1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho abordará as etapas da sessão da mediação, desde o momento em que o mediador toma conhecimento do caso, organiza a sala em que a sessão ocorrerá e recebe os mediandos. Após a abertura seguem-se uma sequência de atos, que embora não sejam dispostos rigidamente na formação do procedimento, seguem um percurso teórico, tais como a narrativa que envolve emocionalmente os mediandos e em que cada um relata a sua percepção acerca do conflito. Dessa maneira, ao decorrer da sessão serão identificadas as opções que surgiram para resolvê-lo, bem como ocorrerá à negociação entre os mediandos, para a possível elaboração de um acordo ao final, que deverá beneficiar a ambos. Não se pode olvidar, contudo, que o processo mediativo tem em vista o objetivo maior de restabelecer os laços abalados pelo conflito, bem como desenvolver nos mediandos a capacidade comunicativa necessária para lidarem com situações conflituosas futuras.
2 SESSÃO DE MEDIAÇÃO
A sessão de mediação deve ter no máximo 2 horas de duração, pois se não ocorrerem progressos até este momento, será difícil a continuidade, devendo ser agendada uma nova sessão. A sessão de mediação é dividida em várias fases, sendo elas: a) abertura; b) início dos trabalhos; c) narrativas; d) convocação de perito; e) levantamento de dados e informações; f) identificação de opções; g) negociação/conciliação; h) celebração do acordo; i) encerramento.
O objetivo do grupo é desenvolver, ao longo desse estudo, todas as etapas da mediação, a fim de exemplificar os modos de realizar uma sessão.
2.1 ABERTURA
A abertura da sessão possui dois momentos: as atividades preliminares e o acolhimento dos mediandos.
As atividades preliminares são realizadas sem a presença dos mediandos, tratando-se da fase de obtenção de conhecimentos relacionados com o caso por parte do mediador. É nesse momento que o mediador terá contato com os registros da pré-mediação, quando não foi ele quem a conduziu, preparando-se tática e emocionalmente para lidar com o conflito das partes.
Nessa oportunidade, o mediador deve inteirar-se dos aspectos-chave, se preparar para entender a linguagem dos mediandos, identificar a natureza das reclamações, identificar os aspectos legais pertinentes e avaliar a necessidade de especialistas como co-mediador ou perito, por exemplo.
Além disso, nessas atividades preliminares, deve o mediador organizar o ambiente, preparando o local da sessão com materiais de apoio, que podem ser fornecidos pelo apoio administrativo. Isso porque a organização possui efeito psicológico sobre as partes, influenciando na confiança e na imagem institucional.
Quanto ao acolhimento dos mediandos, esse se dá após os cumprimentos, quando então o mediador conduz os participantes à sala, onde deve ser o primeiro a entrar. Após, o mediador deve distribuir os presentes nos lugares reservados, de modo que os mediandos fiquem frente a frente ou lado a lado, posicionando os acompanhantes em posições de coadjuvantes.
Então, o mediador se certifica de que todos se conhecem, fazendo as apresentações caso necessário, e avalia se convém relatar o minicurrículo seu e do co-mediador. Ainda, estabelece o contrato psicológico com os presentes, por meio do qual se comprometem a contribuir com seu comportamento para o bom andamento dos trabalhos, assumindo o compromisso de acatar as orientações do mediador. Além disso, este esclarece novamente os objetivos da mediação, os procedimentos e responde eventuais dúvidas, pois alguém presente pode não ter participado da pré-mediação, ou não ter prestado suficiente atenção.
Ao final da abertura, o mediador precisa sentir-se seguro de que os mediandos sabem por que estão ali, se possuem a ideia correta sobre a mediação, se compreendem os objetivos do processo, se estão de acordo com o que se espera deles e o modo de se comportar, se comprometem-se com os preceitos norteadores.
Desse modo, o mediador evidencia a dinâmica da sessão, esclarecendo que a condução dos trabalhos se dará apenas por ele, que cada um terá a mesma oportunidade de falar, que é possível conversar separada e reservadamente com cada um, se necessário, que trata-se de processo com sigilo absoluto, que o mediador fica impedido de testemunhar em qualquer julgamento envolvendo os mediandos (desde que relacionados à mediação), que está impedido de ser contratado por qualquer das partes que tenham a ver com a mediação, que a responsabilidade de tomar suas próprias decisões é de cada participante. Também deve o mediador explicar a forma das partes consultarem seu advogado quando estiverem presentes, a possibilidade de intervenção de terceiros – inclusive o advogado – como uma concessão do mediador e nunca como direito do requerente, e a ausência de representação no caso de pessoa física, com exceção das pessoas jurídicas pois inevitável a representatividade.
Assim, o mediador conduzirá o processo, devendo zelar pela filosofia, respeitar a ética e estabelecer o clima da sessão.
O mediador deve ajustar sua linguagem à dos mediandos, a fim de conseguir se comunicar com todos os presentes, utilizando linguagem simples e clara para que independente de sua origem, escolaridade ou profissão, todos possam dialogar.
Quanto ao método de condução da sessão, não existe, tratando-se apenas de um percurso teórico que o mediador ajusta ao caso concreto, considerando: a) a natureza da demanda; b) a característica dos mediandos; c) a quantidade de pessoas envolvidas de cada lado; d) a complexidade dos temas; e) a duração do conflito; f) as consequências possíveis das decisões sobre a vida dos participantes e sobre as pessoas com eles relacionadas; g) valores envolvidos.
O mediador deve manter a escuta ativa sempre presente, retirando o foco das posições e buscando identificar os interesses, conduzindo à construção de novas perspectivas para o futuro e à reformulação dos papéis dos participantes.
Vale ressaltar que o primeiro a falar deve ser o solicitante.
2.2 INÍCIO DOS TRABALHOS: A CATARSE
Quando os mediandos relatam seu entendimento a respeito da reclamação, falando do que os atormenta, se acalmam, realizando a chamada catarse.
Dessa forma, no momento em que são expostos os sentimentos, seja de mágoa, seja de raiva, desprezo ou humilhação, deixam de ser um peso para o psiquismo, libertando a pessoa para os primeiros passos em busca da paz.
Exemplo de catarse: “O ódio conduziu Romeu e Julieta à sessão de mediação. Esta, com uma filha, abandonada por Romeu, conduzia uma pequena confecção em sua casa. Romeu queria a guarda da criança porque na casa ‘entravam muitos homens’. Irredutível, exalava ódio que sentia por Julieta (e que se acentuou quando o pequeno negócio da ex-esposa começou a se tornar lucrativo). A mediadora, experiente, deu a cada um deles a oportunidade de falar. Romeu queixou-se, lastimou-se e espalhou seu ódio pela sala. Até se acalmar. Julieta respondeu à altura, e também se acalmou. A catarse estava concluída. Serenados os ânimos (continuaram a se odiar, porém, em silêncio), a mediadora utilizou a técnica de criar imagens felizes. Pediu-lhes que falassem da filha. A partir daí́, pouco a pouco, o amor começou a estabelecer seu lastro na cesta de moedas emocionais sobre a mesa. A mediadora focou este fato: a filha era a inocente do processo e, ou eles se entendiam, ou ela sofreria. Utilizou, então, a técnica de criar visões do futuro; trabalhou a fantasia em torno do futuro da criança; a cesta de capital emocional produzido pela emoção positiva começou a crescer, até́ constituir um montante divisível”.
Sem a catarse é muito difícil compreender a diferença entre as posições e a essência do conflito, pois muitas vezes a pessoa não sabe o que a move.
2.3 NARRATIVAS
Para se chegar à mediação existem conflitos envolvidos, estes que decorrem de todo um contexto de evolução, ou seja, decorre de um passado até o dia em que se consegue o contato com a mediação, de modo que, para muitas pessoas, o passado que gira em torno desses conflitos é algo que envolve emocionalmente às partes tanto por sentimentos de tristeza, angústias e lembranças boas que hoje estão escondidas atrás de um conflito.
Portanto, quando falamos em narrativas que envolvem a medição, o que queremos dizer é que, como o conflito decorre de um contexto, os mediandos devem narrar a história ensejadora do conflito para que todos compreendam as diferentes percepções a respeito do mesmo acontecimento.
O mediador que vai acompanhar a sessão de mediação tem de ter uma postura íntegra, pois não pode demonstrar emoções para não perder o controle da sessão. No entanto, apesar da dificuldade de não demonstrar reações com a história narrada, o mediador tem que encontrar na narrativa dos fatos o sentido das frases que vai utilizar ao longo da sessão, organizando suas falas e controlando suas manifestações.
Existem vantagens em relatar os acontecimentos para um terceiro, sendo elas: oportunidade de organizar o seu próprio pensamento; externar a emoção; oportunidade de manifestar coisas que não diria se estivesse a sós com a outra parte; não ser interrompido e não se sujeitar à agressão física ou verbal; oportunidade de compreender aquilo que incomoda no outro; ter a certeza de que pela primeira vez será ouvido.
Em relação à oportunidade de manifestar coisas que não diria se estivesse a sós com a outra parte, há uma situação na qual um casal que reside juntos, vivia constantemente em uma situação de impossibilidade de comunicação de um com outro, a ponto de não mais sentirem vontade de brigar. Joaquina, narrando o seu lado dos fatos, afirmava que Honório dizia que ia deixar o lar em que viviam juntos, porém isto não ocorria: ele ia ficando, afirmava estar providenciando a mudança e que não havia motivo para a mediação. Em conversa com o mediador, Honório acabou relevando o real motivo de não querer sair do lar, qual seja o medo de se sentir só, ou seja, o ele queria encontrar outra companheira antes de sair dali. Desse modo, mesmo se sentindo desconfortável morando com Joaquina, ela lhe proporcionava o conforto de não viver só, mas não conseguia revelar essa fraqueza a ela porque sentia vergonha, e ao final da conversa se convenceu de que deveria estabelecer um limite para a sua permanência.
2.3.1 Objetivos específicos das narrativas
A escuta das narrativas possibilita ao mediador: alinhar as percepções (conseguir que todos vejam os fatos da mesma maneira); treinar os mediandos para ouvir o outro, algo que deixa de acontecer após o conflito; conhecer detalhes da história do conflito, úteis para identificar os interesses e construir opções para o acordo.
Dessa maneira as narrativas despertam emoções, indicando os pontos daquela história que estão mais afetados, pois nesse momento as partes lembram muitas vezes apenas dos momentos ruins que viveram, esquecendo todos os bons momentos que compartilharam. As narrativas contribuem para a liberação e controle das emoções e a identificação, pelo mediador, daquilo que mais afeta os mediandos.
2.3.2 Narrativas dos mediandos
As narrativas se iniciam com o solicitante. O mediador a administra para identificar os componentes essenciais que giram em torno daquela relação. O mediador conduz perguntas no sentido de saber o que aconteceu; como aconteceu; quem fez para quem; quando ocorreu; porquê; em qual ambiente ocorreu o conflito; os valores envolvidos e se já tentaram de outras formas resolver o conflito.
A narrativa demonstra a história dos fatos, mesmo com incoerências. A partir da narrativa dos fatos que ensejaram o conflito, a outra parte ouvinte pode estar ansiosa, porém deverá ser contida, aguardando sua vez de narrar os acontecimentos. Nesse momento, surgirão esquemas rígidos de pensamentos, preconceitos, e reflexos inevitáveis de características de personalidade do mediando.
Desse modo, as narrativas se repetem, ou seja, seguem uma circularidade em que os mesmos temas voltam, os acontecimentos ressurgem estimulando a memória. Aos poucos cada mediando aprende a ouvir o outro, conter a impaciência e perceber que existem divergências acerca do mesmo fato.
Em uma sessão de mediação o mediador observa a insistência de uma das partes nos acontecimentos ligados ao relacionamento pessoal com o outro mediando. As divergências que vão surgindo ao longo da sessão é o início para a busca de novos pontos de vistas e soluções.
Quando no início apenas um dos mediandos está disposto a realizar o acordo, este age de maneira conciliadora, expõe seus fatos de maneira suave; ao mesmo tempo, o outro mediando, que inicialmente não busca o acordo, está tomado pelo sentimento de ódio e vingança. Nestes casos, em que não se chega a um acordo, o caso acabará nos tribunais.
Na sessão de mediação o objetivo do mediador é alcançar o diálogo, assim cabe ao mediador provocá-lo, formulando questões ou solicitando ouvir a visão dos acontecimentos por este ou aquele mediando, para melhor compreender os acontecimentos. Um mediando repetirá suas afirmações feitas desde o início o que permitirá deslocar a fala ao outro mediando, que será questionado pelo mediador acerca de sua percepção sobre os fatos. O mediador chegará à conclusão de que ambos não dialogaram nesses termos.
Posteriormente, o mediador usa a técnica do deslocamento, ou seja, muda o foco da relação entre as partes, para observar questões que ainda não haviam conversado. Dessa maneira a provocação do mediador desloca o diálogo para os sentimentos, buscando indagar e pesquisar o que está oculto nas narrativas, às vezes desconhecido pelos envolvidos. Assim, quando as causas ocultas aparecem, surgem também as soluções.
Desse modo, a partir do deslocamento o mediador incentiva a pessoa a se colocar no lugar do outro para reinterpretar os acontecimentos, o que muitas vezes gera resultados surpreendentes, pois ao se colocar no lugar do outro surgem novas visões dos fatos, e os mediandos acabam cedendo em relação a alguns pontos sobre os quais inicialmente não aceitava discussão.
O mediador pode se valer de perguntas abertas, ou seja, ampliar seu conhecimento a respeito dos mediandos e de cada um deles em relação ao outro, compreendendo a maneira como interpretam os acontecimentos, explicitando os elementos que se encontram presentes em suas mentes. Também o mediador pode utilizar perguntas reflexivas, ou seja, estimular os mediandos a se autoquestionarem, fazendo com que tomem consciência dos significados de suas próprias palavras, trazendo novos significados de suas percepções.
Dessa maneira as perguntas abertas, circulares e reflexivas contribuíram em outras etapas para a escolha das opções para a solução dos conflitos. A compreensão das narrativas pode exigir a escolha de uma linguagem adequada, pois quando as pessoas não têm facilidade de se expressar verbalmente, podem se expressar, por exemplo, através de desenhos.
Durante as narrativas o mediador intervém transformando afirmações em suposições, como elementos apaziguadores. Como exemplo de afirmações que surgem nas sessões podemos citar as frases, “ ele sempre me persegue”, “ nunca chega no horário” e “só pagou parte do que devia”.
Assim, conflitos de longa duração se transformam em torno de alguns pontos enquanto outros são esquecidos, ou seja, ao longo da sessão de mediação, os conflitos vão buscando um caminho ao acordo. As pessoas envolvidas, ao se depararem com as acepções do outro, vão incorporando e se colocando em sua posição, esquecendo pontos que desencadearam a avença.
2.3.3 Redesenho das narrativas
Ao término das narrativas o mediador realiza uma análise dos acontecimentos que presenciou, acerca das narrativas na sessão de mediação. Nesse momento, o mediador separa as posições encontradas ao longo das narrativas dos mediandos acerca do mesmo conflito, clarificando os fatos, detalhando as suas percepções e a dos mediandos, explicitando os conteúdos essenciais. Sendo nesta etapa que os efeitos da mudança, os esquemas rígidos de pensamento, os pensamentos automáticos e os mecanismos de defesa inconsciente, por exemplo, podem ser trabalhados.
Dessa maneira na etapa de redesenho das narrativas o mediador deve estar ciente dos reais interesses e as posições de cada mediando, bem como a necessidade, se houver, de convocação de perito e se novos dados precisam ser apresentados.
Nessa etapa, ocorre um resumo do que foi dito de acordo com a realidade dos fatos em si, mostrados através da percepção dos mediandos. A partir desse resumo, o mediador assegura a ocorrência de divergências de entendimento. Dessa forma, a síntese construída de acordo com as percepções dos mediandos possui um valor emocional, fazendo com encarem a vida futura sem os impedimentos emocionais do passado.
2.4 CONVOCAÇÃO DO PERITO
Conforme narrativas e análise documentais, pode-se constatar a necessidade de parecer técnico/perito. Para tanto, se faz necessária concordância das partes. O perito pode ser indicação da Câmara de Mediação ou de livre escolha dos mediandos, mas sempre em comum acordo.
Após laudo/parecer, é feito uma convocação para nova sessão, onde as partes dirão se aceitam e consideram o laudo no processo.
Similarmente acontece quando o mediador verificar que há necessidade de consultar um especialista, considerando que este possa auxiliar no entendimento das partes, bem como no equilíbrio.
2.5 IDENTIFICANDO AS OPÇÕES
Este é o momento em que o mediador passa a procurar os interesses de cada indivíduo. Isto faz com que as partes busquem entender e expressar suas vontades, para então, de maneira conjunta, encontrar algumas opções a fim de chegar a uma solução. Nas palavras de Fiorelli (2011, p. 256), é o momento de deixar de lado o passado e colocar a ênfase em como proceder no presente para que o futuro se torne melhor.
Ainda assim, encontrando-se o mediador em situação de incompreensão dos interesses das partes, deve optar pela conversa em separado com cada mediando – encaixa-se aqui o dever de gerar oportunidades iguais para ambas as partes, garantindo a paridade de tratamento.
2.5.1 Geração de opções
Em sequência, ao encontrar os interesses presentes, o mediador e as partes iniciam a criação de uma lista de opções, através do pensamento criativo estimulado pelo mediador. A construção desta lista pode resultar em algo extenso, porém entende-se que quanto maior a lista, maior a qualidade em determinadas ideias. Isso acontece devido à maneira que as partes se esforçam para encontrar uma solução e, ao final, juntam o melhor de cada ideia e obtém um resultado aceitável para ambos.
Há diversas técnicas estudadas para melhorar a comunicação do mediador com os mediandos. No momento da construção de opções, o mediador pode optar por utilizar as técnicas, conforme a necessidade do caso em particular, entre as quais estão:
-
Ampliação do sistema, pensar na situação como um todo, incluindo quem está de fora da discussão, mas faz parte dela;
-
Aumento (ou redução) da permeabilidade das fronteiras, com o intuito de reestabelecer diálogo entre os mediandos;
-
Desenho de visões do futuro, apresentando uma ideia do que pode acontecer em razão das escolhas tomadas;
-
Brainstorming, que significa uma tempestade de ideias, usualmente utilizada, onde as partes falam as ideias que vêm em mente;
-
Mediador atuar como “advogado do diabo”, imaginando defeitos (nos limites da estabilidade);
-
Exercício da “troca de chapéus”, fazer com que uma das partes visualizem a situação da outra; trata-se da famosa “empatia”.
Dessa maneira, o ideal de uma sessão de mediação, principalmente no momento da construção de opções, é que o mediador foque no processo criativo, enquanto as partes, na criatividade. Isso faz com que mediador e mediandos trabalhem, de maneira prática intensiva, na busca pela solução do conflito, ou melhor dizendo, na construção da harmonia.
Quando as partes dificultam a atuação do mediador, se mostrando irredutíveis na questão abordada, o mediador pode recorrer a uma estratégia que consiste em estimular o diálogo por meio de perguntas. Contudo, nesta hipótese, o condutor da sessão deve possuir certa experiência, para rapidamente enxergar a situação e pensar na melhor opção. Concluindo qual é melhor opção, o mediador deve fazer com que as partes a encontrem, sem fornecê-la de pronto aos mediandos. Essas perguntas ocorrem a todo momento: no acolhimento, durante as narrativas, na geração de opções, na tomada de decisão e na celebração do acordo.
2.5.2 Avaliação e escolha da(s) melhor(es) opção(ões)
Em sequência, os mediandos devem realizar uma análise criteriosa das opções apresentadas, considerando os efeitos e o grau de satisfação de cada. A moeda ruim, que compõe o campo de sentimentos negativos em relação à opção, compreende em: gerais (inveja, ciúme, raiva etc.) e específicos (ganância, imoralidade etc.).
Em contrapartida, há a moeda boa, o que faz com que essa moeda ruim deva ser alterada, com a ajuda do mediador, para um sentimento positivo, como: gerais (amor, ética, honestidade, cidadania etc.) e específicos (reconhecimento, prestígio etc.).
Por fim, antes de passar para a próxima fase, o mediador deve averiguar se:
-
A opção geradora de acordo tem condição real de ser praticada;
-
Reflete interesses genuínos das partes e não simples imposição de uma para a outra;
-
As partes sentem-se responsáveis pela escolha;
-
Não há impedimento legal para a opção escolhida.
2.6 NEGOCIAÇÃO
É o início do fim. Quando se atinge a fase de negociação, significa que as partes já discutiram os conflitos e deixaram para trás as intrigas, restando agora a negociação, o acordo a ser feito. Igualmente, esta fase é realizada pelas partes e pelo mediador, em conjunto.
2.6.1 Cuidados essenciais do mediador
Neste instante, o maior cuidado que o mediador deve tomar é de não interferir na esfera das partes, não retirando sua autonomia.
2.6.2 Equilibrando a negociação
No momento em que houver um desequilíbrio entre as partes, capaz de gerar desigualdades, o mediador tem o dever de intervir para alcançar estabilidade e equidade.
2.6.3 Negociação com a presença de advogados das partes
Via de regra, a figura do advogado é requisitada quando pelo menos uma das partes é pessoa jurídica, a qual será representada por profissional qualificado. Por outro lado, na mediação entre pessoas físicas, não faz o menor sentido pedir para que um representante atue pela parte, externando situações subjetivas da parte e seus interesses.
Ainda assim, frequentemente, as pessoas buscam um advogado para resolver a questão, o qual indica a mediação para solucionar o conflito. Consequentemente, a presença deles é aceita na audiência e podem até aconselhar seu cliente em conversa particular; todavia, não podem, os advogados, negociar entre si, pois esta é uma prerrogativa apenas das partes.
2.7 ELABORAÇÃO DO ACORDO
O acordo é o ponto culminante do processo mediativo. Ele será o resultado de todo o trabalho previamente realizado, com as narrativas dos envolvidos, a manifestação dos sentimentos reprimidos por cada um, o estabelecimento de um grau de comunicação e compreensão que, por vezes, antes parecia ocultar-se atrás de uma barreira intransponível e o levantamento das possíveis soluções para o impasse existente entre os mediandos. O acordo somente poderá ocorrer quando o mediador “alcançar o esclarecimento dos pontos obscuros e identificar os interesses que se escondiam atrás dos discursos posicionais”. Se, ao final da sessão, o mediador perceber a remanescência de animosidade entre os envolvidos, deverá evitar o fechamento de acordo, e consultar as partes sobre o agendamento de uma nova sessão; ou, também mediante a percepção do caso, continuar a sessão na tentativa de resolução do conflito.
Dada a importância dessa fase, deve ser conduzida pelo mediador com especial apreço e acurácia, em prol da realização de um acordo que proveja as partes com uma solução duradoura e que previna o ressurgimento do conflito decorrente da mesma causa. Por óbvio, situações de atrito sempre haverão. Porém, o processo mediativo é inteiramente desenhado não apenas para restabelecer a comunicação entre os envolvidos, mas para neles desenvolver a competência comunicativa necessária para que possam, por si sós, lidar com futuras situações conflituosas.
Voltando ao papel do mediador na etapa de elaboração do acordo, pode-se dizer que suas principais preocupações nessa fase são:
a) evitar que as partes realizem acordos imaturos, irrefletidos ou insatisfatórios. O mediador deve evitar a todo custo encerrar o processo mediacional se os mediandos forem convencionar sobre algo de que não estão certos, ou fazer acordo sem a convicção de que poderão cumpri-lo. É preferível que suspenda a sessão e consulte os interessados sobre a possibilidade de remarcá-la para outro dia. Fatores como o cansaço, o estresse emocional e a duração da sessão de mediação podem obnubilar o julgamento dos interessados, e o mediador deverá ter a sensibilidade para identificar tal cenário e evitar a celebração de um acordo nessas condições;
b) o acordo deverá ser redigido com máxima clareza, objetividade, simplicidade e positividade, “que impedirão interpretação errônea. É importante haver clareza sobre o que foi dito, sem margem a interpretações diversas”. A positividade implica na descrição de ações ao invés de omissões, preferíveis a essas na medida em que não indicam restrições ou limites de comportamento, mas compromisso com uma atuação positiva tendo em vista uma finalidade desejada. Ademais, devem ser evitadas expressões amplas ou genéricas, que possam gerar equivocidade interpretativa, e impende que a redação consagre uma linguagem simples; inclusive, tão mais simples quanto forem os mediandos. O acordo destina-se a eles, e a linguagem técnica em nada contribuirá para a sua pacificação;
c) o detalhamento do acordo, com a descrição das atividades específicas que serão executadas por cada parte visando o cumprimento do combinado. Por exemplo, se dois irmãos estão em conflito sobre quem cuidará da mãe idosa e quando cada um o fará, o estabelecimento do acordo não pode limitar-se a indicar que um deles tomará conta dela durante a semana, enquanto o outro ficará responsável por assisti-la aos fins de semana, sendo imperativo que determine quem deverá deslocá-la até a casa do outro, como dividirão as despesas com os remédios, tratamentos, vestuário, alimentação e demais necessidades que ela possua, o que fazer se ela precisar ir ao médico etc. Assim, é salutar que o mediador lance mão da técnica da lista de atividades: “cada um faz a sua e compara-se; assim, percebe-se o lado do outro e as responsabilidades e compromissos mútuos a assumir para que o acordo funcione”. “A lista de atividades faz com que as pessoas se deparem com tarefas das quais não suspeitavam”. Nesse momento, os envolvidos terão a oportunidade de refletir sobre a durabilidade, a sustentabilidade e, principalmente, a exequibilidade do acordo, garantindo que a solução por eles adotada é realmente a melhor alternativa;
d) a observância da lei, visto que a licitude do objeto é requisito de validade de qualquer negócio jurídico, aspecto no qual o acordo entabulado entre os mediandos dele não discrepa. Para que a lei seja observada, os advogados dos interessados desenvolverão papel fundamental de auxílio às partes; caso elas não possuam um causídico, o assessor jurídico da Câmara de Mediação suprirá essa falta, sem prejuízo da possibilidade de que o próprio mediador, se dotado de conhecimentos sobre a matéria, zele pelo cumprimento da ordem jurídica.
2.8 ENCERRAMENTO
O processo mediativo tem fim com os procedimentos de encerramento, como a redação do acordo e a previsão de revisão futura, se considerada necessária. De acordo com o desejo das partes, o acordo poderá ter caráter informal ou constituir título executivo extrajudicial. Ademais, poderá o acordo ser total ou parcial, ou seja, abranger a totalidade ou apenas um ou alguns dos pontos de controvérsia existentes. Na hipótese de restarem questões não solucionadas, o mediador poderá auxiliar as partes a encontrar outros meios de resolução.
2.8.1 Redação do acordo
Em relação aos aspectos procedimentais da redação do acordo, acrescenta-se que este deverá ser redigido imediatamente após os mediandos fixarem suas “cláusulas”, ou seja, as condições a que voluntariamente se submetem para pôr fim ao conflito. Nessa etapa, a atuação dos advogados das partes, do assessor jurídico da Câmara de Mediação ou do próprio mediador é indispensável.
A redação deve observar os parâmetros expostos supra, como a clareza, a objetividade ou concisão, a simplicidade, a positividade e a precisão.
Pode ocorrer que os envolvidos condicionem a realização de determinada atividade a uma prévia atitude da parte contrária. Nesse caso, é admissível e, em verdade, salutar que o termo contenha essa ressalva. Por exemplo, “Fulano fará … se Ciclano fizer ... até o dia X”.
O mediador redigirá o acordo e o lerá em voz alta para os mediandos, que anuirão com os termos ajustados e reconhecerão as responsabilidades assumidas. Nessa fase redacional, os advogados dos participantes costumam dar sugestões acerca da melhor forma de redigir as cláusulas. Cabe ao mediador zelar pela completude do termo, pela identidade entre o que dele consta e o que foi convencionado pelos envolvidos, assim como pela ausência de frases dúbias ou expressões vagas e genéricas.
Nada obsta que o mediador recomende “às partes que procedam à revisão legal do acordo antes de subscrevê-lo. Esta revisão legal pode ser realizada: a) de imediato, por advogado que acompanhe a parte; b) pelo mediador ou co-mediador, quando este exerce a advocacia; c) fora da sessão de mediação, com as partes levando o acordo para apreciação de advogados de suas confianças”. A revisão legal fora da sessão mediação assume especial importância em acordos de grande complexidade, que exigem a apreciação de especialistas, como nas hipóteses de conflitos entre organizações.
Concordando os mediandos quanto aos termos do acordo, o documento é redigido e impresso, colhendo-se, ato contínuo, as respectivas assinaturas. Do documento deverão constar: a identificação dos envolvidos; o nome do mediador; os termos do acordo celebrado; local e data. “Cada mediando recebe uma via do acordo e o original permanece arquivado na Câmara de Mediação”.
2.8.2 Encerramento da mediação por iniciativa do mediador
Existem situações que impossibilitam a realização de acordo e recomendam o encerramento da mediação, entre as quais:
a) produção forçada de acordo: o mediador deve abster-se de sugerir soluções, e, com maior razão, de impô-las aos mediandos. Se o mediador se encontra preso a um esquema rígido de pensamento, sendo incapaz de visualizar solução outra que não a idealizada por si, deve encerrar a mediação;
b) mediador “convidado” a decidir pelas partes: os envolvidos assumem posição central no processo mediativo, principalmente no que toca ao acordo que farão ou deixarão de fazer, de modo que o mediador não pode permitir que os mediandos estabeleçam com ele uma relação de dependência, esperando que ele apresente uma solução para o caso. Tal cenário ensejaria a isenção de responsabilidade das partes pelo acordo e transformaria a mediação numa indesejada heterocomposição;
c) má-fé de uma ou ambas as partes: a detecção pelo mediador da má-fé de uma ou ambas as partes, revelada por comportamentos inadequados, também ocasionará o encerramento da mediação;
d) inexistência de ligação afetiva que viabilize algum tipo de concessão ou revisão de posição assumida: quando inexiste capital emocional positivo na sessão de mediação, impossível a obtenção de acordo;
e) perceptível uso do processo de mediação com dolo, para protelar o trânsito em julgado, obter informações de maneira indevida e impedir que a verdade venha a público;
f) incapacitação de uma ou ambas as partes para decidir: a existência de psicopatologia grave ou o uso de medicamento psiquiátrico por uma das partes, por exemplo, pode ser fator impeditivo do exercício da autonomia da vontade de forma livre e consciente, no processo mediativo. Se uma ou ambas as partes não encontram-se equilibradas, tanto psíquico como emocionalmente, e esse desequilíbrio afetar seu discernimento, a mediação deve ser encerrada;
g) impossibilidade de acordo: a mediação pode ser encerrada pela impossibilidade de acordo entre as partes, por vários motivos:
– o comportamento inadequado das partes impede a utilização das técnicas adequadas à gestão do conflito;
– o mediador esgotou as técnicas de que dispõe para promover um entendimento, com resultados insatisfatórios;
– as habilidades interpessoais do mediador revelam-se inúteis para produzir novos avanços;
– uma ou ambas as partes assumem uma posição e defende-a com intransigência, ainda que ela não seja a melhor solução; instala-se a barganha posicional, que inviabiliza o entendimento. Sem soluções viáveis, o mediador declara o impasse e coloca isso a termo, para que fique claro que as partes não chegaram a solução satisfatória.
h) constatação, pelo mediador, de comprometimento de sua imparcialidade ou independência em relação a um ou ambos os mediandos.”
Na ocorrência de quaisquer das situações acima elencadas, o mediador deve encerrar a mediação e deduzir o ocorrido a termo, esclarecendo o motivo da interrupção.
2.8.3 Encerramento administrativo da mediação
Com o encerramento da mediação, havendo ou não a celebração de acordo, o mediador deve elaborar o Relatório da Mediação, anexando o Termo de Acordo, quando esse tiver ocorrido.
O relatório deve conter:
– motivo do encerramento da mediação (acordo, desistência ou encerramento administrativo e suas causas);
– nomes dos mediandos;
– quantidade e duração das sessões;
– dificuldades encontradas (relativas aos mediandos, aos acompanhantes ou ao apoio administrativo);
– experiências relevantes no relacionamento com os mediandos ou acompanhantes;
– avaliação pessoal das sessões.
2.9 CUIDADOS ESPECIAIS
Apesar de almejarem uma solução para o conflito, muitas vezes as causas são desconhecidas, inclusive para as partes (os protagonistas). O mediador pode ser levado a acreditar em uma versão que não condiz com a realidade dos fatos. Logo, há de se ter certa cautela, tais como:
-
Estar atento às questões de foto íntimo: um mediador precisa ter cuidado para que seus problemas particulares ou limitações não sejam projetados (inconscientemente) nos mediandos. Por exemplo, um mediador com dificuldades no campo da sexualidade pode ter dificuldades em tratar deste tema, ou ainda aquele que enfrentou um divórcio sofrido, pode projetar características suas ou do cônjuge em um dos mediandos.
-
Evitar julgamentos e/ou preconceitos: colocando em risco a equidade e confiança a ele depositado.
-
Soluções únicas ou excessivamente práticas: deve-se ter cautela, devendo ser aplicada as técnicas mediativas já comentadas, para estabelecer discussão mais global e depois especificar.
-
Não subestimar as dimensões das crises individuais: pois o conflito pode ter várias faces. Logo, necessária cautela na análise sistêmica. Uma única mudança pode gerar diferentes conflitos em diferentes aspectos.
-
Compreender o profundo efeito emocional que a crise propicia: Emoções prejudicam pensamento racional. Mediador deve dar devida dimensão, evitando exigir dos mediandos uma compreensão ou comportamentos que não conseguirão apresentar. Pois interesses e expectativas podem ser antagônicos.
3 CONCLUSÃO
Assim, a mediação é um método alternativo de solução de conflitos, o qual ocorre quando há um litígio envolvido, de modo que, ao se deparar com este, há a possibilidade de resolução deste através da sessão de mediação guiada por um mediador com a presença dos mediandos, ou seja, das pessoas envolvidas no conflito. Na sessão de mediação busca-se o diálogo entre os envolvidos, pois com a situação em que se encontram, amiúde não há mais possibilidade de conversa. Dessa maneira a sessão de mediação inicia-se com a abertura, na qual o mediador tem acesso ao caso e posteriormente os conflitantes ingressam na sala onde será realizada a sessão e sentam lado a lado ou frente a frente. Em um primeiro momento, os mediandos narram os acontecimentos que motivaram a sua presença, oportunidade em que o mediador identifica as posições e interesses, que são movidos por uma gama de sentimentos, devendo o mediador ser imparcial e abster-se de manifestar concordância ou cumplicidade com qualquer dos mediandos. Frequentemente, é necessário agendar uma nova sessão, quando, por exemplo, há necessidade de que um perito emita um parecer sobre aspecto técnico da situação, ou quando as partes precisem de mais tempo de mediação para que ela cumpra seu objetivo. Posteriormente, com o decorrer da sessão de mediação, abre-se a possibilidade de elaboração de um acordo entre os mediandos, que pode ou não ocorrer.
REFERÊNCIAS
FIORELLI, José Osmir. et. al. Mediação e Solução de Conflitos: teoria e prática. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. 53. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.