I – À malícia, que entrou no mundo com o homem, era mister pôrlhe cobro. Criaram-se a este efeito gêneros infinitos de castigos aos malfeitores. As penas demasiado severas a princípio estatuídas cederam, contudo, a sanções mais brandas, inspiradas no sentimento de equidade. Castigos atrozes como o ecúleo, o garrote e a empalação foram abolidos. Certas formas de punição porém subsistiram; que não pareceu bem aos legisladores ficassem impunes os que infringiram as regras do convívio social. Ao demais, a pena foi reputada sempre “meio indispensável para a conservação de uma sociedade juridicamente organizada”([1]).
São de duas ordens os fins da pena: retribuir o mal causado pelo infrator e servir de instrumento de prevenção de futura delinquência ou, conforme a frase lapidar de Nélson Hungria, de “freio contra o crime”([2]).
II – Nem todos aqueles que cometem atos reprováveis (ainda que da última gravidade) estão sujeitos porém ao rigor penal: somente os que já cumpriram os 18 anos de sua idade. Assim dispõe a lei([3]).
Encrespada de dificuldades é esta questão, uma das mais árduas do Direito Penal. Para muitos, a pena, como estipêndio da prática ilícita, não poderia ser imposta senão naqueles casos em que seu autor estivesse na posse plena da maturidade, “subindo da pura vida vegetativa do início à plenitude das funções mentais”([4]); para outros tantos, já teria o homem, antes daquele padrão cronológico, a lição das coisas da vida, com o que pudera discernir o certo do errado.
A despeito do parecer dos que sentem o contrário (cujo número é legião), está granjeando forte prestígio a corrente de pensamento que preconiza a redução da idade penal para 16 anos para fins de imputabilidade. Hoje, pregam seus adeptos, apenas os maiores de 18 anos são considerados responsáveis e sujeitos à legislação penal comum; os menores infratores, esses gozam de absoluta e acintosa imunidade ou impunidade([5]). Excluir da imputabilidade os maiores de 16 anos o mesmo fora que acoroçoar e incentivar a delinquência. É o que afirmam, à maneira de toque de rebate, e não se lhes pode recusar peso e valor à argumentação, máxime se atentarmos em que:
a) com o extraordinário alcance dos modernos veículos de comunicação, tornou-se impossível (ou ao menos temerário) patrocinar a tese de que o adolescente de 16 anos não tem consciência do caráter criminoso de um fato, sobretudo se da espécie do homicídio;
b) afigura-se contraditório isto de ser o jovem de 16 anos havido na conta de capaz para atos importantes da vida civil, como o de votar, e não o ser para responder perante a Justiça penal comum por fatos de natureza criminal;
c) não cabem no algarismo, de tão numerosos, os fatos de suma gravidade cuja autoria menores de 18 anos espontaneamente admitiram.
III – A segurança dos bons exige que os maus fiquem segregados e punidos, na medida de sua culpabilidade. Urge, portanto, separar o joio do trigo([6]).
Desenganemo-nos, todavia: a pena, quanto é de si mesma, nunca será bastante à contenção da criminalidade. Importa igualmente erradicar a miséria, que é a mãe do crime, e espertar no jovem o amor do trabalho([7]), o qual constitui não só obrigação social, mas também o único e verdadeiro fator da promoção humana
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Notas
[1] José Frederico Marques, Curso de Direito Penal, 1956, vol. III, p. 106.
[2] Novas Questões Jurídico-Penais, 1945, p. 132.
[3] “Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial” (art. 27 do Cód. Penal).
[4] Aníbal Bruno, Direito Penal, 1956, t. II, p. 542.
[5] Em que pese a seu cunho socioeducativo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ainda mal!) não tem logrado elidir o espectro da criminalidade precoce ou ressocializar os menores infratores.
[6] “Suprima-se a pena (quod Deus avertat) e o crime seria, talvez, a lei da maioria” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1978, vol. I, t. II, p. 195).
[7] “Para dissipar todos os vícios, bastará desterrar todos os ociosos”, proclamou há quase três séculos, de férula em punho, o doutísssimo Bluteau (cf. Vocabulário, 1720, t. VI, p. 35).
Carlos Biasotti
Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp