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Direito à saúde como direito de cidadania.

Alguns aspectos práticos

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OS EFEITOS COLATERAIS DE DETERMINADOS MENDICAMENTOS E A NECESSIDADE DE TRATAMENTO MÉDICO E/OU INTERVENÇÃO CIRÚRGICA

            Com o advento de novas drogas para o controle da progressão do HIV surgiram problemas no que diz respeito aos efeitos colaterais das mesmas, em que pese a real qualidade de vida que passou a ter o paciente de AIDS.

            Caso do medicamento CRIXIVAN, anti-retroviral indispensável para o controle do HIV que apresenta, em grande número de pacientes, sério efeito colateral, que se caracteriza por grave degeneração muscular.

            Os efeitos desta degeneração podem ser percebidos no corpo e na face dos pacientes, que sofrem sérias deformações, desfigurando sua aparência.

            Muitas das vezes estes pacientes ganham a vida exercendo profissões que levam em conta a aparência física, uma vez que o contato pessoal com pessoas pode se dar diariamente. Em determinadas outras situações atividades sociais tornam-se impraticáveis.

            Diante disto cirurgias plásticas restauradoras se fazem necessárias esbarrando tal necessidade na negativa de planos e seguros saúde no que diz respeito a sua cobertura.

            Entendem eles que tais cirurgias de maneira alguma se classificariam como restauradores e/ou funcionais e sim embelezadores e estéticas, caso em que não poderiam ser garantidas.

            Ocorre que estes efeitos colaterais advindos da medicação dos pacientes com AIDS causam uma hipotrofia da musculatura com flacidez destas estruturas. Estes efeitos colaterais acarretam, muitas das vezes, a desfiguração do paciente, tanto corporal como facial, lhe causando doença social e psicológica. Tal patologia resulta, outras vezes, em tumorações extensas em região posterior do torso, na região anterior do pescoço e no abdomen, o que pode trazer incômodo funcional de postura, decúbito e sobrecarga na coluna. Para tanto é indicado tratamento cirúrgico reparador.

            É uma patologia nova na ciência médica uma vez que tais medicações e seus efeitos colaterais existem há 07 anos na terapêutica médica mundial. As deformidades sofridas pelo paciente têm seus tratamentos em caráter REPARADOR e sob forma alguma cabe uma conotação estética para o caso.

            Vale lembrar que os custos desta cirurgia restauradora são altíssimos.

            Acionadas, as empresas de medicina de grupo e seguradoras de saúde foram instadas a efetuar a cobertura destas intervenções cirúrgicas.

            Nesse sentido, acórdão unânime proferido pela Quinta Câmara Cível de Porto Alegre, no qual a Exma. Desembargadora Ana Maria Nedel Scalzilli foi a Relatora:

            "...há de se atentar ao teor da Cláusula 28.0 do contrato de cobertura de custos de serviços médicos e hospitalares que assegura, ao beneficiário, o direito à cirurgia plástica restauradora. Por evidente, leonina a cláusula 28.1 que prevê este procedimento, apenas, para restauração de funções em órgãos, membros e regiões que tenham sido afetados em decorrência de acidentes pessoais ocorridos na vigência do pacto. Salientado pelo julgador, cuidando-se de intervenção vital para a segurada, não se há de limitar seu direito ao caráter genérico da denominação - que assim é inserido no contrato a permitir estas infindáveis discussões judiciais - quando comprovadamente não houve intenção de correção estética.

            Feitas estas considerações, nego provimento à apelação.

            É o voto."

            (Apelação cível; n° 70003549201, Apelante GOLDEN CROSS SEGURADORA S/A, 21 de fevereiro de 2002)

            Relevante trazer a colação decisão que deferiu antecipação de tutela em semelhante situação (proc. 2002.001.122133-4), decisão esta da lavra do E. Juíz Titular da 15ª Vara Cível do Rio de Janeiro, Renato Ricardo Barbosa, nos seguintes termos:

            "Trata-se de ação ordinária com tutela antecipada em que o autor alega, em síntese, que celebrou contrato com a ré de plano de saúde, sempre cumpriu com as suas obrigações e que, em decorrência do uso de medicamento, indispensável para o controle de sua doença, apresentou sérios efeitos colaterais, com a degeneração muscular, causando-lhe deformidade no rosto, barriga, e braços, o que o impossibilita de exercer sua função, já que trabalha como agente de viagens.

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            Ocorre que a ré se nega a efetuar as cirurgias reparadoras, previstas em seu contrato, por entender que o autor não necessita de cirurgia reparadora. Requer a antecipação da tutela para que a ré custeie as cirurgias necessárias ao tratamento da condição apresentada pelo requerente.

            Admite o Código de Processo Civil a antecipação da tutela pretendida quando, havendo prova inequívoca, existe convencimento da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, nos termos do art. 273 do Código de Processo Civil.

            Dentre as várias repercussões da dupla natureza jurídica da antecipação da tutela do art. 273 do Código de Processo Civil a mais relevante, sob o ponto de vista procedimental é, indubitavelmente, a que diz respeito ao momento da sua outorga. Quando ao pedido de antecipação de tutela tem fundamento no periculum in mora admite-se o seu deferimento liminar. A liminar pode ser concedida com ou sem a oitiva da parte contrária, devendo proceder da segunda maneira quando a citação do réu possa tornar ineficaz a medida ou quando a urgência indicar necessidade de concessão imediata da tutela, o que não constitui ofensa, mas sim limitação imanente do contraditório, que fica deferido para momento posterior do procedimento. Neste sentido MARINONI afirma que "o próprio artigo não poderia vedar a concessão da tutela antes da ouvida do réu, pois, nenhuma norma tem o condão de controlar as situações de perigo. A tutela de urgência, sem dúvida, não pode ser eliminada onde é necessária para evitar um prejuízo irreparável." (in Antecipação de Tutela na Reforma do Processo Civil, p. 60).

            Por outro turno, ocorrendo receio de dano pela demora a antecipação se impõe.

            OVÍDIO BATISTA leciona que "sempre que por uma modificação no mundo exterior produzida por força do homem ou por fato natural, que se cria uma situação perigosa, que ameaça fazer periclitar um determinado bem jurídico criando um sério risco de dano, justifica-se a tutela cautelar".

            A apreciação do pressuposto do periculum in mora, segundo a célebre lição de LIEBMAN, é feita através de um juízo de probabilidade do dano ao provável direito a ser pedido.

            A lesão há de ser provável, não bastando a mera possibilidade ou eventualidade. Deve haver plausibilidade do perigo. Do contrário a medida jamais poderia ser outorgada, ante uma cognição sumária e superficial e muitas vezes unilateral como nos casos das liminares sem audiência da parte contrária.

            A verossimilhança é avaliada através da presença do fumus boni iures, que se evidencia com a demonstração apriorística, pelos fatos narrados na exordial, da evidência do direito alicerçando a necessidade da medida emergencial.

            Claro está na hipótese dos autos que o indeferimento da medida pode resultar com grande probabilidade em gravíssima lesão ou dano do autor.

            Sobre o tema BASÍLIO DE OLIVEIRA, in Medidas Cautelares em Direito de Família ensina que "A APARÊNCIA DO BOM DIREITO TEM SIDO CONDIÇÃO IMPOSTA PELA DOUTRINA ATUAL PARA RECONHECER O DIREITO DE CAUTELA, E TAL ORIENTAÇÃO INSPIROU-SE NA DOUTRINA DO DIREITO OCIDENTAL EUROPEU QUE PREGA A AUTONOMIA DA TUTELA CAUTELAR, COMO TUTELA AO PROCESSO E NÃO AO DIREITO OBJETO DA AÇÃO PRINCIPAL, CONDICIONANDO AQUELA À PROBABILIDADE DO AMPARO LEGAL APRIORÍSTICO DO DIREITO MATERIAL, SEGUNDO A SEMPRE LEMBRADA LIÇÃO DE CARNELUTTI."

            Pelo exposto DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PRETENDIDA PARA DETERMINAR que o réu custeie as cirurgias necessárias ao tratamento da condição apresentada pelo requerente, incontinenti, bem assim todo e qualquer procedimento médico-hospitalar adicional que porventura venha a necessitar com o intuito de tratar da sua condição.

            Cite-se e intime-se a ré da decisão, com a advertência de que o seu descumprimento se traduz em crime de desobediência, capitulado no art. 330 do Código Penal.

            Defiro a gratuidade de justiça ao autor.

            Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2002."


CONCLUSÃO

            A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS surge no princípio da década de 80 trazendo em seu bojo uma terrível constatação: o que parecia apenas mais uma doença dentre tantas que atingiam e atingem os seres humanos torna-se o freio da chamada Revolução Sexual, modificando conceitos e valores, aflorando preconceitos, colocando a mostra o retrocesso, até então nunca admitido, na aplicação das conquistas relacionadas com os Direitos e Garantias Fundamentais explicitadas na Constituição Federal de 1988.

            Verdadeiramente não se pode esquecer que instrumentos jurídicos existem para a garantia destes básicos direitos. Caberá a nós, não meros espectadores, mas participantes diretos, torná-los viáveis e efetivos, com sua utilização freqüente e vulgar.

            LEONARDO GRECO, professor de Direito, coordenador do curso de Doutorado da Universidade Gama Filho e advogado no Rio de Janeiro afirmou que antigamente, o dever da Justiça era o de reparar a lesão do Direito, pouco importando o tempo que isto demorasse. Hoje, a consciência jurídica dos cidadãos exige que esta reparação seja imediata. [06]

            Por outro lado, não poderemos menosprezar a natural resistência que a prática dos juízes, serventuários e advogados oferecerá a mudanças profundas.

            Este será um dos obstáculos, dentre muitos - diga-se logo - que aqueles que escolheram para si a defesa dos direitos dos descobertos portadores do HIV e doentes de AIDS encontrarão pela frente.

            Rio de Janeiro, junho de 2004.


NOTAS

            01

PASOLD, Cesar Luiz. Direito à saúde. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, n.15. Florianópolis, dez. 1987. p. 51-5

            02

Resolução WHA 23-41

            03

GOUVÊA, Marcos Maselli, "O direito ao fornecimento estatal de medicamentos", acessível em 22/02/2004 em http://www.nagib.net/texto/varied_16.doc

            04

GOUVÊA, Marcos Maselli, "O direito ao fornecimento estatal de medicamentos", acessível em 22/02/2004 em http://www.nagib.net/texto/varied_16.doc

            05

STOCO, Ruy. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

            06

GRECO, Leonardo. "Uma Pauta para a Reforma do Processo de Execução", Revista ‘Legislativo ADCOAS’, junho/95, p. 537/42.
Sobre os autores
Marcelo Dealtry Turra

advogado do Escritório Modelo de Advocacia Gratuita da Universidade Cândido Mendes, assessor jurídico do Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde

Carlos Côrtes Vieira Lopes

Procurador da Fazenda Nacional.<br>Ex-Procurador Federal.<br>Diversas especializações em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TURRA, Marcelo Dealtry; LOPES, Carlos Côrtes Vieira. Direito à saúde como direito de cidadania.: Alguns aspectos práticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 881, 1 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7648. Acesso em: 23 nov. 2024.

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