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Pode o agente policial atender o celular do acusado?

Agenda 04/09/2019 às 21:55

No contexto de operações policiais deflagradas pelos órgãos de segurança pública, é comum (e esperada) a apreensão de pertences, dentre os quais, o celular. Mas até onde podem ir os policiais na devassa a seu conteúdo, no momento de um flagrante?

No contexto de operações policiais deflagradas pelos órgãos de segurança pública, entendidas estas como as polícias ostensivas, como a Polícia Militar, e a polícia judiciária como a Polícia Civil e Federal, é comum e esperada a apreensão de pertences pessoais de posse do ora suspeito, como carteira, cordão, pulseiras e celulares.

Desta forma, e conforme se sabe, todos os bens, pessoais ou não, encontrados de posse do suspeito no momento de sua captura devem ser discriminados em laudo de apreensão no momento de sua apresentação em sede policial, devidamente assinado pela autoridade policial e por agentes de polícia que participaram da diligência.

Entretanto, algumas situações práticas podem se verificar no momento da captura, as quais exigem reações rápidas por parte dos agentes operacionais, os quais não detém tempo suficiente para pesquisar na vasta jurisprudência acerca da legalidade dos atos praticados.

Compreensível, portanto, alguns excessos cometidos, mas não justificável.

Logo, no caso do celular apreendido de posse do suspeito capturado receber uma chamada telefônica no curso da captura, quando o sujeito já se encontra detido, qual deveria ser a atitude do agente policial? Entregar o celular para o capturado atender, eis que objeto pessoal e, portanto, de uso pessoal e privado, ou atender o telefone?

Este foi o tema discutido no mérito da recente decisão no HC 446.102/SC, julgado pelo STJ, em 04/06/2019.

Na ocasião, os Ministros, sob relatoria do Ministro Ribeiro Dantas, apreciaram um caso em que a ação policial foi procedida após denúncia anônima de que em determinada localidade se realizava a venda de entorpecentes, em residência que já era conhecida pelos agentes policias por esta prática.

Consta nos autos do referido processo que os policias, ao chegarem à localidade, presenciaram o acusado empreendendo fuga, tendo os policias obtido êxito em captura-lo, encontrando junto a si vasto material entorpecente. Todavia, durante a imobilização do réu, seu celular teria recebido uma chamada telefônica, sendo prontamente atendido por um dos policiais que realizavam a captura.

Ao atender o celular, o agente teria escutado, do outro lado da linha, uma mulher ordenar que o detentor do aparelho celular se desfizesse do “bagulho” e a encontrasse em determinada localidade, próxima aquela em que estava.

Chegando ao local indicado, os policiais teriam encontrado a mulher que realizou a ligação, a qual levou a equipe até sua casa, onde teria sido descoberta maior quantidade de material entorpecente.

Neste caso, no que se refere à possibilidade de realização de buscas na residência do acusado sem o competente mandado a priori necessário, encontra-se pacífico o tema, presenciada sua consolidação na jurisprudência dos tribunais superiores no tocante a possibilidade de ingresso dos policiais na residência sem apresentação do mandado de busca e apreensão, considerando a natureza permanente do delito de tráfico de drogas nas modalidades “guardar ou ter em depósito”, presentes fundadas razões para ensejar o referido ingresso.

Isto posto, superada a análise sem a exigência de maiores esforços por parte da Corte para fundamentar o decisium, esta passou a apreciação acerca da possibilidade do agente policial atender o celular do capturado, entendendo pela validade do ato, visto que, por não se tratar de caso de interceptação telefônica, não havendo acesso ao conteúdo contido no telefone do acusado, não se aplicaria os requisitos exigidos pela lei 9.296/1996, o que legitimaria a ação policial.

Segue trecho da ementa:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE ABSOLUTA DA CONDENAÇÃO. VIOLAÇÃO DO SIGILO TELEFÔNICO. POLICIAL QUE ATENDEU AO CELULAR DO RÉU. PROVA LÍCITA. NÃO OCORRÊNCIA. NULIDADE POR VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. CRIME PERMANENTE. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. INOCORRÊNCIA DE ILEGALIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

(...)

6. No caso em questão, porém, conforme pontuado pelo Tribunal a quo, não houve devassa do conteúdo do celular do acusado preso em flagrante. Ocorreu, em suma, que "(...) na realidade, o telefone de Adriano tocou durante a sua imobilização pelos agentes públicos e, imediatamente, foi atendido por um dos policiais. A partir disso, surgiu a forte suspeita de participação da apelante na conduta criminosa, por ser a interlocutora e iniciar o diálogo antes mencionado”.

7. Há jurisprudência desta Corte Superior reconhecendo a legalidade de tal conduta – atender ligação proveniente do celular do acusado durante o flagrante – a uma porque não se verifica quadro de interceptação, pois não estão presentes os requisitos da Lei n. 9.296/1996, a outra pois tem se entendido que em tal cenário há escorreito procedimento policial, a legitimar a ação.

(...)

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Importante salientar que tal entendimento já foi adotado preteritamente em julgados emanados da Corte Cidadã, como é o caso do HC 55.288/MG, e no AREsp 1.244.804/DF.

Em todas as ocasiões, o STJ decidiu que não há ilegalidade consubstanciada no atendimento de ligação recebida pelo celular do acusado por parte dos agentes policias, considerando que os atos foram cometidos no curso de operação policial e o acusado estava sob posse de entorpecentes, bem como que o ato fazia parte da apuração da prática criminosa.

Nesta conjuntura, o entendimento esposado pela Corte Superior apresenta-se um tanto quanto sobrepujado do racional e razoável, pois, aparentemente, considera que excessos infratores à intimidade e privacidade do sujeito de direitos são legitimados se o “sujeito” estiver de posse de drogas no curso de operação policial e o ato contribuir para a “apuração do crime”.

Alcançando degraus mais elevados na lógica apresentada, o território em que está se dando determinada operação policial poderia ser entendido como uma zona à parte, algo afastado do território submetido a jurisdição normativa pátria, em que se permite o afastamento de postulados normativos e constitucionais, semelhante ao estado de sítio, no qual permite-se o afastamento de proteções à privacidade como o sigilo das correspondências.

Aproveitando o gancho da menção ao sigilo das correspondências, considerável se faz a comparação entre ambas espécies de comunicação. Uma, rústica e devassada, realizada por meios superados pelo advento tecnológico. Outra, atual e constante, mundialmente utilizada por sua facilidade, versatilidade e rapidez.

Por conseguinte, poderia o agente de polícia, no curso de uma operação em comunidade dominada pelo tráfico de drogas, procedendo a captura de sujeito possuidor de vasto material entorpecente, violar uma carta por este recebida, simplesmente porque esta caiu de seu bolso no momento de sua imobilização?

Porventura tal comparação não tenha sido de todo compreensível, e talvez até pouco prestigiada, contudo, é um convite à reflexão, visto que, contemporaneamente, quem é que, ao invés de fazer uma ligação interurbana, envia uma carta pelos correios?

Dispensando-se aqui a obviedade de que cartas não emitem sons ou vibrações para alertar que estão recebendo mensagens, se faz razoável constatar que estas precisam ser abertas para que sua mensagem seja interpretada, bem como aparelhos telefônicos necessitam ser acionados por botões ou deslizes no touch screen para que a interação telefônica se inicie.

Diante disto, mister se faz indagar sobre qual razoável fundamento as Cortes Superiores pátrias consideram que o acesso ao conteúdo de mensagens trocadas por meio de mensageiros instantâneos, como o Whatsapp, necessita da permissão do usuário detido e consequente desbloqueio do aparelho, mas desconsideram a mesma permissão para o acesso a ligações recebidas no momento do flagrante.

Sobre o autor
Leonardo de Tajaribe R.H. Jr.

Acadêmico de Direito da Universidade Cândido Mendes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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