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Pesquisa científica na educação jurídica:

reflexões acerca de sua ausência e de suas múltiplas conseqüências

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Agenda 17/12/2005 às 00:00

4. A autodidaxia e a codidaxia na pesquisa científica jurídica

Da exposição supra constata-se que os cursos jurídicos tem obrigação, até mesmo em decorrência da exegese da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de jungir ensino, pesquisa e extensão em um só momento na formação jurídica, possibilitando aos acadêmicos uma educação jurídica completa e de qualidade.

Todavia, a realidade das instituições demonstram que o modelo educacional adotado não ultrapassa o mero sistema bancário, ensejando a ausência de atividades de pesquisa científica em centenas de Faculdades de Direito. O professor e jusfilósofo Tércio Sampaio Ferraz Júnior, no sentido acima já lecionou que:

É preciso reconhecer que, nos dias atuais, quando se fala em Ciência do Direito, no sentido do estudo que se processa nas Faculdades de Direito, há uma tendência em identificá-la com um tipo de produção técnica, destinada apenas a atender às necessidades profissionais (o juiz, o advogado, o promotor) no desempenho imediato de suas funções. Na verdade, nos últimos cem anos, o jurista teórico, pela sua formação universitária, foi sendo conduzido a esse tipo de especialização fechada e formalista.15

Este modelo, de fato, representa a má qualidade apregoada pela OAB Nacional e suas Seccionais. Destaque-se, entretanto, que algumas Instituições apresentam atividades de pesquisa jurídica, porém, em quantitativo aquém da demanda e até do interesse de seus alunos. Este cenário reforça a idéia de que somente com perseverança é que cada graduando poderá atingir as metas almejadas quando do ingresso no curso jurídico. Desta forma, a ausência de processos pedagógicos, de condições estruturais e de incentivos de modo geral não podem aprisionar o acadêmico à apatia na persecução de atividades de pesquisa.

Neste sentido, a objetividade de seus sonhos e o companheirismo acadêmico tornam-se alicerces primordiais para a supressão das deficiências da Instituição motivando o acadêmico a uma busca pessoal de auto-aprendizagem.

A pesquisa científica, mesmo quando incentivada pelas Universidades, exige de cada acadêmico um autodidatismo nato. É, pois, fundamental a presença de um processo mental e prático de autodidaxia em que o acadêmico, mais do que precisa, deseja realizar uma auto-aprendizagem, isto é, não espera receber tudo pronto e acabado, mas vai a busca de respostas às suas indagações, de questões que lhe parecem passíveis de solução, de problemas cotidianos de seu ambiente acadêmico e profissional.

A limitação de quem recorre sem orientação, sem incentivo, sem um norte delineado e sem a bagagem mínima de técnicas de pesquisa representará razoável barreira, mas todas transponíveis àqueles perseverantes em seus objetivos. Um pouco diverso ocorre de quem está incluso em grupos de iniciação científica, onde contam com um orientador capacitado a colocar os alunos nos trilhos corretos da pesquisa, posto que o autodidatismo representa nesta esfera uma exigência e um sinal de aproveitamento e enriquecimento do graduando. A autodidaxia, portanto, persegue a todos os acadêmicos que não se contentarão em representar apenas mais um número dentre os milhares de bacharéis "despejados" no mercado.

E em que consiste o autodidatismo? Este processo de auto-aprendizagem traduz-se na inquietação pessoal do acadêmico em, diante de problematizações teóricas e práticas postas diante de si, diligenciar pesquisas no sentido de alcançar as hipóteses e concretas soluções às contendas antes abstratas e insolúveis. E em um curso jurídico as indagações é (ou deve ser) uma constante que suscita inúmeras reflexões, sendo que algumas destas encontram respostas imediatas de um professor, outras através dos próprios manuais e cursos clássicos. No entanto, um grande número de questionamentos, ou de aprofundamento das hipóteses já delineadas pelos livros clássicos e pelos docentes, exigem do acadêmico mais aguçado a perscrutação bibliográfica específica sob a temática reflexiva, não se limitando à superficialidade, mas verticalizando na busca do conhecimento. Este é um procedimento que deve perseguir o graduando em Direito se deseja, antes de obter um diploma, sagrar-se um profissional de qualidade.

A autodidaxia tem sua relevância em razão de, não raras vezes, um professor ministrar aulas para turmas com mais de 60 alunos, o que impossibilita o debate, a escuta e reflexão do aluno, assim como a própria transmissão do saber de forma minimamente condizente por parte do docente. Significa dizer que os acadêmicos não contam com algo além da aula expositiva e dos manuais de sala de aula. Impõe-se, assim, a busca incessante de um aprofundamento mais substancial por parte do graduando na busca do seu próprio saber.

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Em muitos casos, a busca individual, autodidata deste conhecimento, apresenta-se inatingível em razão das deficiências pessoais de cada aluno, assim como da ausência de outros posicionamentos acerca de uma mesma reflexão, sem mencionar no desconhecimento de metodologias de pesquisa. Neste diapasão, e em especial aos graduandos, é de todo salutar para a sua formação jurídica que atue em sistema de cooperação, que promova uma codidaxia para melhor compreensão do estudo e da intensidade de suas pesquisas. A codidaxia que destacamos consiste num "processo de enseñanza mutua entre los colegas; generalmente, se se suscita a partir de la discusión de temas comunes,16 neste sistema de mútua cooperação há um significativo resultado positivo para a solidificação da construção do saber jurídico.

É sabido que, em determinados casos, um aluno que tenha a efetiva compreensão de específico assunto pode transmitir com maior êxito o que absorveu da aula ou leitura de um texto, ainda que ambos alunos tenha o melhor professor do curso sobre aquele assunto. Trata-se de uma didática da simplicidade, onde se rompe a esfera do polimento existente entre docente-aluno. Quando dois colegas sentam para estudar determinado assunto, onde um destes "domina" o assunto e o outro conta com deficiências, há uma interação subjetiva muito maior que a relação entre o professor e este aluno com potencial deficiência de aprendizagem. Rompem-se a timidez, a vergonha de errar, o medo de expor seus pensamentos, etc.

A educação jurídica imprescinde deste processo de codidaxia, em especial quando nos reportamos às atividades de pesquisa científica, eis que neste momento o autodidatismo de um possibilita atenuar as deficiências do outro. Em grupos de iniciação científica, por exemplo, é natural a liderança de um dos alunos da equipe, justamente em razão de possuir maiores virtudes autodidatas e manejo com metodologias científicas. Este líder pode representar uma extensão das atividades do orientador se bem aproveitado e instruído, eis que conta com a mesma linguagem e "status" acadêmico de seus colegas, o que favorece o enriquecimento do estudo, da qualidade das pesquisas desenvolvidas, do entrosamento da equipe e do futuro sucesso destes acadêmicos quando da conclusão do curso jurídico.

As Instituições jurídicas, portanto, devem primar pela oferta de projetos de pesquisa, incentivando os docentes a apresentarem projetos segundo as linhas de pesquisa de interesse, fomentando que o estudo extra-sala possibilite a introdução de novas reflexões no curso das disciplinas, favorecendo, assim, não apenas aos autodidatas, mas também aos demais colegas de sala que ainda não souberam ou se interessaram em avançar além do sumário de estudos que representam as aulas expositivas.


5. Considerações finais.

Objetivamos com as singelas reflexões apontar para a realidade da educação jurídica brasileira, tendo em vista a superfície de um dos seus aspectos: a pesquisa científica. Sob o prisma dos deveres institucionais podemos constatar que muito há de ser realizado para mudar o cenário nacional hodierno. A proliferação de cursos jurídicos tem demonstrado que a quantidade, além de estar em muito distanciada apresenta-se com fator de esmagamento da qualidade do próprio ensino jurídico. Os péssimos desempenhos dos bacharéis nos Exames de Ordem bem demonstram esta constatação.

As deficiências das Instituições são inúmeras, permeiam do processo pedagógico e deficiência inata dos graduandos à ausência de recursos físicos, como bibliotecas atualizadas e à omissão na iniciação científica. Uma das soluções está contida na condução maciça de atividades de pesquisa científica na educação jurídica. Conquanto tal solução represente um dever institucional em razão da necessidade de ofertar aos acadêmicos o ensino somando com a pesquisa e a extensão, objetiva-se que a pesquisa científica jurídica ainda se faz majoritariamente ausente nos cursos jurídicos.

Neste escólio, arquitetamos que a pesquisa científica pode representar um dos fundamentos de essencial diferenciação entre Instituições de melhor prestígio e de outras inexpressivas, vez que o investimento em pesquisa científica na graduação produz resultados práticos dentro e fora do gradeado da Academia. Uma experiência prática que qualquer Instituição poderiam ensaiar seria a inclusão de alguns alunos desde o seu primeiro ano de faculdade, em atividades de pesquisa, até a conclusão do curso, e verificar os índices de aprovações no Exame de Ordem dos alunos que participaram e os resultados dos alunos que não participaram em atividades de iniciação científica. A diferença de aprovados entre os que participaram, adianta-se, será sobejamente maior que a daqueles que não participaram.

Os custos para a implantação de projetos de pesquisa no seio da graduação são irrisórios, dado que as atividades dependem quase que exclusivamente do intelecto dos acadêmicos e de seus orientadores, não ensejando em construção e manutenção de laboratórios. Bastando uma biblioteca atualizada para a viabilização das pesquisas. Incentivo maior seria a oferta de algumas bolsas de iniciação científica e a imprescindível edição de uma Revista Jurídica semestral, onde os alunos além de competirem entre si para melhores resultados e assim alcançarem uma bolsa, ainda contariam com a disponibilidade de local para divulgação das pesquisas desenvolvidas. Também a presença de Encontros Científicos promovidos pelas Instituições apresentam-se como medidas de incentivo à pesquisa e produção científica.

As Instituições, com a concorrência que se afigura ultimamente diante do excesso de vagas para a demanda de clientela, não conseguirá a captação de novos consumidores acaso não ofereçam algo além de um prédio limpo, iluminado e luxuoso. As Instituições passarão, a continuar com o atual modelo de oferta educacional, a contar com a perda de clientela para os cursos que apresentem maiores aprovações no Exame de Ordem e demais concursos, e estes resultados só serão alcançados se observado o indispensável investimento na pesquisa científica na graduação jurídica, motivando professores e alunos em projetos de iniciação científica.

Conclui-se, portanto, que as Instituições, assim como também os alunos e os professores, precisam compreender que sem a presença da pesquisa científica na graduação a educação jurídica estará fadada ao declínio que ora constatamos, com a propagação desenfreada de cursos jurídicos que pouco exigem de seus alunos, num ciclo vicioso onde estes fingem aprender e a Instituição finge ensinar, cujo resultado geral é a real e sacrificante inclusão no bolo do "mais um", pois sem pesquisa não há ensino de qualidade, e sem ambos não há educação jurídica que sirva às necessidades da sociedade, razão do gradiente contingente de bacharéis que não alcançam a aprovação nos Exames de Ordem e pouco conseguem fazer, após cinco anos de estudo (ou fingimento deste), com um já reles diploma de bacharelado em Direito.

Destarte, a pesquisa científica representa para a educação jurídica uma questão de racionalidade aos que almejam sucesso profissional ou Institucional.


REFERÊNCIAS

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FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed., São Paulo: Atlas, 1994.

FRANCO, Manoel Antônio de O. Exame de Ordem: o ensino jurídico em discussão. Curitiba: O Estado do Paraná. 22 mai. 2005.

GRECO, Leonardo. O ensino Jurídico no Brasil. MundoJurídico. Disponível em . Acesso em 31 mai. 2005.

HUERTA, Antonio Alanís. Lineamentos básicos para el diseño y desarrollo de programas de formación permanente de professionales. Revista Digital de Educación Y Novas Tecnologias. Ano IV, n.º 24. Disponível em . Acesso em 20 jun. 2005.

MARTINEZ, Sérgio Rodrigo. Práxis Dialógica e Cooperação: proposições de um novo paradigma para o ensino jurídico. JUSsapiens – Juristas e Educadores Associados. Disponível em . Acesso em 17 mar. 2005.

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A Universidade: compromisso com a excelência e instrumento de transformação. Lex, São Paulo, ano 23, n.º 270, p. 5-13, jun. 2001.


NOTAS

1 BRITTO, Cezar. OAB: cursos de Direito de má qualidade podem ser fechados. Brasília: OAB. Disponível em Acesso em 02 jun. 2005.

2 BUSATO, Roberto. OAB credita reprovação recorde em exame a falência do ensino. Fonte OAB. Disponível em http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=4510>. Acesso em 23 jun. 2005.

3 Cf. FACHIN, Luiz Edson. Limites e possibilidades do ensino jurídico e da pesquisa jurídica: repensando paradigmas. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n.º 13, p. 8, jan./jun. 2000.

4 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A Universidade: compromisso com a excelência e instrumento de transformação. Lex, São Paulo, ano 23, n.º 270, p. 9, jun. 2001.

5 Fonte: Assessoria de Comunicação do MEC. Disponível em . Acesso em: 7 jun. 2005.

6 Id Ibid.

7 Fonte: Assessoria de Comunicação do MEC, loc. cit.

8 Cf. AMARO, Chico. O Neoliberalismo só quer o conhecimento rentável. Terra Vermelha, Londrina, n.º 48, p. 7, abr. 2003.

9 FRANCO, Manoel Antônio de O. Exame de Ordem: o ensino jurídico em discussão. Curitiba: O Estado do Paraná. 22 mai. 2005.

10 MARTINEZ, Sérgio Rodrigo. Práxis Dialógica e Cooperação: proposições de um novo paradigma para o ensino jurídico. JUSsapiens – Juristas e Educadores Associados. Disponível em . Acesso em 17 mar. 2005.

11 GRECO, Leonardo. O ensino Jurídico no Brasil. MundoJurídico. Disponível em . Acesso em 31 mai. 2005.

12 TEIXEIRA, S. F. op. cit., p. 11.

13 FALCÃO, Joaquim. Os Advogados: ensino jurídico e mercado de trabalho. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massananga, 1984, p. 119.

14 BERNARDES, Marcelo Di R. O ensino jurídico sob uma nova ótica. Porto Alegre: Paginas de Direito. Disponível em . Acesso em 27 mai. 2005.

15 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed., São Paulo: Atlas, 1994, p. 49.

16 Cf. HUERTA, Antonio Alanís. Lineamentos básicos para el diseño y desarrollo de programas de formación permanente de professionales. Revista Digital de Educación Y Novas Tecnologias. Ano IV, n.º 24. Disponível em . Acesso em 20 jun. 2005.

Sobre o autor
Alexandre Sturion de Paula

advogado em Londrina (PR), especialista em Direito do Estado, mestrando em Direito Negocial pela UEL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Alexandre Sturion. Pesquisa científica na educação jurídica:: reflexões acerca de sua ausência e de suas múltiplas conseqüências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 897, 17 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7721. Acesso em: 26 dez. 2024.

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