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Os objetivos da educação em Morin e na Constituição Federal brasileira de 1988

Análise dos sete saberes necessários à educação do futuro segundo Edgar Morin e sua relação com os objetivos da educação estabelecidos na Constituição Federal do Brasil de 1988.

1. Introdução

Estudar a educação implica obrigatoriamente na verificação do que se defende a esse respeito em nível mundial. É impossível e desaconselhável refletir sobre o destino particular de cada Estado-Nação na área da educação ignorando o mesmo fenômeno objeto do estudo em escala global.

Nesta linha de pensamento, antes de analisar os objetivos da educação na Constituição Federal do Brasil de 1988, é imprescindível o estudo dos sete saberes necessários à educação do futuro segundo Morin, impondo-se a análise de suas considerações e conclusões no intuito de levá-las em conta em todos os processos de ensino-aprendizagem. É o que se propõe através do presente trabalho.

2. Morin e os saberes necessários à educação do futuro

Da UNESCO partiu a ideia, em 1999, de encomendar ao filósofo francês Edgar Morin a exposição das suas idéias sobre a educação do amanhã, com o objetivo, dentre outros, de aprofundar a visão transdisciplinar da educação, trabalho que teve como resultado a obra denominada Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro.

Informa Morin que seu texto não é um tratado sobre o conjunto das disciplinas que são ou deveriam ser ensinadas. Sua intenção foi, única e essencialmente, expor problemas centrais ou fundamentais que permanecem totalmente ignorados ou esquecidos e que são necessários para se ensinar no próximo século.

Para o filósofo, há sete saberes fundamentais que a educação do futuro deveria tratar em toda sociedade e em toda cultura, sem exclusividade nem rejeição, segundo modelos e regras próprias a cada sociedade e a cada cultura. Eis os sete saberes necessários à educação do futuro, segundo Morin:

1°) As cegueiras do conhecimento (o erro e a ilusão): é impressionante que a educação que visa a transmitir conhecimentos seja cega quanto ao que é o conhecimento humano, seus dispositivos, enfermidades, dificuldades, tendências ao erro e à ilusão, e não se preocupe em fazer conhecer o que é conhecer. Assim, mister o estudo das características cerebrais, mentais, culturais dos conhecimentos humanos, de seus processos e modalidades, das disposições tanto psíquicas quanto culturais que o conduzem ao erro ou à ilusão (Morin, 2000, pp. 13-14, 19-33).

2°) Os princípios do conhecimento pertinente: a supremacia do conhecimento fragmentado de acordo com as disciplinas impede freqüentemente de operar o vínculo entre as partes e a totalidade, e deve ser substituída por um modo de conhecimento capaz de apreender os objetos em seu contexto, sua complexidade, seu conjunto. Deste modo, é necessário desenvolver a aptidão natural do espírito humano para situar todas essas informações em um contexto e um conjunto. É preciso ensinar os métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo (Morin, 2000, pp. 14-15, 35-46).

3°) Ensinar a condição humana: o ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Esta unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na educação por meio das disciplinas, tendo-se tornado impossível aprender o que significa ser humano. É preciso restaurá-la, de modo que cada um, onde quer que se encontre, tome conhecimento e consciência, ao mesmo tempo, de sua identidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros humanos. Desse modo, a condição humana deveria ser o objeto essencial de todo o ensino (Morin, 2000, pp. 15, 47-61).

4°) Ensinar a identidade terrena: o destino planetário do gênero humano é outra realidade chave até agora ignorada pela educação. O conhecimento dos desenvolvimentos da era planetária, que tendem a crescer no século XXI, e o reconhecimento da identidade terrena, que se tornará cada vez mais indispensável a cada um e a todos, devem converter-se em um dos principais objetos da educação. Convém ensinar a história da era planetária, que se inicia com o estabelecimento da comunicação entre todos os continentes no século XVI, e mostrar como todas as partes do mundo se tornaram solidárias, sem, contudo, ocultar as opressões e a dominação que devastaram a humanidade e que ainda não desapareceram. Será preciso indicar o complexo de crise planetária que marca o século XX, mostrando que todos os seres humanos, confrontados de agora em diante aos mesmos problemas de vida e de morte, partilham um destino comum (Morin, 2000, pp. 15-16, 63-78).

5°) Enfrentar as incertezas: as ciências permitiram a aquisição de muitas certezas, mas igualmente revelaram, ao longo do século XX, inúmeras zonas de incerteza. A educação deveria incluir o ensino das incertezas que surgiram nas ciências físicas (microfísicas, termodinâmica, cosmologia), nas ciências da evolução biológica e nas ciências históricas. Seria preciso ensinar princípios de estratégia que permitiriam enfrentar os imprevistos, o inesperado e a incerteza, e modificar seu desenvolvimento, em virtude das informações adquiridas ao longo do tempo. É preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélagos de certeza. O abandono das concepções deterministas da história humana que acreditavam poder predizer nosso futuro, o estudo dos grandes acontecimentos e desastres de nosso século, todos inesperados, o caráter doravante desconhecido da aventura humana devem-nos incitar a preparar as mentes para esperar o inesperado, para enfrentá-lo. É necessário que todos os que se ocupam da educação constituam a vanguarda ante a incerteza de nossos tempos (Morin, 2000, pp. 16, 79-92).

6°) Ensinar a compreensão: a compreensão é a um só tempo meio e fim da comunicação humana. Entretanto, a educação para a compreensão está ausente do ensino. O planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensão mútua. Considerando a importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão pede a reforma das mentalidades. Esta deve ser a obra para a educação do futuro. A compreensão mútua entre os seres humanos, quer próximos, quer estranhos, é daqui para a frente vital para que as relações humanas saiam de seu estado bárbaro de incompreensão. Daí decorre a necessidade de estudar a incompreensão a partir de suas raízes, suas modalidades e seus efeitos. Este estudo é tanto mais necessário porque enfocaria não os sintomas, mas as causas do racismo, da xenofobia, do desprezo. Constituiria, ao mesmo tempo, uma das bases mais seguras da educação para a paz, à qual estamos ligados por essência e vocação (Morin, 2000, pp. 16-17, 93-104).

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7°) A ética do gênero humano: a educação deve conduzir à “antropo-ética”, levando em conta o caráter ternário da condição humana, que é ser ao mesmo tempo indivíduo/sociedade/espécie. Nesse sentido, a ética indivíduo/espécie necessita do controle mútuo da sociedade pelo indivíduo e do indivíduo pela sociedade, ou seja, a democracia; a ética indivíduo/espécie convoca, ao século XXI, a cidadania terrestre. A ética não poderia ser ensinada por meio de lições de moral. Deve formar-se nas mentes com base na consciência de que o humano é, ao mesmo tempo, indivíduo, parte da sociedade, parte da espécie. Carregamos em nós esta tripla realidade. Desse modo, todo desenvolvimento verdadeiramente humano deve compreender o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e da consciência de pertencer à espécie humana. Partindo disso, esboçam-se duas grandes finalidades ético-políticas do novo milênio: estabelecer uma relação de controle mútuo entre a sociedade e os indivíduos pela democracia e conceber a Humanidade como comunidade planetária. A educação deve contribuir não somente para a tomada de consciência de nossa Terra-Pátria, mas também permitir que esta consciência se traduza em vontade de realizar a cidadania terrena (Morin, 2000, pp. 17-18, 105-115).

As considerações de Morin consistem certamente numa provocação a todos os educadores interessados em estudar e repensar os objetivos das instituições de ensino de todos os níveis e modalidades de educação. Do mesmo modo, suas reflexões se contrapõem indiretamente aos que defendem que o ensino se destina exclusivamente à formação de pessoal para o mercado de trabalho e se esquecem que influi expressivamente na vida dos indivíduos e nos destinos da sociedade.

Em outras palavras,

a educação serve à sociedade de diversas maneiras e sua meta é formar pessoas mais sábias, possuidoras de mais conhecimentos, bem informadas, éticas, responsáveis, críticas e capazes de continuar aprendendo. Se todos os seres humanos tivessem essas aptidões e qualidades, os problemas do mundo não se resolveriam automaticamente, porém os meios e a vontade de fazê-lo estariam ao alcance das mãos. A educação também serve à sociedade, oferecendo uma visão crítica do mundo, especialmente de suas deficiências e injustiças e promovendo maior grau de consciência e sensibilidade, explorando novas visões e conceitos e inventando novas técnicas e instrumentos. A educação é, também, o meio de divulgar o conhecimento e desenvolver talentos para introduzir as mudanças desejadas nas condutas, valores e estilos de vida e para suscitar o apoio público às mudanças contínuas e fundamentais que serão imprescindíveis para que a humanidade possa modificar sua trajetória, abandonando a via mais comum que leva a dificuldades cada vez maiores e a uma possível catástrofe, para iniciar seu caminho a um futuro sustentável. A educação é, em síntese, a melhor esperança e o meio mais eficaz que a humanidade tem para alcançar o desenvolvimento sustentável. (UNESCO, 1999, p. 35)

Observa-se, assim, que a educação não pode ficar restrita ao ensino das disciplinas e seus conteúdos, quase sempre “despejados” nos alunos de maneira estanque, isolados e afastados da realidade sócio-cultural e de outros conhecimentos.

Segundo Morin (2001a, p. 135), é sabido

cada vez mais que as disciplinas se fecham e não se comunicam umas com as outras. Os fenômenos são cada vez mais fragmentados, e não se consegue conceber a sua unidade. É por isso que se diz cada vez mais: ‘Façamos interdisciplinaridade.’ Mas a interdisciplinaridade controla tanto as disciplinas como a ONU controla as nações. Cada disciplina pretende fazer reconhecer sua soberania territorial, e, à custa de algumas magras trocas, as fronteiras confirmam-se em vez de se desmoronar.

Em razão disso, defende o mesmo autor que “é preciso ir além” e impõe o aparecimento do termo “transdisciplinaridade” (Morin, 2001a, p. 135), tornando-se necessário “complexificar o modo de conhecimento” (Morin, 2001b, p. 31).

Morin (2003, pp. 114-115) reconhece que os termos interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade são difíceis de definir, pois são polissêmicos e imprecisos. Por outro lado, também reconhece que foram os “complexos de inter-multi-trans-disciplinaridade que realizaram e desempenharam um fecundo papel na história das ciências”, advertindo que “é preciso conservar as noções chave que estão implicadas nisso, ou seja, cooperação; melhor, objeto comum; e, melhor ainda, projeto comum”. Todavia, ressalta que o importante não é apenas a ideia de interi-trans-disciplinaridade, mas sim “ecologizar” as disciplinas, isto é, “levar em conta tudo que lhes é contextual, inclusive as condições culturais e sociais, ou seja, ver em que meio elas nascem, levantam problemas, ficam esclerosadas e transformam-se”. Segundo o autor, é necessário também o “metadisciplinar”, com o termo “meta” significando ultrapassar e conservar. Para ele, não se pode demolir o que as disciplinas criaram e nem romper todo o fechamento: “há o problema da disciplina, o problema da ciência, bem como o problema da vida; é preciso que uma disciplina seja, ao mesmo tempo, aberta e fechada”; além disso, “deve-se pensar também que o que está além da disciplina é necessário à disciplina para que não seja automatizada e esterilizada”.

3. A Constituição Federal do Brasil de 1988

Alterando o eixo de análise para a legislação brasileira, salienta-se que a Constituição Federal de 1988, embora trate de educação, não dispõe expressamente sobre a função específica que a mesma deva desempenhar.

Necessário, então, fazer referência aos objetivos do País e da educação como um todo, estabelecidos pela Carta Magna nos artigos 3° e 205, respectivamente.

O artigo 3° prescreve que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Salta aos olhos que os objetivos da República Federativa do Brasil, dispostos no artigo 3° da Constituição Federal, estão ligados à ideia de Justiça.

Levando-se em conta os propósitos deste estudo, vale lembrar que Montoro (2000, p. 138) afirma que a justiça não é uma simples técnica da igualdade, da utilidade ou da ordem social. Mais que tudo isso, a justiça é a virtude da convivência humana. É base da justiça o respeito à dignidade fundamental da pessoa humana, que não pode ser considerado apenas abstratamente. Explica Montoro que é “na realidade histórica, concreta e variável, em que as relações sociais se desenvolvem, que a justiça e suas exigências devem ser atendidas”. Para Reale (2003, pp. 375-377), justiça é a “tentativa renovada e incessante de harmonia entre as experiências axiológicas necessariamente plurais, distintas e complementares, sendo, ao mesmo tempo, a harmonia assim atingida”, podendo ser “compreendida plenamente como concreta experiência histórica” e impondo reconhecer que “funda-se no valor da pessoa humana, valor-fonte de todos os valores”.

Há inúmeras opiniões sobre o conceito de justiça e também a respeito das suas espécies. As discussões são intermináveis e devem ser deixadas de lado, eis que não constituem o objetivo central deste trabalho. O que importa aqui é ressaltar que o termo social se refere ao “que pertence à sociedade ou tem em vista suas estruturas ou condições” (Abbagnano, 2000, p. 912), sendo esta a justiça que mais tem relação com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: a justiça social.

Afirma Herkenhoff (2001, pp. 107-108 e 113), com propriedade, que a justiça social é a realização do valor “justiça” no âmbito das relações sociais. É a justiça no seu sentido macro, em oposição às explicitações da justiça no plano das relações interindividuais. Alerta que “as reflexões dos filósofos clássicos devem ser adequadas à realidade contemporânea e à realidade de cada situação específica para terem valia”. No caso do Brasil, pondera a necessidade de se ter presente “a realidade de país de Terceiro Mundo, com uma economia dependente”. Explica, assim, que justiça social no Brasil “é vencer a fome, as brutais desigualdades, é impedir que a infância seja destruída antes mesmo que a vida alvoreça, é reconhecer às multidões oprimidas o direito de partilhar os dons e as grandezas da Criação”. Continua Herkenhoff dizendo que “não há Justiça Social onde a sociedade, como um todo, não proporciona a satisfação dos direitos das pessoas em particular e sobretudo das pessoas mais credoras de proteção como a criança, o velho, o doente”, assim como “não há Justiça Social se a sociedade global não dá condições de existência às microssociedades como a família e os diversos pequenos grupos sociais”. Conclui, enfim, que a justiça social poderá criar um clima social gerador de comportamentos positivos e construtivos, poderá contribuir para criar uma maior coesão social, certamente aumentará a solidariedade e reduzirá os atritos e conflitos.

Betioli (1995, p. 389) enfatiza que os desníveis entre nações, entre regiões de um mesmo país, entre classes sociais, revelam a gravidade e importância das exigências da justiça social no mundo contemporâneo.

A justiça social assemelha-se à “justiça prática” estudada por Kolm (2000, pp. 198-199), segundo o qual referida justiça consiste em “cuidar primeiro das pessoas mais miseráveis”. Para ele, “o princípio da Justiça Prática deve ser examinado com referência a seu significado nas aplicações práticas” e tem relação direta com a “questão das necessidades”. Explana que “em uma sociedade na qual as necessidades básicas não são satisfeitas, a Justiça Prática equivale a dar prioridade à sua satisfação”.

Talvez entender a justiça social fique mais fácil ao se analisar a injustiça social, que se encontra atrelada à ideia de exclusão, a qual, segundo Müller (1998, pp. 91-94), trata-se de discriminação parcial de parcelas consideráveis da população, vinculada preponderantemente a determinadas áreas, permitindo-se a essas parcelas da população a presença física no território nacional, embora elas sejam excluídas tendencial e difusamente dos sistemas prestacionais econômicos, jurídicos, políticos, médicos e dos sistemas de treinamento e educação. Impõe-se, para Müller, a igualdade de todos no tocante à sua qualidade de seres humanos, à dignidade humana, aos direitos fundamentais e às restantes garantias legalmente vigentes de proteção.

Considerando o sentido de justiça aferido neste estudo, importa evidenciar, utilizando-se da expressão de Warat (1994, p. 23), a possibilidade e até mesmo necessidade de “utopias eficientes”, assim definidas porque convocam esperanças e esforços de transformação, estimulam os que foram socialmente excluídos da vida para reivindicar, por eles mesmos, os caminhos da autonomia e porque podem servir, para estes excluídos, a descobrir o que neles foi silenciado pelas repressões máximas da cultura.

A prática da justiça tratada nesta especulação e que é objetivo da República Federativa do Brasil é aquela para a qual uma sociedade é tanto mais justa quanto mais igualitária, notadamente em termos de oportunidades, pois a justiça social suprime todas as formas de privilégios.

Estes objetivos do Estado, estabelecidos pela Lei Maior brasileira, se constituem também em metas a serem alcançadas pela educação, inclusive pelas instituições que a oferecem. Destarte, uma instituição no Brasil, ao oferecer um ensino que observe os objetivos propostos por Morin, possibilitando que pessoas cumpram as etapas e os níveis de educação, está certamente contribuindo para uma sociedade mais livre, justa e solidária, está ajudando no desenvolvimento do País, está contribuindo para a erradicação da pobreza e da marginalização, está diminuindo as desigualdades sociais e, ainda, está promovendo o bem-estar de todos.

Já o artigo 205 da Constituição Federal do Brasil atesta que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Constata-se, assim, que são objetivos da educação nacional contribuir para o pleno desenvolvimento da pessoa, prepará-la para o exercício da cidadania e qualificá-la para o trabalho.

Vê-se que cidadania, desenvolvimento e trabalho são fatores primordiais que devem ser lembrados e almejados pela educação no Brasil. Em outras palavras, a educação nacional, segundo a Constituição Federal de 1988, deve buscar incutir na pessoa: a) o aprender a conhecer (desenvolvimento humano), pois cada vez é mais inútil tentar conhecer tudo e o processo de aprendizagem jamais se acaba; b) o aprender a viver juntos (exercício da cidadania), para participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas, desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências; e c) o aprender a fazer (qualificação para o trabalho), para assim poder agir sobre o meio envolvente, objetivando adquirir não somente uma qualificação profissional mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. A soma destes três pilares da educação, nas palavras do Relatório Delors (Delors, 1998, passim), implica no aprender a ser, para melhor desenvolver a personalidade e estar à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal.

Impõe salientar, outrossim, ainda no patamar constitucional, que a atual Carta Magna brasileira elevou a dignidade da pessoa humana a princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1°, III).

Evidente, pois, que o princípio da dignidade da pessoa humana deve nortear a leitura e interpretação de toda e qualquer norma, inclusive aquelas relacionadas à educação nacional, até mesmo as próprias disposições constitucionais. Assim, se a dignidade da pessoa humana é fundamento da República brasileira, deve esta dignidade ser buscada incessantemente por todos (Estado, sociedade, família, instituições, organizações etc.) e um dos modos de se alcançá-la é através da educação.

4. Considerações finais

As colocações de Edgar Morin consistem certamente numa provocação a todos os educadores interessados em estudar e repensar os objetivos das instituições de ensino de todos os níveis e modalidades. Do mesmo modo, suas reflexões se contrapõem indiretamente aos que defendem que a educação escolar se destina exclusivamente à formação de pessoal para o mercado de trabalho e se esquecem que ela influi expressivamente na vida dos indivíduos e nos destinos da sociedade.

Aos estabelecimentos de ensino, à família, ao Estado e à sociedade, todos responsáveis pela educação, conforme artigo 205 da Constituição Federal, não cabe apenas a missão de formar pessoas aptas para o trabalho qualificado, incumbindo-lhes também e principalmente a tarefa de servir de fonte de desenvolvimento individual, permitindo e facilitando o acesso ao saber desinteressado, nas mais diversas áreas do conhecimento e da cultura humana. Mais que isso, compete a todos os envolvidos lutar contra a desigualdade social e contribuir para a erradicação da pobreza e da exclusão, sendo de rigor proporcionar a inclusão dos grupos social e economicamente marginalizados.

É preciso lembrar, deste modo, que uma instituição de ensino no Brasil, ao possibilitar que o aluno recebam uma educação que contribua para seu desenvolvimento integral, está certamente contribuindo para uma sociedade mais livre, justa e solidária, está ajudando no desenvolvimento do país, está contribuindo para a erradicação da pobreza e da marginalização, está diminuindo as desigualdades sociais e, ainda, está promovendo o bem estar de todos, ou seja, está favorecendo o cumprimento dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, estabelecidos no artigo 3° da Carta Magna, que também se constituem em metas da educação.

Deflui-se também da Constituição Federal (artigo 205) que a educação nacional não tem como objetivo apenas qualificar a pessoa para o trabalho, mas também contribuir para o seu pleno desenvolvimento e prepará-la para o exercício da cidadania

Ainda no patamar constitucional, a atual Carta Magna brasileira elevou a dignidade da pessoa humana a princípio fundamental da República Federativa do Brasil (artigo 1°, III), o qual deve nortear a leitura e interpretação de toda e qualquer norma, inclusive daquelas relacionadas à educação nacional. Assim, se a dignidade da pessoa humana é fundamento da República brasileira, deve esta dignidade ser buscada incessantemente por todos (Estado, sociedade, família, instituições, organizações etc.) e um dos modos de se alcançá-la é através da educação. Em outras palavras, a educação nacional também tem como meta contribuir para a preservação e, em alguns casos, recuperação da dignidade da pessoa humana.

Referências

Abbagnano, N. (2000). Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes.

Betioli, A. B. (1995). Introdução ao Direito: lições de propedêutica jurídica (5a ed.). São Paulo: Letras & Letras.

Delors, J. (coord.) (1998). Educação: um tesouro a descobrir: Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Tradução de José Carlos Eufrázio. São Paulo: Cortez Editora. Brasília: Unesco.

Herkenhoff, J. B. (2001). Para onde vai o Direito? Reflexões sobre o papel do Direito e do jurista (3ª ed.). Porto Alegre: Livraria do Advogado.

Kolm, S. C. (2000). Teorias modernas da justiça. Tradução de Jefferson Luiz Camargo e Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes.

Montoro, A. F. (2000). Introdução à ciência do Direito (25a ed.). São Paulo: RT.

Morin, E. (2000). Os sete saberes necessários à educação do futuro (2ª ed.). Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez Editora. Brasília: UNESCO, 2000.

Morin, E. (2001a). Ciência com consciência (5ª ed). Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

Morin, E. (2001b). Saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar. Tradução de Paula Yone Stroh. Rio de Janeiro: Garamond.

Morin, E. (2003). A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento (8ª ed.). Tradução de Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

Müller, F. (1998). Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad.

Reale, M. (2003). Lições preliminares de Direito (27a ed.). São Paulo: Saraiva.

UNESCO (1999). Educação para um futuro sustentável: uma visão transdisciplinar para ações compartilhadas. Brasília: Ed. IBAMA.

Warat, L. A. (1994). Introdução Geral ao Direito: interpretação da lei – temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor.

Sobre os autores
Fernando Frederico de Almeida Júnior

advogado em Jaú (SP), professor de Direito Civil na Faculdade de Direito de Jaú, professor convidado da Escola Superior de Advocacia de Jaú e Ibitinga, mestrando em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto

Ana Maria Galvão de Barros Almeida

Mestranda em Intervenção Psicológica no Desenvolvimento e na Educação pela Universidad Europea del Atlántico (Espanha); pós-graduada em Psicopedagogia Institucional e Clínica pelas Faculdades Integradas de Jaú (nível especialização); pós-graduada em Didática para a Modernidade pela Universidade de Franca (nível especialização); graduada em Pedagogia pelas Faculdades Integradas de Jaú; habilitação para o Magistério (professora de pré-escola) pelo Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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