“[...] Sem jogo de confetes, vaidades e bairrismos desenfreados, e com a devida vênia dos homens, mas se realmente houver tratamento isonômico nesta sociedade tendenciosa, a mulher estará sempre à frente dos homens na competência, organização, responsabilidade e confiabilidade. Por derradeiro, vê-se que a nova lei entrará em vigor no Dia de Finados, 02/11, muito provavelmente num dia nublado e chuvoso, onde se espera que simbolize, definitivamente, a morte, em decúbito dorsal, no ataúde frio e hermeticamente confinado, do revanchismo e do falso sentimento de superioridade de uma categoria machista que não aceita a notória sobrepujança das mulheres em quase todos os setores da vida[..]”.
RESUMO. O presente texto tem por objetivo principal analisar a nova Lei nº 13.871, de 2019, que modifica o artigo 9º da Lei 11.340/06, que disciplina acerca da assistência à mulher vítima de violência doméstica e familiar, para prevê sobre a responsabilidade do agressor pelo ressarcimento dos custos relacionados aos serviços de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde, às vítimas de violência doméstica e familiar e aos dispositivos de segurança por elas utilizadas.
Palavras-Chave. Lei Maria da Penha. Modificação. Agressor. Ressarcimento. Responsabilidade.
Resumen. El objetivo principal de este texto es analizar la nueva Ley n o 13.871, de 2019, que modifica el artículo 9 de la Ley 11.340/06, que disciplina la asistencia a las mujeres víctimas de violencia doméstica y familiar, para predecir sobre la responsabilidad del agresor Reembolso de los costos relacionados con los servicios de salud prestados por el sistema de salud unificado, víctimas de violencia doméstica y familiar y los dispositivos de seguridad utilizados por ellos.
Palabras clave. Ley Maria da Penha. Modificación. Atacante. Compensación. Responsabilidad.
Foi sancionada e publicada a novíssima Lei nº 13.871, de 17 de setembro de 2019, que modifica a Lei Maria da Penha, visando prevenir e coibir a violência doméstica e buscando fortalecer os direitos das mulheres.
O novo dispositivo entrará em vigor 45 dias após a sua publicação, que se deu no dia 18 de setembro, já que o texto legal da nova lei foi omisso, e neste caso, aplicam-se as normas do artigo 1º do Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942, segundo o qual, salvo disposição em contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.
De acordo com a contagem de prazos, a nova lei deverá entrar em vigor no dia 02 de novembro de 2019, num sábado.
Assim, o novo comando normativo modifica a redação do artigo 9º da Lei Maria da Penha, para dispor sobre a responsabilidade do agressor pelo ressarcimento dos custos relacionados aos serviços de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde, às vítimas de violência doméstica e familiar e aos dispositivos de segurança por elas utilizadas.
Por sua vez, o artigo 9º da Lei Maria da Penha, em seu Título III, Capítulo II, estabelece a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar.
Eis a redação originária do art. 9º da Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha:
Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
§ 1º O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.
§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:
I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;
II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
§ 3º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.
A novíssima Lei nº 13.871, de 17 de setembro de 2019 acrescentou 03(três) parágrafos no art. 9º da Lei Maria da Pena, a saber:
“Art. 9º .................................................................................................
§ 4º Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.
§5º Os dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas terão seus custos ressarcidos pelo agressor.
§ 6º O ressarcimento de que tratam os §§ 4º e 5º deste artigo não poderá importar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e dos seus dependentes, nem configurar atenuante ou ensejar possibilidade de substituição da pena aplicada.” (NR)
É certo que a legislação tem por finalidade principal reforçar o conjunto de medidas de políticas públicas que visam coibir violência contra as mulheres e garantir proteção à família.
Os números estatísticos são terríveis. Pesquisa recente divulgada em fonte aberta mostra que o país registrou 180 casos de estupro e 720 agressões em contexto de violência de doméstica diariamente somente em 2018, segundo dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Muito embora novidade no campo normativo, a jurisprudência brasileira já decidia nesse sentido. Alguns casos noticiados, em que o agressor foi condenado na obrigação de ressarcir o INSS em função da pensão por motivo de morte devida aos dependentes da vítima assassinada.
Outra medida importante foi o óbice legal de aplicação da atenuante da pena, porque indubitavelmente previne pretensões baseadas no artigo 65, inciso III, b, do CP (quando o agente procura, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou antes do julgamento repara o dano).
Assim, mesmo que o autor agressor adote a iniciava de reparar por exemplo, o custo do equipamento do monitoramento, hipótese remota, não poderá ter a pena atenuada na 2ª fase da dosimetria da pena, no famoso sistema trifásico de Nelson Hungria.
A nova lei ainda nem entrou em vigor e já dividem opiniões de juristas e ativistas pelos direitos das mulheres.
Há quem afirme, por exemplo, que a nova lei poderia trazer um manto de impunidade para agressores de mulheres, notadamente, quando vítimas que não possuem condições de se manterem sem o apoio financeiro dos agressores. Imagine o caso de uma guerreira mulher que fique em casa cuidando das crianças, se dedicando todo o seu precioso tempo com a educação dos filhos, e às vezes sem condições de trabalhar noutra atividade externa, às vezes sem condições econômicas de pagar outra pessoa para essa nobre finalidade, e num dado momento de sua vida, por outras circunstâncias, tenha que se separar do marido.
Com receio do agressor ter que arcar com as despesas do tratamento de saúde junto ao Sistema Único de Saúde e do sistema de proteção, monitoramento eletrônico e custos com o botão do pânico, onde existe esse mecanismo implantado, por exemplo, e acabar sem condições de prover concomitante com as suas obrigações legais com educação, sustento e medicamento com os filhos, a vítima ficaria inibida de levar o fato ao conhecimento das autoridades competentes e passar por dificuldades financeiras, o que poderia constituir num óbice à realização da justiça efetiva.
Muitos perguntam sobre o pagamento das despesas médicas e com a segurança dos dispositivos eletrônicos por parte dos agressores das mulheres no âmbito familiar e familiar.
Se houver o pagamento voluntário do responsável, a situação se revolve sem maiores implicações, mas em casos do não pagamento dos valores fixados, evidentemente, que o ente competente deve promover a execução dos débitos atinentes à quantia certa, de acordo com a competência jurisdicional em razão da matéria, dos valores afetados ou não a determinados órgãos de destinação.
Sabemos que a Lei Maria da Penha, considerada pela Organização das Nações Unidas - ONU, a 3ª melhor lei do mundo no combate à violência doméstica, perdendo apenas para Espanha e Chile, desde 2006, vem sendo cada vez mais aprimorada e aperfeiçoada para garantir os direitos e proteção das mulheres, a relação familiar ou doméstica, naquilo que chamados de princípio da proibição do retrocesso social.
Desde 2006, quando da edição da Lei Maria da Penha, várias outras normas foram criadas, ora modificando a própria lei nº 11.340/2006, ora modificando outras normas de proteção, como o Código penal e o Código Processo penal, recentemente modificados, com a criação do feminicídio, Lei nº 13.104/2015, que introduziu uma nova qualificadora objetiva no artigo 121, § 4º, inciso VI, do CP, e também com modificações do artigo 158, parágrafo único do CPP, por meio da lei nº 13.721, de 2018, que determinou prioridade na realização do exames periciais quando se envolver mulher vítima de violência doméstica ou familiar.
Mais três normas se destacam no cenário de proteção dos direitos das mulheres, a disciplina do uso de algemas em mulheres em determinadas situações, a lei que tipifica como crime o descumprimento de medidas urgentes de proteção e a lei que garante o deferimento de determinadas medidas de proteção às mulheres pelo Delegado de Polícia.
Em vigor desde o dia 13 de abril de 2017, a Lei nº 13.434/2017, que acrescenta parágrafo único ao art. 292 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para vedar o uso de algemas em mulheres grávidas durante o parto e em mulheres durante a fase de puerpério imediato.
Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.
Parágrafo único. É vedado o uso de algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como em mulheres durante o período de puerpério imediato. ( grifo nosso)
Por sua vez, a Lei nº 13.641, de 2018, criminalizou as hipóteses de descumprimento de medidas protetivas de urgência, art. 24-A, a Lei Maria da Penha, para prevê peba de detenção de três meses a 02 anos.
Noutro sentido, a lei nº 13.827, de 13 de maio de 2019, acrescentou o artigo 12-C, na Lei Maria da Penha, para autorizar, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência doméstica ou familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva ou urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.
Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:
I - pela autoridade judicial;
II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou
III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.
§ 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente.
§ 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.
A proteção dos direitos das mulheres não ocorre tão somente por questões de estabelecer parâmetros de igualdade, mas principalmente em razão de sua proteção em virtude das atitudes racistas e misóginos de homens incompetentes.
A título exemplificativo, em Minas Gerais, quando na Gestão operacional da Polícia Civil, introduzimos uma política moderna, diferente e inovadora de valorização na chefia de mulheres que ostentavam capacidade de gestão, organização e confiabilidade, e por isso, designamos para o cargo de primeira Delegada Regional, nas cidades de Nova Lima, Juatuba, Governador Valadares, Juiz de Fora, Conselheiro Lafaiete, Almenara, Pedra Azul, Ipatinga, Ponte Nova, Ribeirão das Neves, Janaúba, além de outras, o que causou certo ciúme por parte dos alguns gestores que não aceitavam tal situação.
Sem jogo de confetes, vaidades e bairrismos desenfreados, e com a devida vênia dos homens, mas se realmente houver tratamento isonômico nesta sociedade tendenciosa, a mulher estará sempre à frente dos homens na competência, organização, responsabilidade e confiabilidade.
Por derradeiro, vê-se que a nova lei entrará em vigor no Dia de Finados, 02/11, muito provavelmente num dia nublado e chuvoso, onde se espera que simbolize, definitivamente, a morte, em decúbito dorsal, no ataúde frio e hermeticamente confinado, do revanchismo e do falso sentimento de superioridade de uma categoria machista que não aceita a notória sobrepujança das mulheres em quase todos os setores da vida.
E em cada gota de chuva que há de cair, certamente, comemoremos a prosperidade e a prevalência de quem por mérito alcançou o seu destacado espaço na sociedade.