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Institutos da Lei 9.099/95 à luz do direito castrense

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Agenda 18/09/2019 às 15:27

Busca-se uma compreensão direta, concisa e elucidativa acerca da lei 9.099/95 e a sua aplicabilidade no âmbito do direito penal militar.

INTRODUÇÃO

Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais têm previsão legal no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Diante disso, em 26 de setembro de 1995, foi criada a lei 9.099, que dispõe sobre os Juizados Especiais, os quais têm competência para conciliação, processo, julgamento e execução das infrações penais de menor potencial ofensivo e também das causas cíveis de menor complexidade. Tal norma somente entrou em vigor 60 dias após a sua publicação, ou seja, no dia 27 de novembro de 1995, revogando às Leis 4.611 de 02 de abril de 1995 e a Lei 7.244 de 07 de novembro de 1984.

A Lei nº 9.099/95 tem o objetivo de conferir maior celeridade à prestação jurisdicional relativo aos delitos de menor potencial ofensivo com o fito de estimular a solução consensual dos processos penais e ao mesmo tempo permitir que a Justiça Criminal cuide com maior atenção dos delitos de maior complexidade, aqueles que carecem da efetiva ação Estatal em atendimento ao princípio da “ultima racio”, consequentemente reduzindo-se a impunidade. Assim sendo, com a entrada em vigor da Lei instaurou-se uma nova espécie de Jurisdição no Processo penal, ou seja, a jurisdição consensual. Além de permitir a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade, em sua parte relacionada aos Juizados Especiais Criminais, apresenta 04 (quatro) medidas descarcerizantes ou institutos despenalizadores, tais como a composição civil (artigo 74, parágrafo único); a transação penal (artigo 76); a necessidade de representação nos casos de lesões corporais leve doloso ou culposa (artigo 88); e a suspensão condicional do processo (artigo 89).

As medidas despenalizadoras têm fundamento constitucional, com o objetivo de simplificar o trâmite processual e evitar a aplicação da pena privativa de liberdade para os delitos de menor potencial ofensivo, isto é, propõe-se aplicação imediata da pena não privativa de liberdade. Estes institutos são decorrentes do princípio da oportunidade regrada da propositura da ação penal, que confere ao Ministério Público, titular da ação, a faculdade de dispor da ação penal, isto é, de não promovê-la, sob certas condições. Nos termos da lei, o Ministério Público somente poderá dispor da ação penal nas hipóteses previstas legalmente, desde que exista a concordância do autor da infração e a homologação judicial.

Ocorre, todavia, que a Lei 9.099/95, em seu Art. 90-A, que foi acrescido no dia 27 de setembro de 1999 pela Lei 9.839, veda a aplicação da transação penal e dos demais benefícios nela previstos aos acusados da prática de crimes militares. Essa restrição que contrapõe o princípio constitucional da igualdade tem sido justificada pela doutrina majoritária em função da preservação da disciplina e dos demais princípios aplicáveis à Justiça Militar, valores, portanto, que transcendem a esfera privada dos bens jurídicos das vítimas lesadas quando da prática de crimes comuns.

Diante disso, baseado no princípio da igualdade, torna-se necessário a inclusão dos militares à abrangência da Lei 9.099/95. Esta necessidade de adequação é imprescindível para que o ordenamento jurídico dê tratamento igualitário a todos os cidadãos, sem que haja diferença entre cidadãos civis e militares.

 


CONHECIMENTOS INICIAIS

 

ORIGEM HISTÓRICA

Como dito anteriormente, a Lei nº. 9.099 de 26 de setembro de 1995 é formada pela fusão de dois projetos de leis, ou seja, englobou o projeto do então Deputado Nelson Jobim ao de ex- Presidente Michel Temer. Sendo que o projeto do ex-Líder máximo da Nação, Michel temer versava a respeito da Organização dos Juizados Especiais de natureza Criminal enquanto o projeto do Deputado Nelson Jobim cuidava ao mesmo tempo, dos Juizados Cíveis e Criminais, deste foi aproveitada a parte Cível enquanto daquele a parte criminal formando-se então, a Lei dos Juizados Especiais Criminais e Cíveis,lei esta que está amparada pelo preceito constitucional contemplado no artigo 98, inciso I da Constituição Federal de 1988 e que garante o Princípio da Ampla Defesa e Contraditório sem prejudicar a sumariedade do rito.

Referido artigo, estipula, claramente, que os Juizados Especiais serão criados e promovidos por Lei Federal no Distrito Federal e mediante Lei Estadual promulgada pelos Estados Membros.

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Após a criação da Lei dos Juizados Especiais, as infrações de menor potencial ofensivo, passaram a ser de competência dos Juizados Especiais, nas quais o rito admite ampla conciliação; a criminalidade média terá a favor de seus agentes obterem a suspensão condicional do processo; já a criminalidade violenta, terá repressão mais grave, e nessa categoria estão os chamados crimes hediondos. A criminalidade considerada de menor potencial ofensivo é toda contravenção penal (prevista ou não no Decreto-lei n. 3.688/41) e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos de prisão (detenção ou reclusão).

PRINCIPIOS NORTEADORES

Os critérios informativos dos Juizados Especiais Criminais consistem na busca da reparação dos danos a vítima, na conciliação civil e penal, na não-aplicação de pena privativa de liberdade e na observância dos seguintes princípios expressos no artigo 2º da Lei nº. 9099/95, quais sejam a Oralidade, Simplicidade, Informalidade, Economia processual e Celeridade.

Assim sendo, o princípio da oralidade é determinado constitucionalmente (artigo 98, I, CF), tratando-se do predomínio da palavra oral sobre a palavra escrita, ou seja, os atos processuais serão praticados oralmente, o que traz celeridade e eficiência. Os essenciais serão reduzidos a termo ou transcritos por quaisquer meios. Os outros atos processuais praticados serão gravados, se necessário. Tal princípio sucede em decorrência da concentração onde os atos processuais podem ser realizados em uma única audiência; da imediatidade onde o julgador tem contato direto com as partes e com as provas colhidas e da identidade física do juiz onde o magistrado que colhe a prova, julga o feito.

Ademais, tem-se o princípio da simplicidade cujo desenvolvimento do processo deve dar-se de maneira facilitada, sem obstáculos, valendo também a atuação dos operadores do Direito, em qualquer das fases, livre de formalismos ou afetações. O princípio da informalidade dispõe que os atos processuais a serem praticados não serão cercados de rigor formal, ou seja, devem ser produzidos sem cerimônia ou burocracia inútil, sendo, desta forma, livres de fórmulas rígidas para a sua consecução.

O princípio da economia processual é corolário da informalidade, ou seja, os atos processuais devem ser praticados no maior número possível, no menor espaço de tempo e da maneira menos onerosa, isto é, ganho de tempo, motivo pelo qual o processo não pode ter longa duração. Já o princípio da celeridade decorre da economia processual, visa à rapidez na execução dos atos processuais, quebrando as regras formais observáveis nos procedimentos regulados segundo a sistemática do Código de Processo Penal, ou seja, significa a realização rápida dos atos processuais, o que permite encurtar a instrução e garantir a eficiência do Estado na persecução penal.

COMPETÊNCIA

A competência dos Juizados Especiais Criminais é fixada pela natureza da infração (menor potencial ofensivo), com o fulcro no artigo 69, III, do Código de Processo Penal e pela inexistência de circunstância que desloque a causa para o juízo comum, circunstâncias estas explicitadas no parágrafo único do artigo 66 e no § 2º do artigo 77 da Lei nº. 9.099/95.

Neste caso, se o autor do fato não puder ser citado pessoalmente, fica excluída a competência do Juizado, por ser incompatível com a celeridade e a informalidade exigidas na Lei dos Juizados, assim, o juiz deve encaminhar as peças existentes ao juízo comum, conforme critério da distribuição, expresso no artigo 75 do Código de Processo Penal.

Porém, se o caso concreto apresentar determinada complexidade e o representante do Ministério Público achar necessário, deverá requerer a remessa do Termo Circunstanciado de Ocorrência à Delegacia de origem para que se concluam as investigações, em seguida, os autos deverão ser remetidos ao juízo comum, na forma especificada do artigo 77, parágrafo 2º da referida lei. Por conseguinte, deve-se encarar esta situação como exceção e não como regra.

Mister se faz destacar que ocorrendo conexão ou continência de infração penal de menor potencial ofensivo com outra infração estranha à competência do JECRIM, em princípio, ficariam aquelas excluídas do Juizado, prevalecendo, no caso, o foro comum. Desse modo, se uma infração penal de menor potencial ofensivo estiver interligada por uma relação de conexidade a outra infração mais grave, por força da conexão há uma modificação da competência já que a infração mais grave exerce a vis attractiva devendo, ambas, num mesmo processo, serem julgadas pelo órgão a quem couber julgar a infração mais grave.

Em consonância a este preceito, temos o entendimento do ilustre jurista e doutrinador Guilherme de Souza Nucci:

“A conexão é a ligação existente entre infrações penais, cometidas em situações de tempo e lugar que as tornem indissociáveis, para fim de produção de provas, privilegiando a economia processual e evitando decisões judiciais conflitantes. E a continência é o liame entre infrações penais, cujo fato delituoso envolve outros, tornando-os uma unidade indivisível, para efeito de produção de provas e julgamento” (NUCCI, 2019, p.493)

Todavia, atentando-se para o fato de que, com a instituição dos Juizados Especiais Criminais, buscou o legislador constituinte tornar célere a Justiça e afastar do autor do fato o estigma de uma condenação, ao que parece no caso de conexão ou continência deverá haver uma disjunção dos processos a fim de que a finalidade da Lei 9.099/95 possa ser atingida.

Pelo princípio da isonomia, crimes iguais devem ter o mesmo tratamento vez que as condutas e os bens jurídicos atingidos são idênticos. Há, todavia, situação em que o crime cometido, embora constitua infração penal de menor potencial ofensivo, não será da competência dos Juizados Especiais Criminais á nível estadual nem tampouco federal.

Se a infração de menor potencial ofensivo for praticada por pessoa que tenha foro por prerrogativa de função, a competência do Juizado Especial Criminal é afastada. Competente para o processo e julgamento será o Tribunal respectivo, ficando a cargo deste a aplicação de todos os preceitos de caráter benéfico da Lei 9.099/95. Desta forma, se um Juiz de Direito comete uma infração penal de menor potencial ofensivo, será processado e julgado pelo Tribunal de Justiça a quem competirá aplicar as regras pertinentes à conciliação e transação.

No que tange à Justiça Militar, houve quem sustentasse a possibilidade de aplicação dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 nos processos de sua competência, tendo em vista a natureza penal benéfica. Primordialmente, com o surgimento da lei que estabelece os Juizados Especiais Cíveis e Criminais em 1995, seus institutos foram aplicados na Justiça Militar Estadual e Federal nos casos de cometimento de crimes militares de menor potencial ofensivo. Entretanto, no ano de 1999, foi promulgada a lei nº 9.839 que acrescentou o artigo 90-A (as disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar) à lei nº 9.099/95, a qual passou a rechaçou expressamente a aplicabilidade da lei e de seus institutos no âmbito da Justiça Militar. Outro motivo impede a aplicação da Lei 9.099/95 nas infrações penais de competência da Justiça Militar: o Código Penal Militar não prevê pena de multa nem restritiva de direitos tornando inaplicável o instituto da transação.


INSTITUTOS DESCARCERIZANTES OU DESPENALIZADORES

1. TRANSAÇÃO PENAL

A transação penal é um instituto despenalizador pré-processual inserido pela Lei 9.099/95, em seu artigo 76, que se baseia no direito penal consensual, ou seja, uma mitigação da exigência de um devido processo legal, o qual exige que, para a imposição de pena, é necessário que o agente venha a ser processado e tenha, contra si, uma sentença condenatória transitada em julgado.

Evidentemente, é cabível somente naqueles crimes de competência dos Juizados Especiais Criminais, os chamados “crimes de menor potencial ofensivo”, os quais possuem pena máxima em abstrato de 02 (dois) anos, ou contravenções penais (independentemente da pena máxima cominada). Para que o agente faça jus ao instituto, faz-se necessário o preenchimento dos requisitos estabelecidos pelo § 2º do artigo 76 da Lei nº 9.099/95 que, em seus incisos, demonstra tal impossibilidade em caso de:

 

“I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de 05 (cinco) anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo; III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.” (BRASIL, 1995).

 

Assim, antes do início da ação penal e após a tentativa de composição civil dos danos - que, para ações penais privadas e públicas condicionadas à representação, acarreta a extinção da punibilidade, seja pela renúncia ao direito de queixa, seja pela renúncia ao direito de representação - o Ministério Público (em caso de ação penal pública, condicionada ou incondicionada) ou o querelante (em ação penal privada, privada personalíssima ou subsidiária da pública) oferece ao investigado uma pena restritiva de liberdade ou multa. Tal acordo é homologado pelo juiz e a extinção da punibilidade fica condicionada ao cumprimento das medidas impostas. Caso não sejam cumpridas as “condições”, o procedimento retorna ao status anterior com o consequente oferecimento da denúncia ou queixa-crime (aponta-se que, para o oferecimento de transação penal, entende-se que devem estar presentes os requisitos para o oferecimento da peça acusatória). Uma vez cumpridas as medidas acordadas em sede de transação penal, extingue-se a punibilidade do agente, o que impossibilita o oferecimento da ação penal. A transação penal não pode ser novamente ofertada para o agente pelos próximos 5 (cinco) anos, todavia, a ocorrência não constará para efeitos de reincidência ou maus antecedentes.

 

2. COMPOSIÇÃO DOS DANOS CIVIS

 

O instituto da composição por danos civis tem previsão no artigo 74 da lei nº 9.099/95, a seguir exposto:

“A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente. Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação  penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação”.    (BRASIL, 1995).

Com fundamento no artigo 72 da referida lei, o procedimento ocorre na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, autor e a vítima (ou responsável civil). É realizada uma proposta pelo conciliador sobre os danos civis. Dessa forma, caso for aceita, esta será reduzida a termo e submetida à apreciação do juiz, que homologará, desde que preenchidos os requisitos previstos em lei. Em conformidade com o artigo 74 da lei, após ser homologada a decisão, esta será irrecorrível e não caberá mais recurso. Dessa forma, configurará renúncia ao direito de queixa ou representação. Noutro giro, caso a parte descumprir o acordo, a vítima não poderá exercer seu direito de queixa ou representar contra o autor do fato, pois ao aceitar a proposta houve a renúncia tácita ao direito de queixa e representação. Logo, declara-se extinta a punibilidade.

Sobre o autor
Luiz Alberto A. G. Santos

2016 - Graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira 2017 - Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá; 2018 - Pós graduado em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional, Administrativo e Tributário pela Universidade Estácio de Sá; 2019 - Pós graduado em Direito Penal Militar pela Facibra;

Informações sobre o texto

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