Em primeiro plano, cumpre-se observar preliminarmente que, atualmente, a doutrina e a jurisprudência, especialmente o STJ, têm caminhado incessantemente na busca de soluções mais adequada e com os preceitos constitucionais que tratam da ordem econômica e que, em última análise, objetivam a preservação das empresas e de suas unidades produtivas.
Ainda, é entendimento que tal princípio, explícito na Lei 11.101/2005 deve ser aplicado às ações falimentares propostas sob a égide do antigo Decreto-Lei 7.661/45, que fazia referência somente à comprovação da impontualidade no pagamento como requisito para a decretação da falência.
Existe uma finura na forma como a questão é colocada, a delicadeza da situação reside, em que não se está propriamente a discutir a aplicação de uma regra especifica, mas sim de um princípio, qual seja, o da preservação da empresa, que é fundamental para qualquer discussão a respeito da matéria falimentar, seja no atual ou no antigo diploma.
O STJ apresenta especial preocupação em coibir a utilização da ação falimentar como simples meio executivo visando o recebimento de créditos não pagos oportunamente. Também, verifica-se entendimento no sentido de que o princípio da preservação da empresa, claramente adotado pela Lei 11.101/2005, também era, mesmo que implicitamente, diretriz a ser seguida pelo antigo Decreto-Lei 7.661/45.
A aplicação do princípio da preservação da empresa às ações propostas sob a égide do Decreto-Lei 7.661/45, diz respeito a interpretação da lei antiga. Assim sendo, em princípio, nenhum erro existe em buscar uma interpretação para o art. 1° do Decreto-Lei n° 7.661/45, aplicável ainda depois de sessenta anos, que seja mais adequada ao atual estado de desenvolvimento do capitalismo brasileiro, privilegiando-se a manutenção da unidade produtiva ao invés da satisfação duvidosa de uma dívida.
É evidente que a vontade do legislador quando da elaboração do Decreto-Lei 7.661/45 e da atual Lei 11.101/2005 não era de possibilitar a quebra de um empreendimento em razão do inadimplemento, sob a égide do Decreto-Lei 7.661/45 o objetivo era a manutenção da atividade empresarial.
Por sua vez, fica patente a preocupação do STJ no sentido de dar aplicação ao princípio da preservação da empresa, pois, admitir a possibilidade de procedência de pedido falimentar rastreado em valores de pequena monta, significaria imputar-se à sociedade e aos trabalhadores a parte mais cruel da punição. Ocasionaria em admitir que a satisfação do interesse dos credores seja posto em mais alto plano quando confrontado com a perda de arrecadação e renda decorrentes da falência.
A proteção jurídica do empresário deve ter em mira aspectos outros, notadamente aqueles de cunho social, eis que o empresário não exerce sua atividade em seu exclusivo interesse, como também não se pode desconsiderar a importância da atividade empresarial para a sociedade como um todo, é inviável supor que todo e qualquer crédito possa servir de suporte ao pedido falimentar.
O princípio da preservação da empresa tem como objetivo principal proteger a atividade empresarial, assim, não se busca a proteção no interesse exclusivo do empresário, mas antes e acima de tudo, no interesse da sociedade.
Enfatize-se que o antigo Decreto-Lei n° 7.661/45 foi erigido em uma época em que o procedimento falimentar tinha como escopo principal o encerramento da atividade empresarial, com vistas à preservação do interesse particular.
Tal situação, a supremacia do interesse particular sobre o social, firmado na possibilidade de falência e consequente cessação das atividades empresariais, conduzia, não raramente, a própria impossibilidade de recebimento dos créditos por parte do credor. Por vezes, a nocividade do decreto falimentar alcançava a todos aqueles que mantinham algum tipo de relação comercial com o falido.
A antiga lei de falência foi revogada pela Lei 11.101/2005, a qual incorporou ao ordenamento jurídico princípios orientados para a preservação da atividade produtiva da empresa.
A nova lei de falências revela a preocupação social com a manutenção das empresas em dificuldades e antes as consequências decorrentes da cessação da atividade produtiva, prejudicando, não raramente, mais o credor que o próprio empresário.
Neste sentido, deve-se dizer também que embasado no princípio da preservação da atividade empresarial, definiu-se que em caso de recuperação judicial, ficam suspensas as ações e execuções, que se encontravam em curso, inclusive na justiça trabalhista.
Cumpre frisar que o objetivo da recuperação é a preservação da sociedade empresária, a da fonte produtora, em beneficio dos trabalhadores não dispensados, da arrecadação de impostos, dos próprios credores, da manutenção dos empregos indiretos e de outros beneficiados com a atividade econômica.
Neste sentido, se faz imprescindível que a vis attractiva do juízo universal, seja aplicável também à recuperação judicial, uma vez que seria incoerente que os credores pudessem, concomitantemente, exercer individualmente seu direito à cobrança judicial e ao concurso de credores.
Diane deste cenário, a nova legislação falimentar retirou o foco principal da simples decretação de falência da empresa passou a estimular a possibilidade de sua recuperação judicial e manutenção da atividade. Pois, segundo a Lei 11/101/2005, cumpre aos juízos de recuperação judicial a aprovação de planos de recuperação tão somente quando se apresentem viáveis e exequíveis, cabendo assim aos administradores judiciais a implementação de projetos voltados a atingir as metas fixadas.
Outrossim, no que tange aos planos de recuperação, uma vez aprovado e homologado o plano, não se faz plausível a retomada das execuções individuais após o mero decurso do prazo legal; a consequência previsível e natural do restabelecimento das execuções, com penhoras sobre o faturamento e sobre os bens móveis e imóveis da empresa em recuperação implica em não cumprimento do plano, seguido de inevitável decretação da falência que, uma vez operada, resultará, novamente, na atração de todos os créditos e na suspensão das execuções individuais, sem beneficio algum para quem quer que seja.
Impende salientar, que é bem verdade, que a manutenção de possíveis execuções individuais tornaria sem efeito o plano de recuperação judicial, uma vez que se entende que seria impossível seria a qualquer empresa reestruturar sua atividade produtiva diante da execução de seu patrimônio promovida no exclusivo interesse de alguns credores. Neste sentido, não se vislumbra aqui uma proteção ao empresário, mas sim da empresa, entendida como fonte produtiva e geradora de renda.
Na situação em epígrafe, a OAS, uma das maiores empresas brasileiras do setor de engenharia e infraestrutura com mais de 40 anos no mercado, que se encontra em Recuperação Judicial, apresentou liminares ao STJ, solicitando a imediata liberação de todos os bens e valores constritos, como também defendeu que apenas o juízo da 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo pudesse resolver as questões que versassem sobre o patrimônio da empresa.
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento de que os atos de constrição sobre patrimônio das empresas em recuperação (como a penhora, por exemplo) devem ser analisados pelo juízo de recuperação judicial.
O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, deferiu parcialmente duas liminares em conflito de competência para suspender os atos de constrição de patrimônio praticados pelo Juízo Federal da 8ª Vara e pelo juízo da 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro (RJ) contra a construtora OAS, atualmente em recuperação judicial.
As liminares são válidas até o julgamento de mérito dos conflitos de competência, o que será feito pela Segunda Seção, ainda sem data definida. O presidente do STJ designou o Juízo de Direito da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo (SP) para decidir, nesse ínterim, as medidas que possam ser necessárias no caso.
João Otávio de Noronha ressaltou que os bens e valores da empresa que foram bloqueados deverão ficar à disposição do Juízo da Recuperação Judicial, que decidirá sobre a sua liberação.
Na petição dirigida ao STJ, a construtora defendeu que apenas o juízo da 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo pudesse resolver as questões que versassem sobre o patrimônio da empresa. A OAS pediu também a imediata liberação de todos os bens e valores constritos.
O primeiro conflito foi suscitado após decisão do juízo da 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro que determinou, no âmbito de uma ação de improbidade administrativa, o bloqueio de mais de R$ 150 milhões do patrimônio da OAS.
O segundo conflito surgiu após decisão da 11ª Vara Federal no Rio de Janeiro de decretar a indisponibilidade de bens da OAS em valor superior a R$ 100 milhões, no âmbito de outra ação.
Juízo Universal
Ao analisar os pedidos, o ministro João Otávio de Noronha lembrou que, segundo a jurisprudência do STJ, os atos de execução dos créditos individuais promovidos contra empresas falidas ou em recuperação judicial devem ser realizados pelo juízo universal, "incluindo a deliberação acerca da destinação dos valores atinentes aos depósitos recursais feitos em reclamações trabalhistas, ainda que efetivados anteriormente à decretação da falência ou ao deferimento da recuperação".
Segundo o ministro, a jurisprudência também afirma que é incabível a retomada automática das execuções individuais, mesmo após decorrido o prazo de 180 dias previsto na Lei de Falências (Lei 11.101/2005).
"Sob essas diretrizes, portanto, considero configurado o fumus boni juris referente ao pedido de suspensão dos atos constritivos determinados pelo Juízo Federal da 8ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro", resumiu o presidente do STJ. O mesmo entendimento foi ratificado pelo ministro no conflito envolvendo a decisão da 11ª Vara Federal.
Noronha destacou, ainda, o perigo na demora evidenciado nos atos do juízo federal, já que, em ambos os conflitos, "mesmo ciente da recuperação judicial, manteve a indisponibilidade dos bens".
Diante do exposto apresentado, como advogado empresarial, atuante no Direito Penal Econômico, dentre outras ramificações do Direito Brasileiro, compreendo que é certo que a decretação de falência de uma empresa representa o fim de empregos e a queda na arrecadação de tributos, e, conforme o caso, ocasionaria sérios problemas para a economia regional.
A antiga legislação falimentar brasileira mostrava-se em desacordo para com as mudanças econômicas e sociais, sua essência era voltada em busca de satisfazer os interesses dos interesses dos credores, mesmo que isto implicasse no desequilíbrio econômico da sociedade.
Neste sentido, entendo que a Lei. 11.101/2005 representou sensível evolução e consolidação do princípio da preservação da empresa, como também a ampla a aceitação do princípio da preservação da empresa nos mais recentes julgados do STJ, tanto para a falência como para a recuperação judicial.
Também, com apoio no princípio, tem-se entendido que, durante o processo de recuperação judicial, as execuções individuais devem ser suspensas, sob pena de se inviabilizar o plano de recuperação, assim sendo, somente deve ser liquidada a empresa inviável, que não comporta uma eficiente reestruturação o que não é caso presente aqui mencionado.
Por fim, não se deve ignorar que o atual ordenamento jurídico, preocupado com a manutenção das empresas em dificuldades e ante as consequências que decorrem do encerramento das atividades produtivas, impôs um piso mínimo para o montante das obrigações que devem embasar o pedido de falência. A jurisprudência do STJ ao prestigiar a aplicação do princípio da preservação da empresa, prioriza o interesse publico residente na manutenção das atividades empresariais.