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A audiência de custódia e seu real objetivo no sistema jurisdicional

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Agenda 03/09/2019 às 23:03

Com a criação das audiências de custódia no Brasil, objetivou-se diminuir o encarceramento em massa, visto que o Juiz, ao analisar o caso pessoalmente e de forma presencial, poderia já ter uma ideia de como seria o processo e se houve abuso de autoridade.

1 INTRODUÇÃO

A primeira menção da audiência de custódia surgiu em 1966 com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, encontrando amparo legal na Convenção Americana dos Direitos Humanos, escrita em 1969, também denominada de Pacto de São José da Costa Rica. Porém, essa convenção e esse Pacto somente foram ratificados e promulgados pelo Brasil em 1992.

A preocupação da comunidade internacional, desde a década de sessenta, era assegurar a proteção dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana, reconhecendo inclusive, os direitos da pessoa presa definitiva e provisoriamente. No entanto, a sociedade Brasileira demorou em apresentar uma resposta prática com relação à audiência de custódia, a qual somente voltou à análise no ano de 2015, quando o Conselho Nacional de Justiça, juntamente com o Ministério da Justiça resolveram lançar o projeto denominado audiência de custódia. Assim, em 15 de dezembro de 2015, foi assinada pelo Conselho Nacional de Justiça a Resolução no 213/2015 que traz a regulamentação acerca desse instituto.

A implementação da audiência de custódia no sistema processual penal tem como finalidade evitar prisões ilegais, feitas de maneiras arbitrárias ou desnecessárias. Destaca-se que o principal objetivo de sua criação foi desafogar o atual sistema carcerário brasileiro, tendo em vista que a prisão é medida excepcional. Porém, a sua aplicabilidade vem sendo realizada de diferentes formas em cada órgão jurisdicional, descumprindo as normas regulamentadoras contidas na Resolução do CNJ no 213/2015, pois, apenas está sendo verificado, pela maior parte dos juízes, se houve tortura policial ou não, deixando de serem apreciados os outros requisitos, tais como a legalidade da prisão, e a necessidade da manutenção dessa prisão, fazendo com que o objetivo inicial não seja atingido, qual seja, diminuir a superlotação carcerária brasileira.

Por ser tratar de um assunto que vem gerando muita polêmica no âmbito jurisdicional, o presente trabalho busca uma melhor compreensão acerca da audiência de custódia, ou seja, busca analisar a criação, execução e a implementação da audiência de custódia no ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, salienta-se que, o presente estudo embasar-se-á em uma análise descritiva com abordagem qualitativa, por meio da pesquisa bibliográfica.

Dessa forma, pode-se notar que o instituto de audiência de custódia exprime o comprometimento com a denúncia de injustiças sociais, por se tratar de uma medida que busca assegurar o respeito ao direito da pessoa presa, mesmo não tendo homogeneidade em sua aplicabilidade dentre os órgãos jurisdicionais.


2 DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

A audiência de custódia consiste em apresentar o preso ao juiz competente, em um prazo de 24 horas após a ocorrência de sua prisão em flagrante; dispositivo normatizado pela Resolução no 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça. Sendo assim, neste tópico será apresentada a origem da audiência de custódia, sua finalidade, como se deu a implementação no Código de Processo Penal, bem como a questão do flagrante delito e a audiência de custódia.

2.1 Breve relato sobre a audiência de custódia no Direito Internacional

A audiência de custódia surgiu em 1966, com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que se trata de um tratado celebrado pelos integrantes da Organização dos Estados Americanos. Essa convenção foi escrita em 1969, contudo entrou em vigor em dia 18 de julho de 1978, sendo mundialmente conhecida como Pacto de São José da Costa Rica. Constitui-se como uma das bases do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, que foi assinada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, passando a ter validade no ordenamento interno apenas em 06 de novembro de 1992, no qual é claro ao prever em seu art. 7.5 que é direito da pessoa presa ser conduzida à autoridade judicial, in verbis:

Art. 7.5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. (BRASIL, 1969).

Nessa esfera, garante o art. 9.3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, assinado pelo Brasil em 1992, que:

Art. 9.3 Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade[...]. (BRASIL, 1992).

Vale ressaltar que a Convenção Europeia de Direitos Humanos, também garante alguns direitos ao preso, tais como:

Artigo. 5º. 1. Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal: c) Se for preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infracção, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido; 3. Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo. (CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM, 2002, p. 07).

Dessa forma, muitos países foram adotando o recurso de audiência de custódia, tais como a Argentina, em que o preso precisa ser apresentado a uma autoridade judicial no prazo de 6 horas; no Chile, que a pessoa presa em flagrante deve ser apresentada em até 12 horas a um promotor, que poderá definir a soltura ou a apresentação ao juiz em até 24 horas; na Colômbia que a pessoa presa deve ser apresentada em até 36 horas; no México em que a pessoa detida deverá ser apresentada ao juiz em até 48 horas, como também no Paraguai, Equador, Peru, Estado Unidos, Uruguai, entre outros.

Porém, todos com o mesmo objetivo: usam desse instrumento para garantir ao preso o direito de contato imediato com uma autoridade judicial competente, como forma de assegurar a excepcionalidade da restrição de liberdade e prevenir eventuais abusos e violências no momento da prisão. Conforme destaca Mineiros (2016):

A pesquisa ainda aponta as vantagens do método para evitar casos de violência estatal durante e logo após a prisão e defende que as audiências de custódia sejam estendidas a todos os casos de prisão e não apenas aos casos em flagrante, conforme já definido pela jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

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 Ainda, as audiências de custódias são previstas no direito doméstico, na maioria dos Estados que pertencem à Organização dos Estados Americanos- OEA.

O dado foi apresentado no estudo ‘O projeto brasileiro das audiências de custódia em contexto: o direito de solicitar pessoalmente revisão judicial da prisão entre os estados membros da OEA’, realizado pela Clínica Internacional de Direitos Humanos da Universidade de Harvard (EUA), em meados de 2015. O estudo identificou que a previsão da apresentação de um preso em flagrante à autoridade judiciária no menor prazo possível está na legislação de ao menos 27 países – nestes casos, o conceito consta de normas como constituições e leis da área penal. Já nos Estados Unidos, o levantamento aponta previsão no direito doméstico por meio de uma decisão da Suprema Corte a partir de um caso julgado em 1991 (County of Riverside v. MacLaughlin). (MINEIROS, 2016).

Assim, a audiência de custódia está em conformidade com as garantias previstas ao preso no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, bem como na Convenção Americana de Direitos Humanos. Dessa forma, seja em qualquer país, o preso tem sua garantia constitucional concretizada, evitando que este responda de forma errônea, privando-o de sua liberdade, tendo em vista que o juiz é garantidor dos direitos de qualquer pessoa que esteja em custódia do Estado. Assim ele tem o dever de prevenir quaisquer que sejam as prisões arbitrárias ou desnecessárias, e ainda a averiguação de abusos cometidos na ação policial, devendo, neste momento, ser tomada todas as providências cabíveis conforme o caso.

2.2 A finalidade da audiência de custódia

A audiência de custódia foi implementada no Brasil com a finalidade de prevenir prisões ilegais, feitas de maneiras arbitrárias ou desnecessárias, como também para evitar a prática de tortura aos presos por parte policial. Além disso, seu principal objetivo foi em desafogar o atual sistema carcerário brasileiro. Sobre isso, destaca-se,

[...] o objetivo precípuo desta audiência de custódia diz respeito não apenas à averiguação da legalidade da prisão em flagrante para fins de possível relaxamento, coibindo, assim, eventuais excessos tão comuns no Brasil como torturas e/ou maus tratos, mas também o de conferir ao juiz uma ferramenta mais eficaz para aferir a necessidade da decretação da prisão preventiva (ou temporária) ou a imposição isolada ou cumulativa das medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art. 310, I, II e III), sem prejuízo de possível substituição da prisão preventiva pela domiciliar, se acaso presentes os pressupostos do art. 318 do CPP. (LIMA, 2016, p. 1258)

O juiz, neste primeiro momento, poderá conceder o relaxamento da prisão em flagrante, ou converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, ou até mesmo deixar o preso responder em liberdade com ou sem medida cautelar diversa da prisão. Essas medidas cautelares estão todas expostas no artigo 319 do Código de Processo Penal.

Além disso, deverá também ser analisado, nesse primeiro momento, se houve eventual ocorrência de maus-tratos no ato da prisão por parte policial. Sabe-se que uma das finalidades da implementação da audiência de custódia, é coibir esse tipo de prática, tendo em vista ser comum a prática de tortura policial no decurso dos primeiros instantes da prisão, notadamente, quando os policiais interrogam o preso.

Contudo, há muitas divergências neste ponto, pois, é a palavra dos policiais contra a palavra de um preso. Além do mais, nem sempre e nem tudo é considerado prática de tortura, tendo em vista que:

Eventuais agressões físicas e verbais ou mesmo abuso de autoridade na prisão não podem ser considerados tortura se os responsáveis em nenhum momento exigem que os agredidos confessem delitos, façam declarações ou passem informações. Assim entendeu o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao absolver dois delegados, três investigadores e um escrivão acusados de torturar pessoas em 2003. (LUCHETE, 2017).

Neste sentido, a legislação traz várias formas, nas quais configuram como crime a prática de tortura, um dos exemplos é a Lei no 9.455, de 07 de abril de 1997, em seu artigo 1o, incisos e alíneas estabelecendo que:

Art. 1o Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. (BRASIL, 1997).

A Constituição da República Federal do Brasil de 1988 traz em seu artigo 5o inciso II, de maneira expressa que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (BRASIL, 1988). Ainda, a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948) também assegura em seu artigo V que, “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.

Pode-se observar que existem várias previsões legais que vedam a prática de tortura. Portanto, em nenhum momento merece amparo legal as ações em que geram penalidades por meio de tortura, sejam elas físicas ou psicológicas, pois violam os direitos básicos e fundamentais de quaisquer pessoas.

A audiência de custódia também veio com objetivo de prevenir as prisões ilegais, assim, em primeiro momento, pode-se analisar o conceito de prisão, no qual se tem que:

É a privação da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, através do recolhimento da pessoa humana ao cárcere. Não se distingue, nesse conceito, a prisão provisória, enquanto se aguarda o deslinde da instrução criminal, daquela que resulta de cumprimento de pena. Enquanto o Código Penal regula a prisão proveniente de condenação, estabelecendo as suas espécies, formas de cumprimento e regimes de abrigo do condenado, o Código de Processo Penal cuida da prisão cautelar e provisória, destinada unicamente a vigorar, quando necessário, até o trânsito em julgado da decisão condenatória. (NUCCI, 2016, p. 543).

Porém, o Código Penal de 1941 somente existia duas formas em que o juiz poderia decidir como imputar a penalidade ao réu, podendo deferir a prisão provisória ou em liberdade (AVENA, 2014, p. 856). Mas, adveio a reforma introduzida pela Lei no 12.403 de 04 de maio de 2011, trazendo diversas modificações nas disposições previstas no Código de Processo Penal relativas às prisões cautelares, ampliando assim o rol de medidas cautelares, “imputando a um terceiro status, que não implica prisão e, ao mesmo tempo, não implica em liberdade total, trata-se da sua sujeição às medidas cautelares diversas da prisão” (AVENA, 2014, p. 856).

A lei n. 12.403, de 04 de maio de 2011, instituiu um modelo polimorfo, em que o juiz poderá dispor de um leque de medidas substitutivas da prisão cautelar.

Portanto, hoje estão sendo autorizadas apenas medidas previstas no art. 319 e 320, ou seja, um rol taxativo de medidas cautelares diversas da prisão [...]

A prisão em flagrante é uma medida pré-cautelar, uma precária detenção, que pode ser feita por qualquer pessoa do povo ou autoridade policial. Neste caso, o controle jurisdicional se dá em momento imediatamente posterior, com o juiz homologando ou relaxando a prisão e, a continuação, decretando a prisão preventiva ou concedendo liberdade provisória. Em qualquer caso, fundamentando sua decisão, nos termos do art. 93, IX, da Constituição e do novel art. 315 do CPP. (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 809).

Assim, o contato pessoal do preso em flagrante com o juiz em audiência de custódia, faz com que este decida de forma humanitária sobre a prisão do réu, possibilitando o reconhecimento das circunstâncias pessoais, incluindo toda a vulnerabilidade da saúde da pessoa presa, bem como as possibilidades de gestação de alguma custodiada, nas quais não vão estar consignadas no auto de prisão em flagrante (PAIVA, 2015, p. 40).

Além de todas essas finalidades trazidas pelo instituto de audiência de custódia, o Conselho Nacional de Justiça em parceria com o Ministério da Justiça, trouxerem à tona esta implementação da audiência de custódia com o principal objetivo de diminuir o encarceramento em massa no Brasil, tendo em vista o 3o lugar do ranking dos países que mais encarceram pessoas. Logo, esse instituto de audiência de custódias poderá melhorar ou até mesmo resolver o problema da superlotação carcerária.

Desta forma, acreditam que com a realização da audiência de custódia, conforme as normas da Resolução no 213/2015 do CNJ poderá reduzir o índice de presos provisórios que ainda não foram julgados, podendo também reduzir o número de pessoas presas de forma injusta e acabar com a superlotação nos presídios.

2.3 A audiência de custódia e sua implementação no sistema processual penal brasileiro

Como já mencionado a audiência de custódia consiste na apresentação da pessoa presa em flagrante à autoridade competente em um prazo razoável de até 24 horas após a prisão em flagrante. Nesta oportunidade, deverão ser ouvidos o réu, defensor público ou privado e o Ministério Público, conforme demanda a Resolução no 213/2015 do CNJ.

Porém, o Código de Processo Penal exige que quando alguém é preso em flagrante e, consequentemente mantido sob a custódia, somente será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante, e não o próprio detento, conforme artigo 306, §1o do Código de Processo Penal. Ainda o Código estabelece um prazo máximo de 60 (sessenta) dias para que ocorra a primeira audiência judicial com o indivíduo ainda detido, conforme artigo 400 do mesmo diploma.

Sendo assim, a Resolução no 213/2015 veio regulamentando essa parte do Código de Processo Penal, pois com a realização desta audiência, assim que a pessoa é presa em flagrante e encaminhada a uma autoridade judicial competente aumenta o poder e a responsabilidade dos juízes, promotores e defensores de exigir que o sistema da justiça criminal passe a trabalhar com legalidade e eficiência. Por conseguinte, em caso de maus-tratos e prisão ilegal, poderá já ser analisada neste primeiro momento em tempo hábil.

Em audiência, o juiz analisará a necessidade da manutenção dessa prisão, a legalidade da prisão, e se houve ocorrência de tortura por parte policial, podendo o juiz conceder o relaxamento da prisão em flagrante, a liberdade provisória com ou sem medida cautelar diversa da prisão, a manutenção da prisão, ou adotar outras medidas necessárias a garantia dos direitos da pessoa presa em flagrante, conforme preceitua art. 8o da Resolução no 213/2015 do CNJ.

O depoimento prestado nessa audiência deve ser autuado em autos apartados, para que não sejam manuseados no curso da instrução criminal, pois mesmo que o réu confesse em audiência o delito cometido “não deverá ser considerada como antecipação do procedimento previsto no art. 185 e seguintes do CPP. Primeiro, em razão da inexistência de processo e de efetivo exercício jurisdicional penal, e, segundo, por não ser aquele momento procedimental adequado para a matéria” (PACELLI, 2017, p. 556), com isso não contamina a prova a ser produzida no futuro.

Essa previsão normativa da audiência de custódia, conforme já mencionado nos tópicos anteriores, está prevista em diversos tratados internacionais de direitos humanos, porém, segundo Pacelli (2017, p. 555), em sua obra de Curso de Processo Penal, menciona que, diversas entidades se manifestaram contra a criação desta audiência de custódia, a justificativa para tais manifestações é de que existe ausência de “material humano”, e ainda tratam da impossibilidade das condições financeiras do país que inviabilizam o correto cumprimento da audiência de custódia, bem como apontam a possível ilegitimidade do Conselho Nacional de Justiça para inovar o ordenamento jurídico brasileiro com este instituto, sendo que essa manifestação gerou até Ação Direta de Inconstitucionalidade, sendo proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil. Porém,

O STF recentemente enfrentou a questão (tal como visto no informativo de jurisprudência nº 795) e julgou improcedente o pedido, entendendo que a iniciativa do CNJ/TJSP se coaduna com o Pacto de San José da Costa Rica, que por sua vez tem status supralegal, e que não houve inovação jurídica – apenas explicitação de conteúdo normativo já existente, e mais: obrigatório! (PACELLI, 2017, p. 555).

Para Paiva (2015, p. 34) a implementação da audiência de custódia no Brasil foi com o principal objetivo de ajustar o processo penal aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos.

Com a inserção desde instituto de audiência de custódia em nosso país, haverá a adequação dos processos penais às garantias elencadas no Direito Internacional, mesmo que já ratificado pelo Brasil há anos atrás, que até sua implementação em 2015, era anteriormente desconhecidas tais garantias pelo direito interno.

Quanto ao procedimento na realização da citada audiência de custódia, deve-se atentar para o seguinte: não se trata de uma antecipação do interrogatório. Mais ainda: não se está abrindo a oportunidade para o avanço acerca das circunstâncias e elementares do delito posto então sob suspeita. A audiência destina-se tão somente ao exame da necessidade de se manter a custódia prisional, o que significa que o magistrado deve conduzir a entrevista sob tal e exclusiva perspectiva. Não lhe deve ser permitida a indagação acerca da existência dos fatos, mas apenas sobre a legalidade da prisão, sobre a autuação dos envolvidos, sobre a sua formação profissional e educacional, bem como sobre suas condições pessoais de vida (família, trabalho etc). (PACELLI, 2017, p. 555-556).

E, além da correta adequação com o processo penal brasileiro, sua implementação foi com intuito de diminuir a prática de tortura policial ao custodiado. Aliado a isso, também diminuir a superlotação carcerária no Brasil. Portanto, com o controle imediato da legalidade, necessidade e adequação dessa prisão cautelar, será uma forma eficiente de combater a superlotação carcerária, o que foi a grande preocupação para que houvesse a criação de um instituto que pudesse melhorar ou até mesmo resolver tais problemas.

2.4 O flagrante delito e a realização da audiência de custódia

A partir da explicação da finalidade da audiência de custódia anteriormente transcrita, pode-se enfatizar que, a condição essencial para a realização da audiência de custódia é o flagrante delito.

Desse modo, para que ocorra a prisão em flagrante deve haver a relação de imediatidade entre o fato ou evento contrário a um tipo penal, em que serão analisados os fatos e pressupostos, por assim dizer, para que o juiz prossiga com a instrução criminal.

A pessoa somente poderá ser presa se estiver em flagrante delito, ou se tiver uma ordem judicial determinando a sua prisão, conforme se depreende o art. 283 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), vejamos:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Acerca do flagrante delido, a Resolução do CNJ no 213/2015, é omissa, deste modo devemos enfatizar o que traz o Código de Processo Penal (BRASIL, 1941):

Art. 301.  Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Assim, um dos pressupostos a ser analisados em audiência de custódia é o tipo de pessoa que realizou a prisão, conforme menciona o art. 301, do Código de Processo Penal, ou seja, aquele que pode, sendo qualquer do povo, ou sendo as autoridades policiais, nas quais deverão prender.

Podem-se mencionar as hipóteses nas quais se consideram fragrante delito, sendo que, as duas primeiras hipóteses mencionadas no art. 302, I, II, do CPP, são chamadas de flagrante próprio, e o indivíduo deve ser flagrado no momento em que estiver cometendo o crime ou tenha acabado de cometer. Assim,

[...] veremos que apenas a situação mencionada no art. 302, I, do CPP se prestaria a caracterizar uma situação de ardência, de visibilidade incontestável da prática do fato delituoso. Ali se afirma a existência da prisão em flagrante quando alguém está cometendo a infração penal (art. 302, I). Mas o mencionado art. 302 prevê também como situação de flagrante quando alguém acaba de cometer a infração penal (inciso II), em que, embora já desaparecida a ardência e crepitação, podem-se colher elementos ainda sensíveis da existência do fato criminoso, bem como de sua autoria. Ambas as situações são tratadas como hipóteses de flagrante delito, reservando-se-lhes a doutrina a classificação de flagrante próprio. (PACELLI, 2017, p. 540-541).

Já no terceiro caso do art. 302, III, do CPP serão as circunstâncias em que se encontra o agente que farão com que se presuma a autoria, conhecido pela doutrina de flagrante impróprio ou quase flagrante.

O que deve ser decisivo aqui é a imediatidade da perseguição [...], para o fim de caracterizar a situação de flagrante. A perseguição, como ocorre em qualquer flagrante, pode ser feita por qualquer pessoa do povo (art. 301, CPP) e deve ser iniciada logo após o cometimento do fato, ainda que o perseguido não tenha efetivamente presenciado[...]. Sobre a expressão ‘situação que faça presumir ser ele o autor da infração’, somente os dados da experiência do que ordinariamente acontece em relação às infrações penais daquela natureza (do caso concreto) é que poderão fornecer material hermenêutico para a aplicação da norma. Aqui, todo cuidado é pouco, porque o que se tem por presente não é a visibilidade do fato, mas apenas da fuga, o que dificulta, e muito, as coisas, diante das inúmeras razões que podem justificar o afastamento suspeitoso de quem se achar em posição de ser identificado como autor do fato. (PACELLI, 2017, p. 541).

Vale ressaltar que tal perseguição deve ocorrer logo após a prática da infração penal, para que o autor do delito não tenha qualquer momento de tranquilidade. Porém, não há como estabelecer um período de tempo entre a prática do crime e a perseguição, “devendo a questão ser examinada sempre a partir do caso concreto, pelo sopesamento das circunstâncias do crime, das informações acerca da fuga e da presteza da diligência persecuritória”. (PACELLI, 2017, p. 541).

A última hipótese é do inciso IV do art. 302 do CPP, que é considerada como flagrante presumido ou ficto, no qual a perseguição deve se dar logo após a prática criminosa, e o indivíduo deve ser encontrado logo depois do crime praticado, assim, Nucci (2016, p. 561) impõe:

Constitui-se na situação do agente que, logo depois da prática do crime, embora não tenha sido perseguido, é encontrado portando instrumentos, armas, objetos ou papéis que demonstrem, por presunção, ser ele o autor da infração penal (inciso IV do art. 302 do CPP). É o que comumente ocorre nos crimes patrimoniais, quando a vítima comunica à polícia a ocorrência de um roubo e a viatura sai pelas ruas do bairro à procura do carro subtraído, por exemplo. Visualiza o autor do crime algumas horas depois, em poder do veículo, dando-lhe voz de prisão.

Desta forma, toda pessoa que incorrer em prisão em flagrante, conforme os termos do art. 302, do CPP, terá sua ficha criminal enviada pelo delegado de polícia, via internet, ao juiz competente, o qual presidirá a audiência de custódia. Assim, a Justiça poderá buscar os antecedentes criminais, para decidir acerca da legalidade e a manutenção da prisão.

Sobre os autores
Alessandro Dorigon

Mestre em direito pela UNIPAR. Especialista em direito e processo penal pela UEL. Especialista em docência e gestão do ensino superior pela UNIPAR. Especialista em direito militar pela Escola Mineira de Direito. Graduado em direito pela UNIPAR. Professor de direito e processo penal na UNIPAR. Advogado criminalista.

Roselane Sarlo

Discente do curso de direito - UNIPAR

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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