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O ativismo judicial e a judicialização da política no contexto de concretização de direitos

Agenda 24/09/2019 às 21:34

O crescente protagonismo judicial e interferência na atuação política é uma realidade de muitos países e os membros do Poder Judiciário justificam como a única saída para atender à demanda social face à ausência de atuação dos demais Poderes do Estado.

 

É facilmente perceptível o crescimento na relevância da função jurisdicional, que tem levado o Poder Judiciário a uma posição de destaque entre os demais poderes do Estado. Essa proeminência alcançada pelo Judiciário tem acarretado um desequilíbrio entre os poderes constituídos.

É certo que o próprio texto constitucional estabelece entre as atribuições do Poder Judiciário atuar como a última instância para se reclamar a observância e proteção de direitos não atendidos nas demais esferas estatais, além de também lhe ser atribuída a função de guardião do texto constitucional. Nesse campo de atuação, com o propósito de cumprir as promessas constitucionais, o Judiciário, mais especificamente o STF, vem se ocupando de inúmeras questões atinentes ao âmbito de atuação política.

A esse fenômeno a doutrina tem atribuído a denominação de “judicialização da política”, pelo fato de questões de caráter eminentemente político estarem sendo transferidas dos poderes políticos (Executivo e Legislativo) para o Judiciário. Apesar de estarem relacionado e ser motivo de confusão entre muitos estudiosos, os fenômenos judicialização da política e o ativismo judicial não são sinônimos, Luís Roberto Barroso estabelece distinção clara entre ambos, afirmando que o ativismo judicial está relacionado à forma de interpretar o texto constitucional:

A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política (...). Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance (BARROSO).

 

O entendimento entre os estudiosos do tema aponta que a judicialização da política é uma decorrência do próprio ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que está entre as atribuições do Poder Judiciário, mais especificamente do Supremo Tribunal Federal, a função de rever os atos dos demais poderes, elevando, dessa forma, o Judiciário ao patamar de detentor da palavra final no que diz respeito à concretização do ideal constitucional.

No que diz respeito à atuação do Judiciário de forma mais invasiva nas instituições políticas, dois posicionamentos se sobressaem: Há uma corrente que defende a limitação dos poderes do Judiciário, e outra corrente defendendo uma atuação mais efetiva do Judiciário nas democracias contemporâneas.

Na obra de Ronald Dworkin (2001, p. 27) é facilmente perceptível o posicionamento favorável à transferência de decisões atinentes à seara política para o Judiciário com o propósito de possibilitar a efetivação dos direitos individuais: “Estou afirmando agora apenas que os legisladores não estão, institucionalmente, em melhor posição que os juízes para decidir questões sobre direitos”.

Segundo o mesmo autor ao se transferir para o Judiciário o papel de solucionar os conflitos políticos pretende-se que eles sejam solucionados não a partir de fundamentos políticos, mas jurídicos: “minha visão é que o Tribunal deve tomar decisões de princípio, não de política – decisões sobre que direitos as pessoas têm sob o nosso sistema constitucional, não decisões sobre como se promove o bem-estar geral” (Dworkin, 2001, p. 101).

A judicialização possibilita um redimensionamento das atribuições do Poder Judiciário, visando a concretização dos direitos fundamentais. Para os que a defendem, não há risco nem prejuízo sempre que intervenção judicial for consequência da inação do Legislativo ou Executivo. Assim, de acordo com esse entendimento, seja ao adotar uma postura ativista, seja por meio da judicialzação da política, não se pode falar em risco ao princípio da separação de poderes ou à democracia, uma vez que esses institutos significam verdadeiros instrumentos de fortalecimento do Estado Democrático garantidor de direitos.

Do outro lado, inúmeros estudiosos se manifestam contrários ao ativismo judicial, por entenderem que os julgadores não têm legitimidade para tanto, seja porque eles não passaram pela aprovação popular, por meio do voto, seja por não lhe ter sido atribuída a função de atuar no processo de elaboração da norma jurídica abstrata.

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No que diz respeito ao processo de criação da norma jurídica, Mauro Cappelletti pondera que, embora seja benéfico em determinados momentos em casos concretos, é preciso que o Supremo esteja atento para não adentrar a esfera de competência de outro poder:

Tal criatividade, ou para ser mais preciso, alto grau de criatividade, pois bem vimos como se trata essencialmente de problema apenas de natureza quantitativa, pode ser benéfica ou maléfica, segundo as circunstâncias contingentes, de tempo e lugar, de cultura, de necessidades reais de determinada sociedade, circunstâncias, de mais a mais, de organização e estrutura das instituições e, não por último, dos tipos de magistratura que exercem tal criatividade. (CAPPELLETTI, 1993. p. 92).

Oscar Vilhena Vieira aponta ainda para o risco de uma mudança no equilíbrio do sistema de separação de poderes, ao comparar a atuação do STF com a atuação do poder moderador da época do Império:

A ampliação dos instrumentos ofertados para a jurisdição constitucional tem levado o Supremo não apenas a exercer uma espécie de poder moderador, mas também de responsável por emitir a última palavra sobre inúmeras questões de natureza substantiva, ora validando e legitimando uma decisão dos órgãos representativos outras vezes substituindo as escolhas majoritárias (VIEIRA, 2008, p. 60).

Esse acentuado protagonismo judicial e interferência na atuação política tem sido justificado, reiteradamente, pelos membros do Poder Judiciário como a única saída para responder à busca da sociedade diante da ausência de atuação dos demais Poderes Legislativo e Executivo. Assim, como os poderes representativos deixam lacunas, não decidem quando devem fazê-lo, então, sempre que provocado, o Judiciário afirma ter que apresentar uma solução para o caso concreto.

Contudo, é preciso muito cuidado com essa atuação das instituições democráticas, distanciando-se do que está previsto no texto constitucional para não criar fissuras na própria democracia.

Referências:

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista. Acesso em 16 de junho de 2019.

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1993.

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, a. 3, n. 12, 2008.  

 

 

Sobre a autora
Claudia de Oliveira Fonseca

Mestra em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Professora universitária.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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