INTRODUÇÃO
Aproveitando-se de pessoas simples, geralmente idosos com dificuldades financeiras, os bancos assediam consumidores, em especial os chamados hipervulneráveis, com a finalidade de levá-los a todo custo a celebrar os populares “empréstimos consignados”.
Para proteger estes consumidores do superendividamento, existem normas protetivas que limitam os descontos de parcelas de empréstimos a 30% do valor da renda mensal do benefício.
Além disso, possibilita até 5% da renda mensal do benefício a ser utilizada para pagamento de fatura de cartão de crédito, chamada pela Instrução Normativa INSS/PRES Nº 28, de 16 de maio de 2008[1], Reserva de Margem Consignável – RMC[2].
Ocorre que os juros e demais encargos praticados pelo contrato de cartão de crédito são muito mais elevados do que para as operações de crédito pessoal, a qual encontra outras regras protetivas, tais como a limitação ao máximo de 72 prestações e ao máximo de juros de 2,08% ao mês, devendo expressar o custo efetivo do empréstimo[3].
Sabedores disso, instituições financeiras agindo de forma inescrupulosa, imoral e de manifesta má-fé, procuram aposentados por intermédio de seus agentes, oferecendo empréstimos consignados, mas na hora de celebrar o contrato, o formalizam como se fosse contrato de cartão de crédito.
Após a formalização do negócio, os bancos depositam o valor na conta do aposentado e, não raras vezes, sequer enviam algum cartão para o consumidor, e passam a descontar do benefício apenas a parcela mínima, fazendo com que sobre o restante da dívida continue a incidir juros e demais encargos típicos do contrato de cartão de crédito, efetivamente mais oneroso do que o contrato de empréstimo pessoal.
No momento da celebração, tais instituições não informam o consumidor do fato de que o contrato na modalidade, com a utilização da RMC para pagamento mínimo de fatura não teria o condão de amortizar o capital, servindo apenas para quitar encargos do cartão de crédito.
Não informam os consumidores, também, de que as taxas de juros incidentes em cartão de crédito são muito superiores àquelas praticadas aos empréstimos pessoais consignados, o que faz com que os aposentados tomem uma surpresa, após algum tempo, quando constatam que após várias prestações a dívida não diminui, e muitas vezes até aumenta.
NULIDADE DA CONTRATAÇÃO SOB A FORMA DE “CARTÃO DE CRÉDITO”
A conduta dos bancos já é conhecida da justiça em todo o país[4]. Há inclusive condenação em Ação Civil Pública, que corre na Seção B da 1ª Vara Cível da Comarca de Recife-PE, sob o número 0021736-47.2017.8.17.2001, ajuizada pelo MP/PE[5], dentre outras.
Para violar o limite legal de 30% do valor da renda mensal do benefício[6], e cobrar juros e taxas maiores do consumidor, criando uma dívida eterna para o aposentado, comprometendo para sempre 5% de sua renda, formaliza o contrato como se de cartão de crédito fosse.
O limite legal do valor da renda mensal do benefício serve para proteger os aposentados hipervulneráveis do superendividamento, garantindo o mínimo existencial para a subsistência, como meio de proteger a dignidade da pessoa humana desta parcela da população.
Os bancos não advertem os aposentados, consumidores hipervulneráveis[7], de que a utilização da reserva de margem consignável para pagamento mínimo de fatura não teria o condão de amortizar o capital, servindo apenas para quitar encargos do cartão de crédito. Não os informam também de que as taxas de juros incidentes em cartão de crédito são muito superiores àquelas praticadas aos empréstimos pessoais consignados.
Observa-se que este público de consumidores de mútuos consignados, em geral não se preocupa em conferir mensalmente os pagamentos, pois em contratos assim, mês a mês são descontadas diretamente do seu benefício valores, os quais amortizarão devidamente o capital, sendo que a INSS/PRES Nº 28, de 16 de maio de 2008 prevê o número máximo de 72 parcelas, nos seguintes termos:
Art. 13. Nas operações de empréstimos são definidos os seguintes critérios, observado o disposto no art.56 desta Instrução Normativa:
I - o número de prestações não poderá exceder a 72 (setenta e duas) parcelas mensais e sucessivas;
II - a taxa de juros não poderá ser superior a dois inteiros e oito centésimos por cento (2,08% ) ao mês, devendo expressar o custo efetivo do empréstimo;
III - é vedada a cobrança da Taxa de Abertura de Crédito - TAC, e quaisquer outras taxas administrativas; e
IV - é vedado o estabelecimento de prazo de carência para o início do pagamento das parcelas.
O oferecimento do empréstimo consignado simulando cartão de crédito, sem informação clara ao consumidor de que as regras seriam diferentes do empréstimo consignado pessoal, viola os seus direitos básicos previstos no art. 6º:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(…)
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
Caracterizada a conduta abusiva, consistente na disponibilização de empréstimo pessoal como se fosse um contrato de cartão de crédito, com todos os juros e encargos mais elevados, sem a adequada informação ao consumidor, ele não pode vincular o consumidor, conforme dispõe o art. 46 do CDC:
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
O art. 39 do CDC diz elenca práticas vedadas aos fornecedores de produtos ou serviços, considerando-as abusivas, as quais se aplicam a perfeitamente a esta conduta ora denunciada, vejamos cada uma delas, comentando abaixo de cada inciso pertinente:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
Este inciso é violado porque para contrair empréstimo obriga-se o consumidor, de forma dissimulada, a contratar suposto cartão de crédito, que no mais das vezes sequer lhe é enviado.
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
Também este inciso é violado, uma vez que o consumidor nunca solicita efetivamente “cartão de crédito” nenhum.
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
O público alvo desta prática é o consumidor aposentado, muitas vezes aquele que recebe aposentadoria especial do INSS de um salário mínimo, geralmente pessoas simples, às vezes doentes, com idade avançada, melhor para estes bancos que seja sem muita instrução, sendo que se prevalecem exatamente dessas condições para impingir seus produtos e serviços, o que atrai a incidência deste dispositivo.
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
O contrato de empréstimo pessoal é formalizado pelo banco sob a modalidade “cartão de crédito” com má-fé, visando cobrar juros mais onerosos e encargos manifestamente excessivos, que não existiriam no empréstimo pessoal, por isso se aplica também este inciso.
(…) XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.
Tal inciso é sendo violado porque a dívida como é cobrada nunca terá fim. Em contratos de empréstimo pessoal consignado o aposentado tem a legítima expectativa de que a dívida será amortizada nas parcelas, mas como se observa frequentemente, vem sendo descontado valor mensal que não amortiza o capital tornando a dívida perpétua.
Por fim, resta demonstrado que os contratos, assim formalizados e como vem sendo executado pelos bancos, cria para os aposentados obrigações iníquas, abusivas, que o colocaram em desvantagem exagerada, de forma incompatível com a boa-fé e a equidade.
Agindo assim, os bancos formalizam um contrato maculado de nulidade, por incidência do art. 51, IV, do CDC, que diz:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
Por essas razões, o contrato de cartão de crédito em substituição de contrato de empréstimo pessoal, tal como formalizado frequentemente pelos bancos, são nulos de pleno direito, considerando que as normas do CDC são de ordem pública e interesse social, nos termos do que dispõe o seu art. 1º, fundamentado nos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.
POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO SUBSTANCIAL
O negócio que os consumidores aceitam celebrar é o empréstimo pessoal consignado, que tem juros e encargos bem menos onerosos, de acordo com as normas protetivas que sobre ele incidem.
Se o banco formalizar o contrato como se fosse de cartão de crédito, e sendo tal negócio nulo de pleno direito, conforme demonstrado no capítulo anterior, resta atraída a incidência do art. 170 do Código Civil, que estabelece:
Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.
A jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul tem aplicado a técnica da conversão substancial, conforme exemplificam os seguintes precedentes:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATAÇÃO COM PEDIDOS DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Ainda que a utilização de reserva de margem consignável para pagamento de fatura de cartão de crédito seja, em tese, lícita, nos limites legais, é inafastável, no caso concreto, a conclusão de que a contratação do empréstimo, via cartão de crédito, se mostrou viciada. Resultou de erro do consumidor quanto ao objeto da contratação, decorrente de omissão do fornecedor em prestar informações adequadas quanto ao negócio entabulado. É inequívoco que as circunstâncias da contratação, no caso concreto, inspiraram a percepção da autora de que estava a contratar um empréstimo pessoal, o qual seria mês a mês amortizado mediante consignação em folha de pagamento. Mas não é caso, todavia, de anular a respectiva operação, para fins de retorno das partes ao status quo ante. Isso porque, assumindo a autora que visava a contrair um empréstimo pessoal consignado, este deverá subsistir, a teor do artigo 170 do CCB/02, como, aliás, pleiteado em juízo. Via de consequência, a relação negocial atinente à operação de crédito havido entre as partes deverá ser adequada ao chamado empréstimo pessoal consignado para aposentados do INSS. Com tal conversão, sobejando saldo em favor da autora, do confronto da dívida de empréstimo pessoal consignado com os pagamentos realizados, a ser apurado em sede de cumprimento de sentença, a repetição do indébito se dará de forma simples, em se considerando que a cobrança tinha lastro contratual. Não há falar, ainda, em indenização por danos morais. Tratando-se de ilícito contratual, os danos morais são admitidos apenas excepcionalmente, o que não ocorre no caso dos autos. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 70081971871, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em: 18-07-2019)
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATAÇÃO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Ainda que a utilização de reserva de margem consignável para pagamento de fatura de cartão de crédito seja, em tese, lícita, nos limites legais, é inafastável, no caso concreto, a conclusão de que a contratação do empréstimo, via cartão de crédito, se mostrou viciada. Resultou de erro do consumidor quanto ao objeto da contratação, decorrente de omissão do fornecedor em prestar informações adequadas quanto ao negócio entabulado. É inequívoco que as circunstâncias da contratação, no caso concreto, inspiraram a percepção da autora de que estava a contratar um empréstimo pessoal, o qual seria mês a mês amortizado mediante consignação em folha de pagamento. Mas não é caso, todavia, de anular a respectiva operação, para fins de retorno das partes ao status quo ante. Isso porque, assumindo a autora que visava a contrair um empréstimo pessoal consignado, este deverá subsistir, a teor do artigo 170 do CCB/02, como, aliás, pleiteado em juízo. Via de consequência, a relação negocial atinente à operação de crédito havido entre as partes deverá ser adequada ao chamado empréstimo pessoal consignado para aposentados do INSS. Com tal conversão, sobejando saldo em favor da autora, do confronto da dívida de empréstimo pessoal consignado com os pagamentos realizados, a ser apurado em sede de cumprimento de sentença, a repetição do indébito se dará de forma simples, em se considerando que a cobrança tinha lastro contratual. Não há falar, ainda, em indenização por danos morais. Tratando-se de ilícito contratual, os danos morais são admitidos apenas excepcionalmente, o que não ocorre no caso dos autos. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 70081826422, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em: 18-07-2019)
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATAÇÃO COM PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. Ainda que a utilização de reserva de margem consignável para pagamento de fatura de cartão de crédito seja, em tese, lícita, nos limites legais, é inafastável, no caso concreto, a conclusão de que a contratação do empréstimo, via cartão de crédito, se mostrou viciada. Resultou de erro do consumidor quanto ao objeto da contratação, decorrente de omissão do fornecedor em prestar informações adequadas quanto ao negócio entabulado. É inequívoco que as circunstâncias da contratação, no caso concreto, inspiraram a percepção da autora de que estava a contratar um empréstimo pessoal, o qual seria mês a mês amortizado mediante consignação em folha de pagamento. Mas não é caso, todavia, de anular a respectiva operação, para fins de retorno das partes ao status quo ante. Isso porque, assumindo a autora que visava a contrair um empréstimo pessoal consignado, este deverá subsistir, a teor do artigo 170 do CCB/02, como, aliás, pleiteado em juízo. Via de consequência, a relação negocial atinente à operação de crédito havido entre as partes deverá ser adequada ao chamado empréstimo pessoal consignado para aposentados do INSS. Com tal conversão, sobejando saldo em favor da autora, do confronto da dívida de empréstimo pessoal consignado com os pagamentos realizados, a ser apurado em sede de cumprimento de sentença, a repetição do indébito se dará de forma simples, em se considerando que a cobrança tinha lastro contratual. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 70082028705, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em: 18-07-2019)
Não resta dúvida de que tais casos possibilitam a conversão substancial do negócio, para “empréstimo pessoal”, com base no art. 170 do CC, tendo em vista que o contrato de empréstimo sob o manto de “Cartão de Crédito” é nulo, com base no art. 51, IV, do CDC.
A relação negocial atinente à operação de crédito havido entre as partes deverá ser adequada ao chamado “empréstimo pessoal consignado para aposentados do INSS, adotando-se as regras para empréstimos de cada instituição financeira envolvida, observando-se a taxa média de juros praticadas na data da contratação, informação que é disponibilizada no site do Banco Central do Brasil.
Como consequência da declaração de nulidade e da conversão substancial, cada dívida deverá ser recalculada desde sua gênese, com devida amortização decorrentes dos pagamentos realizados pelos consumidores (compensação) e, inclusive, se for o caso de sobrar saldo em favor do aposentado – do confronto da dívida de empréstimo pessoal consignado com os pagamentos realizados, que pode ser apurado em sede de cumprimento de sentença –, deve ser deferida a repetição do indébito à vítima, com base nos arts. 876 e 884 do Código Civil.
DANOS MORAIS
Evidentemente a conduta dos bancos gera danos morais aos consumidores, especialmente quando se trata de hipervulneráveis, tendo em vista que as normas que são violadas visam proteger o mínimo existencial, tutelando assim a própria dignidade da pessoa humana.
Entender de modo diverso, data venia a quem possa entender diferentemente, pode ser considerado como uma espécie de conivência com tais práticas e uma profunda falta de empatia e conhecimento das situações quotidianas, pois esta parcela da população fica exposta a tais práticas agressivas de marketing[8] desempenhadas com absoluta má-fé, que lhes causa inegáveis prejuízos.
Os 5% da parca renda do consumidor fica para sempre sequestrada pelas instituições financeiras, podendo passar anos a fio e a dívida nunca diminuir, gerando uma grave lesão aos direitos da personalidade do idoso, que na fase derradeira de sua vida, fica sem poder dispor livremente de sua renda, violando a sua própria liberdade e autonomia.
No entanto, os tribunais têm adotado uma postura de “jurisprudência defensiva”, visando claramente barrar o efeito multiplicador de demandas com este fundamento, determinando apenas a conversão substancial do negócio “cartão de crédito” para “empréstimo pessoal”, e a repetição “simples” do indébito, como se pode observar nos precedentes já citados, os quais não conferem repetição em dobro e nem danos morais.
Os tribunais superiores ainda não analisaram a questão, sempre se valendo da clássica manobra evasiva de que se trata de matéria de fato, mas seria importante dar segurança jurídica a esta situação, reconhecendo-se todos os direitos dos consumidores.
REPETIÇÃO EM DOBRO
Tema que sempre foi tratado com muita timidez pelo Poder Judiciário foi o direito de repetição do indébito em valor igual ao dobro[9]. Presume-se que também como “jurisprudência defensiva”, pois as razões invocadas para a negativa não se sustentam.
O principal fundamento invocado geralmente é o princípio da vedação do enriquecimento sem causa. No entanto, apesar de haver enriquecimento, este não seria sem causa.
A causa deste enriquecimento é a violação da boa-fé e do ordenamento jurídico praticada perpetrada pelas instituições financeiras, a incidência do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor[10], não havendo falar em engano justificável, e uma sentença judicial que reconhece o direito é causa suficiente.
CONCLUSÃO
A prática predatória das instituições financeiras, que assedia consumidores aposentados hipervulneráveis, oferecendo empréstimo consignado pessoa, mas formalizando como se fosse contrato de cartão de crédito, com encargos mais onerosos, é nula de pleno direito, comportando conversão substancial em empréstimo pessoal, que é tutelado por normas mais protetivas ao superendividamento.
Apesar de obviamente tal prática gerar danos morais e direito de repetição em dobro, a jurisprudência majoritária não os reconhece aos consumidores, negando o direito a indenização pelos danos extrapatrimoniais e deferindo apenas a repetição simples, não em dobro.
Tal postura configura a espúria “jurisprudência defensiva”, pois não se importa com a justiça, mas sim, apenas com a limitação do efeito multiplicador de demandas com estes pedidos.
É preciso haver algum avanço na jurisprudência, de preferência mediante a manifestação dos tribunais superiores (STF e/ou STJ), para garantir os direitos dessa população, dando segurança jurídica a uma jurisprudência que reconheça também o direito a indenização por danos morais e repetição do indébito em dobro, sob pena de ser conivente e incentivar a reiteração destas condutas violadoras de todo o sistema protetivo.
[1] Vide art. 3º, § 1º da da Instrução Normativa INSS/PRES Nº 28/08.
[2] Vide art. 2º, XIII, da Instrução Normativa INSS/PRES Nº 28/08.
[3] Vide art. 13, I e II, da da Instrução Normativa INSS/PRES Nº 28/08.
[4] Vide matéria do site Migalhas de 09/06/2018, intitulada “Banco deve indenizar por oferecer empréstimo mais oneroso a cliente”, disponível em: <https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI283362,61044-Banco+deve+indenizar+por+oferecer+emprestimo+mais+oneroso+a+cliente>.
[5] Vide notícia publicada no site do Ministério Público do Estado de Pernambuco, publicada em 20/06/2019, sob o título: Contratações de dívidas por cartões de crédito do BMG são consideradas irregulares e anuladas pela Justiça graças a ação civil do MPPE, disponível em <http://mppe.mp.br/mppe/comunicacao/noticias/11154-contratacoes-de-dividas-por-cartoes-de-credito-do-bmg-sao-consideradas-irregulares-e-anuladas-pela-justica-gracas-a-acao-civil-do-mppe>
[6] Vide Lei número 10.820/2003 e Instrução Normativa INSS/PRES Nº 28, de 16 de maio de 2008 - DOU de 19/05/2008, alterada pela Instrução Normativa INSS/PRES Nº 100, de 28 de dezembro 2018 – DOU de 31/12/2018
[7] Na dicção de SCHMITT, Cristiano Heineck. Consumidores hipervulneráveis: a proteção do idoso no mercado de consumo. São Paulo: Atlas, 2014, p. 242-244.
[8] Vide MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6.ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 96.
[9] A jurisprudência costuma negar a repetição em dobro, como pode se constatar, por exemplo, pela leitura dos precedentes citados, sob o argumento de que é apenas cabível a compensação de valores e a repetição do indébito, de forma simples, quando verificada a cobrança de encargos ilegais, tendo em vista o princípio que veda o enriquecimento sem causa do credor, independentemente da comprovação do equívoco no pagamento, pois diante da complexidade dos contratos em discussão não se pode considerar que os devedores pretendiam quitar voluntariamente débito constituído em desacordo com a legislação aplicável à espécie. Afirma-se que a questão estria pacificada por intermédio da Súmula 322/STJ.
[10] Que a jurisprudência não cansa de violar.