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Segurança nas Escolas

Por que ainda sofremos com tantas tragédias no ambiente escolar?

Agenda 10/08/2019 às 22:36

Tratar da situação da segurança nas escolas brasileiras significa estudar uma série de acontecimentos que ocorreram e ainda ocorrem tendo, de modo geral, grande relação com a responsabilidade civil por parte do Estado.

O objetivo dessa dissertação é demonstrar quais são os efeitos decorrentes da falta de segurança dentro das escolas e como essa questão deve ser aplicada para que os nossos Municípios sejam considerados bons exemplos no que concerne a proteção ativa de sua comunidade dentro dos estabelecimentos de ensino, tendo como perspectiva uma visão jurídica.

A princípio, é necessário visualizar a questão no âmbito nacional, mencionando fatos relativos à questão, o modo de como o Estado no geral se comporta diante disto.

Tratar da situação da segurança nas escolas brasileiras significa estudar uma série de acontecimentos que ocorreram e ainda ocorrem tendo, de modo geral, grande relação com a responsabilidade civil por parte do Estado.

Neste ponto, o Estado tem a responsabilidade de promover o desenvolvimento humano de modo sadio, em especial, no que se refere à educação. Nesse viés, tem-se muito claro que a educação é o berço no qual todo indivíduo conquista o direito de ter direitos e, dentre estas garantias a qual a Constituição assegura para toda pessoa, a segurança encontra-se entre os mais primordiais possíveis.

Mas o que acontece quando a educação não é amparada pela segurança?

Não é raro casos de acidentes dentro do ambiente educacional, uma janela quebrada, um taco solto no chão, corrimãos sem a fixação devida, escadas se piso antiderrapantes são alguns dos exemplos que podem causar danos irreparáveis às nossas crianças dentro da sala de aula. Até mesmo os casos de atentado vêm crescendo assustadoramente dentro do território nacional desde 2002 o que resultaram em grande número de mortes sendo que a maioria destas eram vítimas inocentes.

Podemos citar o caso em Salvador onde um jovem de 17 anos assassinou duas alunas da sala do colégio particular Sigma. Outro caso, em 2003, o ex-aluno da escolar estadual Coronel Benedito Ortiz, em Taiúva, no interior de São Paulo, matou uma pessoa a tiros e deixou mais 8 feridas, vindo o agressor a se matar posteriormente.

Talvez um dos casos mais marcantes foi o massacre de Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro, onde Wellington Menezes de Oliveira assassinou brutalmente doze adolescentes em 2011. O crime foi tão premeditado que o mesmo possuía instrumentos facilitadores para a prática do crime tal como recarregadores e um colete à prova de balas.

Já no massacre de Suzano, uma dupla de atiradores mataram cinco estudantes e duas funcionárias da escola, além de causar terror em centenas de alunos. Em um comércio próximo do local da tragédia, os atiradores ainda fizeram uma vítima a tiros. Isso em 2019.

Não pretendemos aqui esgotar todos os acontecimentos, mas sim, demonstrar o quanto a segurança é primordial para que os alunos permaneçam protegidos. De um ponto de vista jurídico, negligenciar a segurança nas escolas significa expor o Estado à obrigação de indenizar as vítimas pelos danos ocorridos como forma de minimizar uma dor ainda maior.

A noção de responsabilidade implica a ideia de resposta, segundo José do Santos Carvalho (Manual de Direito Administrativo. Editora atlas. 2017). Ou seja, a responsabilidade civil articula que o responsável que dolosamente, ou aquele que por negligência, imprudência ou imperícia deu causa ao dano, responda por este perante a ordem jurídica a fim de que haja o ressarcimento diante da perda sofrida pelo outro lado.

Ainda de acordo com o autor citado, modernamente, o direito positivo admite a responsabilização civil do Estado pelos danos que seus agentes causem a terceiros. Além ainda, atualmente tem-se constituída que tal responsabilidade do Estado se dá de forma objetiva, assim não importando, a verificação de culpa do agente em relação ao fato danoso, bastando a sua ocorrência. No sistema brasileiro, no entanto, o Estado não se responsabiliza por casos relativos a desastres os quais este não possa evitar ou em situações que a culpa é exclusiva da vítima.

Voltando para o campo escolar, é sabido que quase a totalidade dos alunos são crianças e adolescentes que não possuem completo discernimento sobres as ações que podem ou não representar riscos, cabendo assim à Administração pública e privada proceder com mecanismos de prevenção de acidentes seja sobre o campo material, fazendo manutenções periódicas, trocas de extintores, dedetização dentre outros procedimentos como também promover a preparação do elemento subjetivo, atuando de forma mais ativa no treinamento dos agentes em relação às adversidades como incêndios, alagamentos, urgências clínicas ou até mesmo atentados.

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Quando a Administração é omissa em relações a atos acima citados, esta acaba assumindo a responsabilidade civil para si, sendo culpada pelos eventuais danos causados as vítimas. Em relação à responsabilidade civil de escolas, tem-se muitos julgados que reafirmam o exposto:

ACIDENTE COM MORTE EM ESCOLA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS MÃE DA VÍTIMA. LEGITIMIDADE ATIVA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ESCOLA. ADEQUAÇÃO DO MATERIAL DE UTILIZAÇÃO DOS ALUNOS. CULPA DA VÍTIMA - INOCORRÊNCIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. PENSÃO MENSAL - CABIMENTO. Apesar da mãe do de cujus ter falecido antes da prolação da sentença, o direito à indenização se transmite aos herdeiros, pois direito de natureza patrimonial, ou seja, o que se transmite é a possibilidade de se acionar o responsável, a faculdade de se perseguir em juízo o autor do dano, quer material ou moral. A Administração Pública deve oferecer instalações adequadas ao uso por seus alunos, sendo dever do Estado prevenir acidentes àqueles que frequentam suas dependências, não havendo qualquer relevância em ter ocorrido o fato fora do horário de aula. As despesas com funeral dispensam comprovação, se fixadas em valor compatível. Precedentes. Ocorrente o nexo de causalidade entre a omissão da escola (equipamentos que oferecem risco) e o dano causado ao requerente (danos materiais e morais resultantes da perda do filho), é de ser mantida a condenação à indenização. Mantido o valor da indenização como fixado, pois adequado para aplacar a dor moral sofrida, sem caracterizar enriquecimento sem causa. A jurisprudência é pacífica no sentido de ser devida indenização por dano material a pais de família de baixa renda, em decorrência de morte de filho menor, independentemente de a vítima exercer trabalho remunerado. (grifo nosso)

(TRF-4 - AC: 4477 SC 2000.72.00.004477-0, Relator: EDGARD ANTÔNIO LIPPMANN JÚNIOR, Data de Julgamento: 23/05/2007, QUARTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 11/06/2007,D.E. 11/06/2007)

CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. ESCOLA. ALUNO VÍTIMA DE AGRESSÕES NO INTERIOR DO ESTABELECIMENTO. DEVER DE INDENIZAR. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1  Demonstrado o ato lesivo, consubstanciado na agressão física sofrida pelo Requerente no interior da Instituição de ensino Ré, impõe-se a essa a obrigação de reparar os danos, nos termos dos artigos 932, IV, e 933 do Código Civil. 2  A Escola Ré responde, ainda, de forma objetiva pelo fato do serviço, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o serviço foi prestado ao Autor sem a segurança legitimamente esperada, o que gerou dano à sua integridade física e psíquica. 3  Em se considerando a responsabilidade objetiva da Escola Requerida, não se desincumbiu ela do ônus que lhe cabia quanto a comprovar a inexistência do defeito, o fato exclusivo do consumidor, ou a ocorrência de força maior ou culpa exclusiva da vítima. 4  Restou configurada violação aos direitos da personalidade do Autor, à época menor de idade, pois foi atingido em sua integridade física, impondo-se, por conseguinte, o dever de indenizar. Apelações Cíveis desprovidas. (grifo nosso)

(TJ-DF - APC: 20110310100519, Relator: ANGELO CANDUCCI PASSARELI, Data de Julgamento: 01/07/2015, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 09/07/2015 . Pág.: 306)

DANOS MORAIS - Ferimentos causados ao autor, dentro do estabelecimento de ensino, por outro aluno - Responsabilidade objetiva .Caracterização. Escola que responde em razão da relação de consumo existente e o pai do menor causador do dano, ante o dever de vigilância - Indenização - Necessidade -Redução do "quantum" estabelecido, tornando-se compatível com o que tem sido fixado em casos análogos - Quantia suficiente à compensação dos danos morais sofridos, sem caracterizar o enriquecimento ilícito do autor e que traz em si a função de desestimular a prática de atos semelhantes - Demanda procedente - Ratificação dos fundamentos do "decisum" - Aplicação do art. 252 do RITJSP/2009 - Recurso do autor improvido e dos demandados parcialmente pro vido. (grifo nosso)

(TJ-SP - APL: 1105229520038260000 SP 0110522-95.2003.8.26.0000, Relator: Alvaro Passos, Data de Julgamento: 03/08/2011, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/08/2011)

Assim, reforçando tal ideia, bom verificar o que o art. 4º do Estatuto da criança e do adolescente preceitua:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

O artigo, em seu parágrafo único, alínea a, ainda salienta com mais ênfase que tal garantia de prioridade compreende à primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias. Neste ponto, o primeiro agente que tem o dever de prestar socorro é o agente educacional, quando estamos dentro de uma escola.

Partindo disso, há claramente a necessidade de que as instituições de ensino estejam prontas para qualquer adversidade sendo, em muitos casos, o delimitador se haverá sobrevivência ou não em certas situações. Não treinar adequadamente o agente para este tipo de atendimento é sobretudo, pura negligência estatal.

Não é somente uma questão de indenizar ou não; de se responsabilizar ou não; se tem ou não recursos para satisfazer as normas de segurança. É sobretudo uma questão de respeito ao ser, em sua dignidade humano e no seu direito à vida, à segurança e à educação.

Diante disso, com base em um ponto de vista jurídico, pode-se tirar duas conclusões.

A primeira é de que os alunos, pais, funcionários e todos aqueles que convivem com o contexto escolar são sujeitos de direito fundamentais, devendo os entes governamentais proceder com zelo às garantias fundamentais, sobretudo em relação a uma educação de qualidade, acessível, de boa infraestrutura e segura.

E, por segunda conclusão, cabe a Administração o dever de fornecer escolas em perfeitas condições e dotadas de acessibilidade; treinar adequadamente os seus agentes de modo a estarem aptos para possíveis adversidades; conceder apoio policial eficaz para prevenir atos de vandalismo, agressões ou violência dentro e no entorno das instituições de ensino.

Trabalhar a segurança nas escolas significa agir com articulação: sociedade e Estado. A atuação da polícia e do corpo de bombeiros militares, do serviço social, de psicólogos estatais, da comunidade dentre tantos outros componentes sociais são fundamentais para propiciar um ambiente educacional segura e protegido. Por fim, é notável que a preocupação presente neste artigo é relevante para toda a sociedade. Seja este visto de um modo sociológico, jurídico, político ou por qualquer outro meio capaz de chegar à ideia de que é um dever de todos prezar pela segurança de nossas crianças e adolescentes.

Sobre o autor
Leandro Ferreira da Mata

Cientista Jurídico; bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio Brasília; Especialista em Direito da Criança, Juventude e dos Idosos e em Segurança Pública e Organismo Policial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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