiu o Regulamento nº 120, de 31 de janeiro de 1842, que criou oficialmente a Polícia Judiciária com atribuições investigativas e judiciais, contudo ela era exercida por Juízes que investigavam, processavam e julgavam.

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Finalmente com a Lei nº 2033, de 20 de setembro de 1871, houve a cisão das funções judiciais e policiais e a investigação criminal ficou reservada exclusivamente aos Chefes, Delegados e Subdelegados de Polícia. Neste diploma legal ficou estabelecido que:

“Artigo 10. Aos Chefes, Delegados e Subdelegados de Policia, além das suas actuaes attribuições tão sómente restringidas pelas disposições do artigo antecedente, e § unico, fica pertencendo o preparo do processo dos crimes, de que trata o art. 12. § 7º do Codigo do Processo Criminal até a sentença exclusivamente. Por escripto serão tomadas nos mesmos processos, com os depoimentos das testemunhas, as exposições da accusação e defesa; e os competentes julgadores, antes de proferirem suas decisões, deverão rectificar o processo no que fôr preciso.

§ 1º Para a formação da culpa nos crimes communs as mesmas autoridades policiaes deverão em seus districtos proceder ás diligencias necessarias para descobrimento dos factos criminosos e suas circumstancias, e transmittirão aos Promotores Publicos, com os autos de corpo de delicto e indicação das testemunhas mais idoneas, todos os esclarecimentos colligidos; e desta remessa ao mesmo tempo darão parte á autoridade competente para a formação da culpa.

§ 2º Pertence-lhes igualmente a concessão da fiança provisória”.

O inquérito policial, com esse nomem júris, surge com a edição do Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871, embora anteriormente houvesse outros procedimentos informativos destinados a apurar a autoria e a materialidade de um delito.

Mais adiante, na década de trinta durante o governo de Getúlio Vargas, houve uma tentativa de se abolir a figura do inquérito policial no Brasil. Batista Luzardo, quando assumiu o cargo de Chefe de Polícia da Capital Federal, no Rio de Janeiro, queria extinguir o inquérito policial e introduzir o chamado Juizado de Instrução. Quando se elaborava o Anteprojeto do atual Código de Processo Penal, em 1936, o Ministro da Justiça Vicente Rao fez a proposta de supressão do inquérito policial para instituir em seu lugar o Juizado de Instrução2, que deveria ser criado para apuração das infrações penais com a presidência de um Juiz, chamado de Juiz de Instrução, que teria a função de reunir os elementos probatórios necessário à persecução penal e à polícia caberia tão somente as atribuições de prevenção e repressão imediata dos delitos. Com a substituição de Ministros tal alteração perdeu força e em 3 de outubro de 1941 foi decretado o atual Código de Processo Penal, que manteve o inquérito policial até os dias de hoje como instrumento apto para apuração da autoria e materialidade das infrações penais, a ser realizado pela Polícia Judiciária sob a presidência de Delegado de Polícia, nos termos do artigo 144, §4º, da atual Constituição Federal.


2. CONCEITO DE INQUÉRITO POLICIAL

O inquérito policial é considerado como o mais importante instrumento da Polícia Judiciária, haja vista que por meio dele é cumprida toda sua missão constitucional de apuração das infrações penais e sua autoria. Muito embora outras instituições tenham instrumentos congêneres para apuração de infrações específicas como, por exemplo, o Poder Legislativo possui as Comissões Parlamentares de Inquérito e os militares possuem o inquérito policial militar, à Polícia Judiciária cabe a apuração das infrações penais comuns por meio do inquérito policial, o que lhe dá uma enorme relevância, pois são essas infrações penais que afligem com maior frequência e gravidade a sociedade e, sem uma investigação criminal realizada por profissionais imparciais, comprometidos com a busca da verdade, e balizada por rígidos diplomas legais, não se obtém um efetivo controle e combate à criminalidade.

Por meio do inquérito policial, irá se apurar toda aquela conduta tida como desviante do comportamento esperado da pessoa dentro da sociedade e que foi definida em lei com infração penal. Tais condutas são definidas pela própria sociedade como graves e que merecem combate para que não ocorram, em razão disso, o inquérito policial se apresenta como o instrumento pelo qual a Polícia Judiciária ira investigar as condutas nocivas à sociedade, atuando de forma repressiva, fazendo com que o delinquente seja devidamente apontado para o Poder Judiciário como autor da infração penal, seja devidamente processado e receba a pena cominada em razão de seu ato. Isto proporciona a efetivação da segurança pública, pois impede que aquela pessoa venha a praticar novamente alguma conduta criminosa, a segurança jurídica, uma vez que proporciona ao Poder Judiciário a possibilidade de aplicar a lei ao caso concreto, e a prevenção aos delitos, haja vista que a aplicação da lei e a certeza da pena desestimulam a pessoa à prática da infração penal.

Destarte, o inquérito policial é um procedimento presidido por Delegado de Polícia de fundamental importância para dar impulso à ação penal. Durante o inquérito policial o sistema processual adotado é o acusatório e prescinde de uma fase investigatória, preparatória para autorizar o processamento da pessoa suspeita como autora da infração penal. Por ele o Delegado de Polícia materializa a investigação criminal, compilando informações a respeito da infração penal, suas circunstâncias e resguarda provas futuras que poderão ser utilizadas em juízo contra o autor do delito. Assim, tem-se que o inquérito policial é um instrumento de persecução penal extrajudicial, uma vez que se opera antes de iniciada a ação penal.

Diversos são os conceitos de inquérito policial definidos na doutrina. Dentre eles, pode-se destacar o de Guilherme de Souza Nucci3, que assim o define:

“O inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime. Não podemos olvidar, ainda, que o inquérito policial serve à composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de base à vítima, em determinados casos, para a propositura da ação penal privada”.

Destaca-se também o conceito de inquérito policial definido por Romeu de Almeida Salles Junior4

“Inquérito Policial é o procedimento destinado à reunião de elementos acerca de uma infração penal. É o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária, para apuração de uma infração penal e sua autoria, para que o titular da ação penal possa ingressar em Juízo, pedindo a aplicação da lei ao caso concreto”.

Ressalta-se que atualmente não há uma definição legal de inquérito policial. O Código de Processo Penal vigente apenas dispõe no seu artigo 4º que “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”. Normativamente, tem-se que o diploma legal que trouxe um conceito de inquérito policial foi o Decreto nº 4824, de 22 de novembro de 1871, que no seu artigo 42 dispôs que “o inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices”. Portanto, recorre-se aos doutrinadores para definir o conceito de inquérito policial.

Por ser realizado fora do Poder Judiciário, o inquérito policial pode ser entendido como um procedimento administrativo com caráter inquisitivo e cunho investigatório5, sendo o principal instrumento pelo qual o Estado concretiza a investigação criminal. Trata-se de um procedimento administrativo instaurado e presidido pela Autoridade Policial com a finalidade de fornecer elementos de informação que irão servir de base para a propositura da ação penal pelo seu titular.

De forma imediata, o inquérito policial destina-se ao titular da ação penal, uma vez que a Policia Judiciária, exercida pelas Polícias Civis em âmbito estadual e, pela Polícia Federal na esfera federal, reúne elementos necessários para dar fundamento à propositura da ação penal. O titular da ação penal pode ser o Ministério Público, nos casos de ação penal pública, ou aquele que possui o direito de queixa nos casos de ação penal privada, podendo vir a ser o ofendido ou aquele que o represente legalmente.

De modo mediato, o inquérito policial é destinado ao Juiz natural do caso, ou seja, aquele com competência para apreciação da causa, que irá decidir acerca da validade ou nulidade do procedimento, quanto ao seu prosseguimento ou arquivamento, sobre a aplicação de medidas cautelares ou assecuratórias etc., além de fornecer subsídios para o convencimento do juiz e dosimetria da pena.


3. CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL

Em razão de suas peculiaridades, uma vez que se presta à apuração das infrações penais e sua autoria, o inquérito policial é um processo administrativo de características próprias, a serem tratadas especificadamente a seguir.

3.1. Escrito

Uma das características que a lei impõe ao inquérito policial é a de que ele seja escrito. O artigo 9º, do Código de Processo Penal, impõe que “todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”. Tal importância se deve à segurança jurídica que deve emanar do procedimento, consubstanciando numa verdadeira prova documental de todas as informações e provas reunidas durante a investigação criminal. Assim, impede-se que dados importantes sejam perdidos durante a investigação, bem como possibilita à Autoridade Policial revestir o procedimento de todo formalismo necessário para encaminhamento ao Poder Judiciário.

Conforme ensina Ricardo Cardozo de Mello Tucunduva6:

“Nota-se, portanto, a obrigatoriedade de que o inquérito policial seja escrito, o que, evidentemente, é fruto da própria finalidade deste procedimento.

Afinal, se o principal objetivo do inquérito é trazer informações suficientes ao titular da ação penal, acerca da materialidade e da autoria de determinado delito, não seria coerente que o procedimento fosse realizado de maneira oral.

Sendo um procedimento escrito, obviamente todos os atos realizados no curso de investigações precisam ser formalizados. Assim, os interrogatórios, os depoimentos, os reconhecimentos, as acareações etc., deverão ser reduzidos a termo, segundo estabelece a lei penal”.

3.2. Sigiloso

O sigilo é outra característica que o Código de Processo Penal impõe ao inquérito policial. Está previsto no artigo 20 que “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.

Tal regramento se deve em razão do caráter inquisitivo do inquérito policial, bem como para assegurar a eficiência da investigação criminal e resguardar a imagem e a honra de vítimas, testemunhas e investigados.

Tal característica se coaduna com o artigo 5º, inciso LX, que prevê como direito fundamental a publicidade dos atos processuais, uma vez que o sigilo se impõe em razão do interesse social e da intimidade das pessoas envolvidas no inquérito policial. Ademais, Ângela C. Cangiano Machado7, leciona que:

“ao circunscrever a garantia da publicidade aos atos processuais, afasta da incidência da norma os atos praticados em sede de inquérito policial (procedimento). Ademais, a aludida norma constitucional permite restringir a publicidade em virtude de disposição legal, a qual, no caso do inquérito policial, corresponde ao art. 20, caput, do CPP”.

É imperiosa essa característica, pois a publicidade dos fatos investigados pode prejudicar a elucidação do delito, e consequentemente irá impedir a devida aplicação da lei ao caso concreto. Nesse sentido, Ricardo Mello Tucunduva8 explica que:

“(...) na ocasião da apuração da infração penal e de sua autoria, nem sempre a Polícia Judiciária poderá dar publicidade de seus atos.

Em regra, a divulgação precipitada dos fatos investigados poderá ser prejudicial à sua completa elucidação e, em determinados casos, poderá causar sérios danos à tranquilidade pública. Assim, muitas vezes, o interesse da própria sociedade clama pelo sigilo.

Mas, não é só. Há o reverso da medalha.

O sigilo também é importante no inquérito policial, eis que, muitas vezes, ainda não se tendo certeza da autoria delitiva, a divulgação dos fatos poderá atingir pessoas que, posteriormente, sejam consideradas inocentes, causando-lhes danos irreparáveis”.

Ressalta-se que o sigilo não é absoluto. Evidentemente, não poderá ser imposto ao Ministério Público, titular da ação penal que é o destinatário imediato do inquérito policial, bem como ao Juiz, que é o destinatário mediato.

Entretanto, quanto ao acesso do advogado das partes envolvidas aos autos do inquérito policial a questão é delicada. O artigo 7º, inciso XIV, da Lei nº 8906/94, prevê ser direito do advogado “examinar, em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos”. Tal direito previsto na norma ao advogado pode vir a prejudicar severamente as investigações criminais em andamento no inquérito policial, possibilitando ao investigado a antecipação de ações que serão realizadas pela Polícia, contudo, a imposição do sigilo de forma absoluta ao advogado poderia impedir que o investigado exercitasse algum direito. Em razão desse conflito, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 14, que assim estabelece:

“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de Polícia Judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

Logo, o advogado pode ter acesso aos autos do inquérito policial, mas somente àquilo que já estiver documentado, sendo que daquilo que ainda não estiver juntado nos autos pela Autoridade Policial poderá ser dado sigilo, permitindo-se assim maior eficiência nas investigações.

3.3. Inquisitivo

O inquérito policial configura-se como inquisitivo em razão do sistema penal misto adotado no Brasil. Durante o inquérito policial não há a participação do investigado como parte processual, sendo que à Autoridade Policial que preside o feito fica facultada de atender ou não os requerimentos feitos pelos investigados, salvo o pedido de realização de exame de corpo de delito por imposição legal.

O caráter inquisitivo do inquérito policial permite ao Delegado de Polícia a condução unilateral das investigações, sem a necessidade de intervenção de qualquer das partes para realização de algum ato. Assim, as investigações ocorrem de forma discricionária no intuito de desvendar a infração penal e sua autoria.

Por ser inquisitivo, não está presente no inquérito policial o contraditório e a ampla defesa como nos processos em geral, assim previsto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Assim não se aplica tal direito fundamental ao inquérito policial, conforme explica Ângela C. Cangiano Machado9:

“Em verdade, não exibe o inquérito policial características que permitem qualificá-lo como ‘processo’ administrativo: nele não se vislumbram partes, nem litígio a ser solucionado, e nenhuma sanção ou punição pode dele decorrer, ao menos diretamente.

Essa a razão de alguns autores aludirem ao inquérito policial como ‘mero’ procedimento administrativo, não por menoscabo, mas para ressaltar sua natureza de procedimento, apartando-o da figura do ‘processo’ administrativo e, por conseguinte, da exigência constitucional do contraditório e da ampla defesa.

Ademais, não se vislumbra no inquérito policial acusação formal, donde se infere não haver acusado nesta fase pré-processual da persecução penal, mas tão-somente ‘suspeito’ ou ‘indiciado’, se assim declarado pela autoridade policial no curso das investigações”.

Com essa natureza inquisitiva, o inquérito policial se procede com uma dinâmica diferente da ação penal, o que possibilita maior celeridade na realização dos atos necessários à investigação criminal. A respeito disso, Romeu de Almeida Salles Junior10 ensina que:

“O inquérito policial é inquisitivo porque a autoridade comanda as investigações como melhor lhe aprouver. Não existe um rito preestabelecido para a elaboração do inquérito ou andamento das investigações. Estas têm sequência dependendo das determinações da autoridade em face da necessidade de realização desta ou daquela diligência. O inquérito representa simples informação sobre o fato criminoso e também sobre a identidade do seu autor. Não se sujeita ao chamado princípio do contraditório, próprio do processo penal, onde se apresentam acusação e defesa”.

3.4. Indisponível

A indisponibilidade do inquérito policial impõe que uma vez instaurado não poderá a Autoridade Policial promover o seu arquivamento, devendo este ser realizado pelo Juiz competente, a requerimento do representante do Ministério Público.

O artigo 17, do Código de Processo Penal, prevê que “a autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito”. Deve o arquivamento ser ordenado pela Autoridade Judiciária, conforme dispõe o artigo 18 do Código de Processo Penal.

Desse modo, ainda que o Delegado de Polícia apure durante o inquérito policial a existência de alguma causa de extinção da punibilidade ou verifique que o fato é atípico, não poderá efetuar o arquivamento do feito, devendo remeter os autos ao Poder Judiciário, que após requerimento fundamentado do Ministério Público irá decidir pelo arquivamento do inquérito.

Logo, a Autoridade Policial ao tomar o conhecimento de uma infração penal de ação pública incondicionada surge o dever dela instaurar de ofício o inquérito policial para a competente investigação, contudo, verificado no decorrer das investigações que não se configura um delito ela não pode proceder o arquivamento do feito e deve remeter os autos ao Juiz competente para que este proceda o arquivamento, a pedido do Ministério Público que é o titular da ação penal.

3.5. Oficialidade

O inquérito policial é oficial porque tem que ser instaurado por um órgão oficial do Estado, regularmente instituído para esta atribuição, que deve iniciar o procedimento de ofício, sem nenhuma manifestação externa para o cumprimento do seu dever.

Segundo explica Sebastião Paulo da Silva Filho11:

“representa o poder-dever do Estado em combater e extinguir os casos delituosos com medidas repressivas e preventivas sobre os infratores, através de seus órgãos, que são instituições oficiais que atuam em nome do Estado e a partir da ocorrência de um acontecimento criminoso a Polícia Judiciária, por força da lei, será o primeiro órgão estatal a ser acionado”.

Portanto, a oficialidade se refere a tudo aquilo que é oficial, que é público e pertence ao Estado, sendo que ela consiste na persecução penal promovida por órgãos próprios do Estado, que tem a atribuição de concretizar a pretensão punitiva sem a necessidade de nenhuma manifestação externa para cumprir com o seu dever.

3.6. Autoritariedade

Pela autoritariedade, entende-se que o inquérito policial é presidido por uma Autoridade Pública, o Delegado de Polícia, que atua em nome do Estado exercendo sua função de reprimir a prática de delitos procedendo a condução de investigações necessárias para elucidação de crimes e autoria, sendo considerado uma autoridade de natureza policial responsável pelas investigações e conclusão dos procedimentos necessários a subsidiar a propositura da ação penal.

3.7. Oficiosidade

Uma vez iniciado o inquérito policial os atos a serem realizados nele independem de qualquer provocação, sendo determinados de ofício pela Autoridade Policial que o preside.

Logo, as atividades do inquérito policial não precisam de provocação caracterizando, dessa forma, a presença da oficiosidade.

Conforme Sebastião Paulo da Silva Filho12 “eis aqui a razão da oficiosidade, em que a autoridade policial age em razão de ofício público, sem necessidade de uma superior ordem ou autorização, por isso dizer-se ex officio”.

Sobre o autor
Danilo Morais Correia

Pós-graduado no curso de especialização "lato sensu" de Polícia Judiciária e Sistema de Justiça Criminal da Academia de Polícia "Doutor Coriolano Nogueira Cobra" (2013). Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2010). Delegado de Polícia na Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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