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DA AÇÃO RESCISÓRIA CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA NO PROCESSO CIVIL ATUAL.

Agenda 25/08/2019 às 10:50

A ação rescisória é uma poderosa ferramenta para atacar decisões de mérito definitivas mas viciadas Com as profundas alterações promovidas pelo novo CPC, no processo civil atual é possível o ajuizamento de ação rescisória contra decisão interlocutória.

DA AÇÃO RESCISÓRIA CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA NO PROCESSO CIVIL ATUAL.

 

 

INTRODUÇÃO.

                O novo Código de Processo Civil está comemorando 3 anos de vigência. Ele veio a lume com alterações importantes em relação ao anterior Código revogado, muitas delas perceptíveis de pronto, outras nem tanto. E algumas ainda estão por serem descobertas ou serem melhor avaliadas, depois de receberem uma interpretação precipitada, o que é o trabalho a ser desenvolvido pela doutrina e pela jurisprudência.

Da nossa parte, saudamos o novo Código, desde o primeiro momento, como uma coisa boa, e sempre procuramos discutir e debater os pontos controvertidos dele, para ajudar no seu aprimoramento. E, nesse espírito, partimos para o presente ensaio, para discutir o cabimento da ação rescisória contra decisão interlocutória.

                É que, com todas as essas modificações introduzidas no direito processual civil pela lei 13.105/2015 (que instituiu o novo Código de Processo Civil), algumas questões precisam ser revistas e repensadas pelos operadores do direito, especialmente porque sobre elas há entendimentos sedimentados pelo tempo do antigo código, que deixaram de ser verdadeiros como o novo.

E uma dessas questões diz respeito à possibilidade de ajuizar ação rescisória contra decisões interlocutórias, cujo cabimento defenderemos aqui.

I – DA AÇÃO RESCISÓRIA.

                A ação rescisória é uma ação de conhecimento de procedimento especial e de competência originária do tribunal, cujo objetivo é desconstituir a coisa julgada material formada em um anterior processo.

Coisa julgada é a eficácia que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito, que ocorre quando não há mais recursos, aptos a modificá-la. Em princípio, a coisa julgada torna a decisão definitiva. Mas se ela contém algum dos vícios previstos expressamente no art. 966 do CPC, ela poderá ser rescindida.

São motivos que autorizam a rescisão da decisão transitada em julgado:

I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;

II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;

III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;

IV - ofender a coisa julgada;

V - violar manifestamente norma jurídica;

VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;

VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;

VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.

                Além disso, é preciso que a decisão rescindenda seja uma decisão de mérito, transitada em julgado.

Decisão ou sentença?

                Questão importante e determinante para a conclusão desse pequeno ensaio repousa nessa pergunta.

                No CPC de 1973, revogado, a ação rescisória era prevista no art. 485, que dizia que: “a sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida...”.

                No CPC atual, a rescisória vem prevista no art. 966, com uma sútil mudança na sua redação: “a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida...”.

                Veja no quadro comparativo abaixo:

CPC/1973

CPC/2015

Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

Art. 966.  A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

 

                À primeira vista, essa mudança parece ser bobagem, insignificante. Afinal, sentença e decisão é quase a mesma coisa, e isso poderia ser um mero capricho do legislador.

                Mas não é bem assim, não. Ou melhor, não é nada assim.

                A mudança tem sentido e razão de ser: o termo decisão é mais abrangente do que sentença: ele inclui, além das sentenças, também as decisões interlocutórias, e esse é fator determinante.

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                Mas, afinal, decisão interlocutória pode ser objeto de ação de rescisória?

                Veremos...

II – DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS DE MÉRITO.

                Como se sabe, decisões interlocutórias são atos do juiz que resolvem alguma questão que lhe foi colocada, mas sem pôr fim ao processo ou à fase de cognição dele (porque, então, seria uma sentença).

Pela definição legal estabelecida no art. 203, § 2º do Código de Processo Civil, decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no conceito de sentença. Tais decisões normalmente são atacadas por meio de recurso de agravo de instrumento (desde que, quando proferida na fase cognitiva do processo de conhecimento, verse sobre as matérias elencadas no art. 1.015 do CPC).         

Uma das novidades do novo Código de Processo Civil são as decisões interlocutórias de mérito. São decisões que, apesar de não colocarem fim à fase de conhecimento do processo de conhecimento, resolvem alguma questão ou parcela do mérito da ação. Temos o reconhecimento expresso dessas decisões no art. 1.015, II, do CPC, que trata do agravo de instrumento:

Art. 1.015.  Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

II - mérito do processo;

                Ora, se a própria lei reconhece o cabimento do agravo de instrumento contra decisão de mérito do processo é porque estamos diante de uma decisão interlocutória de mérito.

                Essas decisões interlocutórias de mérito vão ter sua aplicabilidade revelada em pelo menos duas passagens do Código de Rito que podemos destacar aqui:

1) no julgamento antecipado parcial do mérito, no art. 356:

Art. 356.  O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:

I - mostrar-se incontroverso;

II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

                O § 5º desse art. 356 revela a natureza interlocutória dessa decisão, em razão do recurso contra ela cabível:

§ 5o A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento.

                Se contra essa decisão é cabível agravo de instrumento, então sua natureza jurídica é de decisão interlocutória. E se julga parte do mérito, é uma decisão interlocutória de mérito.

2) no julgamento da 1ª fase da ação de exigir contas, no art. 550 do CPC, como se vê do § 5º, porque essa decisão não extingue a fase de conhecimento da ação, que vai continuar para resolver a questão das contas (art. 552):

Art. 550.  Aquele que afirmar ser titular do direito de exigir contas requererá a citação do réu para que as preste ou ofereça contestação no prazo de 15 (quinze) dias.

§ 5o A decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a prestar as contas no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar.

                Contra essa decisão cabe recurso de agravo de instrumento, como reconhecido pela jurisprudência.

DIREITO DO CONSUMIDOR. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. AÇÃO DE PRESTAÇÃO/EXIGIR CONTAS. SENTENÇA DE MÉRITO PROFERIDA CONDENANDO O RÉU A PRESTAR CONTAS. PROCESSO BIFÁSICO. 1) Ato jurisdicional relativo a primeira fase. Decisum nominado como sentença, que deve ser tido como decisão interlocutória, pois não põe fim a fase cognitiva do processo. Recurso de agravo de instrumento que se mostra adequado para enfrentar as decisões de mérito. Inteligência do art. 1.015, II,  do NCPC. 2) Cartão de crédito. Petição inicial genérica que não indica a existência de ocorrência duvidosa e nem delimita o período da relação do qual requer esclarecimentos. Pretensão genérica de revisão contratual. Ausência de interesse de agir. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 3) Reforma da decisão que impõe a extinção do feito sem resolução de mérito. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-RJ, AI 00356781820168190000, Rel. Ricardo Alberto Pereira, 26ª Câm. Cível, j. 01/12/ 2016).

                Por conta disso tudo, podemos dizer que a decisão interlocutória de mérito é uma realidade no processo civil atual. 

III – CABIMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE MÉRITO.

                Resta, então, responder à pergunta feita acima: cabe ação rescisória contra decisão interlocutória?

                A resposta, aqui, como pretendemos demostrar, é afirmativa: cabe, sim.

Discorreremos.

                A decisão interlocutória de mérito é uma novidade no CPC/2015, sem paralelo no CPC/1973. Ela ocorre quando o juiz julga uma parte ou parcela do pedido de maneira antecipada, como se vê, por exemplo, do art. 355 da novel lei processual civil.

Sobre esse tipo de decisão, pudemos afirmar, em obra recente, isso pode ocorrer quando apenas uma parcela dos pedidos está madura para julgamento, realizando-o parcialmente o juiz em relação a ela, prosseguindo-se o processo para instrução e julgamento das demais.

É interlocutória, porque essa decisão não põe fim à fase cognitiva do processo de conhecimento. Mas é de mérito, porque julga diretamente o pedido formulado pelo autor (pelo menos, parte dele). 

                Daí se vê que a mudança na redação do art. 966 do CPC/2015 em relação ao seu correspondente no CPC/1973 não foi à toa. Ao substituir a expressão original “sentença de mérito” do CPC/1973, por “decisão de mérito”, o art. 966 do CPC/2015 passa a contemplar, também, as decisões interlocutórias que versarem sobre o mérito do processo (CPC/2015, art. 1.015, II).

                Inferimos, daí, ser perfeitamente cabível o ajuizamento de ação rescisória contra decisão interlocutória na ocorrência das hipóteses do art. 966, desde que, cumulativamente, seja uma decisão de mérito, e tenha transitado em julgado.

Conclusão

                A ação rescisória é uma poderosa ferramenta processual para atacar decisões de mérito viciadas, para desconstituir a coisa julgada que a permeia. Inicialmente destinada a atacar apenas sentenças de mérito, como era a previsão expressa do CPC/1973, hoje abarca também as decisões interlocutórias de mérito, novidade do CPC/2015.

Bibliografia

SALES, Fernando Augusto De Vita Borges de. CPC Comentado artigo por artigo. São Paulo: Rideel, 2019. 3ª edição.

SALES, Fernando Augusto De Vita Borges de. Desconsideração da personalidade jurídica da sociedade limitada nas relações de consumo. São Paulo: JHMizuno, 2019.

SALES, Fernando Augusto De Vita Borges de. Juizados especiais cíveis. São Paulo: JHMizuno, 2018.

SALES, Fernando Augusto De Vita Borges de. Manual de direito processual civil. São Paulo: Rideel, 2018, 2ª edição.

SALES, Fernando Augusto De Vita Borges de. Novo CPC comentado artigo por artigo. São Paulo: Rideel, 2016.

SALES, Fernando Augusto De Vita Borges de. Estudo comparativo do CPC de 1973 com o CPC de 2015. São Paulo: Rideel, 2015.

SALES, Fernando Augusto De Vita Borges de. Comentários à lei do mandado de segurança: Lei 12.016/2009 comentada e anotada. São Paulo: Rideel, 2015.

 

 

 

 

 

Sobre o autor
Fernando Augusto Sales

Advogado em São Paulo. Mestre em Direito. Professor da Universidade Paulista - UNIP, da Faculdade São Bernardo - FASB e do Complexo de Ensino Andreucci Proordem. Autor dos livros: Direito do Trabalho de A a Z, pela Editora Saraiva; Súmulas do TST comentadas, pela Editora LTr; Manual de Processo do trabalho; Novo CPC Comentado; Manual de Direito Processual Civil; Estudo comparativo do CPC de 1973 com o CPC de 2015; Comentários à Lei do Mandado de Segurança e Ética para concursos e OAB, pela Editora Rideel; Direito Ambiental Empresarial; Direito Empresarial Contemporâneo e Súmulas do STJ em Matéria Processual Civil Comentadas em Face do Novo CPC, pela editora Rumo Legal; Código Civil comentado [em 3 vols], Manual de Direito do Consumidor, Direitos da pessoa com câncer, Direito Digital e as relações privadas na internet, Manual da LGPD, Manual de Prática Processual Civil; Desconsideração da Personalidade Jurídica da Sociedade Limitada nas Relações de Consumo, Juizados Especiais Cíveis: comentários à legislação; Manual de Prática Processual Trabalhista e Nova Lei de Falência e Recuperação, pela editora JH Mizuno.

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