Como sabido, a administração pública exerce atos em nome próprio, mas em interesse alheio. Daí que, por conta disso, o ordenamento jurídico recepciona regras especiais de ônus da prova, segundo a lição de Hely Lopes Meirelles:
Os atos administrativos, qualquer que seja a sua categoria ou espécie, nascem com a presunção de legitimidade, independentemente de norma legal que a estabeleça.
Já a presunção de veracidade, inerente à de legitimidade, refere-se aos fatos alegados e afirmados pela Administração para a prática do ato, os quais são tidos e havidos como verdadeiros até prova em contrário.
A presunção também ocorre com os atestados, certidões, informações e declarações da Administração, que, por isso, gozam de fé pública. Esta presunção decorre do princípio de legalidade da Administração, que nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental.
Além disso, a presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos responde a exigências de celeridade e segurança das atividades do Poder Público, que não poderiam ficar na dependência da solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade dos seus atos, para só após dar-lhes execução.
A presunção de legitimidade autoriza a imediata execução ou operatividade dos atos administrativos, mesmo que arguidos de vícios ou defeitos que os levem à invalidade.
Enquanto, porém, não sobrevier o pronunciamento de nulidade os atos administrativos são tidos por válidos e operantes, quer para a Administração, quer para os particulares sujeitos ou beneficiários dos seus efeitos.
Admite-se, todavia, a sustação dos efeitos dos atos administrativos através de recursos internos ou de ordem judicial, em que se conceda a suspensão liminar, até o pronunciamento final de validade ou invalidade do ato impugnado.
Outra consequência da presunção de legitimidade e veracidade é a transferência do ônus da prova da invalidade do ato administrativo para quem a invoca.
Cuida-se de arguição de nulidade do ato, por vício formal ou ideológico ou de motivo, a prova do defeito apontado ficará sempre a cargo do impugnante, e até a sua anulação o ato terá plena eficácia.
(MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29 ed. atualizado por Eurico de Andrade Azevedo e outros. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 156)
Maria Sylvia Zanella di Pietro diz que:
A presunção de veracidade inverte o ônus da prova; é errado afirmar que a presunção de legitimidade produz esse feito, uma vez que, quando se trata de confronto entre o ato e a lei, não há matéria de fato a ser produzida; nesse caso, o efeito é apenas o anterior, ou seja, o juiz só apreciará a nulidade se arguida pela parte.
(PIETRO, Maria Sylvia Z. di. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 192).
Dentre os postulados consagrados pelo regime jurídico administrativo, destaca-se o princípio da presunção de legitimidade dos atos administrativos, que pode ser lido de acordo com 3 acepções:
- a presunção de legitimidade, que encerra obediência às regras morais;
- a presunção de legalidade, que impõe observância da lei; e,
- a presunção de veracidade, que corresponde à verdade dos fatos.
Trata-se de presunção relativa, transferindo-se o ônus da prova ao administrado caso esse pretenda desconstituir a presunção de legitimidade do ato administrativo.
Assim, referido princípio tem como consequência prática a aplicação imediata do ato administrativo, consagrando o atributo da autoexecutoriedade, sem prejuízo de sua contestação em momento posterior.
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Com efeito, em regra, os atestados, certidões e afirmações de servidores públicos possuem, em seu favor, a presunção de autenticidade do que foi declarado.
Do contrário, a atividade administrativa se tornaria praticamente inviável (devendo juntar, a cada certidão, um vídeo, uma fotografia acompanhada de duas testemunhas etc.).
Deve-se atentar, todavia, para as importantes ressalvas promovidas por Lúcia Vale Figueiredo:
Se os atos administrativos desde logo são imperativos e podem ser exigíveis (i.e., tornam-se obrigatórios e executáveis), há de militar em seu favor a presunção iuris tantum de legalidade.
Todavia, como bem assinala Celso Antônio, a presunção se inverte quando os atos forem contestados em juízo ou, diríamos nós, também fora dele, quando contestados administrativamente.
Caberá à Administração provar a estrita conformidade do ato à lei, porque ela (Administração) é quem detém a comprovação de todos os atos e fatos que culminaram com a emanação do provimento administrativo contestado.
Determinada, p.ex., a demolição de imóvel por ameaça à incolumidade pública, se houver contestação em juízo, deverá a administração provar (por meio de estudos técnicos ou pareceres, de profissionais competentes) que o imóvel ameaçava ruir e que desse fato resultava a periclitação da incolumidade pública.
De outra parte, se a regra de que a prova é de quem alega não fosse invertida, teríamos, muitas vezes, a determinação feita ao administrado de prova impossível, por exemplo, da inocorrência da situação de fato.
A prerrogativa de tal importância - presunção de legalidade - deve necessariamente corresponder, se houver confronto, a inversão do onus probandi. Isso, é claro, em princípio.
Trazemos agora a contexto a aplicação de sanções. Muita vez torna-se difícil - ou quase impossível - provar que o sancionado não incorreu nos pressupostos da sanção (a prova seria negativa).
Caberá, destarte, à Administração provar cabalmente os fatos que a teriam conduzido à sanção, até mesmo porque, em face da atuação sancionatória, vige, em sua plenitude, o inciso LIV, art. 5º do texto constitucional.
Na verdade, quando os atos emanados forem decorrentes de infrações administrativas ou disciplinares não há como não se exigir da Administração a prova contundente da existência dos pressupostos fáticos para o ato emanado. Para isso, a motivação do ato é de capital importância.
FIGUEIREDO, lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 171-172.
Por seu turno, Marçal Justen Filho enfatiza que:
O sancionamento tem de ser produzido segundo rigoroso processo administrativo, no qual se adotarão garantias de extrema relevância em prol do acusado.
Ademais disso, não se admitirão punições fundadas em meros indícios do evento imputado.
Os indícios prestam-se apenas para eventual prova de circunstâncias acessórias - nos termos do art. 158 c/ art. 239, CPP - depois de cabalmente comprovado, por meios instrutórios diretos, o fato principal.
(JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 401).
Ainda segundo Marçal:
Idêntica orientação se aplica aos processos sancionatórios administrativos. Para utilizar uma expressão clássica (e objeto de inúmeras críticas), prevalece no âmbito dos processos repressivos o princípio da verdade real, o que significa orientar-se a atividade persecutória a revelar a verdade dos fatos.' (Obra citada, p. 402).
Hans J. Wolff, Otto Bachof e Rolf Stober alegam que:
Apenas excepcionalmente será suficiente a verificação de uma mera suspeita ou de uma presunção da existência de factos justificativos de uma atuação da Administração.
(WOLFF, Hans et al. Direito administrativo. volume I. Tradução António F. de Souza. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2006, p. 560-561).
Em sentido semelhante, Zanella di Pietro:
Alguns autores têm impugnado esse último efeito da presunção. Gordillo cita a lição de Treves e Micheli, segundo a qual a presunção de legitimidade do ato administrativo importa uma relevatio ad onera agendi, mas nunca uma relevatio ad onera probandi; segundo Micheli, a presunção de legitimidade não é suficiente para formar a convicção do juiz no caso de falta de elementos instrutórios e nega que se possa basear no princípio de que 'na dúvida, a favor do Estado', mas sim que 'na dúvida, a favor da liberdade'; em outras palavras, para esse autor, a presunção de legitimidade do ato administrativo não inverte o ônus da prova, nem libera a Administração de trazer as provas que sustentem a ação.
(PIETRO, Maria Sylvia Z. di. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 192).
Ainda segundo a professora paulista,
Na realidade, não falta parcela de razão a esses autores; inverte-se, sem dúvida nenhuma, o ônus de agir, já que a parte interessada é que deverá provar, perante o Judiciário, a alegação de ilegalidade do ato; inverte-se, também, o ônus da prova, porém não de modo absoluto; a parte que propôs a ação deverá, em princípio, provar que os fatos em que fundamenta sua pretensão são verdadeiros; porém, isto não libera a administração de provar a sua verdade, tanto assim, que a própria lei prevê, em várias circunstâncias, a possibilidade de o juiz ou o promotor público requisitar da Administração documentos que comprovem as alegações necessárias à instrução do processo e à formação da convicção do juiz.
(PIETRO, Maria Sylvia Z. di. Obra citada, p. 192).
Conclusões semelhantes são compartilhadas por Gustavo Binenbojm na interessante obra Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. RJ: Renovar, p. 136.
Assim, quando em causa do processo administrativo sancionador, no mais das vezes, quem acusa deve provar.
Ou seja, não há como se exigir do suspeito a demonstração cabal de não ter praticado a infração administrativa. Isso violentaria a cláusula do devido processo, assegurada constitucionalmente.
Daí o relevo do art. 36 da lei 9.784/1999:
Art. 36. Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução e do disposto no art. 37 desta Lei.
Cuidando-se, todavia, de execução fiscal de multa ambiental, em princípio o ônus é do embargante, ou seja, do infrator autuado. Ele que deve demonstrar que o crédito pretendido é inválido. A inscrição em dívida ativa, gera, portanto, a presunção relativa da exigibilidade dos valores.
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