Para que o uso e a exploração do espaço exterior sejam regulamentados de forma pacífica e efetiva, indispensável se faz a predominância de três interesses: a dos coletivos sobre os individuais, a do social sobre o mercantilista e, sobretudo, a do interesse humanitário sobre o estatal e o privado.
O Autor
RESUMO
O presente artigo tem como principal escopo a elucidação de pontos indispensáveis ao estudo do Direito Espacial Exterior, mais precisamente no que tange as intempéries entre a ultrapassada normativa espacial e o panorama tecnológico atual.
Não obstante, revela benefícios que os recursos marcianos e lunares podem trazer a humanidade, assim como versa sobre as possibilidades de se codificar os direitos de uso e exploração desses recursos em face de interesses estatais e privados sob uma ótica imparcial.
1 INTRODUÇÃO
Embora boa parte da humanidade ainda pense que estamos longe de atingir o espaço exterior de forma definitiva e efetiva, o avanço tecnológico espacial tem demonstrado o contrário.
Países desenvolvidos, como os Estados Unidos, Rússia e Japão, há mais de uma década já vêm desenvolvendo projetos para explorar os recursos do espaço exterior. Tais projetos não se referem apenas a uma corrida estratégico-militar, como ocorreu nas décadas de 60 e 70, pois hoje a ciência já identificou recursos minerais em alguns corpos celestes, os quais permitiriam inclusive a produção de energia elétrica local.
As novas descobertas tecnológicas alteram todo o plano de ação dos Estados, principalmente dos extremos capitalistas, haja vista que elas revelam meios de driblar as intempéries que impedem a permanência do homem no espaço exterior.
Todavia, para se garantir a presença humana de forma segura no solo lunar ou marciano, seriam necessários investimentos astronômicos por parte dos Estados e da iniciativa privada, os quais tornam-se altamente arriscados sem o respaldo de uma codificação efetiva.
Não obstante a busca por uma codificação acerca dos direitos de uso e exploração sobre os corpos celestes, assim como também uma definição de quais sujeitos poderiam exercer algum tipo de direito, faz-se necessário ainda, a regulamentação da parte intangível deste espaço, pela qual circulam os satélites artificiais e instrumentos de pesquisa tecnológica.
Os tratados internacionais e instrumentos jurídicos que versam sobre o tema, há tempos já são considerados ultrapassados para resolver conflitos inerentes aos direitos de uso e exploração do espaço exterior. Levando-se em consideração a velha máxima de que "o direito acompanha os fatos" e não o oposto, alguns casos que serão demonstrados nos próximos capítulos exigem urgência em sua codificação pelo Direito Espacial Exterior, pois o "velho" direito já não suporta mais as proposições da atualidade mundial.
Embora o presente estudo tenha como escopo principal a exegese das possibilidades de harmonização entre os instrumentos jurídicos internacionais e os casos práticos atuais que envolvem o Direito Espacial Exterior, preliminarmente, analisaremos os meios secundários que nortearão este estudo. Reconhecer e analisar o histórico do Direito Internacional Exterior, seus termos técnicos, e até mesmo as peculiaridades e dados científicos de cada corpo celeste se faz extremamente necessário para que o direcionamento seja mais efetivo, tenha embasamento Consuetudinário e, principalmente, seja analisado de forma imparcial.
Não obstante a imparcialidade referente à codificação é preciso também que se observe os direitos concernentes aos Estados em vias de desenvolvimento e sua participação no Direito Espacial Exterior. Embora estes países ainda não disponham de tecnologias de ponta para disputar na prática a exploração dos corpos celestes frente aos países desenvolvidos, devemos reservar especiais interesses quanto às possibilidades futuras de fazê-lo.
Tais interesses tornam-se imprescindíveis do ponto de vista dos Direitos Humanos, pois, ao lado de outros direitos futurísticos como os que versam sobre a genética e cibernética, o Direito Espacial Exterior envolve muito mais que interesses capitalistas, pois revela conseqüências aos direitos humanos e individuais como um todo. Devemos observar estes últimos com cuidado, para que não se encontre no espaço exterior as mesmas injustiças e parcialidades que observamos no Direito Internacional Terreno.
Sendo assim, como será possível conciliar os interesses privados e estatais dentro do espaço exterior? E, mais longe ainda, como será possível explorar de forma pacífica este espaço sem dele se apropriar?
2 DENOMINAÇÃO DO NOVO RAMO
Primeiramente, este novo ramo do Direito Internacional que estudaremos nas próximas páginas, tem sua definição confeccionada pelo mestre Marco G. Marcoff (1973), citado por Oliveiros Litrento, como "o conjunto de regras jurídicas que regem as relações internacionais decorrentes da exploração e das diferentes formas de utilização do espaço [01] [sic]" (OLIVEIROS TRENTO, 2001, p. 351), portanto, nestas linhas, entende-se que este "novo" ramo poderia ser denominado de Direito Espacial Exterior. Entretanto, encontram-se facilmente mais de dez denominações a respeito do tema, dentre elas, algumas merecem destacada exegese, tendo em vista que ainda não se chegou a um consenso em relação à definição do nome a se utilizar.
Direito Interplanetário, por Valladão [02] (1959), é um dos termos utilizados pela nova doutrina. Todavia, ao observar a definição da palavra interplanetário: "situado entre planetas" [03], verifica-se que o objeto de estudo a que pretende o ramo do direito em questão é muito mais amplo, o qual aborda outros corpos celestes além dos planetas, como os asteróides, cometas, estrelas e o próprio espaço utilizado pelos satélites.
Direito Cósmico, por Quadri (1959) e Lodigiani (1968) [04], também encontra algumas limitações, pois a definição de "cosmos" é: "o Universo" [05], e não obstante, verifica-se a definição de "Universo" como: "conjunto de tudo quanto existe; todo o espaço e a matéria nele contida (galáxias, estrelas, planetas, cometas, satélites, quasares e buracos negros) [06].
Desta forma, se consideramos a Terra como um dos planetas, sendo que os planetas estão contidos dentro da definição de Universo, o qual, ainda, tem o mesmo valor conceitual de Cosmos, tornaríamos impróprio o escopo jurídico dado pela expressão Direito Cósmico. Isso porque o planeta Terra não poderia fazer parte de tal ordenamento, pois este novo ramo do direito tem por objetivo estudar justamente as relações internacionais decorrentes da exploração e das diferentes formas de utilização do espaço exterior. Além disso, tendo por base a definição da palavra espaço como "extensão indefinida; vácuo situado além da atmosfera da Terra, onde se encontram todos os corpos celestes do Universo" [07], não seria adequado denominar este ramo do direito por Cósmico. Nesta via, não poderíamos incluir o planeta Terra nesta definição, pois este já possui seu próprio ordenamento jurídico. Teríamos que focar a definição apenas no que se refere ao espaço situado além de nossa atmosfera.
O jurista argentino A. Cocca (1957) [08], denomina este ramo do direito por Direito Espacial ou Novíssimo Direito. Todavia, vê-se a necessidade de discordar parcialmente do ponto de vista do jurista, atentando, preliminarmente, para a o estudo da palavra espacial [09]. Segundo sua definição, observamos que esta realmente se enquadra às pretensões do novo ramo do direito. Por outro lado, se não se acrescentar a palavra "Exterior", o termo poderá ser considerado incompleto para os fins que almeja atingir, pois, naquelas linhas, deixaria uma lacuna no que tange à delimitação do espaço em si, tendo em vista que o espaço pode ser dividido em aéreo ou exterior, tema que abordaremos nas páginas futuras do nosso estudo.
A respeito da segunda opção (novíssimo direito) citada pelo autor, faz-se necessário destacar a exacerbada generalidade dada à definição, posto que, atualmente, podemos considerar o ramo do direito em questão como o mais novo ramo em estudo. Porém, seria um tanto pretensioso batizar este com o superlativo novíssimo, haja vista que o direito acompanha os fatos e, certamente, surgirão outros ramos a serem estudados futuramente. Por instância, poderíamos citar até o biodireito [10], que, todavia, também poderia ser chamado de novíssimo direito.
A Federação Internacional de Astronáutica, assim como os textos internacionais aprovados pela ONU, adotam a expressão Direito do Espaço Exterior, que por sua vez é considerada pela majoritária doutrina como a mais próxima da adequada.
Sob esta visão, a referida expressão realmente é a mais próxima do ideal. Entretanto, o próprio Direito Internacional Público ainda não conseguiu estabelecer uma definição física para a palavra "exterior", pois não há um consenso a respeito do limite espacial entre o espaço aéreo e o exterior.
Beirando estas linhas, mesmo sem uma definição internacional-consensual de onde começa e termina cada espaço, acredita-se que a melhor definição seja a de Direito Espacial Exterior, a qual difere apenas no que tange à forma em relação a anterior.
3 LIMITAÇÃO DO ESPAÇO
Conforme a ótica de Celso D. De Albuquerque Mello (2002), o espaço pode ser dividido em aéreo e exterior, sendo este segundo ainda denominado de várias maneiras, dentre elas: epi-atmosférico, extra-atmosférico ou até ultra-atmosférico, porém, neste momento, dispensável se faz a exegese ou definição dos termos mencionados.
Entretanto, é indispensável para este estudo a definição "teórica" exata da limitação entre o espaço aéreo e exterior, pois é a partir de um ou de outro que serão aplicadas às normas do Direito Internacional direcionadas a cada caso, assim como a delimitação da soberania vertical de cada Estado. Diz-se "teórica" porque, na prática, se torna impossível definir com exatidão o momento limítrofe entre um e outro espaço, cabendo à Ciência lograr fazê-lo em momento oportuno.
Juridicamente falando, vários autores, cada qual à sua convicção, limitam a linha imaginária entre o espaço aéreo e exterior.
Alguns [11] juristas fixam como limite entre os dois espaços a convencional linha Karman, que toma por base o ponto colocado a 300 milhas de altura em relação ao nível do mar. Enquanto isso, o professor Ming-Min-Peng, citado por Amorin Araújo, entende que o espaço aéreo (interior) finda a partir do momento em que o homem não consegue mais utilizá-lo, sendo, desta forma, indispensável qualquer tipo de delimitação científica exata, reforçando ainda, sob o enfoque jurídico, que a Convenção de Chicago [12] abarca como espaço aéreo "todo o espaço acessível ao homem, muito além da Terra" (AMORIN ARAÚJO, 2002, p. 243).
José Cretella Júnior e José Cretella Neto (1999) mencionam o Congresso da Federação Aeronáutica Internacional, realizado em 1960, o qual definiu espaçonave como todo aparelho que ultrapassa 62 milhas de altura em relação ao nível do mar. Porém, a maioria dos projetos americanos tem usado como referência o valor de 90 milhas.
Outros autores ainda sustentam a teoria da soberania vertical infinita dos Estados, ou, até mesmo, uma delimitação entre os espaços aéreo e exterior pelo limite de poder efetivo dos Estados. Palavras estas que soam insanas frente a alguns estudiosos dos direitos humanos. Não obstante, estas teorias também se tornam inaceitáveis sob a ótica de Mateesco, citado por Celso Mello, tendo em vista que "pela rotação da Terra os Estados perderiam continuamente sua soberania sobre porções do espaço, conforme as diversas posições que nosso astro tomaria no tempo e na sua trajetória cósmica" (CELSO MELLO, 2002, p. 1282).
Em 1979, no Comitê do Espaço Extra-atmosférico, a Rússia ainda teria tentado estabelecer como fronteira entre os dois espaços na altitude de 110 km, a contar do nível do mar, sendo que ainda seria permitido o sobrevôo de engenhos espaciais, abaixo da mencionada altitude, quando estes estivessem sendo colocados em órbita ou retornando desta.
Sob o ponto de vista deste estudo, o que soaria mais plausível na aplicação do Direito Espacial Exterior atual, seria a teoria das zonas defendida por Cooper e citada pelo professor Celso D. De Albuquerque Mello, na qual
o Estado teria uma soberania até uma certa altura; posteriormente, haveria uma zona contígua onde o Estado teria direitos visando a sua segurança e seria dado um direito de passagem aos engenhos não militares. Posteriormente, então, viria uma zona inteiramente livre. (CELSO MELLO, Id. Ib., pg. 1282).
Todavia, embora raciocine em uma linha quase perfeita, Cooper ainda não se atreve a mencionar valores para a delimitação de uma linha limítrofe entre os espaços. Sendo que, a partir deste momento, poderia se emprestar tais valores da teoria de Schachter, citado por Celso Mello (Id. Ib., pg. 1282), pela qual entende-se como espaço aéreo a área acima de 20/25 milhas de altitude, contando-se do nível do mar, pois este é o limite científico pelo qual a densidade do ar é considerada suficiente para suportar aviões. Ou seja, o espaço acima deste limite só poderia ser atingido pelos engenhos espaciais, onde justamente começaria a área de estudo do Direito Espacial Exterior, embora este limite ainda esteja localizado na zona atmosférica.
4 O DIREITO ESPACIAL EXTERIOR E A LUA
4.1 INFLUÊNCIA DA LUA SOBRE A TERRA
Inúmeros são os benefícios que os recursos explorados na Lua podem trazer ao ser humano. Desta forma, para efeitos jurídicos norteatórios, relevante se faz mencionar alguns pontos da importância que o corpo celeste em questão exerce sobre o planeta Terra.
Embora saibamos que a admiração do homem pela Lua vem dos primórdios, esta só alcançou considerável dimensão política a partir dos anos 60, quando os Estados Unidos e a antiga União Soviética disputaram os primeiros passos em sua superfície, o que, posteriormente, veio inclusive culminar em uma corrida armamentista.
Distante do lado obscuro que a exploração dos recursos da Lua pode originar, José Monserrat Filho ainda consegue descrever os benefícios e encantos que esta já revelou ao ser humano:
Os romanos a chamavam de Luna, os gregos de Selene e Artemis. Deusa e altar de preces, juras e promessas, serviu para as populações indígenas, ainda serve de calendário, orientou os nômades, guerreiros e viajantes, marcou as épocas de plantios e colheitas, ajudou a prever o tempo, inspirou e continua a inspirar poetas, seresteiros e ficcionistas, agitando lobos e vampiros, elevando os enamorados. (2001) [13]
Tecnicamente falando, a Lua possui um volume 50 vezes menor que o da Terra, tem uma área total de 38.000.000 Km2, equivalente à cerca de 4.5 vezes o território brasileiro, e diâmetro médio não ultrapassando 3.476 Km. É o corpo celeste localizado mais próximo de nosso planeta e considerado o único satélite natural da Terra. Desenvolve trajetória elíptica em torno do nosso planeta, dividindo-se em quatro fases – Lua Nova, Quarto Crescente, Lua Cheia e Quarto Minguante, renovadas a cada 29.5 dias.
Para ressaltar a influência da Lua sobre a Terra, ainda se pode mencionar um estudo realizado pelos físicos do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN) em 1992, citado no artigo do professor Monserrat Filho (Id. Ib.), pelo qual se verificou um estranho fenômeno.
Durante uma pesquisa realizada no Grande Acelerador Elétron-Pósitron [14], situado em um túnel 100 metros abaixo do solo, os físicos perceberam que a oscilação da energia das partículas aumentava em 0.0001% duas vezes ao dia, sendo que depois de uma hora retornavam ao normal.
Após meses de indagações, descobriram que as variações estavam em sincronia com as marés, devido à atração gravitacional da Lua e do Sol. Todavia, esta aparente "insignificante" variação, sobre os 27 Km de extensão do túnel, era responsável pelo fenômeno da flutuação. Desde então, os físicos obrigam-se a estudar os fenômenos da Lua para obterem a devida precisão em seus experimentos.
Ademais, também se pode verificar que as missões tripuladas e não-tripuladas á Lua já identificaram significativas descobertas acerca da influência do corpo celeste sobre o nosso planeta, pois as rochas coletadas na Lua revelaram dados iniciais do sistema solar.
4.2 APROPRIAÇÃO DA LUA
4.2.1 Fatos
Para muitos pode soar precoce a busca pela precisa codificação do Direito Espacial Exterior. Contudo, embora pareça que o universo jurídico esteja atualizado em sua pretensão, alguns fatos, ou melhor, atos, nos levam a pensar que a esperteza humana, e aqui sim, com melhores e mais suaves palavras pode-se dizer, "prepotência capitalista humana", deixa claro que tal busca já pode ser enquadrada em seu limite máximo de necessidade.
Em 1980, o empresário americano Dennis Hope [15] registrou em um cartório da cidade de Gardnerville, Estado de Nevada, Estados Unidos da América, nada mais nada menos do que a Lua como sua propriedade. A partir deste ponto, juridicamente falando, Hope estava legalmente investido do direito de alienar o solo lunar. Sem perder tempo, ele abriu a "Lunar Embassy" (Embaixada Lunar), loteou o território lunar e iniciou a comercialização da Lua.
Duas décadas depois, Hope já ultrapassou a venda de dois milhões e meio de lotes lunares em 80 diferentes países. Os lotes mais acessíveis são vendidos por US$ 19.99 o acre (0.4 hectare), mas lotes mais privilegiados, próximos ao Mar da Tranqüilidade e ao Mar da Serenidade são bem mais caros, sendo alguns deles já adquiridos por renomados atores e deputados americanos. A "Lunar Embassy" fornece certificados de propriedade aos compradores, alegando, desta forma, garantir a autenticidade do negócio.
Não contente com o invejável lucro auferido, Hope ainda expandiu o negócio e vendeu franquias da sua empresa para comerciantes locais de países como a Romênia, Suécia, Japão, Canadá, Nova Zelândia e Rússia, por um preço único de 75 mil dólares, sendo que os novos franqueados ainda são obrigados, conforme contrato, a vender um número mínimo de lotes mensais.
Quanto á legalidade do negócio, Hope afirma estar totalmente investido de seus direitos de propriedade. Ele calca sua afirmação no artigo segundo do Tratado do Espaço Exterior [16], principal instrumento jurídico que versa sobre os direitos de exploração do espaço em questão. De acordo com o tratado, a Lua e os demais corpos celestes são considerados propriedade de toda a humanidade e, portanto, não estão sujeitos à apropriação nacional. Desta forma, segundo Hope, o referido tratado não versa, explicitamente, sobre qualquer tipo de apropriação individual, o que a torna factível.
A Organização das Nações Unidas considera a alegação de Hope infundada. Por outro lado, a legislação do Estado de Nevada admite a alienação de terrenos sobre os quais ninguém pode caminhar, arar sobrevoar ou navegar, embora o governo do Estado de Nevada não entenda que a jurisdição deste Estado se estenda até a Lua, questão sobre a qual o tratado supracitado também se omite. Todavia, o porta-voz da secretaria de Justiça do Estado, Tom Sargent [17], afirmou que enquanto a "Lunar Embassy" pagar seu imposto anual de cem dólares e não houver queixas, esta manterá sua licença para funcionamento, o que já não ocorreu com outros franqueados no exterior, que foram presos acusados de fraudes.
Sob a ótica do Direito Espacial Exterior, o fato chega a soar hilário, mas carece, no entanto, de toda a atenção necessária para que não se torne factível no futuro. Embora muitos pensem que o caso em questão não passe de uma brincadeira, já podemos verificar dimensões universais geradas por tais acontecimentos.
Na Alemanha, cerca de 1200 novos compradores que adquiriram seus certificados, através de um anúncio em um jornal alemão, reivindicaram seus "direitos de propriedade" quando souberam que a Nasa planejava construir uma base lunar nos próximos anos. Convictos de seus direitos, os leitores escreveram várias cartas ao jornal reclamando da audácia do governo americano em invadir seus terrenos. O redator-chefe do jornal Sauerland-Kurier, Torsten-Eric Sendler, sugeriu na ocasião que os "proprietários" enviassem cartas ao Presidente George W. Bush para defender seus "direitos", sendo que mais de sessenta cartas foram encaminhadas à Casa Branca. Nas cartas, os alemães alertavam inclusive para que os americanos nem sequer sujassem suas "propriedades". [18]
4.2.2 Exploração e comercialização
A especulação comercial em relação à Lua é antiga, desde o programa Apollo, nos anos 61 e 69, os americanos já sonhavam em tirar vantagens dos benefícios do solo lunar e vencer a corrida tecnológica contra a União Soviética, país que chegou a lançar 24 sondas automáticas à Lua entre os anos de 1959 e 1976. Desde então, dezenas de projetos, estatais e privados, aguardam a oportunidade de serem concretizados pelos americanos.
Para que se tenha uma idéia da isolada liderança que os americanos exercem sobre a tecnologia espacial, os europeus só revelaram um trabalho significativo na área no ano de 1984, com a criação do Programa Horizon pela Agência Espacial Européia. Já os japoneses, só conseguiram demonstrar sua tecnologia no setor em 1998, quando enviaram a nave Planet-B a Marte [19].
Mesmo cientes de que não há oxigênio e recursos líquidos no território lunar, e de que o ser humano ainda não seria capaz de suportar uma temperatura que atinge os 110°C durante o dia e chega aos 155°C negativos à noite, os americanos não desistem de tentar colocar em prática seus projetos comerciais.
Ademais, os planos de investimentos científico e tecnológico do Governo Bush vêm animando os investidores americanos nos últimos anos. Empresas que trabalham com o lançamento de foguetes, como a Lockheed Martin e a Boing, já demonstram interesses expressos em realizar missões tripuladas à Lua e, inclusive, sugerem a obtenção de contratos adicionais de fornecimento com o próprio programa espacial, ignorando assim, os altos prejuízos que já foram gerados com investimentos neste setor. A Boing, por exemplo, esteve desde as suas origens envolvida no programa espacial, sendo a principal fornecedora de equipamentos para a Estação Espacial Internacional, assim como para o programa lunar Apollo, o qual mobilizou 20 mil empresas e cerca de 350 mil pessoas. Seu custo chegou aos 25 bilhões de dólares, dez vezes mais que o projeto Manhatan, responsável pela criação da bomba atômica [20].
A concorrência empresarial para se obter o acesso direto aos recursos espaciais vem desafiando a posição dos governos nacionais em relação à comercialização e apropriação da Lua. Por instância, o empresário americano James W. Benson criou em setembro de 1997 a "Space Dev´s Near Earth Asteroid Proospector mission", pela qual planejava promover expedições planetárias de longo alcance já no ano de 1999. Benson pretendia enviar a primeira nave privada a outro corpo celeste para coletar recursos através de robôs, e ainda pensava em vender estes recursos, assumindo-os como suscetíveis de apropriação.
Outro grande exemplo de visão extremamente mercantilista é o da empresa, também norte-americana, LunaCorp, que pretendia enviar dois veículos robotizados à Lua no ano 2000, o chamado projeto "Lunar Rover Expedition" [21]. Os veículos enviados estariam conectados a parques temáticos aqui na Terra, sendo que os visitantes destes parques poderiam então conduzir veículos através de imagens enviadas de vídeos diretamente do solo lunar, fazendo assim, com que os usuários se sentissem no satélite natural da Terra. David Gump, presidente da LunaCorp, chegou inclusive a planejar um suposto trajeto que poderia ser percorrido pelos turistas virtuais. Passariam pelo local onde pousou a Apollo 11, em 1969, em seguida visitariam os destroços da Surveyor 5 e Ranger 8, estacionariam no local onde pousou a Apollo 17, em 1972, e por ultimo passariam pelo carro lunar Lunakhod 1, extraviado no início dos anos 70. Para garantir a efetividade do projeto e também sua utilidade pública, a LunaCorp assinou um contrato com a Nasa para que os veículos acoplem instrumentos de análise do solo lunar, sendo que o aluguel dos carros custará 3.5 mil dólares por hora, com direito a exclusividade de uso dos cientistas, e 600 mil dólares o quilo de carga científica embarcada.
Já na visão do fundador do "Space Frontier Foundations" (sem fins lucrativos), Rick N. Tumlinson [22], que organiza uma convenção anual para empreendedores e pesquisadores, os conceitos mais ousados relativos à Lua prevêem a construção de uma enorme usina elétrica para abastecer a Terra. Tal empreendimento poderia ser realizado através de campos de energia solar, com sistemas parecidos aos utilizados atualmente para transmitir sinais de rádio de alta energia. Tumlinson calca sua tese nos estudos do diretor do Instituto de Operações Espaciais da Universidade de Houston, David R. Criswell, o qual afirma que todos os materiais necessários para montar um projeto de energia solar na Lua já foram encontrados nas rochas e na poeira lunares. Ainda ressalta que, em 2005, já seria possível lucrar com tal investimento, e em 2050, a energia produzida na Lua poderia prover toda a eletricidade necessária para suprir a Terra.
4.2.3 Turismo lunar
Todavia, o interesse humano pelo satélite natural não pára por ai. Além da exploração dos recursos naturais e a busca pela apropriação da Lua, já se evidenciam os primeiros projetos para sua exploração turística, pois a possibilidade da geração de energia elétrica na Lua facilitaria a implementação de empreendimentos desta natureza.
Em 1990, a cadeia de hotéis Hilton, considerada uma das maiores do mundo, já manifestava interesse pelo potencial do turismo lunar. Em seu projeto, planejava construir um complexo de 325 metros de altura, com cinco mil habitações, praia, restaurantes, igreja, hospital e colégio. Além da infra-estrutura física do complexo, os hóspedes poderiam usufruir de atividades exclusivas do solo lunar, como aproveitar a gravidade da lua para jogar uma partida de golfe em longas distâncias ou, até mesmo, experimentar a sensação de voar em máquinas espaciais. Os proprietários da companhia acreditam que, embora tudo isso seja apenas um projeto, a façanha seria tecnologicamente possível [23].
Ademais, devido à baixa gravidade da Lua, a energia empregada na construção do "Resort" seria muito menor que se a mesma obra fosse realizada na Terra.
4.3 Enfoque jurídico
Os casos anteriormente mencionados levantam questões importantes em relação à existência de um direito legítimo de apropriação, exploração e uso dos recursos da Lua. Tais projetos exigem investimentos astronômicos e são considerados de altíssimo risco. Nesta via, sem o respaldo jurídico adequado, estes seriam impraticáveis sob o ponto de vista do Direito Espacial Exterior.
Dentro do universo jurídico americano, ainda não se observa um ponto de vista majoritário acerca do assunto. A linha legalista se abraça ao Tratado do Espaço Exterior e defende o satélite natural como patrimônio da humanidade, sendo insuscetível de qualquer apropriação humana. Por outro lado, a linha patriota-capitalista acredita que os direitos de propriedade poderiam ser aplicados em projetos como coleta de energia solar ou mineração, os quais beneficiariam o ser humano em geral.
Ainda há uma terceira linha, liderada por Alan Wesser, membro da National Space Society, citado por Monserrat Filho (2001) [24], pela qual se defende o direito de apropriação privada (norte-americana) em relação à Lua. Wesser alega que o Acordo da Lua veda qualquer tipo de soberania estatal ou privada sobre a Lua. Entretanto, o Tratado do Espaço Exterior veda tão somente as reivindicações de soberania nacional. Sendo assim, como os Estados Unidos ratificou apenas este último, e não o Acordo da Lua, estaria suscetível de apropriação no âmbito privado. Inclusive, Wesser sugere a elaboração de uma lei que garanta aos tribunais norte-americanos reconhecerem qualquer reclamação de propriedade por parte de entidades privadas, assim como competência para rejeitar qualquer tipo de reclamação de soberania nacional.
Em outras linhas, o professor José Monserrat Filho demonstra seu pensamento adverso:
Primeiro, não é certo que o Tratado do Espaço Exterior permita a instauração da propriedade privada. (...) Depois, não compete aos tribunais norte-americanos julgar pedidos de propriedade na Lua ou em qualquer outro corpo celeste, nem aos Estados Unidos é dado o direito de conferir títulos de propriedade nos caminhos do universo. No espaço, inclusive a Lua e demais corpos celestes, vigoram, acima de tudo, o Direito Internacional geral e, especialmente, o Direito Internacional Espacial, que regula as atividades ali desenvolvidas e determina seu regime jurídico (2001) [25].
Desta forma, há de se concordar com o professor Monserrat filho, pois acima de tudo, ambos [26] os instrumentos, definiram o espaço exterior como patrimônio da humanidade. Embora o Tratado do Espaço Exterior tenha deixado uma lacuna no que diz respeito à apropriação privada, deve-se, neste ponto, aplicar de forma subsidiaria o Acordo da Lua, pois ambos os instrumentos tem o mesmo escopo jurídico [27], sendo o segundo apenas mais especifico.
Todavia, não se vincula o princípio da não-apropriação quanto aos bens levados e constituídos lá por um Estado e seus nacionais, assim como versa o professor Monserrat Filho (2001) [28], pois segundo o artigo 8° do Tratado do Espaço Exterior, o Estado mantém sua jurisdição e controle sobre o objeto em seu registro [29] lançado ao espaço exterior, incluindo o pessoal a bordo deste objeto. Ademais, o tratado assegura que os objetos lançados permaneçam inalterados enquanto estejam no espaço exterior ou durante seu percurso entre a Terra. Entretanto, tal prerrogativa não se aplica às partes da Lua e seus recursos.
Quanto à apropriação dos recursos da Lua, Monserrat (2001) [30] cita a opinião do professor Manfred Lachs – que foi juiz da Corte Internacional de Haia e presidiu o Sub-comitê jurídico do Comitê da ONU para o Uso Pacífico do Espaço (COPUS) durante a fase de elaboração do Tratado do Espaço Exterior – explica que "os Estados devem ser impedidos de estabelecer vínculos de propriedade [31] na nova dimensão. (...) a nenhum Estado se permite este status exclusivo, porque impede que outros exerçam iguais direitos sobre elas". (MONSERRAT, 2001) [32]
Quanto à extração destes recursos, Lachs ainda explica que: "Nem a prioridade na descoberta, nem o domínio da tecnologia podem constituir título para se gozar de direitos exclusivos neste campo" (MONSERRAT, 2001) [33]. Na verdade, Lachs vem apenas elucidar o inciso 3 do artigo 11 do Acordo da Lua.
Por outro lado, Bess C. M. Reijnen, afirma que o inciso 3 do referido artigo versa apenas sobre os recursos não removidos de seu estado natural, sendo que "decorre que se pode estabelecer os direitos de propriedade sobre os recursos naturais não in situ, ou seja, depois de removidos de seu lugar para a Terra ou para qualquer local do espaço exterior" (MONSERRAT FILHO, 2001) [34].
Desta forma, Monserrat explica que esta concepção justificaria, por exemplo, a coleta de rochas lunar feita pelos astronautas norte-americanos durante as missões Apollo, pois estas estariam soltas no solo (não figuravam como recursos in situ).
Todavia, é natural pensar que este raciocínio sugira formas burlativas para se apropriar dos recursos da Lua, pois se considerarmos que somente os recursos in situ seriam inapropriáveis, bastaria que um indivíduo qualquer fragmentasse um recurso em seu estado natural para que a parte fragmentada se tornasse apropriável.
Sendo assim, como seria possível explorar a Lua sem dela se apropriar?
Monserrat (2001), explica que uma possível solução poderia ser calcada no artigo 11 do Acordo da Lua.
Primeiramente, ele aponta uma certa contradição entre os incisos 2 e 4 do artigo 11 do referido Acordo, pois, segundo o inciso 2, "a Lua não pode ser objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio" (MONSERRAT, 2001) [35]. Já conforme o inciso 4, "os Estados–Partes têm o direito à exploração e ao uso da Lua, sem qualquer discriminação, em condições de igualdade em conformidade com o Direito Internacional e as cláusulas deste acordo" (MONSERRAT, 2001) [36].
Todavia, segundo Monserrat, os incisos 1 e 5 vêm elucidar o conteúdo da solução, pois o primeiro afirma que "a Lua e seus recursos naturais são patrimônio comum da humanidade como expressam as cláusulas do presente acordo" (MONSERRAT, 2001) [37], o inciso 5 versa que os Estados-Partes "obrigam-se a estabelecer um regime internacional, inclusive os procedimentos adequados, para regulamentar a exploração dos recursos naturais da Lua, quando ficar evidente que esta exploração se tornará possível dentro em breve" (MONSERRAT FILHO, 2001) [38].
Nestas linhas, ele acredita que a melhor saída
é transformar a Lua e seus recursos naturais em patrimônio comum da humanidade, (...) a ser explorado e usado por meio de um regime internacional, criado pelos signatários do acordo, com os quatro objetivos contidos no inciso 7 do artigo 11:
a)aproveitamento ordenado e seguro dos recursos naturais da Lua;
b)administração racional destes recursos;
c)expansão das possibilidades de utilização destes recursos; e
d)distribuição eqüitativa entre todos os Estados-Partes dos benefícios auferidos destes recursos, levando em consideração os interesses e necessidades dos países em desenvolvimento, bem como os esforços daqueles Estados que, direta ou indiretamente, contribuíram para a exploração da Lua. (MONSERRAT, 2001) [39].
Não obstante, ainda há de se mencionar a preocupação com a monopolização por parte da Nasa dentro da arena espacial exterior, haja vista que mesmo sem a existência de uma codificação do direito em questão, já se observa resistência da Nasa em relação às negociações com empresas privadas do ramo.
Atualmente, dois documentos regulam as atividades humanas na Lua. O primeiro deles é o Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Exterior, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes, de 1967, conhecido como "Tratado do Espaço" [40]. Este instrumento conta com 93 ratificações (inclusive a brasileira) e 27 assinaturas. O outro documento é o Acordo que Regula a Atividade dos Estados na Lua e demais Corpos Celestes, de 1979, e vigente desde 1984, chamado de "Tratado da Lua" [41]. Em março de 1998 este tratado contava com nove ratificações e cinco assinaturas.
Ambos não chegam a codificar o Direito Espacial Exterior de forma a acompanhar as necessidades tecnológicas atuais. Na verdade, para a própria época em que entraram em vigor, já eram considerados incompletos. Entretanto, embora o teor de seus dispositivos gere mais incertezas que esclarecimentos, estes ainda trouxeram uma certa "regulamentação" que, mesmo de forma incompleta, ainda conseguiu evitar maiores injustiças.