1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa bibliográfica, por meio do método indutivo, tem por objetivo analisar a aplicação do sistema de precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro, e, em especial, explorar a sua efetivação como instrumento de segurança jurídica.
O dissenso de decisões judiciais em casos idênticos, a grande demanda judicial e a existência de textos legislativos vagos e indeterminados, fazem parte do atual cenário jurídico brasileiro. Nesse sentido, a busca por mecanismos capazes de solucionar ou, ao menos, auxiliar na melhora de tal situação é latente.
Para chegar ao cerne da questão, faz-se necessário primeiramente compreender a origem e o significado de precedente, explanando a sua utilização nos diferentes períodos históricos e sistemas jurídicos. Nessa seara, a discussão acerca da formação dos institutos do common law e do civil law é essencial, uma vez que aquele tem como base o direito consuetudinário e este se volta à legislação positivada como sua fonte primária.
A tradição do civil law é a base do ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual a teoria dos precedentes não recebe tanto destaque no Brasil. Porém, ciente de que um Estado puramente legalista não é capaz de gerir todas as situações concretas a ele apresentadas, verifica-se que há uma aproximação do sistema civil law com o common law.
A teoria dos precedentes exige a aplicação de um modelo decisório a todos os demais casos semelhantes, garantindo, assim, a previsibilidade do direito. Desse modo, e diante da influência acima mencionada, o Estado brasileiro adotou oficialmente o sistema de precedentes no Código de Processo Civil de 2015, regulando os seus mecanismos de aplicação e superação.
Destarte, analisando-se a função, o objetivo e as formas de utilização do precedente dentro do contexto jurídico brasileiro, busca-se aferir se esse instrumento é capaz de garantir a estabilidade, coerência e uniformidade dos julgamentos, proporcionando, assim, a segurança jurídica almejada para o sistema jurisdicional deste país.
2. A FORMAÇÃO DO DIREITO E AS TRADIÇÕES JURÍDICAS DO COMMON LAW E DO CIVIL LAW
A vida em sociedade, por si só, e os conflitos dela decorrentes reclamam a existência de regras de organização e conduta sociais. Em outras palavras, é das necessidades coletivas, da cultura e do convívio que depende e surgiu o direito: Ubis societas, ibi jus (GUSMÃO, 2015, p. 54).
À vista disso, cada grupo passou a desenvolver mecanismos de gestão com o intuito de conduzir a coletividade. Esses sistemas, porém, necessitam de bases aptas a sua implementação, de modo que sustentem a norma e a sua finalidade, quer dizer: que a mantenham coercitiva, executável e eficaz (WOLKMER, 2010, p. 1-2).
Nessa vereda, nota-se que as regras coletivas surgem de fatos concretos que são interpretados a partir das crenças e hábitos da comunidade que a formula, de modo que despontam das fontes materiais do direito as suas fontes formais. Como fontes formais, entende-se aquelas pelas quais o direito se perfectibiliza e se impõe para a sociedade, sendo elas escritas ou não escritas (GUSMÃO, 2015, p. 35).
Uma das primeiras bases para criação das normas jurídicas, quando não advindo o direito de modo espontâneo pelo simples reflexo de fatos (GUSMÃO, 2015, p. 36), era o ato de reiterar determinada decisão imposta a um caso concreto quando essa idêntica conduta se repetisse posteriormente (WOLKMER, 2010, p. 7). A essa prática de aplicação das regras dá-se o nome de precedentes.
De acordo com a literalidade do termo, precedente significa aquilo “que está antes de outra coisa do mesmo gênero”, ou então um “procedimento ou critério usado anteriormente” (MICHAELIS, 2009, p. 693). Nesse mesmo sentido foi o uso tradicional dos precedentes, sendo esses subsídios relevantes ou decisivos para resolução de questões futuras congêneres (WAMBIER; TALAMINI, 2016, p. 693).
Atualmente, porém, dá-se aos precedentes um sentido distinto do que aquele empregado outrora, sendo esses vistos de forma diferente a depender da época e do sistema jurídico seguido por determinado povo – desempenhando uma função ora secundária, ora capital (GILISSEN, 1995, p. 26).
Dessa forma, com o intuito de esclarecer e compreender o mecanismo dos precedentes no direito atual e, especialmente, no sistema jurídico brasileiro, faz-se necessário compreender a sua construção e concepção ao longo das eras, o seu uso, função e espaço no desenvolvimento do direito.
2.1 A PRÉ-HISTÓRIA DO DIREITO E AS FONTES DA ÉPOCA
A pré-história do direito remonta ao tempo dos povos sem escrita. Nessa lógica, deve-se dizer que não há um conhecimento preciso acerca da sua origem. Todavia, estabelecem-se hipóteses possíveis acerca da sua formação com base nas mais antigas fontes do saber (GILISSEN, 1995, p. 32).
No tocante aos regramentos da época, verifica-se que cada comunidade se organizava de acordo com os seus próprios ideais de justiça, havendo pouquíssima interação entre os grupos. Dessa forma, apesar da existência de semelhanças, desenvolveram-se direitos únicos e diversificados entre os clãs, cada qual com as suas especificidades (GILISSEN, 1995, p. 35).
De acordo com historiadores e sociólogos, as sociedades arcaicas se fundamentavam no princípio do parentesco e eram fortemente marcadas por crenças religiosas. Desse modo, sendo o direito o reflexo da sociedade que o gera, as bases da justiça pré-histórica se encontram na dinâmica familiar de cada grupo social, as quais eram mantidas pelos seus credos e tradições (WOLKMER, 2010, p. 3).
Conforme explica Gilissen (1995, p. 35-37), um dos principais elementos que impunha o respeito pelos ditames legais era o receio de castigos sobrenaturais. Além disso, a observância do direito era preservada ante ao medo da reprovabilidade social e, por vezes, das sanções impostas pela sua comunidade, tais como a pena de banimento. Isso pois, especialmente em uma época de hábitos primitivos, a vida em grupo era sinônimo de proteção e sobrevivência, significando o isolamento, por vezes, a morte do indivíduo.
Diante do exposto, nota-se que as regras sociais se perpetuavam pela tradição e pela sua reiteração oral, sendo a principal fonte do direito o costume. Nessa senda, argumenta o doutrinador Dimoulis (2008, p. 225) que, diferentemente de um simples hábito social, o costume é uma regra de comportamento considerada obrigatória pelos integrantes da comunidade.
O historiador Gilissen (1995, p. 250-251) esclarece que o costume se constitui pela repetição de atos públicos e pacíficos por um longo período de tempo. Desse modo, a formação daquele não é nem escrita nem oral, uma vez que não se anuncia a sua elaboração, mas simplesmente se percebe a sua existência quando a regra consuetudinária já está estabelecida.
Outra fonte do direito pré-histórico são as leis – leis não escritas. Sabe-se que, diante da ausência de grafia, a criação de regras jurídicas abstratas era bem limitada; no entanto, havia grupos em que os seus líderes impunham regras de comportamento de caráter geral e permanente. Assim, conforme explana Gilissen (1995, p. 37), os aludidos regramentos eram anunciados oralmente ao grupo, por mais de uma vez, a fim de garantir o seu conhecimento e respeito.
Ademais, como forma de gerir os conflitos sociais e as transgressões das normas coletivas, também se revela como fonte criadora de preceitos jurídicos o precedente judicial. Isso pois os chefes ou anciãos da época tinham a tendência, voluntária ou involuntária, de solucionar os litígios repetindo as soluções dadas anteriormente a novos casos do mesmo gênero; ou seja, criaram-se paradigmas para solução de conflitos (GILISSEN, 1995, p. 37). Desse modo, vislumbra-se que a ideia e aplicação dos precedentes é tão antiga quanto a formação do direito.
Quanto ao porquê da utilização do aludido mecanismo, o doutrinador Gilissen (1995, p. 393) argumenta que os precedentes sempre desempenharam uma função importante para o ordenamento jurídico, uma vez que, além de facilitar a atividade do julgador, proporcionam segurança jurídica ao indivíduo. Nesse encalço, justifica o historiador que é direito do particular a solução do seu problema nos mesmos moldes que fora decidido o impasse do seu semelhante.
Ante ao exposto, nota-se que a formação de um sistema de ordem social possui uma base comum, isto é, parte das mesmas fontes e dinâmicas de estruturação. No entanto, tendo em vista que cada comunidade é una – pois os seus membros assim o são –, desenvolveram-se sistemas jurídicos distintos, cada qual enfatizando um ou outro aspecto do direito ante as suas realidades. Para tanto, verificar-se-á a seguir que, apesar da aplicação dos precedentes desde o direito arcaico, esses nem sempre foram observados com tanto zelo.
2.2 O DIREITO ROMANO E A CRIAÇÃO DO SISTEMA POSITIVADO
Inicialmente, deve-se ressaltar que o direito romano se encontra na base do ordenamento legal brasileiro. Conforme narram os historiadores, os romanos foram o grande destaque jurídico da Antiguidade. Haja vista a vasta atuação e domínio territorial do Império Romano, e mesmo com a queda desse, os direitos romanistas influenciaram e constituíram os sistemas jurídicos da maior parte dos países da Europa Ocidental e, consequentemente, dos países latino-americanos (GILISSEN, 1995, p. 18). Assim, colhe-se o velho brocardo popular: “todos os caminhos levam a Roma”.
O doutrinador Gusmão (2015, p. 312) explica que, como todo direito arcaico, o direito romano era inicialmente consuetudinário e jurisprudencial, sendo suas principais fontes os costumes e as decisões dos pontífices (sacerdotes patrícios). O conhecimento e a prática do direito, porém, com o intuito de conservar a tradição e as posições sociais, eram mantidos em segredo pelos juízes da época – fato esse que ocasionava incerteza na sua aplicação para o restante do povo.
Tendo em vista o desconhecimento e a insegurança da plebe acerca do direito, bem como a desigualdade social existente, houve uma série de conflitos entre os plebeus e os patrícios, pleiteando aqueles pela elaboração de leis escritas. Nessa senda, a fim de solucionar as demandas dessa nova realidade social, deu-se início à escrituração e à compilação dos regramentos sociais, originando-se, assim, a Lei das XII Tábuas (GUSMÃO, 2015, p. 312).
Nesse contexto, o jurista Ferraz Junior (2003, p. 53-54) argumenta que, diante do desenvolvimento quantitativo e de complexidade da sociedade, as regras sociais oriundas do princípio do parentesco não eram mais suficientes e nem compatíveis com o aparecimento crescente de novos integrantes – os quais estavam vivendo à margem daquela organização. Desse modo, foi necessário que o direito se adequasse e se manifestasse por meio de fórmulas normativas de validade permanente, não se confundindo com preceitos religiosos e de outras ordens sociais, bem como que se voltasse às pessoas enquanto seres particulares que o são.
A legislação romana foi sendo aperfeiçoada pela atuação dos juristas, os quais, diante das obscuridades e lacunas das leis compiladas, indicavam o caminho a ser seguido. Evoluindo as cidades e as relações coletivas em si, foram necessários também novos regramentos, advindos esses dos pareceres dos jurisconsultos. Destarte, nos períodos finais da era romana, compilou-se as aludidas manifestações com força de lei e deu-se origem a Codificação de Justiniano, também conhecido como Corpus Juris Civilis Romanorum (GUSMÃO, 2015, p. 312-313).
Outrossim, ressalva-se que a Europa Ocidental sofreu uma série de migrações e invasões de diversos povos germânicos. Desse modo, no período da Idade Média os países europeus vivenciaram um pluralismo de ordens jurídicas, uma vez que vigorava tanto o direito romano quanto aqueles de procedência bárbara e outros. Explica-se tal multiplicidade de direitos ante a adesão dos germanos pelo princípio da personalidade das leis, segundo o qual cada indivíduo se submetia ao ordenamento jurídico do seu povo de origem (GUSMÃO, 2015, p. 314-315).
Porém, tendo em vista a interação entre as aludidas gentes, houve a adoção de regras acerca da predominância de uma ou outra lei, a adoção de direitos especializados e a consequente influência de ambas as culturas no desenvolvimento dos ordenamentos jurídicos da Europa Continental. Nesse sentido, verifica-se a cominação de um sistema romano-germânico que, moldando-se com o decurso do tempo e outros elementos sociais, influiu na formação do direito moderno ocidental (GUSMÃO, 2015, p. 318-319).
2.2.1 A Revolução Francesa e o sistema jurídico civil law
O início da Idade Moderna é marcado por inúmeras expansões e descobertas, em especial, por meio das expedições marítimas. A medida que o território, a população e o contato com outros povos se ampliavam, a criação de um sistema que proporcionasse maior segurança às relações jurídicas era necessária. Isso pois, tendo em vista que a própria cultura singularizada estava sendo modificada, mostrava-se temerário o uso de regras fragmentadas e consuetudinárias. Nesse encalço, iniciou-se um movimento de codificação das regras jurídicas (GUSMÃO, 2015, p. 319).
De mais a mais, ressalta-se que essa foi uma era de revoluções. A Europa Moderna era predominantemente regida por monarquias absolutistas. A sociedade estava organizada em estamentos – clero, nobreza e terceiro estado (artesãos, comerciantes e outros) –, os quais eram tratados com completa desigualdade. Tendo em vista que os indivíduos não eram considerados iguais, a lei também não era igual para todos, de modo que cada classe social tinha direitos e deveres próprios (COTRIM, 2008, p. 291-292).
Com o intuito de desconstruir o Antigo Regime, deu-se ensejo a um movimento político e social na França, entre os anos de 1789 a 1799, conhecido como Revolução Francesa. Essa revolta tinha como princípios a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Nessa vereda, buscava-se restringir os poderes do rei, submetendo-o a um ordenamento legal, bem como proporcionar a igualdade para todos perante a lei (COTRIM, 2008, p. 331-333).
A fim de que fosse possível sustentar os ideais revolucionários, fez-se necessária a formulação de leis rígidas e intocáveis. Conforme afirma Gusmão (2015, p. 320), iniciou-se um período de ordenação, sistematização e unificação dos regramentos em uma única lei; fator esse que, segundo o autor retro, aumentou a segurança jurídica e a certeza do direito.
A esses sistemas de codificação deu-se o nome de civil law, ou ainda, sistema romano-germânico; sendo essa a tradição jurídica seguida pelo ordenamento legal brasileiro. Essa família jurídica caracteriza-se pelo fato da lei ser a fonte principal do direito, utilizando-se as demais fontes de forma subsidiária (GUSMÃO, 2015, p. 321).
Acerca da tradição romanística, leciona Miguel Reale (2004, p. 141-142, grifo do autor):
[...] caracteriza-se pelo primado do processo legislativo, com atribuição de valor secundário às demais fontes do direito. A tradição latina ou continental (civil law) acentuou-se especialmente após a Revolução Francesa, quando a lei passou a ser considerada a única expressão autêntica da Nação, da vontade geral, tal como verificamos na obra de Jean-Jacques Rousseau, Du Contrat Social.
Sobremais, frisa-se que, além de romper com a antiga forma de governo, o evento revolucionário também restringiu a atuação dos juízes, limitando-os a simples reprodutores da lei. Isso pois os magistrados eram defensores do monarca e do antigo regime, de modo que, para garantir o novo direito, aqueles foram excluídos de qualquer atividade criativa desse. Assim, conforme explica Marinoni (2010), a Revolução Francesa colocou os poderes Legislativo e Judiciário em polos opostos.
Nessa linha, Montesquieu (1996, p. 175) afirma que “[...] os juízes da nação são apenas [...] a boca que pronuncia as palavras da lei; são seres inanimados que não podem moderar nem sua força, nem seu rigor”. Ainda, defendendo a separação dos poderes, o aludido filósofo (1996, p. 166) justifica que “[...] para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder limite o poder”.
Em suma, constata-se um movimento jurídico de adesão ao direito escrito, sistematizado e unificado, em que a lei é a sua principal fonte. Quanto a sua finalidade, verifica-se que essa sistematização atendeu tanto uma necessidade de simplificar e ordenar as normas jurídicas quanto de proporcionar maior segurança e certeza ao direito (GUSMÃO, 2015, p. 144-145).
No Brasil, a adoção dessa tradição resta evidenciada no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, estabelecendo o legislador que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei”. Nessa seara, além da proteção ao jurisdicionado quanto a aplicação de normas previamente estabelecidas, nota-se os limites da atividade do juiz. Para tanto, explica Donizetti (2015, p. 3) que, no civil law, o magistrado exerce as funções de intérprete e aplicador da lei.
Em última análise, ressalta-se que, diante do dinamismo das relações sociais, a positivação das normas acaba se tornando obsoleta e precisa ser modificada ou reinterpretada (GUSMÃO, 2015, p. 145-146). Assim, enfatiza o doutrinador Marinoni (2010) que, especialmente em razão do surgimento do constitucionalismo, o magistrado acabou assumindo um papel diverso daquele pretendido nas origens do civil law, uma vez que o direito precisou ser interpretado, ampliado, negado e, na omissão do legislador, inclusive criado pelo juiz.
2.3 INFLUÊNCIAS DA CIVILIZAÇÃO INGLESA E O SISTEMA COMMON LAW
Diferentemente da tradição jurídica do civil law, o sistema anglo-saxônico, também denominado common law, tem como principal fonte do direito o precedente judicial, desempenhando a lei um papel secundário. Conforme explica Marinoni (2010), essa divergência se deve ao fato de que, no direito inglês, as classes dos juízes e dos legisladores atuaram em conjunto contra o regime absolutista.
Esclarece Radbruch (2010, p. 31) que, na Inglaterra, não houve grandes rupturas com o advento do direito romano positivado, tal como ocorreu na Europa Continental. Esse desenvolvimento continuado se deve ao fato de que o povo inglês lutou para manter as raízes do direito nacional, o qual seguia as formas do direito romano clássico consuetudinário. Ademais, quando houve a influência das codificações romanísticas, a Inglaterra já estava estruturada com uma classe de juristas e com bases de um direito jurisdicional.
A tradição common law baseia-se no case law, isto é, formam-se as regras jurídicas a partir de caso a caso, de modo que desponta do caso concreto a norma legal e não o contrário. Nesse passo, Radbruch (2010, p. 34) explica acerca do espírito do direito inglês:
O pensamento inglês não tem a tendência de suplantar os fatos por meio da razão; ele busca a razão nas coisas, a razão é a sua “natureza da coisa”. Esse senso inglês para os fatos também não costuma fundamentar conclusões na expectativa de fatos futuros; ao contrário, ele deixa que os fatos venham até ele para então decidir oportunamente na sua presença. Ele não confia na fantasia nem no cálculo de situações futuras. A situação real é sempre bem diferente; ao contrário, ele espera até que a própria situação traga ou force a decisão. [...] Não se sente obrigado à elegância da linha clara para evitar um curso em zigue-zague; pelo contrário, mantém-se imparcialmente aberto a cada novo momento, às teorias de cada nova situação.
Haja vista a mutabilidade dos elementos sociais e culturais, Donizetti (2015, p. 4) defende que não há como conceber um Estado puramente legalista, uma vez que o legislador não consegue acompanhar o dinamismo da realidade social. Ou seja, a interpretação jurisdicional é necessária. Por outro lado, o aludido jurista argumenta que é inegável a segurança jurídica advinda de um direito com preceitos previamente definidos. Assim sendo, nota-se que essas duas tradições se influenciam mutuamente.
Acrescenta-se que, no período pós Segunda Guerra Mundial, houve grande influência do sistema common law sobre o civil law quanto a atuação interpretativa do juiz e a adoção da teoria dos precedentes judiciais, uma vez que, encobertos pelo texto positivado, inúmeras barbaridades foram cometidas contra o ser humano (WAMBIER; TALAMINI, 2016, p. 695).
No tocante à aplicação dos precedentes, tendo em vista as diferentes raízes e estruturação dos ordenamentos jurídicos, essa não ocorre de modo congênere em todos os sistemas. Em alguns países em que vige o common law, por exemplo, cultua-se a teoria do stare decisis, isto é, o precedente possui força vinculante, tornando-se obrigatória a sua observância, em uma hierarquia funcional, nas decisões futuras. No entanto, é possível que haja o respeito e a aplicação do precedente mesmo sem a força vinculante daquele (DONIZETTI, 2015, p. 8-9).
Ainda, salienta-se que no common law o precedente não tem o condão de revelar costumes imemoriais da sociedade, tal como a atividade intuitiva que ocorria no direito arcaico, mas a autoridade daquele independe da ideia de respeito a um costume, uma vez que aquele constitui fonte autônoma do direito (MARINONI, 2012).
Outrossim, deve-se dizer que a aludida sistemática do precedente obrigatório influencia a atividade dos magistrados. Argumenta Donizetti (2015, p. 9) que o juiz do common law exerce uma função constitutiva e declaratória do direito, pois esse cria uma norma jurídica (precedente) que deve ser seguida pelos demais julgadores, respeitando-se a devida hierarquia.
No Brasil, o autor retro mencionado (2015, p. 9) explica que, apesar das influências da teoria vinculativa dos precedentes, a atividade dos juízes e dos tribunais é, em tese, interpretativa, não exercendo aqueles a função de criadores do direito.
Por fim, destaca-se que o precedente judicial não está vinculado a um sistema legal específico, sendo aplicado dentro das realidades de cada ordenamento; porém, há tradições jurídicas em que aquele se destaca e serve de modelo para os demais ordenamentos. No sistema civil law, haja vista a existência de textos legislativos vagos e indeterminados – os quais exigem uma análise interpretativa –, verifica-se a atual essencialidade das decisões judiciais na concretização do direito, razão pela qual os precedentes têm importante papel para assegurar a estabilidade, integridade e coerência do ordenamento jurídico (WAMBIER; TALAMINI, 2016, p. 699).