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A possibilidade da aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial

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Agenda 10/11/2019 às 20:33

Examina-se a possibilidade de o Delegado de Polícia proceder à aplicação do princípio da insignificância na fase administrativa do processo penal.

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como escopo principal, pela ótica dos princípios orientadores do direito, analisar a possibilidade de o Delegado de Polícia aplicar o princípio da insignificância em sede administrativa. Para tanto, o princípio da insignificância é analisado pelo prisma jurídico constitucional, penal e histórico, buscando-se, assim, alinhavar suas nuances com sua importância na efetivação da justiça, no sentido de auxiliar os operadores do Direito na interpretação da norma jurídica.

De início, a pesquisa parte de um estudo sobre o que são princípios, mais adiante é realizada uma abordagem histórica do princípio da insignificância, desde sua origem, evolução, analisando minuciosamente cada detalhe para sua aplicação, o afastamento da tipicidade material tornando o delito insignificante e consequentemente fato atípico.

Na mesma linha de raciocínio, os repertórios jurisprudenciais sobre o assunto também são abordados, com ênfase nos entendimentos do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

Por fim, o objetivo central do trabalho é então enfrentado: a aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial, abordando as atribuições inerentes ao Delegado de Polícia no âmbito constitucional e infraconstitucional, bem como a possibilidade de o Delegado de Polícia aplicar o princípio da insignificância na fase administrativa, revestido do poder discricionário que possui no desempenho de funções.

Os métodos utilizados na elaboração deste trabalho foram o dedutivo e o indutivo, sendo realizadas pesquisas em doutrinas, jurisprudências, legislação, sites e artigos.


2 PRINCÍPIOS

A palavra princípio, em seu sentido literal, significa momento do início, começo, origem ou existência, conforme prevê o dicionário português Aurélio:

s.m. Começo, origem, fonte. / Física. Lei de caráter geral que rege um conjunto de fenômenos verificados pela exatidão de suas conseqüências: princípio da equivalência. / &151; S.m.pl. Regra da conduta, maneira de ver. / Regras fundamentais admitidas como base de uma ciência, de uma arte etc.(AURÉLIO, 2013)

No que tange ao significado ao qual o direito empresta ao termo princípio, valeremos dos ensinamentos, das melhores doutrinas jurídicas, já consagradas por inúmeras obras e reconhecimento acadêmico jurídico.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Melo:

O direito é um conjunto de normas – princípios e regras – dotadas de coercibildade, que disciplina a vida social. Enquanto uno, o direito se divide em dois grandes ramos: o direito público e o direito privado. Este último se ocupa dos interesses privados, regulando relações entre particulares. É conduzindo pela autonomia da vontade, haja vista que nele vigora o princípio fundamental de que as partes elejam as finalidades que desejam alcançar, propondo-se (ou não) a isto conforme desejem e servem-se para tanto dos meios que elejam a seu livre-arbítrio, contando que tais finalidades ou meios não sejam proibidos pelo direito. (BANDEIRA DE MELO, 2004, p. 26).

Os princípios são verdadeiras normas jurídicas, portanto, devem ser levados em consideração para a solução de problemas jurídicos concretos. Esta é a vontade dos operadores do mundo jurídico.

Existem em nosso ordenamento jurídico pátrio duas espécies de normas: regras e princípios. As regras encontram-se na legislação ordinária, enquanto os princípios têm por base a Constituição Federal. Os princípios são, tanto quanto as regras, parte integrante do ordenamento jurídico e por isso aplicado dia-a-dia pelo nosso judiciário, na busca de efetivar a justiça.

Pelo exposto, conclui-se que os princípios jurídicos são normas de hierarquia superior a das regras, porque determinam o sentido e alcance destas, que não poderão contrariá-los, sob pena de se colocar em risco todo um sistema jurídico. Por isso, deve haver coerência entre os princípios e as regras, visando um ordenamento legítimo.

O Direito Penal tem sua base nos preceitos constitucionais, por meio dos princípios e ditames que a Constituição impõe ao legislador, visando assegurar os direitos e garantias fundamentais das pessoas, orientando o Estado no exercício da aplicação da lei penal.

É notável a importância dos princípios em nosso ordenamento jurídico e, a violação destes, acarretará danos irreversíveis e de difícil reparação. Conforme preceitua a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

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Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. (MELLO, 1194, p. 451 apud CAPEZ, 2009, p. 8).

Os princípios poderão estar explícitos ou implícitos na Constituição Federal, os explícitos são os que estão escritos, expressos em lei, os implícitos, ainda que não expressos, figuram subentendidos no ordenamento jurídico.


3 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Considerando que o princípio da insignificância possui o condão de excluir ou de afastar a tipicidade penal, sendo certo que sua aplicação resulta na própria absolvição do réu, faz-se necessário abordar os critérios racionais para sua aplicação. 

3.1 Origem e evolução histórica do Princípio da Insignificância

A origem do princípio da insignificância Penal é um tanto controversa, alguns autores dentre os quais se destaca Diomar Ackel Filho, sustentaram que o princípio da insignificância nasceu no direito romano e que estava contido no brocardo mínima non curat praetor, de minimis non curar praetor ou de minimis praetor non curat, ou seja, o pretor não cuida das causas mínimas, dos delitos bagatelares.

Em suas palavras:

No tocante à origem, não se pode negar que o princípio já vigorava, no Direito Romano, onde o pretor não cuidava de modo geral, de causas e delitos de bagatela, consoante à máxima contida no brocardo mínima non curat praetor (ACKEL FILHO, 1988, p. 73)

No entanto, existe uma corrente doutrinária que discorda ser o princípio da insignificância de origem romana, afirmando que o direito romano foi notadamente desenvolvido sob a ótica do Direito Privado e não do Direito Público. Existe naquele brocardo menos do que um princípio.

Nesse sentido concluiu Maurício A. Ribeiro Lopes:

É um princípio sistêmico decorrente da própria natureza fragmentária do Direito Penal. Para dar coesão ao sistema penal é que se o fez. Sendo, pois, princípio específico do Direito Penal, não consigo relacioná-lo com a (paradoxalmente) máxima minimis non curat praetor, que serve como referência, mas não como via de reconhecimento do princípio. (LOPES, 1997)

A corrente doutrinária de Maurício A. R. Lopes, defende que o princípio da insignificância teve a sua origem e evolução vinculada ao princípio da legalidade.

No que pese o respeitável posicionamento de Ribeiro Lopes é quase pacífico na doutrina que o princípio da insignificância origina-se do brocardo mínima non curat praetor da época da Roma Antiga.

O princípio da insignificância passou a ter aplicação significativa na Europa, após a segunda guerra mundial, onde as conseqüências do conflito: escassez de alimentos, desemprego e miséria, provocaram um surto de pequenos delitos, como furto de alimentos e subtração de objetos de pequeno valor dentre outros delitos de mínima relevância, que receberam a denominação bagatelledelikte, ou seja, “criminalidade de bagatela”, expressão muito usada em nossa doutrina.

O princípio da insignificância foi reformulado por Claus Roxin em 1964, com a finalidade de aplicar o princípio em tela como causa de exclusão da tipicidade material.

De acordo com Fernando Capez:

O Princípio da Insignificância é originário do Direito Romano, e de cunho civilista, tal princípio funda-se no conhecido brocardo de minimis non curat praetor. Em 1964 acabou sendo introduzido no sistema penal por Claus Roxin, tendo em vista sua utilidade na realização dos objetivos sociais traçados pela moderna política criminal. (CAPEZ, 2009, p. 11)

Assim, temos registros da presença do princípio da insignificância desde os tempos antigos, porém, os créditos de seu desenvolvimento e fortalecimento se devem a Claus Roxim, que com suas obras permitiu a interpretação do princípio e sua efetiva aplicação. 

3.2 Análise do Princípio da Insignificância

O princípio da insignificância é um instrumento de interpretação restritiva do tipo penal. Para que o fato seja materialmente típico exige-se relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. “O chamado princípio da insignificância (Geringfugirkeitsprinzip), na esteira da lição de Roxin, é justamente o que permite, na maioria dos tipos penais, excluir desde logo danos de pouca importância.” (GOMES, 2013, p. 52).

 Deste modo, o direito penal não deve preocupar-se com bagatelas, não se podendo admitir tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. (CAPEZ, 2009).

Princípio da Insignificância (crime de bagatela). Descrição do Verbete:

O princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. (STF, Glossário Jurídico, 2013).

O princípio da insignificância revela que o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para proteção do bem jurídico penal, serve para ponderar e efetivar a interpretação da conduta típica, na proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a intervenção estatal.

Conforme Francisco de Assis Toledo (2011, p.134), o princípio da insignificância se vincula a “gradação qualitativa e quantitativa do injusto que permite o fato ser insignificante excluído da tipicidade penal”.

Conclui-se que o principio da insignificância é o que permite condutas formalmente típicas, mas que não apresentam nenhuma relevância material, terem afastada a tipicidade penal, se tornando condutas atípicas pelo afastamento da tipicidade material, tendo em vista que o bem jurídico não chegou a ser lesado.

O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal apontam alguns requisitos para a possibilidade de aplicação do referido princípio. Vejamos:

Para ambos os tribunais, um fato considerado insignificante, tem que preencher os requisitos:

a)      Mínima ofensividade da conduta do agente;

b)      Nenhuma periculosidade social da ação;

c)      Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;

d)     Inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Já com relação à Relevância do bem jurídico, para o Superior Tribunal Federal, temos:

a)      Significado do bem para o ofendido. (HC 95. 226 – MS)

E para o Supremo Tribunal Federal:

a)      Analisa a realidade econômica do país;

b)      Importância do bem lesado para a vítima

Para ambos não se admite a aplicação do princípio nos delitos contra a administração pública (por ofender a moralidade administrativa, que jamais pode ser tida como lesada de forma insignificante). Ex. descaminho

Ambos os Tribunais Superiores vedam a aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra a fé pública. Ex. moeda falsa.

3.3 Tipicidade e Princípio da Insignificância

A doutrina majoritária entende que crime é composto por três elementos (teoria tripartido): fato típico, antijurídico e culpável.

São elementos do fato típico: a conduta (dolosa ou culposa), o nexo (relação de causalidade), o resultado jurídico e a tipicidade. Para teoria finalista, a conduta é o comportamento humano dirigido a determinada finalidade. A relação de causalidade é elo (nexo) entre a conduta e o resultado. O resultado no sentido natural, é a alteração do mundo exterior provocada pelo agente, é considerado, no sentido normativo, como a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico. O art. 13, caput, do Código Penal prevê que não há crime sem resultado.

A tipicidade é a adequação da conduta do agente a uma previsão típica (norma penal que prevê o fato e lhe descreve como crime).  Ex: art. 155 do Código Penal: “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”, portanto, o indivíduo X subtraiu o aparelho telefônico do indivíduo Y, praticou o fato típico previsto no artigo em tela, uma conduta que encontra previsão legal como tipo penal. Se a conduta humana praticada (fato concreto), se amolda àquela prevista na lei penal, o fato será típico, por estar presente o elemento tipicidade.

Ressalte-se que existe a tipicidade formal e material, a primeira é a conduta humana praticada prevista em lei e a segunda analisa o grau de lesividade ou ameaça de lesão que a conduta praticada gerou ao bem jurídico tutelado pelo Direito Penal.

Portanto, entendemos que para ser considerado fato criminoso, a conduta tem que ter os dois elementos da tipicidade: a “tipicidade formal” e a “tipicidade material”, restando ausente uma delas, não há que se falar em conduta criminosa, sendo fato atípico. Concluindo a conduta passível de reprimendas/sanções penais, tem que ser prevista em lei (tipicidade formal) e tem que atingir um grau de lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado, a tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico (tipicidade material). Nesse sentido, é que não basta apenas que a conduta esteja descrita formalmente na lei, o comportamento humano tem que ter causado lesão aos bens jurídicos, moral ou patrimonial tutelado. Com isso, fica claro e evidente que as condutas humanas que não tenham grau de lesão relevante, ou que sejam ínfimas e insignificantes, não merecem apreciação do Estado.

Assim, o princípio da insignificância existe para atuar como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, revelando a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal.

O Estado deve apenas punir os fatos praticados considerados graves, visto que com o desenvolvimento da sociedade brasileira, é impossível o Estado preocupar-se com delitos insignificantes, restando à análise para a valoração da conduta de acordo com os instrumentos de interpretação, buscando sempre a efetivação das normas penais. O Estado não pode sobrecarregar de fatos com pouca relevância jurídica, sob pena de crimes graves que causaram lesões relevantes, ficarem impunes. O princípio da insignificância é um forte aliado ao Estado no sentido desafogar o judiciário, delegacias, defensorias públicas, sistemas prisionais e outros órgãos envolvidos, minimizando custos e tempos para os servidores se ocuparem dos processos/procedimentos que realmente merecem passar pelo crivo do direito penal, dando uma resposta rápida e eficaz a sociedade, que atualmente convive em clima de impunidade. 

Sobre o autor
Alexson Sousa

Bacharel em Direito (2014) pela Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC). Especialista em Direito Público (2015) pela Faculdade de Educação de Bom Despacho (FACEB). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (2018) pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Policial Militar (2016-2018). Policial Civil (2018).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Alexson. A possibilidade da aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5975, 10 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77437. Acesso em: 7 nov. 2024.

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