Se tornou corriqueiro encontramos a expressão “lavagem de dinheiro” nos noticiários, principalmente ao ser relacionada aos escândalos nos quais os protagonistas são funcionários públicos, empresários e políticos, quando, geralmente, são flagrados com altas quantias em dinheiro guardadas ou escondidas em seus imóveis.
Mas, afinal, guardar dinheiro em casa poderá configurar crime?
A resposta é: depende!
Se o dinheiro tiver origem lícita, crime algum estará sendo cometido.
Porém, se o dinheiro tiver origem criminosa, algumas considerações são necessárias.
Preliminarmente, é preciso esclarecer que, muito embora o crime em comento tenha sido popularizado como “lavagem de dinheiro”, por razões de abrangência conceitual adotamos aqui o termo “lavagem de capitais”, conquanto a lei se utiliza dos termos bens, direitos e valores.
Pois bem, o que seria o crime de “lavagem de capitais”?
O crime de lavagem de capitais tem sua primeira previsão legal na Lei 9.613/98 com posterior aprimoramento pela lei 12.683/2012.
Para melhor esclarecer, trazemos aqui o conceito de “lavagem de capitais”formulado por MARCO ANTONIO DE BARROS[1], como sendo “um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação, na economia de cada pais, de modo transitório ou permanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita e que se desenvolvem por meio de um processo dinâmico teoricamente composto de três fases independentes e simultâneas, denominadas conversão, dissimulação e integração (…)”
Ultrapassada esta consideração conceitual, passamos a imaginar que a polícia no transcorrer de uma operação encontre valores em dinheiro escondidos na casa de uma pessoa investigada pela prática de crimes contra a administração pública.
Assim, para a configuração do crime de lavagem de capitais deverá se demonstrar que aquele dinheiro apreendido pela Polícia era produto de crime ou contravenção penal e estava ali escondido temporariamente para ser integrado ao sistema econômico com aparência de obtenção lícita por meio de processos de ocultação e dissimulação.
Por exemplo: ainda que o dinheiro esteja guardado em cofre da residência, a investigação policial consegue descobrir que um doleiro já sabia da existência daquele valor e estaria disponibilizando procedimento para encaminhá-lo para algum paraíso fiscal no exterior. Não há dúvida aqui a respeito da consumação do crime de lavagem de capitais.
Entretanto, “se alguém rouba um banco e esconde o dinheiro para depois usá-lo para aquisição de bens de consumo pessoal, em seu próprio nome, como carros ou imóveis, oculta o dinheiro do ponto de vista objetivo, mas não há tipicidade de lavagem de dinheiro porque sua intenção não é a reciclagem do capital, mas apenas exaurir o crime antecedente. O agente não busca conferir uma aparência lícita aos bens obtidos pelo crime, mas apenas aguardar o melhor momento para usufruí-los”.[2]
Por exemplo: o dinheiro está guardado no cofre da residência e a investigação descobriu que parte daquele valor foi utilizado para comprar um veículo de luxo. É evidente que aqui não estaria ocorrendo o crime de lavagem de capitais porque o dinheiro foi apenas usufruído e não reinserido na economia para lhe conferir aparência lícita.
O Superior Tribunal de Justiça segue esse entendimento porque já pronunciou que “O mero proveito econômico do produto do crime não configura lavagem de dinheiro, que requer a prática das condutas de ocultar ou dissimular. Assim, não há que se falar em lavagem de dinheiro se, com o produto do crime, o agente se limita a depositar o dinheiro em conta de sua própria titularidade, paga contas ou consome os valores em viagens ou restaurantes”.[3]
Conforme se vê e com o devido respeito a entendimento contrário, pouco importa a origem criminosa, o critério vultuoso e a forma em que o valor é encontrado no imóvel do agente, uma vez que o crime de lavagem de capitais somente se configurará em razão do preenchimento do aspecto subjetivo do tipo penal, qual seja, a vontade ou intenção de limpar o dinheiro ocultado para reinseri-lo na economia com aparência de licitude.
[1] BARROS, M.A. de Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9613/98. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2004.
[2] BADARÓ, G.H.; BOTTINI, P. C. Lavagem de Dinheiro: Aspectos Penais e Processuais Penais: Comentários à Lei 9.613/1998, com as Alterações da Lei 12.683/201- São Paulo: Revista dos Tribunais.2016
[3] STJ – APn: 458 SP 2001/0060030-7, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 16/09/2009, CE – CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 18/12/2009.