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A utilização econômica da imagem

principais figuras contratuais

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Agenda 05/09/2019 às 14:06

O presente artigo realiza um breve estudo sobre os contratos mais utilizados na exploração econômica do direito à imagem.

                                                           SUMÁRIO

Introdução – 1. A atipicidade dos contratos envolvendo o direito à imagem – 2. Contrato de licença – 2.1. Noções gerais - 2.2. Cessão do direito ou concessão do exercício do direito à imagem? – 2.3. A relatividade do contrato de licença – 2.4. Características – 2.5.    Duração – 2.6. As obrigações das partes – 2.7. A exploração por um intermediário – 2.8. O término do contrato – 2.9. A licença de marca – 3. Contrato de merchandising – 4. Contrato de patrocínio (sponsoring) – 5. A distinção entre os contratos de sponsoring, mecenato e merchandising – 6. Contrato de franquia – 7.  Contrato de fotografia – 8. Contratação de redes sociais da internet – 9. Considerações finais.

 

Introdução

A imagem se tornou um importante instrumento de comunicação na sociedade em que vivemos, possuindo grande valor econômico, social, político e cultural. Sua tutela teve início no século XIX, mas naquela época estava associada apenas à defesa contra abusos perpetrados por terceiros, não se cogitando de seu uso comercial[1].

Hodiernamente, entretanto, é muito comum a utilização da imagem, particularmente de pessoas notórias, para os mais diversos fins, incluindo a obtenção de lucros. Isso autoriza a afirmação no sentido de que para além de valores pessoais, o direito à imagem também tutela valores patrimoniais.

Normalmente, esse tipo de utilização da imagem tem por objetivo o aproveitamento do prestígio e da fama de determinada pessoa, fazendo com que tais qualidades se associem a uma série de produtos e serviços, advindo daí ganhos econômicos. Nessa linha, é certo que a exploração comercial da imagem depende do consentimento de seu titular (art. 20 do Código Civil), que pode ser dado de diversas formas, entre as quais merece destaque o contrato de licença, no qual há a concessão de uso da imagem. Essa espécie de licença muito se assemelha com a utilizada no âmbito dos direitos intelectuais[2], no entanto, existem especificidades decorrentes do regime dos direitos da personalidade, no qual se insere o direito à imagem.

Outra forma bastante usual de exploração da imagem é por meior do contrato de merchandising, que ganha destaque na sociedade contemporânea, em que tudo se transforma em pretexto para o consumo. Em todo caso, ao lado dessas formas contratuais mais conhecidas, existem muitas outras que direta ou indiretamente envolvem a utilização econômica da imagem[3].

Assim sendo, é certo que quando se está diante da exploração econômica da imagem será necessária uma autorização expressa, o que exclui a alegação da existência de um acordo tácito[4]. E nem mesmo a defesa fundada no caráter positivo, elogioso e otimista do texto que acompanha a imagem pode ser admitida, visto que mesmo nessas hipóteses há evidente violação do direito à imagem[5].

Por conseguinte, a utilização econômica da imagem tem sido realizada por meio de contratos, que necessitam de uma análise mais aprofundada, voltada para as particularidades do direito à imagem e que reflita sua real significação econômica, social, política e jurídica. Com isso, propõe-se, nesse trabalho, um breve estudo sobre os contratos mais utilizados na exploração econômica do direito à imagem, matéria que carece, na doutrina brasileira, de um exame mais específico.

1. A atipicidade dos contratos envolvendo o direito à imagem

Os contratos que envolvem a utilização de direitos da personalidade, em particular o direito à imagem, normalmente são atípicos, não encontrando regulação específica no Código Civil ou na legislação extravagante. Não poderia ser diferente, uma vez que os direitos da personalidade são uma categoria relativamente nova e os contratos mais importantes, tipificados pelos códigos modernos, seguem a tradição dos contratos reconhecidos pelo direito romano[6].

Nesse contexto, além da mencionada tradição que remonta ao direito romano, a ausência de regulação pela legislação civil de determinado contrato está precipuamente associada: 1) ao desconhecimento do legislador em relação a uma figura contratual específica ou; 2) ao fato de que não se julgou oportuna a sua regulação legislativa, o que usualmente se associa à falta de importância econômica ou social de certa modalidade contratual[7].

Não obstante a ausência de previsão, o Código Civil, com fundamento na autonomia privada, expressamente autoriza a estipulação pelas partes de contratos atípicos ou inominados[8], desde que sejam observadas as normas gerais fixadas pela própria codificação (art. 425)[9]. Assim sendo, as regras e os princípios gerais relativos ao direito das obrigações e ao direito dos contratos, constantes do Código Civil, devem ser respeitados e adaptados aos contratos envolvendo o direito à imagem, “não se podendo cogitar de poder ilimitado para criação contratual” [10]. Contudo, isso não impede o desenvolvimento de figuras contratuais totalmente novas ou a combinação de elementos de contratos tipificados[11].

Desse modo, na contratação envolvendo o ius imaginis são necessários alguns ajustes em virtude do seu regime jurídico diferenciado (art. 11 do Código Civil), valendo destacar, por exemplo, a exigência de que a utilização da imagem seja limitada e temporária, uma vez que não se admite sua transmissão ou renúncia[12]. Diante disso, serão vistas a seguir algumas das figuras normalmente utilizadas na contratação desse direito, bem como suas peculiaridades.

2.Contrato de licença

2.1. Noções gerais

O contrato de licença é tradicionalmente considerado como um contrato no qual o titular de um monopólio de exploração (licenciador) concede a uma pessoa (licenciado), no todo ou em parte, normalmente mediante o pagamento de uma determinada remuneração (royalties), a utilização de seu direito sobre referido bem[13], sem que haja transferência desse bem[14].

Tal negócio jurídico usualmente envolve bens imateriais que sejam passíveis de valoração econômica e de utilização por terceiros, particularmente no âmbito da propriedade industrial, como é o caso das marcas, dos desenhos industriais, dos modelos de utilidade e das patentes de invenção. É que referidos bens, sob o enfoque econômico, representam uma grande riqueza e o contrato de licença é um dos principais instrumentos para sua utilização[15].

Todavia, em realidade, o contrato de licença é um termo genérico, que pode compreender uma ampla gama de diversos bens, cujo único ponto de convergência entre eles é somente a possibilidade de sua utilização por meio de referido contrato[16].

De fato, o elemento comum a todas as licenças é a posição jurídica conferida pelo direito positivo ao titular do direito, abrindo a possibilidade de concessão de uma licença sobre seus bens, inclusive sobre determinados bens da personalidade[17]. Entre tais bens da personalidade está a imagem, cuja possibilidade de utilização econômica deu origem a uma verdadeira indústria da licença[18].

Portanto, ao lado da contratação tradicional, relativa aos direitos de autor e à propriedade industrial, admite-se atualmente que a licença também pode ter por objeto determinados bens da personalidade, desde que sejam suscetíveis de aproveitamento econômico[19].

2.2.Cessão do direito ou concessão do exercício do direito à imagem?

Na prática contratual é bastante comum a utilização da expressão “cessão de direito à imagem”. Ocorre que a cessão pressupõe a transferência do direito que é seu objeto, e não apenas autorização de seu uso, hipótese relacionada ao contrato de licença. Nessa linha, a licença está para a cessão, como a locação está para a venda[20].

Desse modo, é necessário notar que o direito à imagem não é cedido, pois os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis (art. 11 do Código Civil), não havendo que se falar em mudança de titularidade do direito. Assim sendo, há apenas a autorização de uso da imagem feita por meio do contrato de licença, de maneira que apenas o exercício de tal direito é objeto do contrato. É justamente nesse ponto que se encontra a distinção em relação à cessão, na qual o direito de exclusivo é abandonado por seu titular, no todo ou em parte[21].

Nessa linha, são bastante elucidativos os ensinamentos de Paul Roubier:

Por ora, diremos somente que na licença há simplesmente a concessão do exercício do direito de exploração; mas o direito propriamente dito permanece nas mãos de seu titular, que não pretendeu dispor do mesmo. E é isto que permite distinguir a licença da cessão: na cessão ocorre o abandono, no todo ou em parte, do direito privativo; na licença existe a simples concessão do exercício do direito; dela resulta que o seu titular conserva para si, em princípio, o direito de exploração[22].

Portanto, a exploração da imagem se faz por meio do contrato de licença[23], haja vista a impossibilidade de transferência do ius imaginis, de modo que fica reservada a utilização do contrato de cessão para as situações em que é possível a alienação.

2.3.A relatividade do contrato de licença

O contrato de licença tem por função permitir ao licenciado a utilização de um determinado bem, pelo que renuncia o licenciador, em relação ao licenciado, à possibilidade de fazer valer seu direito de exclusivo no que toca a referido bem[24].

Entretanto, a despeito de ter como objeto um direito absoluto, o contrato de licença envolvendo o direito à imagem tem efeitos somente entre as partes, outorgando ao licenciado apenas um direito relativo. Não gozando de um direito absoluto, o licenciado não tem legitimidade para agir contra terceiros. Cabe ao licenciador garantir o uso exclusivo da imagem ao licenciado[25].

Outrossim, se o licenciador, mesmo tendo firmado um contrato com cláusula de exclusividade, concede posteriormente a mesma licença a um terceiro, não resta outro caminho ao primeiro licenciado senão agir contra o licenciador por violação do contrato. O direito relativo do licenciado se distingue então do direito absoluto do titular do direito à imagem[26].

Nesse contexto, é importante ressaltar que o titular do direito à imagem é garante da exclusividade de seu uso, devendo agir em proteção de sua personalidade contra terceiros que violem esse direito e, por consequência, também desrespeitem o vínculo contratual estabelecido com exclusividade. Por isso, cabe ao titular do direito o ajuizamento de ação para proibir o uso indevido de sua imagem, bem como para pleitear pagamento de indenização por danos materiais e imateriais, podendo-se pensar, pelo menos como um ponto de partida para a quantificação dos danos, na utilização do valor que eventualmente a pessoa obteria se tivesse assinado um contrato de licença para utilização de sua imagem[27].

E não haveria de ser diferente, pois se fosse reconhecido ao licenciado um direito absoluto, estar-se-ia admitindo que as partes poderiam criar direitos absolutos pela via contratual. Assim, não se pode admitir a criação pelo contrato de licença de um direito absoluto ao exercício do direito à imagem, que coexistiria com um direito absoluto do titular do direito à imagem, hipótese que se assimilaria a um usufruto[28].

De qualquer forma, para tentar resolver essa situação bastante complicada, excepcionalmente é possível que a contratação tenha uma previsão especial, na qual sejam outorgados poderes ao licenciado para atuar em juízo em nome do licenciador quando houver violação, por parte de terceiros, do direito à imagem licenciado[29].

Por conseguinte, sendo titular de um direito relativo, o licenciado com exclusividade não pode ajuizar, como regra, ação contra terceiros com fundamento na proteção do direito absoluto[30], que no caso é o ius imaginis. De qualquer forma, apesar da impossibilidade de tutela pela via do direito à imagem do licenciador, eventualmente seria possível o ajuizamento de ação com fundamento na concorrência desleal ou no enriquecimento sem causa.

2.4.Características

O contrato de licença de uso de imagem é um ato voluntário, um acordo que deve ser amplamente negociado entre licenciador e licenciado[31], pois regulará a utilização desse direito, incluindo o seu aproveitamento econômico. Na sua contratação é importante que sejam explicitados todos os elementos integrantes do ajuste de vontades, para que as partes não sejam posteriormente surpreendidas.

Com isso, não se admite uma autorização geral e incondicionada para a utilização da imagem, fazendo-se mister o tratamento detalhado de problemas atinentes, por exemplo, ao direito objetivado, à finalidade, ao prazo, aos limites espaciais, às condições, à remuneração, à extinção, bem como à possibilidade de renovação[32].

O contrato de licença não encontra previsão específica no ius positum brasileiro, tratando-se de um contrato atípico, ao qual se aplicam as disposições gerais constantes do Código Civil. É de se notar que o contrato chega a ser mencionado em vários artigos da Lei 9.279/1996, porém, como não tem regulação legal, pode-se dizer que se trata de um contrato atípico, mas nominado, pois pelo menos seu nomen iuris está previsto na lei.

Ante a ausência de previsão expressa da lei, esse contrato consensual não está submetido a nenhuma formalidade especial para que tenha validade (art. 107 do Código Civil), mas em face de sua importância, bem como da precisão de suas cláusulas, logicamente é recomendável sua elaboração por escrito. Ademais, a ausência de formalidade não significa que uma mera autorização para o uso da imagem resulte na contratação da licença, que no caso constituiria um contrato de licença tácita[33].

A contratação pode ser feita de forma exclusiva ou simples[34]. Será simples quando o titular do direito se reserva a possibilidade de continuar a explorá-lo, podendo fazê-lo pessoalmente ou através da concessão de nova licença a um terceiro[35]. Na contratação exclusiva, por seu turno, o titular do direito à imagem se obriga a não conceder outra licença a um terceiro, havendo um monopólio de exploração em relação a determinada clientela, território ou produto[36].

Outrossim, esse monopólio não pode importar em cerceamento da liberdade da pessoa ou sacrifício longo de sua personalidade, o que poderá levar à nulidade da contratação ou de determinada cláusula[37]. Em qualquer caso, como se trata de contrato intuitu personae, a licença não autoriza sublicenças, sendo que para tanto é necessária expressa previsão contratual[38].

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Ademais, trata-se de um contrato sinalagmático ou bilateral, no qual cada parte tem seu próprio interesse, sendo certo que sem a ajuda de um terceiro, o titular do direito não teria a possibilidade de explorá-lo. Nessa contratação, que normalmente é feita a título oneroso, o beneficiário da licença se compromete a pagar determinada prestação em dinheiro, o que geralmente é feito em pagamentos periódicos[39]. Entretanto, considerando a existência de licença gratuita, muitos estudiosos entendem que o pagamento de uma prestação não é elemento característico da contratação[40].

A despeito de existir certa aproximação com outras formas contratuais tipificadas, a doutrina considera a licença como um contrato sui generis, que não permite enquadramento adequado no âmbito de figuras contratuais tipificadas[41]. Assim, o contrato de licença assemelha-se, por exemplo, ao contrato de sociedade, particularmente no que toca à colaboração entre as partes, mas essa semelhança não significa confusão entre tais figuras contratuais. De fato, é certo que existe um objetivo comum das partes no sentido de explorar da melhor forma possível o direito à imagem, no entanto, tal objetivo comum é meramente aparente. Na realidade, o que interessa é a obtenção de lucros com a exploração da imagem, no caso do titular desse direito, e o aumento do volume de vendas em virtude do uso da imagem alheia, sob a perspectiva do licenciado[42].

2.5.Duração

O contrato de licença é elaborado para vigorar por um período fixado convencionalmente[43]. No caso de contratação de licença envolvendo o direito à imagem, normalmente o acordo é concluído para uma duração mais longa, uma vez que em função de investimentos é necessário um certo período de utilização para que seja assegurada a sua rentabilidade[44].

Não se pode admitir, entretanto, uma contratação vitalícia, visto que tal vinculação, a nosso ver, entra em choque com a intransmissibilidade e a irrenunciabilidade características dos direitos da personalidade (art. 11 do Código Civil). Desse modo, apenas será válida a cláusula contratual que estabeleça a utilização temporária da imagem[45].

2.6.As obrigações das partes

A obrigação principal do licenciador é a concessão da licença, pelo que deve tolerar a utilização de sua imagem, ficando impedido de acionar o licenciado por lesão a referido bem, desde que a exploração seja realizada nos limites fixados pelo contrato, pois, caso contrário, o licenciado poderá ser demandado em juízo[46].

O licenciador também tem a obrigação de manter o valor do direito, não podendo depreciar sua própria imagem. Por isso, deve seguir um padrão de comportamento que permita a exploração de sua imagem pelo licenciado dentro daquilo que razoavelmente poderia ser previsto, até para que haja a manutenção da equação financeira do contrato[47].

Em contrapartida, o licenciado tem a obrigação de pagar a remuneração pactuada ao titular da licença, podendo esse pagamento ser ajustado de forma bastante variada. Assim, pode ser estabelecido um pagamento fixo, que será parcelado ou não, bem como pode ser acordado que a remuneração dependerá dos ganhos com a licença, partindo de determinado percentual dos resultados obtidos. Nada impede, entretanto, que o licenciador renuncie a qualquer contraprestação, havendo então a concessão de licença gratuita[48], o que muitas vezes ocorre com finalidades filantrópicas.

Ainda, deve-se destacar que a exploração da licença também é uma obrigação, visto que eventual contratação que não leve a cabo a exploração pode ser considerada para efeito de rescisão contratual[49].

 Outrossim, o licenciado deve realizar a exploração da licença de modo a não depreciar a imagem do titular do direito. Assim, é recomendável que na contratação seja dado direito de veto em relação, por exemplo, à exploração de produtos de baixa qualidade, que liguem o nome e a imagem de uma celebridade a bens que no final das contas depreciam sua personalidade. Em todo caso, esse direito deve ser utilizado nos limites da boa-fé objetiva[50] (art. 422 do Código Civil), não podendo a atividade econômica do licenciado ser impedida por exigências não razoáveis da celebridade, o que poderá conduzir ao encerramento da contratação[51].

2.7.A exploração por um intermediário

A exploração da imagem de uma celebridade usualmente não é feita de forma direta, havendo normalmente a atuação de um terceiro, encarregado de gerir o valor patrimonial dessa imagem. Nessa linha, um artista consagrado da televisão, por exemplo, poderá deixar aos cuidados de um agente a gestão dos interesses ligados a sua imagem, a seu nome e a outros direitos da personalidade.

Esse terceiro deverá agir de maneira a evitar a ocorrência de lesão aos interesses da celebridade, atuando como um verdadeiro garante, sendo necessária toda cautela para que não haja nenhum prejuízo financeiro e nem depreciação da imagem.

2.8.O término do contrato

Considerando que o contrato de licença não é regrado por lei, podem as partes convencionar as razões que levam ao seu encerramento, como, por exemplo, a previsão de um termo ou de uma condição, cujo cumprimento dá fim ao contrato, o estabelecimento de uma justa causa para o encerramento, ou a fixação de um objetivo, que ao ser alcançado autoriza o término do contrato[52].

Nesse contexto, verifica-se que é comum a previsão da possibilidade de resilição do contrato, bem como o estabelecimento das situações em que isso ocorrerá. Assim sendo, é usual a previsão da resilição quando a imagem da pessoa contratada é abalada por envolvimento em algum acontecimento, como escândalos ou polêmicas. No entanto, vale lembrar que nessa hipótese a extinção se dá a partir do momento em que ocorreu a sua causa, pelo que tem validade a exploração da imagem e os pagamentos de royalties até então realizados[53].

Com efeito, na falta de cláusula específica, se o contrato permitiu a exploração da imagem de uma pessoa em um determinado material promocional, a partir do momento em que ocorre o encerramento da contratação não é mais possível tal utilização. Desse modo, é irrelevante o fato do material já ter sido produzido e estar em estoque, pois nesse caso o fim da contratação impedirá a continuidade da exploração da imagem[54]

Por outro lado, se eventualmente o contrato foi omisso, caberá ao juiz interpretá-lo, buscando a real intenção das partes no momento em que o firmaram. Ainda, tal interpretação deverá levar em conta a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração (art. 113)[55].Em todo caso, considerando os interesses em jogo, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de modo restritivo[56].

Outra hipótese de encerramento do contrato está associada ao seu caráter intuitu personae. Ora, o liame entre as partes tem grande importância na exploração da imagem, razão pela qual, a morte do titular do direito à imagem ou o encerramento das atividades da empresa licenciada podem levar ao término do contrato[57].

Por fim, vale notar que as normas gerais acerca da resilição do contrato são aplicáveis notadamente quando se está diante de contrato de duração prolongada e quando há um justo motivo para tanto.

2.9.A licença de marca

Na hipótese de registro de uma marca a partir da imagem de uma pessoa, pode o titular da marca conceder sua utilização a um terceiro, o que poderá ser feito pela celebração de contrato de licença. Trata-se então de situação em que a imagem de uma pessoa, constituindo um sinal distintivo visualmente perceptível, pode ser utilizada, cabendo ao titular da marca a possibilidade de conceder uma licença exclusiva ou uma licença simples a um terceiro.

A concessão de licença não impedirá, entretanto, o titular da marca registrada de exercer controle efetivo sobre as especificações, natureza e qualidade dos respectivos produtos ou serviços. Poderá ainda o licenciado ser investido pelo titular de todos os poderes para agir em defesa da marca, sem prejuízo dos seus próprios direitos (art. 139 da Lei 9.279/96).

Em todo caso, para que a contratação tenha eficácia em relação a terceiros, é necessária sua averbação no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), surtindo, tal averbação, efeitos apenas a partir da data de sua publicação (art. 140 da Lei 9.279/96).

3.Contrato de merchandising

O merchandising é uma ferramenta de marketing na qual, entendida de modo bastante amplo, o titular de um bem autoriza um terceiro a utilizá-lo em determinada atividade, para promover a comercialização de seus produtos ou serviços. A técnica não é nova, existe há muito tempo, no entanto, ganhou especial significado com o desenvolvimento das mídias de massa, sendo bastante utilizada em filmes e na televisão[58].

Existem diferentes formas de merchandising, que podem envolver, por exemplo, sinais distintivos de empresas, produtos ou serviços (corporate merchandising), direitos de autor, em particular o merchandising relativo a personagens fictícios (character merchandising), bem como podem incidir sobre bens da personalidade (personality merchandising)[59]-[60]. No último caso, que será objeto de breve análise, tem-se a utilização de aspectos da personalidade de um determinado indivíduo, como o nome, a imagem e a voz, para promoção da comercialização de certos produtos ou serviços.

Em função da ligação estabelecida entre a personagem escolhida e o produto ou serviço, procura-se criar no consumidor o desejo de adquirir tais produtos ou serviços, o que se dá graças ao aproveitamento da simpatia do personagem. Há então a transformação de atributos da personalidade em bens comercializáveis, visto que não se pode negar que o merchandising envolve uma exploração da notoriedade de alguém.

Com isso, em um sentido amplo, poder-se-ia dizer que essa “transferência” da imagem é elemento característico do merchandising, interessando ao presente estudo justamente por envolver a imagem de determinada pessoa.

No passado essa atividade não era bem vista pela sociedade, que não aceitava a associação da imagem de uma pessoa a um produto ou serviço, pois se considerava que a pessoa estava vendendo sua imagem. Hodiernamente, entretanto, tendo em vista os ganhos que podem ser promovidos com a autorização do uso da imagem, é certo que se trata de atividade bastante comum, tanto que muitas celebridades passam a ter no merchandising sua principal fonte de renda. É o caso, por exemplo, de muitos esportistas, como os melhores jogadores de tênis, que ganham uma verdadeira fortuna associando sua imagem a um produto ou serviço, cifras que facilmente superam os valores pagos em prêmios de torneios.

Nesse contexto, numa contratação envolvendo uma empresa e uma celebridade do esporte ou do cinema, por exemplo, a contratante obtém autorização para utilizar características essenciais da personalidade da celebridade, entre elas normalmente a imagem, o nome e a voz, o que é feito com o objetivo de promover a venda de seus produtos e serviços[61].

Todavia, é de se observar que não se está analisando a utilização de elementos de uma personalidade criada especificamente como marca para a venda de determinado produto ou serviço, pois o merchandising tem como característica a exploração da notoriedade de uma personalidade que já existe[62]. Tanto é assim que muitas vezes a personalidade não tem nada a ver com a mercadoria a ser comercializada, o que deve ser analisado com muito cuidado, pois pode gerar críticas e talvez ser até desfavorável para o produto ou serviço. Esse foi o caso, no Brasil, de um comercial para venda de carne feito por uma celebridade que não consumia o produto.

Desse modo, fica evidente que o objeto de um contrato de merchandising são as características distintivas de uma celebridade. Assim sendo, essa personalidade deve se prestar a realizar várias atividades para promover a comercialização dos produtos e serviços, como é o caso da realização de fotografias e da participação em eventos promocionais das mercadorias. Às vezes também consta da contratação a necessidade de utilização dos produtos, particularmente roupas, calçados e acessórios, o que é muito comum entre atletas profissionais, principalmente jogadores de futebol[63].

Com isso, existe uma associação entre a imagem da celebridade e os produtos, os serviços e a marca de uma empresa, a qual consegue, sem grande esforço e de forma imediata, verificar os resultados econômicos do merchandising, haja vista eventual aumento nas vendas[64].

Em contrapartida, a empresa contratante se compromete a pagar uma remuneração à celebridade, que pode consistir em um valor prefixado ou mesmo ser estabelecida contraprestação que leve em conta uma porcentagem sobre as vendas das mercadorias promovidas. Esses dois critérios de pagamento, conforme a prática adotada em contratos de licença, podem ser combinados, prevendo-se o pagamento de um valor mínimo que será acrescido dos resultados positivos das vendas[65].

Na contratação também é comum o estabelecimento de cláusulas que permitam ao titular do direito controlar o cumprimento do acordado, para que não haja utilização além daquilo que foi estabelecido contratualmente[66]. Muitas vezes é incluída cláusula que permite a análise dos produtos ou serviços que vão levar a imagem ou o nome da celebridade, para que se verifique sua qualidade e sua consonância com a personalidade da celebridade, podendo ser vetada determinada medida publicitária ou ser dado aval para sua realização[67].

Vê-se então que a contratação cria numerosos direitos e obrigações para as partes que, por seu turno, têm objetivos diferentes no contrato de merchandising. A celebridade procura obter ganhos, muitas vezes astronômicos, com a autorização da utilização de sua imagem, enquanto que quem faz o uso da imagem da celebridade está interessado em promover seus produtos e serviços com apoio na força de persuasão que tal figura tem no mercado.

No que toca à sua natureza, a exploração do merchandising normalmente se faz por um contrato bilateral, muito similar ao de licença, que vai garantir a uma ou mais pessoas a utilização da imagem da celebridade para fins de merchandising. A natureza do contrato se aproxima à do contrato de licença, podendo incluir ainda elementos de outros contratos, como é o caso dos contratos de trabalho, de sociedade ou de mandato[68].

Apesar da crescente importância, não se trata de um contrato tipificado pelo direito brasileiro, não encontrando regulamentação no Código Civil ou em legislação especial. No entanto, na sua elaboração e execução é normalmente necessária a observância de uma série de disposições relacionadas com direitos da personalidade, direito de autor, propriedade industrial e, eventualmente, até mesmo concorrência desleal.

Quanto à sua duração, considerando a sua rentabilidade, é muito comum que o contrato de merchandising seja estabelecido por tempo suficiente para que haja o aproveitamento da imagem da celebridade, mas não há limites estabelecidos pela legislação. Todavia, normalmente a contratação tem duração mais limitada, se levarmos em conta os prazos geralmente estabelecidos em contrato de licença[69].

Em relação a esportistas, é bem normal a conclusão por períodos bastante reduzidos, haja vista que a imagem está vinculada a uma boa atuação no campo esportivo, o que pode variar muito em pouco tempo, bem como pode haver algum acidente que comprometa o valor da imagem da personalidade. De qualquer forma, é sempre usual o estabelecimento de cláusula de prorrogação, que geralmente está associada ao sucesso na comercialização dos produtos ou serviços[70].

O término do contrato pode encontrar previsão nos mesmos fatores que foram fundamentais para a contratação, ou seja, os aspectos essenciais da personalidade da celebridade. Desse modo, se houver algum fato que venha a provocar grave lesão à imagem ou ao nome da celebridade, como o envolvimento em algum escândalo ou sua apresentação em público como um ébrio contumaz, é comum a previsão de cláusula contratual prevendo o fim do enlace contratual.

O mesmo também pode ser previsto em favor do titular do direito, que pode dar por encerrada a contratação se sua manutenção puder afetar negativamente sua personalidade, bem como em função de abrupta alteração da política de vendas e preços ou baixa qualidade das mercadorias associadas à celebridade[71].

Por derradeiro, vale notar que muitas vezes a contratação de merchandising envolve não somente o titular do direito à imagem e a pessoa física ou jurídica que vai utilizá-la, mas também um terceiro elemento, uma pessoa ou uma empresa especializada na atividade de marketing[72]. Assim, a relação pode então envolver três partes, sendo que de um lado pode surgir uma relação contratual, uma espécie de licença, estabelecida entre a celebridade e um agente de marketing, que terá a incumbência de garantir a utilização escorreita da imagem da celebridade, bem como o efetivo pagamento da contraprestação. O contrato que liga o agente de marketing ao terceiro, por seu turno, é uma sublicença, já que a celebridade havia anteriormente autorizado o agente, de forma exclusiva ou não, a explorar o valor comercial de sua personalidade[73].

4.Contrato de patrocínio (sponsoring)

O patrocínio, sponsoring (no idioma inglês) ou parrainage (no idioma francês), em linhas gerais, consiste na promoção de uma pessoa física, de um grupo de pessoas, de uma instituição (e.g. uma fundação, um museu, uma associação etc) ou de um evento ou acontecimento, o que é realizado por meio de dinheiro, produtos ou serviços fornecidos por uma pessoa, por uma organização ou por uma empresa[74].

O contrato de sponsoring tem como objetivos a promoção da imagem ou marca do patrocinador, por isso há quem o coloque como uma das variações do contrato de promoção ou como uma espécie de contrato de publicidade[75]. Para atingir seu objetivo, procura o patrocinador criar um sentimento de simpatia do público, o que resulta da sua associação à figura do patrocinado, havendo então uma espécie de transferência da imagem do patrocinado, que permite o aproveitamento comercial dos efeitos positivos daí resultantes[76].

Em função da diversidade de formas que esse contrato pode tomar, é bastante complicada e imprecisa a apresentação de uma definição de sponsoring, podendo variar bastante conforme a contratação. Em todo caso, no mais das vezes, o fim colimado está associado à publicidade, no caso indireta, e a uma atuação como instrumento de relações públicas, ou seja, tem a função de uma espécie de política de comunicação do patrocinador[77].

Atualmente muitos campos são explorados pela atividade de sponsoring, que sempre foi muito frequente no âmbito do esporte, mas não se limita aí, podendo igualmente agir no âmbito cultural, social, ambiental, de pesquisa científica e da saúde[78].

O sponsoring é considerado pela doutrina como um contrato sui generis, que conta com elementos de contratos diversos[79]. Trata-se de contrato não tipificado no direito brasileiro, derivando da automia privada (arts. 421 e 425 do Código Civil). Normalmente é classificado como consensual, intuitu personae, não solene (a forma é livre, mas recomenda-se que seja feito por escrito), de duração continuada, oneroso e bilateral, gerando direitos e obrigações para ambos os contratantes[80].

O contrato de sponsoring liga duas partes, o patrocinador e o patrocinado, existindo entre eles um vínculo meramente obrigacional, à semelhança do que foi estudado quanto ao contrato de licença, descartando-se, portanto, qualquer pretensão no que toca à criação de um vínculo real[81].

 Quando a contratação tem como patrocinado uma pessoa física determinada e não uma instituição/equipe (institutionelles Sponsoring) ou um evento (Projekt-Sponsoring), fala-se em sponsoring pessoal (Personen-Sponsoring), que impõe uma colaboração bastante estreita entre as partes[82].

A relação supõe a existência de trocas entre o patrocinador e o patrocinado. Assim, o patrocinador pode, por exemplo, fornecer equipamentos necessários para um determinado esportista[83], enquanto este se compromete a usar objetos que permitam a divulgação do patrocinador, o que deve ser feito especialmente em eventos em que haja a exposição do patrocinado, bem como quando participe de entrevistas e de conferências de imprensa, incluindo ainda a realização de fotos e filmes[84].

De qualquer forma, vale notar que apenas o patrocinador aufere vantagens comerciais com a contratação. Mas não existe uma relação imediata entre o contrato de sponsoring e os resultados econômicos a serem obtidos. Ao patrocinado, por sua vez, cabe apenas uma prestação financeira ou material, o que inclui pagamentos in natura, como a colocação de um veículo à disposição[85].

Nesse contexto, fica evidente que no contrato de sponsoring a celebridade, que normalmente é um esportista ou artista, tem um papel de suporte para a publicidade do patrocinador, pois autoriza o uso de vários atributos de sua personalidade, como é o caso do seu nome, da sua imagem, da sua voz e de outros sinais distintivos para promoção do nome e da marca do patrocinador[86]. Em função dos interesses em jogo, a colaboração entre as partes é bastante intensa, visto que as perdas e ganhos na operação podem ser bastante significativos[87].

Há na convenção elementos dos contratos de licença, de mandato, de agência e, às vezes, até mesmo de contrato de trabalho. E no que toca ao contrato de trabalho, apesar de certa similitude, vale esclarecer que o sponsoring não gera uma relação empregatícia, pois a contratação não implica subordinação. Entretanto, é sempre necessário cuidado no momento da redação do contrato, para que não se leve a crer que exista uma relação de dependência, característica da relação de emprego[88].

Por derradeiro, vale notar que apesar da duração continuada do contrato, muitas vezes há violação da cláusula de exclusividade, que determina que o patrocinado utilize apenas os produtos de seu patrocinador, especialmente quando se trata de esportistas[89]. Outra cláusula relevante diz respeito ao doping, uma vez que se o patrocinado tiver sua imagem manchada em virtude de doping, também haverá prejuízo para o patrocinador, podendo ser prevista cláusula de resolução do contrato[90]. Nessas situações, a resolução da contratação se operará de pleno direito, tratando-se naturalmente de cláusula resolutiva expressa, mas dependerá de interpelação judicial se a cláusula resolutiva for tácita (art. 474). Ademais, ainda que tenha direito a pedir a resolução do contrato, o patrocinador poderá preferir seu cumprimento e o pagamento de perdas e danos (art. 475).

5.A distinção entre os contratos de sponsoring, mecenato e merchandising

A despeito da similaridade, o contrato de patrocínio não se confunde com os contratos de mecenato e de merchandising. Todavia, a distinção não é tão simples, podendo gerar dificuldades até mesmo diante de uma situação concreta bem desenhada.

No contrato de mecenato, uma das partes, um amante das artes, compromete-se a realizar determinadas medidas para encorajar a atividade de um artista ou de um cientista, que, em contrapartida, aceita as diretivas dadas por aquele, o que não pode ser enquadrado como sponsoring. Tal contrato, que não é regulado pela legislação brasileira, é interessante para aquele artista que necessita de determinada infraestrutura para desenvolver seus trabalhos, mas em contrapartida tem a desvantagem de limitar o artista à área de interesse do mecenas[91].

De fato, o patrocinador procura construir uma relação comercial entre seu produto ou serviço e o consumidor, enquanto que o mecenas constrói uma relação social com o público. Além disso, diferentemente do sponsoring, o mecenato costuma ser uma relação mais durável e não coloca tanto em evidência o mecenas. O sponsoring, por seu turno, normalmente tem prazo de duração mais curto e um dos seus objetivos é justamente colocar em evidência o patrocinador[92].

Assim sendo, fica claro que o mecenato é, em princípio, uma iniciativa desinteressada, efetuada no âmbito do interesse geral, não se esperando nenhuma contraprestação, mesmo porque a sua motivação está ligada ao altruísmo ou ao idealismo do mecenas[93]. Com isso, a existência de uma contraprestação principal no caso do sponsoring é um dos principais pontos da distinção em relação ao mecenato, pelo que existe na doutrina quem coloque essa convenção no âmbito do contrato de doação, pois em função do que foi oferecido ao artista não cabe nenhuma pretensão a favor do mecenas[94]. Ademais, justamente em função disso, eventuais cláusulas contratuais que estiverem voltadas propriamente para a mera exploração do artista não podem ser admitidas no mecenato, pois são contrárias à essência da convenção[95].

Por fim, também é relevante notar a diferença sutil existente em relação ao contrato de merchandising, pois neste o elemento sugestivo para o consumidor é expresso de forma direta, através da própria marca, enquanto que no sponsoring o efeito sugestivo é obtido através de um evento ou da fama do patrocinado[96].

6.Contrato de franquia (franchising)

A franquia ou franchising (denominação em inglês[97]) é uma figura contratual complexa, decorrente de novas técnicas negociais, voltada para o campo da distribuição e da venda de bens e serviços, que engloba uma série de elementos de diversos tipos de contratos[98].

Trata-se de uma convenção celebrada entre pessoas independentes[99], pela qual uma das partes, o franqueador, concede à outra parte, o franqueado, mediante remuneração, o direito de comercializar determinados produtos ou serviços, podendo contar, para tanto, com a ajuda e os aconselhamentos do franqueador, estando ainda autorizado a fazer uso do nome, da marca, do know how (savoir faire), da imagem e de outros direitos imateriais do franqueador[100].

A franquia foi definida[101] e regulada pela Lei 8.955/94, podendo ser classificada como um contrato bilateral, consensual, comutativo, oneroso e de duração[102].

Nesse contexto, a contratação permite ao franqueador a ampliação de sua atuação no mercado, com a vantagem de não se fazer necessária a abertura de novas filiais[103], nem a realização de investimentos ou a assunção de riscos econômicos. Ao franqueado, por sua vez, a relação concede o direito e o dever de vender produtos e serviços fornecidos pelo franqueador[104]. Isso permite, no âmbito desse feixe complexo de obrigações criadas pela contratação, a utilização da publicidade oferecida pelo franqueador[105], no que se pode incluir a eventual exploração da imagem de determinada pessoa.

Na franquia as partes têm então o mesmo objetivo, ou seja, a criação e promoção de produtos e serviços, mas cada qual procura assegurar seus próprios benefícios, no que fica evidente a independência jurídica dos contratantes. São pessoas distintas e independentes, mesmo porque o franqueado não é representante, comissário, empregado ou filial do franqueador[106]. A remuneração do franqueado não é um salário ou comissão, mas simplesmente o que foi auferido com suas próprias vendas[107]. Mas a despeito da conservação da individualidade jurídica[108], na prática se observa a existência de dependência econômica do franqueado em relação ao franqueador.

Dessa maneira, o franqueado pode perfeitamente utilizar a imagem e o renome de um terceiro contratado pelo franqueador, ou mesmo a própria franquia ter sido criada por uma celebridade, justamente para aproveitar de sua notoriedade. Aliás, essa última forma de exploração da imagem vem ganhando bastante espaço em nosso país, sendo muito comum a criação de marcas e produtos relacionados com determinada personalidade, como é o caso, por exemplo, de modelos e artistas famosas, que criam sua própria grife de roupas, calçados, acessórios etc.

Em todo caso, é de se destacar que o contrato de franquia não está focado no uso da imagem, mas sim em um conjunto de bens e direitos, reunindo elementos de diversos contratos[109], como é o caso dos contratos de compra e venda, de mandato, trabalho, sociedade, know how, licença e representação[110]. Em função de reunir essa plêiade de direitos e obrigações, permite a exploração do nome, da marca, da publicidade, de promoções, do know how, da forma de organização[111], e, logicamente, também é possível se encontrar a utilização da imagem[112].

Desse modo, justamente por compreender elementos de diversos contratos, é que na franquia também pode ser encontrada a exploração da imagem. Entretanto, vale notar que a franquia não se confunde com o merchandising, uma vez que o principal objetivo da contratação não é a exploração da imagem para comercialização de novos produtos, mas sim a ampliação da presença da franquia no mercado[113]. Também não se confunde com a licença, pois a contraprestação do franqueado não consiste apenas no pagamento de uma remuneração, mas também na colaboração para o alcance de um objetivo comum, que é a criação, a manutenção e o desenvolvimento dos produtos e serviços do franqueador no mercado[114].

7.Contrato de fotografia

A relação contratual que envolve a utilização de uma fotografia normalmente concentra, em um único instrumento, um contrato de compra e venda do exemplar da obra (suporte material) e um contrato de licença para utilização da obra[115].

No âmbito do contrato de licença serão estabelecidos, com o titular dos direitos autorais sobre a fotografia, os detalhes atinentes à sua utilização, como, por exemplo, os modos de exploração permitidos, a duração, a remuneração, bem como a quantidade de exemplares por tiragem de catálogos ou prospectos. Em caso de lacuna nas disposições, a extensão do direito de utilização deverá ser delimitada, interpretando-se restritivamente o negócio jurídico (art. 4° da Lei 9.610/98) e considerando-se o objetivo buscado na contratação (princípio da finalidade da utilização).

Outrossim, deve-se verificar que como a contratação envolve não somente a utilização de uma obra, mas também da imagem da pessoa fotografada, faz-se necessário igualmente o seu consentimento, o que pode ser realizado no mesmo instrumento. Há, nessa hipótese, três contratações em um mesmo instrumento. Todavia, é usual a existência de uma anterior licença para utilização da imagem da pessoa fotografada, que foi feita em instrumento apartado.

Ainda, vale notar que, se as fotografias forem necessárias para a elaboração de um livro, é possível a existência de um contrato de edição, que eventualmente não impedirá a utilização dessas fotografias para outros fins, conforme for estabelecido no contrato[116].

Por fim, se a fotografia foi realizada no âmbito de um contrato de trabalho, a atividade será regida pelas regras atinentes ao Direito do Trabalho.

8.Contratação de redes sociais da internet

A exploração da imagem existente em redes sociais é um tema que vem ganhando relevância. A questão se coloca pelo fato de que poucas pessoas leem os termos e condições gerais de adesão às redes sociais, pelo que simplesmente aceitam o que foi proposto e passam à utilização da rede sem conhecimento do que poderá ser feito com as imagens lá colocadas.

Todavia, vale notar que muitas redes sociais estabelecem que o ingresso do internauta implica a aceitação da exploração, de formas as mais variadas possíveis, das imagens pessoais colocadas em sua página. Com isso, o internauta, pelo simples fato de colocar uma fotografia em uma rede social, pode estar autorizando-a, mesmo sem ter lido seus termos, a eventualmente explorar comercialmente suas imagens, em particular para fins de publicidade[117].

Evidentemente, a aposição de tal cláusula tem o objetivo de permitir a utilização das imagens sem a respectiva compensação financeira que estaria naturalmente associada à eventual publicidade. Assim, à primeira vista, considerando que o consentimento é livre e que o internauta pode consultar os termos e condições da adesão à rede, a legalidade da convenção não parece ser contestável.

Todavia, considerando que o vínculo estabelecido entre a rede social e o internauta é uma relação de consumo, regida pelo Código de Defesa do Consumidor, é de se questionar se não se está diante de uma cláusula abusiva, mesmo porque é um direito básico do consumidor a proteção contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços (art. 6º, IV da Lei 8.078/90).

O problema se resolve pela análise do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, que vai considerar nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que impliquem renúncia ou disposição de direitos (inciso I), que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (inciso V), bem como que estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor (XV). Por conseguinte, não há dúvida de que a inserção de uma cláusula permitindo o uso da imagem do internauta, nos termos e condições de utilização de rede social, viola todos os dispositivos mencionados da legislação consumerista, de modo que tal utilização pode gerar o dever de indenizar o internauta pelo efetivo uso da imagem.

Outrossim, em acréscimo ao disposto no Código de Defesa do Consumidor, também vale notar que o internauta pode se utilizar da revogabilidade de seu consentimento, uma vez que a imagem é um direito da personalidade[118].

Destarte, seja pela via da legislação consumerista ou pelas regras atinentes aos direitos da personalidade, a cláusula em questão pode ser facilmente afastada, o que leva aquele que utilizou a imagem sem a correspondente autorização a responder por eventuais danos materiais e imateriais[119].

9. Considerações finais

A utilização econômica do direito à imagem é um tema que há muito tempo gera discussão doutrinária, uma vez que o artigo 11 do Código Civil estabelece que os direitos da personalidade, ressalvados casos previstos em lei, são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Contudo, referida disposição, apesar dos questionamentos doutrinários, não veda a exploração da imagem, o que é atualmente realizado de inúmeras maneiras, constituindo até mesmo meio de vida de muitas pessoas.

O sistema jurídico nacional permite a criação dos mais diversos contratos atípicos atinentes à exploração econômica da imagem. Todavia, a matéria ainda necessita de um maior amadurecimento por parte da doutrina brasileira. Nesse sentido, procurou-se analisar, em linhas gerais, os contratos mais utilizados na exploração da imagem, que normalmente não encontram regulação específica no ordenamento jurídico nacional, mas têm seus contornos estipulados pela prática comercial e pelos princípios gerais do direito contratual.

Além das formas mais tradicionais de exploração, destacou-se que a utilização da imagem em redes sociais tem alcançado grande expansão e que muitas vezes essas redes procuram criar contratos que lesionam o titular do direito à imagem. Apesar disso, viu-se que a legislação consumerista ou as regras atinentes aos direitos da personalidade podem afastar facilmente determinadas cláusulas contratuais que autorizem genericamente a utilização da imagem, podendo surgir daí eventuais danos materiais e imateriais.

 Por conseguinte, é certo que a contratação atinente ao direito à imagem ainda necessita evoluir muito para o atendimento dos inúmeros problemas que estão surgindo no cotidiano da sociedade da informação. A despeito disso, é certo que as linhas gerais para a proteção e utilização econômica da imagem já se fazem presentes no direito brasileiro.

 

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Sobre o autor
Leonardo Estevam de Assis Zanini

Livre-docente em Direito Civil pela USP. Pós-doutorado em Direito Civil pelo Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Alemanha). Pós-doutorado em Direito Penal pelo Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Strafrecht (Alemanha). Doutor em Direito Civil pela USP, com estágio de doutorado na Albert-Ludwigs-Universität Freiburg (Alemanha). Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela USP. Juiz Federal. Professor Universitário. Pesquisador do grupo Novos Direitos CNPq/UFSCar. Pesquisador do grupo Direito e Desenvolvimento Público da Universidade de Araraquara (UNIARA). Autor de livros e artigos publicados nas áreas de Direito Civil, Direitos Intelectuais, Direito do Consumidor e Direito Ambiental. Foi bolsista da Max-Planck-Gesellschaft e da CAPES. Foi Delegado de Polícia Federal. Foi Procurador do Banco Central do Brasil. Foi Defensor Público Federal. Foi Diretor da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Foi Diretor Acadêmico da Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores da Justiça Federal em São Paulo.

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