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OS JUROS FLUTUANTES NA CONDENAÇÃO NÃO TRIBUTÁRIA DA FAZENDA PÚBLICA

Desde 2012, os juros não são mais necessariamente 0,5% ao mês

Agenda 23/10/2019 às 00:01

Tradicionalmente, os juros dos débitos não tributários da Fazenda Pública são calculados em 0,5% ao mês. Porém, com a constitucionalidade da vinculação aos juros da poupança, devem flutuar de acordo com a Selic, às vezes ficando abaixo de 0,5% ao mês.

 

Neste breve estudo, sem esgotar o tema e tratando do histórico recente, será defendido que, como regra, a partir de maio de 2012 os juros nas condenações não tributárias da fazenda pública devem ter a meta da Taxa Selic como referencia e por isso são “flutuantes”, não mais se fixando rigidamente no patamar mensal de 0,5% (meio por cento). Como será explicado, na data da redação deste texto, com a meta da taxa Selic em 5,5%, os juros fazendários mensais devem ser aplicados em 0,32% ao mês, por exemplo.

 

O  art. 1º-F, da Lei 9.494/97, atualmente é a norma que indica os parâmetros da atualização monetária das condenações da fazenda pública. Até 30 de junho de 2009, o dispositivo possuía a seguinte redação desde seu surgimento na legislação em 2001:

Art. 1º-F.  Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001) (g.n.)

Dois pontos chamam a atenção: tinha aplicação especifica às verbas remuneratórias e havia apenas a menção aos juros de 6% ao ano. Daí parece ter surgido o tradicional índice de 0,5% ao mês.

Em 30 de junho de 2009, passou a viger a lei 11.960/2009 que alterou a redação do artigo para o seguinte:

Art. 1º-F.  Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.960, de 2009)(g.n.)

Após tal modificação, a referida lei tornou-se aplicável às condenações fazendárias de qualquer natureza e a fazer menção aos índices da poupança. E é nesse ponto que começam os detalhes mais importantes.

Ao distinguir remuneração e juros da poupança, o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 faz menção implícita ao art. 12, I e II, da Lei 8.177/91, que trata da lei trata desse método de investimento. E foi para se adequar ao método da poupança que a lei 9.494/97 dividiu os índices nos dois distintos consectários acima destacados.

A outra conclusão a que se chega é que a forma de atualização da poupança é composta por 2 (dois) índices conjugados, mas não apenas “o” índice.

A remuneração básica da poupança é componente de correção monetária e, segundo a lei, é referenciado na Taxa Referencial (TR) (art. 12, I). Por outro lado, os juros, até então fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês, tiveram seu regime alterado em maio de 2012, o que será mais bem explicado à frente (art. 12, II).

CORREÇÃO MONETÁRIA. TR vs. IPCA-E

Neste primeiro momento, destaca-se a questão da correção monetária da poupança:

Art. 12. Em cada período de rendimento, os depósitos de poupança serão remunerados:

I - como remuneração básica, por taxa correspondente à acumulação das TRD, no período transcorrido entre o dia do último crédito de rendimento, inclusive, e o dia do crédito de rendimento, exclusive;

(...)

A explicação do que seria o TRD é feita pela própria lei:

Art. 1° O Banco Central do Brasil divulgará Taxa Referencial (TR), calculada a partir da remuneração mensal média líquida de impostos, dos depósitos a prazo fixo captados nos bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos múltiplos com carteira comercial ou de investimentos, caixas econômicas, ou dos títulos públicos federais, estaduais e municipais, de acordo com metodologia a ser aprovada pelo Conselho Monetário Nacional, no prazo de sessenta dias, e enviada ao conhecimento do Senado Federal.

(...)

Art. 2° O Banco Central do Brasil divulgará, para cada dia útil, a Taxa Referencial Diária (TRD), correspondendo seu valor diário à distribuição pro rata dia da TR fixada para o mês corrente.         

Logo, a correção monetária  (remuneração básica) da poupança seria realizada pela Taxa Referencial em seu cálculo diário, denominado TRD e, conforme art. 1º-F, da Lei 9.494/97, este seria o índice de correção monetária para os débitos fazendários.

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Em setembro de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve a oportunidade de analisar a constitucionalidade dos índices da poupança como aptos a remunerar o débito da fazenda pública. No RE 870.947, julgado com repercussão geral, a Taxa Referencial foi considerada inconstitucional como índice de correção monetária do débito da fazenda pública em razão de não captar o fenômeno inflacionário, o que terminava por violar direito de propriedade do credor, aplicando-se o IPCA-e em seu lugar. Por outro lado, no mesmo julgamento o STF declarou a constitucionalidade da aplicação índice de juros da poupança para débitos não tributários.

Esse destaque entre “não tributário” e “tributário” foi feito porque para os débitos tributários o STF declarou os juros da poupança como inconstitucionais e determinou que deverão ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário.

Logo após, em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou em recurso repetitivo o Tema n. 905, por meio do REsp 1.492.221, que discutiu a “aplicabilidade do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009, em relação às condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza, para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora”.

O STJ adotou o entendimento sufragado em 2017 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no citado RE 870.947 para aplicar, como regra, o IPCA-e em substituição à TR a partir de 2009 nos débitos não tributários. Ressalta-se que o STJ, por outro lado, detalhou as aplicações de índices e afastou o IPCA-e como correção monetária para causas previdenciárias (que possuem índice próprio, INPC, conforme art. 41-A da lei 8.213/91) e de desapropriação. Também, esmiuçou os índices aplicáveis antes de 2009, que não possuem relevância para este estudo.

No mesmo julgamento, o STJ também tratou dos juros da poupança e, aderindo ao decidido pelo STF, considerou constitucional sua aplicação conforme os índices da poupança para os débitos não tributários desde a inserção legal em 2009.

Em outubro de 2019, o STF analisou os embargos de declaração opostos contra o acórdão que julgou o RE 870947. Naquela assentada, negou o pedido de modulação dos efeitos da decisão e reforçou a aplicação ex tunc da declaração de inconstitucionalidade da TR, fazendo valer o IPCA-e desde a vigência da lei que  instituiu a TR como índice de correção monetária para débitos à fazenda pública, ou seja, desde 30 de junho de 2009.

Portanto, não há dúvidas de que de 2009 aos dias atuais a regra geral é que os débitos fazendários não tributários devem ser corrigidos pelo IPCA-e.

JUROS FLUTUANTES E EM QUEDA

Quanto aos juros, destaque deste texto, outro é o panorama. Como dito, no mesmo RE 870947 o STF declarou a constitucionalidade da aplicação do índice de juros  da poupança aos débitos não tributários da fazenda pública, mantendo-se intacto o art. 1º-F Lei nº 9.494/97 neste particular.

Neste momento, o que se pretende é reforçar a correta interpretação do dispositivo quanto a esta remuneração da mora.

Até 2009, antes da redação atual do dispositivo, os juros das condenações contra a Fazenda Pública eram estabelecidos expressamente em 6% ao ano (ou 0,5% ao mês) no art. 1º-F Lei nº 9.494/97 e aparentemente aplicado de forma ampla. Com a alteração do citado artigo em junho de 2009 para fazer menção expressa aos juros da poupança, os juros fazendários mantiveram-se implicitamente em 0,5% ao mês porque assim também era estabelecido pela lei da poupança (lei nº 8.177/91). Em outras palavras, os juros mensais da poupança também eram de 0,5%, mantendo-se, na prática, uma continuidade de índice de juros.

Todavia, a lei do referido investimento foi alterada em maio de 2012 pela Medida Provisória n. 567 de maio de 2012, posteriormente convertida em lei em agosto de 2012 (Lei nº 12.703), modificando o inciso II do art. 12, da Lei 8.177/91. Essa modificação criou o que foi denominado de “nova poupança”.

Veja-se que o artigo 12 divide a poupança em remuneração básica e em remuneração adicional (os juros),  e passou a ter a seguinte redação:

Art. 12. Em cada período de rendimento, os depósitos de poupança serão remunerados:

I - como remuneração básica, por taxa correspondente à acumulação das TRD, no período transcorrido entre o dia do último crédito de rendimento, inclusive, e o dia do crédito de rendimento, exclusive;

 

II - como remuneração adicional, por juros de: (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012)

 

a) 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento); ou (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012)

 

b) 70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, mensalizada, vigente na data de início do período de rendimento, nos demais casos. (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012)

Eis a grande novidade. Em vez dos rígidos 0,5% (meio por cento) mensais, a poupança passou a ser parametrizada pela flutuação da meta da Taxa Selic ao ano.

Quando a referida meta da taxa superar 8,5% ao ano, com cálculo mensalizado, os juros serão limitados em 0,5% ao mês. Se a meta da taxa for inferior a 8,5%, os juros serão equivalentes a 70% (setenta por cento) da referida meta mensalizada, que neste caso sempre resultarão em valor inferior a 0,5%. Logo, os famosos 0,5% se tornaram o teto, mas não a taxa fixa, razão pela qual se diz que os juros passaram a ser flutuantes.

Conforme se apura do site do Banco Central (https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros), desde a implantação do referido regime em 2012,  a Meta da Taxa Selic variou abaixo e acima de 8,5% ao ano. Dessa forma, houve períodos em que os juros fazendários estariam iguais ou abaixo de 0,5% ao mês.

Por exemplo, de 27/08/2013 a 05/09/2017, a taxa meta Selic perdurou acima de 8,5%. Dessa forma, em atenção ao art. 12, II, a, da lei 8.177, os juros devem ser computados em 0,5% ao mês neste período.

Todavia, desde 05/09/2017 a Meta da Taxa Selic anual está abaixo de 8,5%, razão pela qual o valor dos juros dos débitos da fazenda pública deve ser menor que 0,5% ao mês, calculando-se 70% do valor mensalizado.

Explica-se.

Exemplificando, de março de 2018 a junho de 2019 a taxa anual da Meta  Selic se manteve em 6,5%. Logo, deve ser aplicada a lógica do art. 12, II, b da lei da poupança, tomando-se os juros da seguinte forma no período:

META SELIC

MENSALIZADO

70% da Selic mensalizada no período

21/03/2018 a 30/07/2019 =  6,5 %

6,5 ÷ 12 = 0,542

70% de 0,542 = 0,38

Então, fazendo-se um recorte de março de 2018 a junho de 2019 os juros fazendários mensais devem ser contabilizados como 0,38%, e não 0,5%.

De 30/07/2019 a 17/07/2019, a Selic estava em 6% ao ano. Seguindo este raciocínio:

META SELIC

MENSALIZADO

70% da Selic mensalizada no período

30/07/2019 a 17/07/2019 = 6 %

6% ÷ 12 = 0,5

70% de 0,5 = 0,34

Importante registrar que desde 17/09/2019 a Taxa Meta Selic anual reduziu a 5,5%, devendo o valor dos juros fazendários, a partir de tal data, reduzirem na mesma proporção, com a mesma lógica supramencionada:

META SELIC

MENSALIZADO

70% da Selic mensalizada no período

17/09/2019 até hoje =  5,5 %

5,5 ÷ 12 = 0,458

70% de 0,458 = 0,32

Fazendo-se uma simulação com este curto período, verifica-se que de 21/03/2018 até hoje, por exemplo, os juros fazendários devem ser computados de acordo com a variação no tempo, a cada período de vigência de cada taxa, de 0,38% a 0,32%.

Essa metodologia não é nova e vem sendo acolhida pela jurisprudência:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. IMPUGNAÇÃO. JUROS DE MORA. Juros - Os juros de mora incidirão no patamar de 6% ao ano, em conformidade com a redação do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, desde a citação, sendo que a partir de 30/06/2009 passam a incidir os juros que remuneram a caderneta de poupança, consoante redação dada pela Lei nº 11.960/09. Sistemática Flutuante Quanto aos juros aplicados à caderneta de poupança, cumpre ressaltar que correspondiam a juros simples de 6% ao ano (0,5% ao mês), nos termos da redação original do artigo 12, inciso II, da Lei nº 8.177/91, sendo alterados e vinculados à variação da meta da taxa Selic, a partir da Medida Provisória nº 567, de 03 de maio de 2012, convertida na Lei nº 12.703/12, que alterou o artigo 12, II, da Lei nº 8.177/91. Assim, caso a meta da taxa Selic seja definida pelo Banco Central com percentual inferior a 8,5%, os juros de mora serão de 70% da meta da taxa Selic, porém, se a meta da taxa Selic for superior a 8,5%, os juros serão de 0,5% ao mês. Destarte, impõe-se observar, também devido a tal sistemática flutuante, que, a contar de 30/06/2009, os juros sejam os aplicados à caderneta de poupança , na exata redação legal. Prequestionamento Descabido o prequestionamento dos... dispositivos suscitados, porquanto a fundamentação trazida restou suficientemente enfrentada no presente julgado. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70078627981, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Helena Marta Suarez Maciel, Julgado em 30/10/2018).

(TJ-RS - AI: 70078627981 RS, Relator: Helena Marta Suarez Maciel, Data de Julgamento: 30/10/2018, Vigésima Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 05/11/2018)

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. Excesso de execução reconhecido em face da aplicação concomitante do IPCA-E, da TR e de juros de 0,5% ao mês. Decisão que adequou o cômputo de juros ao disposto na Lei 12.703/2012, que disciplina a remuneração adicional da aplicação financeira da caderneta de poupança – prevendo que corresponda a 0,5% ao mês enquanto a meta da taxa SELIC ao ano for superior a 8,5%; e a 70% da meta da taxa SELIC ao ano, mensalizada, enquanto a meta da taxa SELIC ao ano for igual ou inferior a 8,5%. Decisão escorreita. Agravo desprovido.

(TJ-SP - AI: 20447335620198260000 SP 2044733-56.2019.8.26.0000, Relator: Bandeira Lins, Data de Julgamento: 22/04/2019, 8ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 22/04/2019)

 

De acordo com o disposto no art. 1º-F da Lei 9.494/97,  incidência dos juros ocorre uma única vez, evitando-se o anatocismo que ocorre com a poupança.

Por fim, a conclusão a que se chega é que os juros fazendários são limitados a 0,5%, mas podem variar para menos, o que vem acontecendo pelo menos desde 2017. Como antecipado no primeiro parágrafo, com a meta da taxa Selic em 5,5%, os juros fazendários atualmente devem ser aplicados em 0,32% ao mês, por exemplo.

Sobre o autor
Thomaz Carneiro Drumond

Procurador do Estado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-graduado em direito Empresarial, Administrativo, Tributário e Processo Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil e da Comissão de Direito Empresarial, da OAB/AC. Advogado Sócio de Drumond Leitão Torres Advogados - http://www.dlt.adv.br . www.linkedin.com/in/thomazdrumond

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