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O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NA VISÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Agenda 08/09/2019 às 22:38

Trata-se de uma exposição atualizada dos principais entendimentos da jurisprudência brasileira a respeito do tema "processo administrativo disciplinar".

O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NA VISÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

 

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por finalidade apresentar os atuais entendimentos consolidados pelos Tribunais Superiores acerca do tema “processo administrativo disciplinar”, mediante uma reflexão pontual das principais questões debatidas pelas Cortes.

Antes de mais nada, esclareço que serão adotadas como parâmetro as disposições previstas para o processo administrativo federal, em especial as Leis n.º 8.112/90 e 9.784/99, uma vez que há recentíssima orientação do Superior Tribunal Justiça que permite a sua aplicação subsidiária no caso de inexistência de normas estaduais e municipais.

Senão vejamos:

Súmula n.º 633 do STJ - A Lei n. 9.784/1999, especialmente no que diz respeito ao prazo decadencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da Administração Pública federal, pode ser aplicada, de forma subsidiária, aos estados e municípios, se inexistente norma local e específica que regule a matéria. 

 

I) A PRESENÇA DO ADVOGADO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

A jurisprudência brasileira muito se debruçou a respeito do assunto, de modo que, no ano de 2007, o Superior Tribunal de Justiça entendeu por bem editar a súmula n.º 343, determinando como obrigatória a presença do advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar, in verbis:

“Súmula n.º 343 do STJ - É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar.”

Todavia, posteriormente, em 07 de maio de 2008, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante n.º 05, no sentido de que a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição, in verbis:

A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.

Em suma, é possível notar que atualmente existe uma súmula do STF (de caráter vinculante) determinando não ser mais obrigatória a presença do advogado no processo administrativo disciplinar. Assim, apesar de não ter sido “formalmente cancelada”, a súmula 343 do STJ está superada, diante do fenômeno chamado overruling.  

 

II) A UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Conforme entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, é possível a utilização em processo administrativo disciplinar, na qualidade de prova emprestada, da interceptação telefônica produzida em ação penal, desde que devidamente autorizada pelo juízo criminal e com observância das diretrizes da Lei n.º 9.296/1996. (STJ. 1ª Seção. MS 1.146-DF, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 22/5/2013).

Noutras palavras, é plenamente possível a utilização de prova emprestada no processo administrativo disciplinar, devidamente autorizada na esfera criminal, desde que produzida com observância do contraditório e do devido processo legal.

 

III) INSTAURAÇÃO DO PROCESSO DISCIPLINAR COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA

 Antigamente, existia uma parte da doutrina que considerava ilegal a instauração de qualquer processo investigatório com base em denúncia anônima, sustentando a disposição constitucional do art. 5º, inciso IV, que veda a manifestação por meio do anonimato:

“Art.5º.:

(...)

                    IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

  

No entanto, para o Superior Tribunal de Justiça, não há ilegalidade na instauração de processo administrativo com fundamento em denúncia anônima, por conta do poder-dever de autotutela imposto à Administração e, por via de consequência, ao administrador público. (agRg no REsp 1307503/RR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 06/08/2013).

Aliás, esse entendimento acabou se consolidando no verbete sumular n.º 611 do STJ, nos seguintes termos:

 

“S. 611 - Desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância, é permitida a instauração de processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à Administração.”

 

IV) VÍCIOS NA SINDICÂNCIA. NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

Conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1271165, Rel. Min. Herman Benjamin, 07/03/2013), uma vez instaurado o competente processo administrativo disciplinar, fica superado o exame de eventuais irregularidades ocorridas durante a sindicância.

 

O fato é que, para uma parcela da doutrina, a sindicância constitui uma fase meramente de colheita de indícios sobre a existência da infração e sua autoria. Portanto, trata-se de procedimento preparatório, não litigioso, em que sequer haveria a incidência dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Não é demais recordar, entretanto, que existe na própria doutrina e na jurisprudência uma controvérsia acerca da obrigatoriedade de se assegurar o contraditório e a ampla defesa na sindicância. Ocorre que na chamada sindicância acusatória é pacífico o entendimento de que são assegurados o contraditório e a ampla defesa, já que ela é apta à punição de advertência ou suspensão até 30 dias (art. 146 da Lei n.º 8.112/90).

Já quanto à intitulada sindicância investigatória ou preparatória não seriam admissíveis nenhum deles, sob o argumento de que os mesmos seriam assegurados justamente num futuro processo administrativo disciplinar, no qual se faz indubitavelmente presente a garantia do devido processo legal e seus consectários do contraditório e da ampla defesa.

 

V) EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DO PAD. NULIDADE.

Em primeiro lugar, reputo indispensável a recordação de que a Constituição da República, em seu art. 5º, LXXVIII, garante a todos o direito fundamental da duração razoável dos processos, inclusive em processos administrativos, in verbis:

“Art.5º.:

(...)

 LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.  

 

Diante disto, considero que os prazos previstos em legislação para a conclusão das apurações disciplinares devem ser respeitados, tanto em função da garantia constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVII) como também do inexorável princípio da legalidade (art. 37, caput, CR).

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça houve por bem esposar o entendimento em diversos julgados de que “o excesso de prazo para conclusão do processo administrativo disciplinar não conduz à sua nulidade automática, devendo, para tanto, ser demonstrado o prejuízo para a defesa” (MS 019823/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, 1ª Seção, julgado em 14/08/2013. MS 016031/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª Seção, julgado em 26/06/2013. MS 016192/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, julgado em 14/04/2013).

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O resultado dos diversos julgados acima foi a consolidação desse entendimento na súmula n.º 592, publicada em 18/09/2017 com os seguintes termos:

 

“592 - O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa.”

 

Aliás, com o mesmo arrimo, o Superior Tribunal de Justiça já havia firmado entendimento segundo o qual “ a decretação de nulidade no processo administrativo depende da demonstração do efetivo prejuízo para as partes, à luz do princípio pas de nullité sans grief” (AgRg no REsp 1186672/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, julgado em 05/09/2013. REsp 1225426/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, julgado em 27/08/2013. MS 019823/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, 1ª Seção, julgado em 14/08/2013).

Em suma, sem olvidar ao indispensável respeito que merece o posicionamento daquela Corte Superior, considero que o entendimento por ela sufragado impõe à defesa um ônus probatório demasiado e, às vezes, difícil de se demonstrar no caso concreto.

 

VI) TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

 

O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que “o termo inicial do prazo prescricional em processo administrativo disciplinar começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido pela Administração, conforme prevê o art. 142, §1º, da Lei 8.112/90. (EDcl no MS 017873, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, julgado em 28/08/2013. MS 015859/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Seção, julgado em 22/05/2013).

Todavia, é indispensável tecer um importante esclarecimento complementar.

Ocorre que o termo inicial da prescrição é a data do conhecimento do fato pela autoridade competente para instaurar o processo administrativo disciplinar e não a ciência de qualquer autoridade da Administração Pública (STJ. 1ª Seção. MS 20.615/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 08/03/2017).

Tanto isso é verdade que, posteriormente, em 12/06/2019, o Superior Tribunal de Justiça entendeu por bem sumular o referido entendimento, nos seguintes termos:

 

“S. 635 STJ - Os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei n. 8.112/1990 iniciam-se na data em que a autoridade competente para a abertura do procedimento administrativo toma conhecimento do fato, interrompem-se com o primeiro ato de instauração válido – sindicância de caráter punitivo ou processo disciplinar – e voltam a fluir por inteiro, após decorridos 140 dias desde a interrupção.”

 

Aproveitando o ensejo referente à prescrição, também merece ser trazido à baila o entendimento consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça de que “o prazo da prescrição no âmbito administrativo disciplinar, havendo sentença penal condenatória, deve ser computado pela pena em concreto aplicada na esfera penal” (RMS 032285/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 08/11/2011. MS 014320/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Seção, julgado em 28/08/2013.

Por outro lado, “quando o fato objeto da ação punitiva da administração também constituir crime e enquanto não houver sentença penal condenatória transitada em julgado, a prescrição do poder disciplinar reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal para pena cominada em abstrato” (EDcl RMS 021641/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, julgado em 02/05/2013. MS 016075/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Seção, julgado em 29/02/2012).

 

VII) RELATÓRIO DA COMISSÃO PROCESSANTE. VINCULAÇÃO DA AUTORIDADE JULGADORA

Incialmente cumpre recordarmos que, nos termos do art. 151 da Lei n.º 8.112/90, o processo administrativo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases: a) instauração; b) inquérito e c) julgamento. No final da etapa do chamado “inquérito administrativo” temos a elaboração do relatório no qual a Comissão Processante que apurou os fatos expõe as suas conclusões acerca das provas produzidas e a defesa apresentada pelo servidor acusado.

Referido relatório deve ser motivado e conclusivo, opinando pela absolvição do servidor ou a sua condenação e, neste último caso, com indicação da punição a ser aplicada. A esse respeito, aliás, cumpre registrar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça segundo o qual “no PAD, a alteração da capitulação legal imputada ao acusado não enseja nulidade, uma vez que o indiciado se defende dos fatos nele descritos e não dos enquadramentos legais.” (MS 015905/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, 1ª Seção, julgado em 09/10/2013. MS 017370/DF, Rel. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Seção, julgado em 28/08/2013).

Em continuação, o relatório deverá ser encaminhado à autoridade competente que julgará o servidor, conforme previsto nos artigos 166 e 167 da Lei n.º 8.112/90. Contudo, importante ressaltar que tal relatório não vincula a decisão a ser tomada pela autoridade julgadora.

Na etapa do julgamento a autoridade competente irá proferir a sua decisão absolvendo ou condenando o servidor. Mais uma vez, indispensável recordar que a autoridade julgadora poderá acolher ou não as conclusões expostas no relatório da Comissão Processante, nos termos do art. 168 da Lei n.º 8.112/90:

 “Art. 168.  O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos.

Parágrafo único.  Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.”

Com a máxima e devida vênia, não se afigura razoável e proporcional interpretar o art. 168 da Lei n.º 8.112/90 no sentido de conferir à autoridade julgadora uma “discricionariedade ampla e irrestrita” para proferir a sua decisão.

Em estrito arrimo ao princípio da legalidade (art. 37, caput, CF), bem como ao princípio da motivação (art.2º, caput, da Lei n.º 9784/99), deve a autoridade julgadora submeter-se a uma discricionariedade regrada.

Noutras palavras, a autoridade julgadora deve acolher o relatório produzido pela comissão processante, exceto se o mesmo contrariar a prova dos autos; nesta última hipótese, a autoridade julgadora deverá demonstrar, motivadamente, as razões pelas quais não adota os trabalhos de apuração produzidos no relatório da comissão processante.

Justamente nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consagrado segundo o qual “é possível haver a discrepância entre a penalidade sugerida pela comissão disciplinar e a aplicada pela autoridade julgadora, desde que a conclusão lançada no relatório final não guarde sintonia com as provas dos autos e a sanção imposta esteja devidamente motivada” (MS 015826/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 1ª Seção, julgado em 22/05/2013. MS 017479/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 28/11/2012).

 

VIII) PORTARIA DE INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

O processo administrativo disciplinar é inaugurado através de uma Portaria instaurada pela autoridade competente prevista em lei.

Válido lembrar que, a partir da instauração do processo administrativo disciplinar, surge a necessidade de intimação do servidor acusado para que o mesmo tome ciência dos fatos que lhe estão sendo imputados e, caso deseje, procure a assistência de um advogado para patrocinar a sua defesa técnica.

Além disto, nos termos do §2º do art.142 da Lei n.º 8.112/90, a contagem do prazo para a Administração Pública apurar e punir o servidor faltoso é interrompida/reiniciada justamente quando o processo administrativo disciplinar é instaurado, por meio de sua Portaria inaugural.

Lembrando que “o prazo prescricional interrompido com a abertura do Processo Administrativo Disciplinar – PAD voltará a correr por inteiro após 140 dias, uma vez que esse é o prazo legal para o encerramento do procedimento”, conforme decidido pelo STJ em diversas oportunidades, tais como em: MS 015859/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Seção, julgado em 22/05/2013. AgRg no MS 019488/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, julgado em 06/03/2013.  

Também não é demais recordar que, a partir da instauração do processo disciplinar, é estruturada ou convocada a chamada Comissão Processante – responsável pelos trabalhos de apuração dos fatos imputados ao servidor público acusado. A propósito, o art.149 da Lei Federal n.º 8.112/90 determina que o processo disciplinar será conduzido por comissão formada por 3 (três) servidores estáveis, designados pela autoridade competente que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.

Com efeito, importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento segundo o qual “a Portaria de instauração do processo disciplinar prescinde de minuciosa descrição dos fatos imputados, sendo certo que a exposição pormenorizada dos acontecimentos se mostra necessária somente quando do indiciamento do servidor”. (MS 017053/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, julgado em 11/09/2013. MS 019823/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, 1ª Seção, julgado em 14/08/2013).

IX) INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL CIVIL E PENAL

A Lei Federal n.º 8112/90 dispõe, em seu art.125, que as sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si. Ou seja, é possível que um mesmo fato cometido pelo servidor tenha repercussão distinta nestas três esferas.

 

“Art. 125.  As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si”.

No que se refere às instâncias administrativa e penal, a Lei n.º 8.112/90 é categórica ao ressalvar que a responsabilidade administrativa será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria:

“Art. 126.  A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.”

 

Em diversos julgados, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça referendou este posicionamento reafirmando que “as instâncias administrativas e penal são independentes entre si, salvo quando reconhecida a inexistência do fato ou a negativa de autoria na esfera criminal” (MS 0198823/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, 1ª Seção, julgado em 14/08/2013. AgRg no RMS 033949/PE, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, julgado em 06/08/2013).

Seguindo esse mesmo raciocínio, há que se ressaltar também a independência entre as instâncias administrativa e civil, principalmente no que se refere ao cometimento de ato de improbidade administrativa.

O fato é que o cometimento de improbidade administrativa pelo servidor pode ter, ao mesmo tempo, repercussão no campo administrativo disciplinar (art. 132, IV, Lei n.º 8.112/90) e na seara civil (Lei n.º 8.429/90), de modo que as apurações eventualmente instauradas entre aquelas instâncias são independentes.

 

A esse respeito, aliás, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal:

 

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ATO DE IMPROBIDADE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS SANÇÕES DISCIPLINARES E AQUELAS PREVISTAS NA LEI 8.429/92. UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA.
POSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO.
PROVAS SUFICIENTES. EVOLUÇÃO PATRIMONIAL INCOMPATÍVEL COM A RENDA AUFERIDA.
ADEQUAÇÃO DA PENA. ART. 132, IV DA LEI 8.112/90. ORDEM DENEGADA.
1. À luz do disposto no art. 12 da Lei 8.429/90 e nos arts. 37, § 4º e 41 da CF/88, as sanções disciplinares previstas na Lei 8.112/90 são independentes em relação às penalidades previstas na LIA, daí porque não há necessidade de aguardar-se o trânsito em julgado da ação por improbidade administrativa para que seja editado o ato de demissão com base no art. 132, IV, do Estatuto do Servidor Público Federal. Precedente do STF: RMS 24.194/DF, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 7/10/2011.

Em diversas outras oportunidades, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “ a autoridade administrativa pode aplicar a pena de demissão quando em processo administrativo disciplinar é apurada a prática de ato de improbidade por servidor público, tendo em vista a independência das instâncias civil, penal e administrativa”. (EDcl no MS 017873/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, julgado em 28/08/2013. MS 0158848/DF, Rel. Mins. Castro Meira, 1ª Seção, julgado em 24/04/2013).

 

X) SERVIDOR PUNIDO. REVISÃO DO PAD. AGRAVAMENTO DA PENA

O processo administrativo disciplinar se encerra mediante o julgamento do feito pela autoridade competente. A essa decisão administrativa, à semelhança do que ocorre no âmbito jurisdicional, deve ser atribuída a nota fundamental de definitividade. O servidor público punido não pode remanescer sujeito a rejulgamento do feito para fins de agravamento da sanção, com a finalidade de seguir orientação normativa, quando sequer se apontam vícios no processo administrativo disciplinar. (MS 13.523/DF, Rel. Arnaldo Esteves Lima, 3ª Seção, julgado em 13/5/2009).

 

No mesmo sentido também é o entendimento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal:

“S. 19 do STF: É inadmissível segunda punição de servidor público, baseada no mesmo processo em que se fundou a primeira”.

 

A propósito, a Lei Federal n.º 8.112/90 dispõe, em seu art.174, que o processo administrativo disciplinar poderá ser revisto quando apresentados fatos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do servidor punido ou a inadequação da penalidade aplicada.  Senão vejamos:

“Art. 174.  O processo disciplinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando se aduzirem  fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada.”

Além disto, importante registra que a revisão da penalidade somente será cabível para favorecer o acusado, conforme disposto no §ú do art. 182 da Lei Federal n.º 8.112/90:

“Art. 182.  Julgada procedente a revisão, será declarada sem efeito a penalidade aplicada, restabelecendo-se todos os direitos do servidor, exceto em relação à destituição do cargo em comissão, que será convertida em exoneração.

Parágrafo único.  Da revisão do processo não poderá resultar agravamento de penalidade.”

Corroborando todo este entender, o Superior Tribunal de Justiça tem posicionamento consolidado de que “da revisão do PAD não poderá resultar agravamento da sanção aplicada, em virtude da proibição do bis in idem e da reformatio in pejus”. (MS 0173370/DF, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Seção, julgado em 28/08/2013. MS 010950/DF, Rel. Ministro Og. Fernandes, 3ª Seção, julgado em 23/05/2012).

 

XI) CONCLUSÃO

Pela leitura do presente artigo, foi possível analisar o posicionamento dos Tribunais Superiores a respeito de alguns temas correlatos ao processo administrativo disciplinar, tais como: a presença do advogado na atuação da defesa técnica, a utilização da prova emprestada, a instauração do processo a partir de uma denúncia anônima, termo inicial de prescrição, dentre outros tantos assuntos importantes abordados.

Impende destacar também que os tópicos abordados no presente artigo não se restringiram a uma perspectiva unicamente acadêmica, visto que em diversas oportunidades foi retratado como os Tribunais Superiores enfrentam os litígios no caso concreto.

Aliás, apesar de existirem leis aplicáveis ao tema, é inegável que a atuação dos Tribunais confere uma integração normativa ao tema, vale dizer, contextualizando o instrumento de apuração disciplinar – típico do direito administrativo – dentro de um plexo de direitos e garantias fundamentais previstas na Constituição da República, acima de tudo aos postulados do contraditório e da ampla defesa, da duração razoável dos processos e, também, da dignidade da pessoa humana, visto que é possível, em tese, que o servidor acusado perca seu cargo público em definitivo, além de ter vilipendiada a sua honra profissional.

Por fim, sem a necessidade de maiores delongas, destaco que é uma enorme satisfação pessoal estudar e pôr-me de bruços a um tema tão rico tanto para o direito administrativo como para o direito constitucional, com inegáveis reflexos de índole processual penal – já que possui uma matriz acusatória.

 

 

 

 

Referências

 

MAZZAAlexandre. Manual de Direito Administrativo. 4º ed. São Paulo, Saraiva,2014

Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito administrativo. 27 ª ed. – São Paulo: Atlas, 2014.

Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ª ed. – São Paulo: Atlas, 2011.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9784.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

http://www.stf.jus.br/portal/ jurisprudencia/SumulaVinculante

http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/

Sobre o autor
Fernando Magalhães Costa

Autor do PODCAST_Fernando Magalhães: https://bit.ly/fernandomagalhaes. Servidor público federal, Analista Judiciário do TRT da 2ª Região. 2006/2012 - servidor público federal, Técnico Judiciário do TRE-SP. Atuação como Assessor Jurídico Substituto da Presidência na área de Licitações e Contratos. Membro da Comissão Permanente de Licitações e da Equipe de Apoio ao Pregão. Gestor de Contratos. 2001 - Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Lotação: Departamento de Contas Nacionais.

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