Embora o artigo 2º da Constituição Federal (CF) preze pela independência dos poderes, parte do conceito melhor dedutível da Teoria da Tripartição de Montesquieu, há muito o que ser comentado acerca da harmonia – entre as funções – que é por vezes mal compreendida, e objeto de questionamento, como no caso ora abordado. Antes de tudo, cabe situar os Poderes envolvidos, a previsão legal, e o trâmite requisitado para a efetivação dessa pretensão judicial, a partir da vontade advinda do chefe do Poder Executivo.
Haja vista a lei que institui o regime jurídico dos servidores do Serviço Exterior Brasileiro (Lei 11.440/2006), o seu artigo 41 determina que os Chefes de Missão Diplomática Permanente, cuja nomenclatura enquadra os representantes responsáveis pelas Embaixadas, sejam indicados pela Presidência da República. Essa escolha é realizada unicamente dentre os diplomatas de Primeira Classe, salvo numa disposição trazida em Parágrafo Único do mesmo artigo, a qual determina que:
“Parágrafo único. Excepcionalmente, poderá ser designado para exercer a função de Chefe de Missão Diplomática Permanente brasileiro nato, não pertencente aos quadros do Ministério das Relações Exteriores, maior de 35 (trinta e cinco) anos, de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao País. (...)”
Com essa inserção, percebemos haver uma previsão legal para o exercício do cargo por um cidadão que se enquadre nessas categorias e não faça parte do corpo diplomático brasileiro. A partir dessa possível indicação, realizada pelo chefe do Poder Executivo, o mérito do processo é encaminhado para análise do Senado Federal, o qual é dotado de atribuições privativas pelo artigo 52 da CF. Destaco o inciso IV, que define a sua competência exclusiva para:“aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente;”
Até o momento em que foi aqui abordado o tema, tal situação deveria transcorrer sem os maiores problemas se o caso não se tratasse de um indicado que é parente em primeiro grau do Presidente da República. A situação é enquadrada como Nepotismo, que se refere às competências elencadas no artigo 84, inciso VI, alínea a da Constituição Federal, uma vez que o cargo diz respeito à Administração Pública Federal. Tal interpretação deriva da aplicação conjunta dos artigos 1°, 2° e 3°, que são componentes do Decreto (7203/2010) que define aquilo que seria a prática nepotista.
Contudo, cabe aqui a lembrança da Súmula 13 (publicada em agosto de 2008), do Supremo Tribunal Federal, a qual identifica como Nepotismo a nomeação para os cargos que sejam de natureza exclusivamente administrativa, descartando os provenientes de indicação evidentemente política. Destaco o trecho de voto do Ministro Luís Roberto Barroso quando da Reclamação tangente ao Agravo Regimental n° 28.024, no qual afirma que:
“O Supremo Tribunal Federal tem afastado a aplicação da Súmula Vinculante 13 a cargos públicos de natureza política, ressalvados os casos de inequívoca falta de razoabilidade, por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral. (...)”
Dessa forma, partindo do pressuposto que a acusação de falta de razoabilidade não venha a comprometer a nomeação, conclui-se que o Poder Judiciário não pode impedir a mera pretensão presidencial baseada na indicação. Note-se que deve ser aquela (a nomeação) sucedida por esta (a indicação), isto é, faz-se premente que se dirija a vontade política emanada pelo Poder Executivo primeiramente ao Legislativo, nos moldes do artigo 39 da supracitada Lei do Serviço Exterior Brasileiro:
“Art. 39. Mediante aprovação prévia do Senado Federal, os Chefes de Missão Diplomática Permanente e de Missão ou Delegação Permanente junto a organismo internacional serão nomeados pelo Presidente da República com o título de Embaixador. (...)”
Assim, interpreta-se que o Senado Federal é o responsável pela decisão de escolher previamente os embaixadores, a partir da indicação presidencial, sendo etapas imunes da intervenção do Poder Judiciário, no escopo de garantia da Independência e da Harmonia entre os Poderes Constituintes, tal qual determina o artigo 2° da Magna Carta. A provocação no Judiciário poderá sim ocorrer apenas a partir do momento em que se der a nomeação, sendo discutidas as características intrínsecas deste caso e a aplicabilidade da vigorante Súmula.
O ato também pode ser passível de nulidade com base na interpretação do caput do artigo 37 no que diz respeito aos princípios constitucionais que vinculam a Administração Pública, a saber, “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, independentemente da incidência de nepotismo. Para isto, basta uma realização de Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) acerca da nomeação perante a Corte Suprema, uma vez tendo sido devidamente respeitadas as etapas anteriores.