1. INTRODUÇÃO
O presente estudo aborda o tratamento diferenciado e favorecido conferido aos pequenos empreendimentos nas licitações públicas brasileiras a partir da edição da Lei Complementar nº 123/2006 (LC 123/2006), atualmente regulamentada pelo Decreto nº 8.538/2015.
Justifica-se a pesquisa em razão da atualidade da problemática, que recebeu relevantes inovações com a edição do Decreto nº 8.538/2015. Além disso, o tema do tratamento diferenciado aos pequenos empreendimentos nas compras públicas brasileiras ainda se encontra em fase inicial de desenvolvimento quando comparado a ordenamentos estrangeiros, o que requer novos estudos para solução de dúvidas e questionamentos.
Historicamente, as licitações sempre foram uma atividade intermediária para que o Estado pudesse cumprir suas funções sociais por meio de obras públicas, serviços e compras. Nas últimas décadas, entretanto, essa perspectiva meramente instrumental vem sofrendo mudanças. A partir do momento em que o Estado percebeu que detinha a capacidade de interferir no desenvolvimento econômico e social por meio de suas ações, passou a criar mecanismos para viabilizar a consecução de políticas públicas. Um grande exemplo disso foi a criação do tratamento diferenciado aos pequenos empreendimentos nas compras públicas.
Para compreender o tratamento diferenciado, avaliar-se-ão, no presente artigo, os privilégios licitatórios estatuídos no capítulo V da LC 123/2006 e regulamentados pelo Decreto nº 8.538/2015.
2. PANORAMA GERAL DO TRATAMENTO DIFERENCIADO
A Constituição Federal de 1988 previu em seu art. 179 a obrigação de que os entes federados estabelecessem um tratamento jurídico diferenciado para incentivar as microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) com base na simplificação de obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias.
A LC 123/2006 foi editada justamente para dar concretude ao preceito constitucional. Em que pese a maior parte da norma tratar de aspectos tributários, o capítulo V disciplinou um tratamento diferenciado e favorecido para as ME e EPP nas licitações públicas.
Antes de abordar os privilégios em si, é preciso definir com precisão quais empreendimentos, de fato, fazem jus aos benefícios legais. Ao redor do mundo, existem diferentes critérios para se qualificar as ME e EPP. Nos EUA, na França e na Alemanha, a qualificação do empreendimento como de pequeno porte leva em consideração o número de empregados contratados. Já o Brasil adotou como referência a receita bruta anual auferida pela empresa para qualificá-la como ME ou EPP. Nesse aspecto, o art. 3º da LC 123/2006 definiu que seria ME aquela empresa que auferisse em cada ano-calendário receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00, enquanto o enquadramento como EPP se daria para a empresa que auferisse, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (BRASIL, 2006).
A receita bruta foi conceituada pelo § 1º do art. 3º como sendo “o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos” (BRASIL, 2006).
No que toca à receita bruta, o Tribunal de Contas da União (TCU) possui interpretação abrangente desse conceito legal, considerando que “deve corresponder à soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais, ainda que mencione apenas “vendas” e “serviços” de forma genérica” (BRASIL, 2016).
Em relação aos limites de receita bruta para fins de qualificação, é oportuno ressaltar que o TCU possui entendimento pacífico no sentido de que a utilização dos benefícios licitatórios por empresas que superaram os limites de faturamento caracteriza fraude à licitação, com penalidade de declaração de inidoneidade, nos termos do artigo 46 da Lei nº 8.443/1992. Nesse sentido, convém colacionar trecho de decisão do TCU que reflete claramente essa posição:
No caso, ao fazer uso de falsa declaração e afirmar que se enquadrava nos requisitos do art. 3° da citada lei, a empresa buscou beneficiar-se na licitação, em detrimento de pequenas empresas legitimadas a fazê-lo. Fraudes da espécie tornam letra morta a Lei Complementar 123/2006 e os princípios nela insculpidos, transmutando em inócuos os dispositivos que objetivam possibilitar um maior ganho de competitividade às micro e pequenas empresas (BRASIL, 2014).
Após decisões do TCU nesse sentido, o Governo Federal positivou no § 1º do art. 13º do Decreto nº 8.538/2015, a exigência de desenquadramento de ME ou EPP que supere os limites de receita bruta, sob pena de a empresa ser declarada inidônea para licitar e contratar com a administração pública (BRASIL, 2015).
Conquanto a receita bruta seja um critério objetivo de enquadrar as pessoas jurídicas como ME e EPP, nem todas poderão ser assim qualificadas mesmo com o faturamento dentro dos limites legais. Isso ocorre porque o § 4º do art. 3º da LC nº 123 elencou um rol taxativo de hipóteses em que a pessoa jurídica está impossibilitada de se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado.
Em síntese, nos 11 incisos do § 4º do art. 3º da LC 123/2006, buscou-se de alguma forma impedir que grandes empresas criassem mecanismos societários para burlar o tratamento diferenciado destinado às ME e EPP.
3. PRIVILÉGIOS AOS PEQUENOS EMPREENDIMENTOS NAS LICITAÇÕES
A partir desse tópico, tratar-se-á essencialmente dos privilégios conferidos pela legislação aos pequenos empreendimentos quando participam de licitações.
3.1 Regularidade fiscal e trabalhista
Os artigos 42 e 43 da LC 123/2006 estabeleceram, originalmente, um privilégio vinculado unicamente à comprovação da regularidade fiscal das ME e EPP. Segundo Karkache (2010 apud MARRARA e RECCHIA, 2017), “em grande parte, esse mecanismo discriminatório se assenta na constatação, revelada por pesquisa do SEBRAE, de que a alta carga tributária configura o segundo motivo mais comum a justificar o encerramento das atividades de ME e EPP”.
A regularidade fiscal seria o meio hábil de se comprovar o cumprimento pelos licitantes das obrigações tributárias e previdenciárias impostas por lei. De acordo com Justen Filho (2016, p. 558), essa “regularidade fiscal representa forma indireta de reprovar a infração às leis fiscais”.
O art. 42 da LC nº 123, na redação original, estabeleceu que “nas licitações públicas, a comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de assinatura do contrato” (BRASIL, 2006). Trata-se, como se observa, de uma postergação do momento adequado para se comprovar a regularidade com o fisco.
Na sequência, o art. 43 (na redação original) dispõe que as ME e EPP deverão apresentar toda a documentação exigida para comprovação da regularidade fiscal, mesmo que esta apresente restrição (BRASIL, 2006).
Constata-se, assim, que não houve qualquer dispensa de apresentação de documentos por parte das ME e EPP. Essas podem efetivamente participar de licitações mesmo que sua documentação fiscal esteja em desconformidade com a legislação. O que se exige é que no momento da assinatura do contrato as obrigações fiscais estejam adimplidas.
Jacoby Fernandes (2007) também possui o mesmo entendimento, conforme exposto abaixo:
Em primeiro plano, note-se que o legislador define no art. 42 o momento da comprovação da regularidade fiscal, estabelecendo que somente será exigida a regularidade no ato da contratação. No art. 43, esclarece que deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal. Significa dizer, com ênfase a expressão toda, que não pode ser apresentada a comprovação parcial. Mesmo existindo restrições, todos os itens devem ser apresentados, pois a norma vai admitir o saneamento, não a complementação dos documentos.
Já o § 1º do art. 43 (na redação original) estabeleceu o prazo de 2 (dois) dias úteis para correção dos defeitos de ordem fiscal, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame (BRASIL, 2006).
Portanto, no caso da existência de algum débito fiscal em aberto, a licitante teria um prazo diferenciado para sanar esse defeito, contado do momento em que fosse declarado vencedor do certame. Ressalte-se que esse prazo, que inicialmente foi de dois dias úteis, restou aumentado pela Lei Complementar nº 147/2014 (LC 147/2014), passando a ser de cinco dias úteis, também prorrogáveis por igual período.
Houve, entretanto, uma imprecisão na lei no tocante ao termo inicial para correção das irregularidades. De acordo com o dispositivo, o licitante teria, atualmente, cinco dias úteis para regularização de defeitos a partir do momento em que fosse declarado vencedor do certame. Porém, não há qualquer indicação na lei do momento exato em que o licitante é declarado vencedor.
A lacuna foi colmatada por meio do Decreto nº 6.204/2007, o qual estabeleceu no § 2º do art. 4º que a declaração do vencedor ocorreria, no pregão, no momento imediatamente posterior à fase de habilitação, e no caso das demais modalidades, no momento posterior ao julgamento das propostas (BRASIL, 2007).
Por sua vez, o § 2º do art. 4º do Decreto nº 8.538/2015 foi ainda mais preciso no detalhamento do prazo para regularização fiscal, conferindo maior segurança jurídica aos licitantes, como se observa abaixo:
§ 2º Para aplicação do disposto no § 1º, o prazo para regularização fiscal será contado a partir:
I - da divulgação do resultado da fase de habilitação, na licitação na modalidade pregão e nas regidas pelo Regime Diferenciado de Contratações Públicas sem inversão de fases; ou
II - da divulgação do resultado do julgamento das propostas, nas modalidades de licitação previstas na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e nas regidas pelo Regime Diferenciado de Contratações Públicas com a inversão de fases (BRASIL, 2015).
No que respeita à prorrogação do prazo para regularização fiscal, o Decreto nº 8.538/2015 trouxe uma sutil alteração, porém com reflexos importantes na condução dos certames. Pela regra anterior, prevista no § 3º do art. 4º do Decreto nº 6.204/2007, “a prorrogação do prazo previsto no § 1º deverá sempre ser concedida pela administração quando requerida pelo licitante, a não ser que exista urgência na contratação ou prazo insuficiente para o empenho, devidamente justificados” (BRASIL, 2007). Já o novo regulamento substituiu a obrigatoriedade por uma faculdade da administração, condicionando a prorrogação do prazo a um pedido expresso da licitante com a devida justificativa, o que se mostrou mais consentâneo com o interesse público, porém um benefício menor aos pequenos empresários.
Pereira Júnior e Dotti também não viam com bons olhos essa obrigatoriedade de prorrogação de prazo prevista no Decreto nº 6.204/2007. Para os teóricos:
A regra do § 3º vinculou a Administração ao dever de prorrogar, salvo em caso de urgência ou prazo insuficiente para o empenho. Não parece ser a melhor solução. A prorrogação de prazo só se haveria de justificar se a empresa dela necessitasse para a providência referida no (sic) parte final do § 1º do mesmo art. 4º, ou seja, obter certidão fiscal negativa ou certidão fiscal positiva com efeito de negativa. Imagine-se a impropriedade de a empresa requerer prorrogação porque estaria à espera do retorno de seu dirigente em viagem, somente a ele cabendo decidir se interessa ou não à empresa regularizar a documentação fiscal – inversão da precedência que coloca o interesse público acima do privado (PEREIRA JÚNIOR e DOTTI, 2008).
Em caso de não-regularização das pendências fiscais pela ME ou EPP o § 2º do art. 43 da LC nº 123/2006 dispôs que ocorreria a decadência do direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 da Lei nº 8.666/1993 (BRASIL, 2006).
A redação do dispositivo, entretanto, apresentou algumas imprecisões. Primeiro, apontou-se que a inércia do licitante em regularizar suas pendências implicaria decadência do direito à contratação, o que se afigura incorreto porque esse direito subjetivo à contratação não existe. O que surge para o licitante vencedor do certame é o direito de que a ordem de classificação seja respeitada, em caso de eventual contratação.
Em segundo lugar, a lei menciona que o pequeno empreendedor que não regularizar sua documentação fiscal no prazo adequado fica sujeito às sanções do art. 81 da Lei nº 8.666/93, o que desperta dúvidas, haja vista que o dispositivo em questão não elenca qualquer sanção, apenas informando que a recusa do adjudicatário em assinar o contrato caracteriza descumprimento da obrigação, sujeitando-o às penalidades legalmente estabelecidas. Essa imprecisão foi repetida pelo Decreto nº 6.204/2007, porém corrigida pelo Decreto nº 8.538/2015, que estabeleceu que a não regularização da documentação no prazo legal implicaria decadência do direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993 (BRASIL, 2015).
Após os comentários sobre os dispositivos legais relacionados com o privilégio de regularização tardia de pendências fiscais, é oportuno mencionar a crítica de que essa possibilidade não deveria ficar restrita unicamente às questões fazendárias. Nesse sentido, Justen Filho apresenta o seguinte problema:
Suponha-se que o edital exija a comprovação de inscrição em órgão de controle de profissão regulamentada. Imagine-se que o licitante teve a sua inscrição suspensa em vista da ausência de pagamento de anuidade. Admita-se que, pagando a anuidade, retornará automaticamente à situação de regularidade. Ora, não se poderia negar o cabimento da aplicação das regras da LC nº 123 também a essa hipótese. A similitude com a situação da regularidade fiscal é absoluta, demandando tratamento jurídico idêntico (JUSTEN FILHO, 2007, p. 49)
Muito embora a crítica seja pertinente, o que se vê é que a legislação não sofreu mudanças nesse sentido com a edição da LC 147/2014. Alteração sutil, contudo, veio com a Lei Complementar nº 155/2016, que estendeu os privilégios de regularização tardia às questões trabalhistas, de modo a harmonizar a legislação com a nova redação do art. 27, IV da Lei nº 8.666/1993, que foi modificado pela Lei nº 12.440/2011 e passou a tratar da regularidade trabalhista.
Assim sendo, nos dias atuais, os pequenos empreendimentos possuem o privilégio de regularizar pendências fiscais e trabalhistas apenas se forem vencedoras dos certames de que participarem.
3.2 Desempate
As regras gerais de licitação previstas na Lei nº 8.666/1993 estabelecem duas possibilidades para resolução de empates em certames licitatórios. A primeira delas está prevista no § 2º do art. 3º, levando em consideração, como critério de desempate, se os bens ou serviços foram produzidos no Brasil, se foram produzidos ou prestados por empresas brasileiras ou por aquelas que investiram em pesquisa e no desenvolvimento tecnológico no Brasil, ou, por fim, se foram produzidos ou prestados por empresas que comprovem o cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social (BRASIL, 1993).
Diante da impossibilidade de superação do empate, consoante as preferências do § 2º do art. 3º, resta apenas o sorteio disciplinado no § 2º do art. 45, que se fará em ato público, com a convocação de todos os licitantes, vedado qualquer outro processo.
A par dessas hipóteses, uma inovação foi criada pela LC nº 123/2006, para utilização nos certames em que concorram pequenos empreendimentos com grandes e médias empresas:
Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.
§ 1o Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada.
§ 2o Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1o deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço (BRASIL, 2006).
O dispositivo acima criou a hipótese de um empate fictício quando a proposta de um licitante de pequeno porte fosse até 10% superior à melhor proposta, desde que essa última fosse de uma média ou grande empresa. Na modalidade pregão, adotou-se o percentual de cinco por cento acima da melhor proposta como limite para se assegurar o empate ficto.
É importante frisar, entretanto, que esse empate fictício não é aplicável inadvertidamente em todas as licitações. Faz-se necessário que exista uma competição entre empresas de médio e grande portes com os pequenos empreendimentos que gozam dos privilégios estabelecidos na LC 123/2006. Dito de outro modo, mas com o mesmo sentido, Marrara e Recchia (2017, p. 128) argumentam que “esse dispositivo apenas deixará de se aplicar nas hipóteses em que: i) a licitação tiver apenas ME ou EPP em competição a despeito de exclusividade; ii) for realizada com exclusividade para esse grupo de empresas ou iii) a empresa mais classificada (sic) se enquadra na categoria de ME ou EPP”.
O art. 45 da LC 123/2006 trouxe o mecanismo de operacionalização do benefício. No inciso I existe a previsão de que o licitante de pequeno porte mais bem classificado ofereça proposta de preço inferior àquela considerada vencedora para que o objeto seja adjudicado em seu favor. Ou seja, o desempate não se opera automaticamente, é preciso que o licitante de pequeno porte reduza a melhor proposta, ainda que em valores insignificantes, para se tornar vencedor.
Caso o licitante de pequeno porte mais bem classificado não proceda ao desempate, de acordo com o inciso II, as demais empresas desse grupo econômico, com propostas dentro do limite do empate fictício, serão convocadas para o exercício do direito, obedecendo a ordem de classificação.
Na situação em que dois ou mais licitantes de pequeno porte ofereçam propostas iguais, o inciso III do art. 45 traz a previsão de sorteio entre eles para se identificar aquele que terá o direito de operar o desempate em primeiro lugar.
Em relação às modalidades concorrência, tomada de preços e convite, a ocorrência de propostas iguais por licitantes de pequeno porte conduz invariavelmente ao sorteio previsto no inciso III do art. 45 da LC 123/2006 para se escolher quem terá o direito de desempatar em primeiro lugar. Contudo, no que toca ao pregão, algumas considerações se fazem necessárias.
Seja na modalidade presencial ou eletrônica, o julgamento das propostas no pregão comporta duas fases distintas para se chegar ao vencedor. Primeiramente, os licitantes apresentam suas propostas e em um segundo momento existe uma fase competitiva de lances em que os participantes podem reduzir suas ofertas com a finalidade de vencer o certame. Se a disputa no pregão enveredar para a fase de lances, prevê o § 5º do art. 5º do Decreto nº 8.538/2015 que não se aplica o sorteio previsto no inciso III do art. 45 da LC 123/2006 entre as ME e EPP porque tal procedimento não admite o empate real. De fato, na fase de lances é inadmitido que um lance seja igual ao outro, devendo sempre ser distinto e decrescente, o que impede que ocorram propostas iguais susceptíveis de sorteio. Contudo, pode ocorrer a hipótese em que os licitantes não façam lances na fase competitiva, mantendo intactas suas propostas iniciais. Nesse caso, havendo empate no segundo lugar entre licitantes de pequeno porte, cabe fazer um sorteio entre eles para saber quem terá o direito de desempatar em primeiro lugar.
Em 2014 vários dispositivos da LC 123/2006 foram alterados pela LC 147/2014. Entretanto, as regras do empate ficto e de seus procedimentos permaneceram intactas, o que foi reputado insuficiente por alguns doutrinadores. Marrara e Recchia entendem que as ME e EPP poderiam ter o direito de apresentar a mesma proposta da primeira colocada para obter a contratação, pois:
As empresas menores, em geral, não se aproveitam de economias de escala, dispõem de menor capital de giro, enfrentam mais dificuldades na captação de recursos financeiros e contam com estrutura mais frágil para se manter no mercado. Dessa maneira, adequado seria modificar o instituto para se permitir, para além do empate ficto, a possibilidade de oferta, pela ME ou EPP, de proposta de igual valor ao da empresa de maior porte que se colocou em primeiro lugar (MARRARA e RECCHIA, 2017, p. 129).
A nosso ver, essa possibilidade aventada pelos doutrinadores teria pequeno efeito prático, uma vez que basta ao pequeno licitante reduzir em um centavo a melhor proposta para se sagrar vencedor, o que representaria, em termos efetivos, a mesma proposta mais bem classificada.
3.3 Licitação exclusiva
O tratamento favorecido conferido aos pequenos empreendimentos nas licitações públicas não representa um fim em si mesmo, mas, de outro modo, um mecanismo para se atingir outras finalidades. De acordo com o art. 47 da LC 123/2006, nas contratações dos entes públicos, deverá ser concedido um tratamento diferenciado para pequenos empreendimentos com a finalidade de fomentar políticas de interesse coletivo, objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica (BRASIL, 2006).
Para alcançar os objetivos estabelecidos no art. 47, a LC 123/2006 previu três discriminações extensíveis aos pequenos empreendimentos, sendo a primeira delas abordada nesse tópico.
Diz o art. 48, I da LC 123/2006 que a administração pública deve realizar licitação exclusiva para ME e EPP nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (BRASIL, 2006).
Na redação original da LC 123/2006, previa-se a licitação exclusiva para contratações de valor global de até R$ 80.000,00. Com a alteração introduzida pela LC 147/2014, a licitação exclusiva aos pequenos empreendimentos passou a ser feita quando os itens de uma contratação não superam R$ 80.000,00, o que representou uma ampliação significativa ao tratamento favorecido. Isso ocorreu porque, com a redação original, grandes licitações divididas em vários itens ou lotes acabavam não permitindo a reserva exclusiva, tendo em vista que, de modo global, o valor estimado superava o montante de R$ 80.000,00. Agora, ao se considerar cada item ou lote separadamente, as possibilidades de licitações com participação exclusiva aumentaram sensivelmente. Também não há restrição de objetos para os certames exclusivos, sendo possíveis para aquisição de bens, prestação de serviços e execução de obras.
Ainda no que tange ao limite de R$ 80.000,00 para licitações exclusivas, é importante apresentar a Orientação Normativa nº 10/2009 da Advocacia Geral da União:
Para fins de escolha das modalidades licitatórias convencionais (concorrência, tomada de preços e convite), bem como de enquadramento das contratações previstas no art. 24, I e II, da Lei nº 8.666/1993, a definição do valor da contratação levará em conta o período de vigência contratual e as possíveis prorrogações. Nas licitações exclusivas para microempresas, empresas de pequeno porte e sociedades cooperativas, o valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) refere-se ao período de um ano, observada a respectiva proporcionalidade em casos de períodos distintos (BRASIL, 2009).
Considerando o dispositivo acima, de observância obrigatória no âmbito do Poder Executivo Federal, é possível que licitações para contratação de serviços continuados de valor estimado de até R$ 400.000,00 sejam reservadas exclusivamente para ME e EPP, pois o limite anual de R$ 80.000,00 combinado com 5 anos de prorrogações resulta exatamente nesse valor.
Apesar de beneficiar os pequenos empreendimentos, as licitações exclusivas recebem críticas porque teriam o poder de reduzir a vantajosidade das contratações, ao limitar a competitividade. Contudo, a própria LC 123/2006, em seu art. 49, III, estabelece a inaplicabilidade da licitação exclusiva quando não houver vantajosidade para a administração pública.
Além disso, mesmo se tal norma não existisse, não há como se afirmar peremptoriamente que haveria concentração de mercado no longo prazo, muito embora no limite temporal mais remoto possa haver diminuição do número de agentes em determinada licitação. Com as licitações exclusivas, promove-se a igualdade material, o que possibilita que licitantes com menores condições de competitividade tenham acesso a mercados públicos, o que impede que muitas delas desapareçam. Se esse raciocínio for correto e as licitações exclusivas tiverem condição de ajudar a sobrevivência de pequenos empreendimentos, no longo prazo o número de agentes econômicos aumentará. Em síntese, pode-se aumentar a atomização do mercado a longo prazo e não sua concentração. Já a vantajosidade pode não ser afetada pela licitação exclusiva em razão das externalidades positivas que pode gerar, como o estímulo econômico à sobrevivência de milhões de famílias. Não se deve analisar a vantajosidade sob o prisma de uma licitação em concreto, mas sim num aspecto de longo prazo, colhendo os benefícios socioeconômicos da contratação pública (MARRARA e RECCHIA, 2017, p. 124).
3.4 Subcontratação de obras e serviços
A redação original do art. 48, II, da LC 123/2006 estabelecia a possibilidade de que nos certames licitatórios se exigisse dos licitantes a subcontratação de ME e EPP até o limite de 30% do total licitado.
Com as alterações promovidas pela LC 147/2014, houve uma restrição nos objetos que podem ser subcontratados com ME e EPP. Enquanto a previsão original permitia a subcontratação na aquisição de bens, contratação de serviços e execução de obras, a normatização atual permite que o licitante vencedor subcontrate apenas serviços e obras. Além disso, não há mais o limite de 30% do total licitado para subcontratação.
O primeiro ponto de destaque em relação a esse privilégio diz respeito às responsabilidades dos particulares em face da administração. Muito embora exista a possibilidade de subcontratação de pequenos empreendimentos, isso não configura uma cessão de contratos, ou seja, a responsabilidade pelo adimplemento contratual continua sendo do licitante que firmou contrato com o poder público.
Para se avaliar os detalhes da subcontratação de obras e serviços é preciso estudar as regras estabelecidas no Decreto nº 8.538/2015 uma vez que a LC 123/2006 apresentou apenas dois dispositivos sobre o tema.
Da leitura do caput do art. 7º do Decreto nº 8.538/2015 é possível extrair que a subcontratação não se aplica ao fornecimento de bens, sendo possível apenas para contratação de serviços e obras. Além disso, trata-se, de uma discricionariedade conferida ao gestor público, diferentemente do que ocorre com as licitações exclusivas e com as cotas de bens, que são imposições legais sem qualquer margem de liberdade ao gestor.
O inciso I do art. 7º remete ao instrumento convocatório a definição dos percentuais mínimo e máximo da subcontratação, porém com vedação expressa da transferência completa do objeto ou da parcela principal ao subcontratado. Percebe-se, portanto, que as possibilidades de subcontratação se circunscrevem aos serviços acessórios, seja em obras públicas ou na prestação de serviços propriamente dita. Segundo Pereira Júnior e Dotti:
Caberá ao termo de referência ou ao projeto básico, conforme se trate de compra, obra ou serviço, distinguir quais serão os “serviços acessórios”, conceito jurídico indeterminado que carecerá de determinação no caso concreto. Em projeto básico de serviços de limpeza de prédio, por exemplo, poderá ser acessória a manutenção de um recanto interno arborizado, cuja execução caberia ser subcontratada a pequena empresa ou cooperativa especializada. Mas certamente que serviço acessório não seria o de conservar um jardim de grande dimensão em praça pública, constituindo o próprio objeto integral do contrato. O acessório é sempre secundário e de menor valor em relação ao principal. A não execução de um serviço acessório não compromete, em princípio, a operação do principal, não lhe impondo riscos de interrupção. Esse o núcleo conceitual que deverá presidir as definições que o projeto básico ou o termo de referência levará em conta ao discriminar quais serão os serviços acessórios ao objeto em licitação (PEREIRA JÚNIOR e DOTTI, 2008).
Já o inciso II do art. 7º deve ser interpretado conjuntamente com o § 3º do art. 7º. Determina a regra em comento que a licitante de grande ou médio porte já deve indicar durante a licitação quais pequenos empreendimentos serão por ela subcontratados, inclusive com a descrição da parcela do objeto e seus respectivos valores. O momento adequado para essa informação, no entanto, varia conforme a modalidade de licitação adotada. De acordo com o § 3º do art. 7º, em caso de pregão presencial ou eletrônico, a comprovação deve-se dar no momento da aceitação da proposta. Já nas concorrências, tomadas de preços e convites, o licitante deve apresentar essas informações no interior do envelope que será aberto na fase de habilitação.
Na sequência de análise do art. 7º do Decreto nº 8.538/2015, é possível verificar no inciso III a exigência de regularidade fiscal dos pequenos empreendimentos subcontratados desde a fase de habilitação até a conclusão da execução do contrato, inclusive com a possibilidade de regularização tardia de pendências fiscais, nos termos do § 1º do art. 4º do decreto. Esse dispositivo merece um comentário adicional haja vista que foi suprimido no Decreto nº 8.538/2015 a exigência de manutenção de regularidade trabalhista do subcontratado ao longo da vigência contratual, como era previsto no art. 7º, III, do Decreto nº 6.204/2007. Aqui parece surgir uma contradição, na medida em que a violação de normas trabalhistas fere justamente um dos fundamentos do tratamento diferenciado aos pequenos empreendimentos, consubstanciado na promoção do desenvolvimento econômico e social. Com efeito, não seria razoável admitir que o subcontratado quitasse suas obrigações junto ao governo, mas deixasse seus empregados sem salário.
No caso de extinção da subcontratação, diz o inciso IV do art. 7º que a empresa contratada deve substituir a ME ou EPP no prazo máximo de 30 dias, sob pena de rescisão contratual, assegurando que o percentual originalmente subcontratado seja mantido até a execução final do objeto. Por outro lado, caso seja inviável essa substituição, a contratada deve demonstrar esse fato ao contratante, hipótese em que se responsabiliza pela execução da parcela subcontratada.
O inciso V apenas ratifica o entendimento de que a responsabilidade pela padronização, compatibilidade, gerenciamento e qualidade do objeto permanece com a média ou grande empresa e não com subcontratada.
Caso a subcontratação se concretize, o § 5º do art. 7º do Decreto nº 8.538/2015 trouxe uma regra interessante, consubstanciada na obrigação do ente público empenhar e pagar a despesa diretamente ao pequeno empreendimento. Muito embora não exista um ajuste firmado entre a Administração Pública e a empresa de pequeno porte, a norma em questão representa uma garantia dessa última, a qual ganha independência perante a sua contratante e evita-se, assim, a ocorrência de fraudes.
Para finalizar o tópico, cabe estudar as disposições do § 1º do art. 7º do Decreto nº 8.538/2015, o qual dispõe que deverá constar do edital que a subcontratação não se aplicará quando o licitante for ME ou EPP, consórcio composto na totalidade por ME ou EPP, ou, por fim, consórcio composto parcialmente por ME ou EPP com participação igual ou superior ao percentual exigido de subcontratação (BRASIL, 2015).
Conforme se observa, a legislação buscou impedir que ME e EPP subcontratassem o objeto licitado, restando essa possibilidade tão somente quando a vencedora da licitação fosse uma média ou grande empresa. A respeito dessa vedação, há interpretações divergentes na doutrina especializada. Pereira Júnior e Dotti concordam com as regras de inaplicabilidade de subcontratação nos seguintes termos:
Nenhum sentido haveria em se impor a subcontratação quando o próprio contratado já fosse microempresa, empresa de pequeno porte ou cooperativa. O direito a ser subcontratada tem por titular essas entidades, com o correspondente dever jurídico de sujeição das empresas de maior porte, quando estas forem as contratadas. Estas é que terão de cumprir a exigência da subcontratação, prevista no edital em favor daquelas. Por isto que o § 1º do art. 7º afirma inaplicável a exigência de subcontratação a microempresa, empresa de pequeno porte ou cooperativa, a consórcio composto em sua totalidade por essas entidades, ou a consórcio composto parcialmente por elas, com participação igual ou superior ao percentual exigido de subcontratação (PEREIRA JÚNIOR e DOTTI, 2008).
Por outro lado, Marrara e Recchia criticam a proibição de que as ME e EPP pudessem subcontratar os objetos:
Não se vislumbram motivos para se excluir por completo a subcontratação nas situações em que a vencedora do certame for uma empresa enquadrada nas categorias de ME ou EPP. É visível o raciocínio da Presidência da República materializado no Decreto a respeito dessa última questão. Pensou a autoridade regulamentadora que não haveria razão para se manter um benefício em favor de empresas de menor porte na execução do contrato se uma delas já terá vencido o certame. Ainda assim, a questão que se põe é a seguinte: Por que proibir, na norma regulamentar, o uso de uma técnica de repartição do objeto com outras ME ou EPP? Ainda que a vencedora se enquadre nessa categoria, a subcontratação em favor de mais empresas de igual porte poderia ser extremamente benéfica ao ampliar o número de acessos ao contrato e, por conseguinte, aos recursos públicos. Daí porque se afigura indevida a vedação prevista no art. 7º, § 1º do Decreto, a qual, registre-se, não possui base na LC 123/2006 (MARRARA e RECCHIA, 2017, p. 132).
No que toca a essa questão de uma possível subcontratação de serviços adjudicados por pequenos empreendimentos, acredita-se que a intenção do legislador tenha sido a de prestigiar apenas o empresário de pequeno porte vencedor do certame, haja vista que a hipótese de uma pequena empresa contratar outra pequena empresa, dividindo o objeto do contrato, subverte a lógica da concessão do privilégio, que deve ser observado tão somente quando uma média ou grande empresa vence a licitação.
3.5 Cotas no fornecimento de bens
A redação original do art. 48, III, da LC 123/2006 trazia a faculdade ao gestor da criação de uma cota exclusiva de até 25% nas aquisições de bens e serviços de natureza divisível, para contratação de ME e EPP.
Entretanto, com a edição da LC 147/2014, o privilégio em questão sofreu mudanças significativas. A partir de então, a faculdade de estabelecimento de cotas se converteu em uma obrigação ao gestor. Por outro lado, a nova disposição do art. 48, III, acabou por restringir o campo de aplicação das cotas, circunscrito, a partir de então, apenas ao fornecimento de bens de natureza divisível.
Portanto, caso o gestor público necessite adquirir bens de natureza divisível em valor que supere R$ 80.000,00, deve separar uma cota de até 25% para competição exclusiva de pequenos empreendimentos, sendo o restante destinado à disputa de empresas de qualquer porte.
Desse modo a abertura de licitação para aquisição de bens de natureza divisível sem estabelecimento de cota configura prática ilegal do gestor. Marrara e Recchia (2017, p. 130) argumentam que em apenas três situações é possível dispensar as cotas: quando o objeto for indivisível; quando a licitação não comportar pequenos empreendimentos, e no caso de fracasso na licitação cotizada. A primeira hipótese se dá, por exemplo, quando a Administração deseja adquirir um único bem, o que caracteriza a indivisibilidade. O segundo caso ocorre quando os bens objeto da licitação possuem alto valor agregado, superando o limite de receita bruta anual das EPP, de modo que implica a exclusão de pequenos empreendimentos da disputa. Por último, as cotas ficam afastadas quando a disputa reservada aos pequenos empreendimentos resta infrutífera em razão de problemas com habilitação ou classificação.
Caso a cota reservada não tenha vencedores, por restar deserta ou fracassada, é possível, conforme o § 2º do art. 8º do Decreto nº 8.538/2015, que o objeto seja adjudicado ao vencedor da cota principal, ou diante de sua recusa, aos remanescentes que aceitem praticar o mesmo preço do primeiro colocado da cota principal.
Por fim, no sistema de registro de preços ou por entregas parceladas, segundo o estatuto, deve-se priorizar a aquisição das cotas reservadas, a menos que elas sejam inadequadas para atender as quantidades ou condições do pedido.
3.6 Preferências aos pequenos empreendimentos locais ou regionais
Com a edição da LC 147, passou a existir a obrigatoriedade de tratamento favorecido para promover o desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica. Além disso, o § 3º do art. 48 criou a figura da priorização regional das micro e pequenas empresas, dispondo que os benefícios do art. 48 poderiam estabelecer a prioridade de contratação para ME e EPP sediadas local ou regionalmente, até o limite de 10% do melhor preço válido (BRASIL, 2014).
Passaram então a existir privilégios extensíveis a todos os pequenos empreendimentos, e outros que alcançam somente aqueles sediados local ou regionalmente. Marrara e Recchia (2017, p. 132) argumentam que se criaram dois grupos de discriminações licitatórias para as ME e EPP: as gerais, que abrangem todas as ME e EPP independentemente da localização, e as especiais, que são destinadas a empresas de menor porte locais ou regionais.
Importante frisar, entretanto, que a técnica de priorização de pequenos empreendimentos locais não se aplica indiscriminadamente a todas as licitações. Muito pelo contrário, faculta-se ao gestor a utilização de tal técnica somente nas três hipóteses do art. 48.
Antes de analisar os mecanismos de priorização de pequenos empreendimentos sediados local ou regionalmente, é preciso esclarecer quem, de fato, pode fazer jus aos benefícios legais. Para isso, o Decreto nº 8.538/2015 esclareceu que se considera beneficiário em âmbito local o pequeno empreendimento sediado nos limites geográficos do Município onde será executado o objeto da contratação. Já o beneficiário em âmbito regional é o pequeno empreendimento sediado nos limites geográficos do Estado ou da região metropolitana, que podem envolver mesorregiões ou microrregiões, conforme definido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (BRASIL, 2015).
As regras procedimentais para aplicação do benefício da priorização de pequenos empreendimentos foram estabelecidas em nove alíneas contidas no inciso II do art. 9º do Decreto nº 8.538/2015. Em síntese, pode-se dizer que foi adotado o mesmo critério do privilégio do empate ficto, quando a proposta das ME e EPP se encontra no intervalo de até 10% da melhor proposta. No entanto, não houve ressalvas quanto à modalidade pregão, de modo que a margem de preferência ficará também nesse intervalo percentual.
Portanto, em licitações de até R$ 80.000,00, abrem-se as seguintes possibilidades, conforme o percentual de prioridade previsto no edital, limitado a 10%, devidamente motivado (adotar-se-á, no caso, o percentual máximo de 10% para efeito de estudo). Pequeno empreendimento local ou regional com proposta até 10% superior ao menor preço ofertado pode cobrir essa proposta, situação em que o objeto será adjudicado a seu favor. Se não o fizer, concede-se o mesmo tratamento para outro pequeno empreendimento local ou regional com proposta dentro da margem de 10% da melhor proposta, seguindo-se a ordem de classificação para o exercício do direito. Em caso de propostas iguais de pequenos empreendimentos locais ou regionais, realizar-se-á sorteio para definição de quem apresentará a proposta em primeiro lugar.
Nas licitações para aquisição de bens com cota reservada aos pequenos empreendimentos, essa sistemática de priorização local ou regional fica reservada somente à disputa cotizada. Assim, na disputa do item com cota reservada, o pequeno empreendimento local e regional com proposta até 10% superior pode cobrir o melhor preço e ter o objeto adjudicado a seu favor.
Já no que tange à subcontratação de pequenos empreendimentos locais e regionais, tem-se a seguinte redação do dispositivo:
Art. 9º [...]
[...]
f) nas licitações com exigência de subcontratação, a prioridade de contratação prevista neste inciso somente será aplicada se o licitante for microempresa ou empresa de pequeno porte sediada local ou regionalmente ou for um consórcio ou uma sociedade de propósito específico formada exclusivamente por microempresas e empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente; (BRASIL, 2015)
A nosso ver, a regra acima apresenta uma impropriedade quando utiliza a palavra licitante ao se referir às ME e EPP locais e regionais. Como foi discutido no tópico pertinente, a subcontratação compulsória de pequenos empreendimentos pode ocorrer tão somente quando o vencedor do certame for uma empresa de médio ou grande porte, haja vista que no § 1º, inciso I, do art. 7º do regulamento diz-se que a subcontratação é inaplicável quando o licitante for microempresa ou empresa de pequeno porte. Ou seja, quando o edital previr a figura da subcontratação compulsória, a licitante de grande porte já deve apresentar no momento da habilitação a indicação e a qualificação da entidade de pequeno porte que será por ela contratada.
Portanto, percebe-se que a ME ou EPP que será subcontratada não é uma concorrente do certame, até mesmo porque existe vedação legal nesse sentido, estabelecida no inciso II do § 6º do art. 7º do regulamento. Dito isso, constata-se que o pequeno empreendimento que será beneficiado com a subcontratação não pode ser considerado um licitante.
Em nosso entendimento, quando a alínea f, do inciso II, do art. 9º do regulamento diz que a prioridade será aplicada se o licitante for ME ou EPP sediada local ou regionalmente, está-se cometendo um equívoco. O correto, no caso, é que se preveja no edital que a subcontratação deve ficar restrita a pequenos empreendimentos sediados local ou regionalmente, cabendo às empresas de grande porte indicá-los já na fase de habilitação.
Por derradeiro, a última regra procedimental de priorização local está relacionada com as margens de preferência para produto nacional em relação a produto estrangeiro, previstas na Lei nº 8.666/1993. Segundo a norma (art. 9º, II, g), a priorização de pequenos empreendimentos locais somente será aplicada entre as propostas que fizerem jus às margens de preferência para produto nacional em face de estrangeiro.