O MODERNO PRÍNCIPE
Notas sobre a política de Maquiavel.
O Príncipe de Maquiavel poderia ser estudado como uma exemplificação histórica do “mito” soreliano, isto é, de uma ideologia política que se apresenta não como fria utopia, nem como raciocínio doutrinário, mas como uma criação da fantasia concreta que atua sobre um povo disperso e pulverizado para despertar e organizar a sua vontade coletiva.
Em todo o livro, Maquiavel, mostra como deve ser o Príncipe para levar um povo à fundação do novo Estado, e o desenvolvimento é conduzido com rigor lógico, com relevo científico; na conclusão, o próprio Maquiavel faz-se povo, confunde-se com o povo, mas não como um povo “genericamente” entendido, mas com o povo que Maquiavel convenceu com o seu desenvolvimento anterior, do qual ele se torna e se sente consciência e expressão, com o qual ele sente-se identificado: parece que todo o trabalho “lógico” não passa de uma reflexão do povo, um raciocínio interior que se manifesta na consciência popular e acaba num grito apaixonado, imediato.
O moderno Príncipe, o mito-príncipe, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto; só pode ser um organismo; um elemento complexo de sociedade no qual já tenha se iniciado a concretização de uma vontade coletiva reconhecida e fundamentada parcialmente na ação. Este organismo já é determinado pelo desenvolvimento histórico, é o partido político: a primeira célula na qual se aglomeram germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais.
É preciso definir a vontade coletiva e a vontade política em geral no sentido moderno; a vontade como consciência atuante da necessidade histórica, como protagonista de um drama histórico real e efetivo.
A razão dos sucessivos fracassos das tentativas de criar uma vontade coletiva nacional-popular deve ser procurada na existência de terminados grupos sociais que se formam a partir da dissolução da burguesia comunal, no caráter particular de outros grupos que refletem a função internacional.
Tradicionalmente, as forças oponentes foram a aristocracia latifundiária e, em geral, o latifúndio no seu conjunto, com o seu traço característico italiano. A formação de uma vontade coletiva nacional-popular é impossível se as grandes massas dos camponeses cultivadores não irrompem simultaneamente na vida política. Toda História, a partir de 1815, mostra o esforço das classes tradicionais para impedir a formação de uma vontade coletiva deste gênero, para manter o poder “econômico-corporativo” num sistema internacional de equilíbrio passivo.
Uma parte importante do moderno Príncipe deverá ser dedicada à questão de uma reforma intelectual e moral, isto é , à questão religiosa ou de uma concepção do mundo. O moderno Príncipe deve e não pode deixar de ser o propagandista e o organizador de uma reforma intelectual e moral, o que significa criar o terreno para um desenvolvimento ulterior da vontade coletiva nacional-popular nos sentido de alcançar uma forma superior e total de civilização moderna. E uma reforma intelectual e moral não pode deixar de estar ligada a um programa de reforma econômica.
Ciência Política:
A natureza humana é conjunto das relações sociais historicamente determinadas, isto é, um fato histórico comprovável dentro de certos limites, através dos metidos da filosofia e da crítica. A ciência política deve ser concebida no seu conteúdo concreto como organismo em desenvolvimento.
O estilo de Maquiavel é estilo de homem de ação, de quem quer impulsionar a ação; é estilo de manifesto de partido.
Maquiavel tem em vista “quem não sabe” , que ele pretende educar politicamente “quem não sabe”. Educação , política não negativa, dos que odeiam tiranos, como parecia entender Foscolo, mas positiva, de quem deve reconhecer como necessários determinados meios, mesmo se próprios dos tiranos, porque deseja determinados fins.
Pode-se deduzir que Maquiavel pretende persuadir estas forças da necessidade de ter um “chefe” que saiba aquilo que quer e como obtê-lo, e de aceita-lo com entusiasmo, mesmo se as suas ações possam estar ou parecer em contradição com a ideologia difundida na época: a religião. Desenvolvendo uma teoria e uma técnica política que possam servir às duas partes em luta, embora creia-se que elas terminarão por servir especialmente à parte que “não saiba”, porque nela é que se considera existir a força progressista da História.
A política como ciência autônoma.
Poder-se-á dizer, como primeiro aceno e aproximação, que a atividade política é efetivamente o primeiro momento ou primeiro grau, o momento em que a superestrutura está ainda na fase imediata de mera firmação voluntária, indistinta e elementar.
É interessante registrar como Croce, partindo desta concepção geral, extraiu a sua doutrina particular do erro e da origem prática do erro.
A política é ação permanente e dá origem a organizações permanentes , na medida em que efetivamente se identifica com a economia. Mas esta também tem sua distinção, e por isso pode-se falar separadamente de economia e de política e pode-se falar da “paixão política” como um impulso imediato à ação, que nasce no terreno “permanente e orgânico”da vida econômica mas supera-o, fazendo entrar em jogo sentimentos e aspirações em cuja atmosfera incandescente o próprio cálculo da vida humana individual obedece a leis diversas daquelas do proveito individual, etc...
Maquiavel é inteiramente um homem da sua época; e sua ciência política representa a filosofia do seu tempo, que tende à organização das monarquias nacionais absolutistas , a forma políticas que permite e facilita um desenvolvimento das forças produtivas burquesas.
Elementos da Política
Primeiro elemento é a existência real de governados e governantes, dirigentes e dirigidos.
Entretanto, deve-se ver claramente que a divisão entre governados e governantes, embora, em última análise, refira-se a uma divisão de grupos sociais, todavia existe, em virtude da forma como as coisas são, também no seio do mesmo gurpo, inclusive socialmente homogêneo; pode-se dizer, em certo sentido, que esta divisão e uma cria,ão do trabalho, é um fato técnico.
Crê-se que, estabelecido o princípio do mesmo grupo, a obediência deva ser automática, deva ocorrer sem necessidade não só de um demonstra,ão de “necessidade” e racionalidade, mas seja indiscutível. Assim, é difícil extirpar o cadornismo dos dirigentes, isto é , a convicção de que uma coisa será feita porque o dirigente considera justo e racional que ela seja feita. Se não é feita, “a culpa” é lançada sobre quem “deveria faze-la” , etc...
Contudo o “espírito-estatal”pressupõe a continuidade, tanto no que se refere ao passado, à tradição, como no que se refere ao futuro. Isto é: pressupõe cada ato como o momento de um processo complexo, já iniciado e que continuará. A responsabilidade deste processo, de ser ator deste processo, a solidariedade para com forças materialmente “ïgnotas” , mas que apesar disso revelam-se operantes e ativas e que são levadas em conta como se fossem “materiais” e presentes corporalmente, é o que se denomina exatamente, em certos casos, “espírito estatal”.
Mas, se se pode afirmar que um “espírito estatal” assim compreendido está em tudo, é necessário lutar permanentemente contra deformações ou desvio que nele se manifestam.
O Partido Político
Afirmou-se que o protagonista do novo Príncipe não poderia ser, na época moderna, um herói pessoa, mas o partido político. Isto é: sempre e nas diferentes relações internas das diversas nações, aquele determinado partido que pretende ( e está racional e historicamente destinado a este fim ) fundar um novo tipo de Estado.
Embora cada partido seja a expressão de um grupo social e de um só grupo social, ocorre que, em determinadas condições, determinados partidos representam um grupo social na medida em que exercem uma função de equilíbrio e de arbitragem entre os interesses do seu grupo e os outros grupos, e na medida em que buscam fazer com que o desenvolvimento do grupo representado se processo com o consentimento e com a ajuda dos grupos aliados, e muitas vezes dos grupos decididamente inimigos.
No caso do partido totalitário, estas fórmulas perdem o seu significado, levando à minimização do papel das instituições que funcionavam segundo as referidas fórmulas; mas a própria função é incorporada pelo partido, que exaltará o conceito abstrato de “Estado” e procurará de várias maneiras dar a impressão de que a função de “força imparcial” continua ativa e eficaz.
De resto, o fenômeno apresenta aspectos interessantes nos países onde existe um partido único e totalitário de governo; pois tal partido não desempenha mais funções simplesmente políticas, mas só técnicas, de propaganda, de política, de influência moral e cultural. A função política é indireta, pois se não existem outros partidos legais, existem sempre outros partidos de fato e tendências legalmente incoercíveis, contra os quais a polêmica e a luta é travada como se num jogo de cabra-cega. De qualquer modo, é certo que em tais partidos as funções culturais predominam , dando lugar a uma linguagem política de jargão: isto é, as questões políticas revestem-se de formas culturais e como tal se tornam insolúveis.
A história de um partido não poderá deixar de se a história de um determinado grupo social. Mas este grupo não é isolado; tem amigos, afins, adversários, inimigos. Só do quadro complexo de todo o conjunto social e estatal ( e freqüentemente com interferências internacionais ) resultará a história de um determinado partido. Assim, pode-se dizer que escrever a história de um partido político significa exatamente escrever a história geral de um país, de um ponto de vista monográfico, destacando seu aspecto característico.
Na verdade, pode-se dizer que um partido jamais se completa e se forma, no sentido de que cada desenvolvimento cria novas missões e encargos e no sentido de que , para determinados partidos, é verdadeiro o paradoxo de que eles só se completam e se formam quando deixam de existir, isto é, quando a sua existência se tornou historicamente inútil. Assim, como cada partido nã é mais que uma nomenclatura de classe, é evidente que, para o partido que se propõe anular a divisão em classes, a sua perfeição e acabamento consiste em não existir mais, porque já não existem classes e, portanto, a sua expressão.
Em que momento um partido torna-se historicamente “necessário”? No momento em que as condições do seu “triunfo”, da sua infalível transformação em Estado estão, pelo menos, em vias de formação e levam a prever normalmente o seu desenvolvimento ulterior. Mas quando é possível dizer, em tais condições, que um partido não pode ser destruído por meios normais? Para responder, três elementos fundamentais:
- Elemento difuso, de homens comuns, médios, cuja participação é oferecida pela disciplina e pela fidelidade, não pelo espírito criador e altamente organizativo.
- Elemento de coesão principal, que centraliza no campo nacional, que torna eficiente e poderoso um conjunto de forças que, abandonadas a sim mesmas, representariam zero ou pouco mais.
- Elemento médio, que articule o primeiro com o segundo elemento, colocando-os em contato não só “físico”, mas moral e intelectual.
Industriais e agricultores.
Têm os grandes industriais um partido político permanente próprio? Na minha opinião, a resposta deve ser negativa. Os grandes industriais utilizam alternadamente todos os partidos existentes, mas não têm um partido próprio. Por isso eles não são absolutamente “agnósticos” ou “apolíticos”: o seu interesse ;e um equilíbrio determinado, que obtém exatamente reforçando com os seus meios, alternadamente, este ou aquele partido do tabuleiro político.
Pode-se dizer que nenhum movimento real adquire consciência da sua totalidade d um golpe, mas só por experiência da sucessiva: isto é, quando percebe através dos fatos que nada do que lhe é próprio é natural ( no sentido extravagante da palavra ), mas existe porque surgem determinadas condições cujo desaparecimento não permanece sem conseqüências. Assim, o movimento se aperfeiçoa, perde os elementos de arbitrariedade, de “simbiose”e torna-se verdadeiramente independente na medida em que, para obter determinadas conseqüências, cria as premissas necessárias. Mas ainda, empenha todas as suas forças na criação destas premissas .
Alguns aspectos teóricos e práticos do “economismo”
Economismo – movimento teórico pela livre troca – sindicalismo teórico.
A formulação do movimento da livre troca baseia-se num erro teórico do qual não é difícil identificar a origem prática: a distinção entre sociedade política e sociedade civil, que de distinção metódica se transforma e é apresentada como distinção orgânica. Assim, afirma-se que a atividade econômica é própria da sociedade civil e que o Estado não deve intervir na sua regulamentação. Mas, como na realidade fatual sociedade civil e Estado se identificam, deve-se considerar que também o liberalismo é uma regulamentação de caráter estatal, introduzida e mantida por caminhos legislativos e coercitivos: é um fato de vontade consciente dos próprios fins, e não a expressão espontânea, automática, do fato econômico.
É pelo menos estranha a atitude do economismo em relação às expressões de vontade, de ação e de iniciativa política e intelectual, como se estas não fossem uma emanação orgânica de necessidades econômicas e, mais, a única expressão eficiente da economia.
O economismo apresenta-se muitas outras formas, além do liberalismo e do sindicalismo teórico.
Nem sempre, o economismo é contrário à ação política e ao partido político, considerado porém um mero organismo educador de tipo sindical. Ponto de referência para o estudo do economismo e para compreender as relações entre estrutura e superestrutura é o trecho da Miséria da Filosófica onde se afirma que uma fase importante no desenvolvimento de um grupo social é aquela que os membros de um sindicato não lutam só pelos seus interesses econômicos , mas na defesa e pelo desenvolvimento da própria organização.
Alguns pontos característicos do economismo histórico: 1) entende-se como fato econômico o interesse pessoal ou de um pequeno grupo , num sentido imediato e “sordidamente judaico”. 2) a doutrina segundo a qual o desenvolvimento econômico é reduzido à sucessão de modificações técnicas nos instrumentos de trabalho . 3) a doutrina segundo a qual o desenvolvimento econômico e histórico depende imediatamente das mudanças num determinado elemento importante da produção, da descoberta de uma nova matéria-prima, de um novo combustível, etc..., que trazem consigo a aplicação de novos métodos na construção e no acionamento das máquinas.
Nestas maneiras de pensar não se leva em conta o fator “tempo” e, em última análise, a própria “economia” no sentido de não se compreender que os movimentos ideológicos de massa estão sempre atrasados em relação aos fenômenos econômicos de massa e de que, portanto, em determinados momentos, o impulso automático devido ao fator econômico é afrouxado, travado ou até destruído momentaneamente por elementos ideológicos tradicionais; e que por isso deve haver luta consciente e determinada a fim de que se “compreenda” as exigências da posição econômica de massa que pode estar em contradição com as diretivas dos chefes tradicionais.
Previsão e Perspectiva
Outro ponto a ser fixado e desenvolvido é o da “dupla perspectiva” na ação política e na vida estatal. Vários são os graus através dos quais pode-se apresentar a dupla perspectiva: da força do consentimento, da autoridade e da hegemonia, da violência e da civilidade, do momento individual e do momento universal, da agitação e da propaganda, da tática e da estratégia, etc...
Ë verdade que prever significa ver bem o presente e o passado como movimento: ver bem, isto é, identificar com exatidão os elementos fundamentais e permanentes do processo.
Assim constitui um erro de fatuidade grosseira e de supercialidade considerar que uma determinada concepção do mundo e da vida guarda em si mesma uma superior capacidade de previsão.
Só a existência no previsor de um programa a ser realizado faz com que ele atenha-se ao essencial, aos elementos que, sendo “organizáveis”, sucetíveis de serem dirigidos ou desviados, são os únicos que, na realidade, podem ser previstos.
O excessivo realismo político leva muitas vezes à afirmação de que o homem de Estado só deve atuar no âmbito da “realidade fatual”, não se interessar com o “dever ser”, mas apenas com o “ser”. Isto significaria que as perspectivas de um estadista não podem ir além do tamanho do seu nariz.
Maquiavel jamais diz que pensa ou se propõe ele mesmo a mudar a realidade; o que faz é mostrar concretamente como deveriam atuar as forças históricas para se tornarem eficientes.
Toda inovação orgânica na estrutura modifica organicamente as relações absolutas e relativas no campo internacional, através das suas expressões técnicos militares. Além do mais, as relações internacionais reagem positiva e ativamente sobre as relações políticas. Quanto mais a vida econômica imediata de uma nação se subordina às relações internacionais, mais um partido determinado representa esta situação e explora-a para impedir o predomínio dos partidos adversários.
Concluindo é que freqüentemente, o chamado “partido estrangeiro”não é propriamente aquele que vulgarmente é apontado como tal, mas exatamente o partido nacionalista, que, na realidade , mais do que representar as forças vitais dos seu país, representa a sua subordinação e a servidão econômica às nações ou a um grupo de nações hegemônicas.
Os fenômenos orgânicos dão margem à crítica histórico-social, que investe os grandes agrupamentos, acima das pessoas imediatamente responsáveis e acima do pessoal dirigente.
A importância dessa grande diferenciação surge quando se estuda um período histórico. Verifica-se uma crise que, às vezes, prolonga-se por dezenas de anos. Esta duração excepcional quer dizer que se revelaram contradições insanáveis na estrutura e que as forças políticas que atuam positivamente para conservar e defender a própria estrutura esforçam-se para saná-las dentro de certos limites e supera-las.
A distinção entre movimentos e fatos orgânicos e movimentos e fatos de conjuntura ou ocasionais deve ser aplicada a todos os tipos de situação: não só aquelas em que se verifica um processo regressivo ou de crise aguda, mas àquelas em que se verifica um desenvolvimento progressista ou de prosperidade e àquelas em que verifica uma estagnação das forças produtivas.
Na “relação de força”, é necessário distinguir diversos momentos ou graus, que no fundamental são estes:
- Uma relação de forças sociais estreitamente ligada à estrutura, objetiva, independente da vontade dos homens, que pode ser medida com os sistemas das ciências exatas ou físicas.
- O momento seguinte é a relação das forças políticas: a avaliação do grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização alcançado pelos vários grupos sociais.
- O terceiro momento é o da relação das forças militares, imediatamente decisiva em determinados instantes.
O momento decisivo de cada situação é a força permanente organizada e antecipadamente predisposta, que se pode fazer avançar quando se manifestar uma situação favorável. Os grandes Estados eram grandes Estados exatamente porque sempre estavam preparados para se inserir eficazmente nas conjunturas internacionais favoráveis, e o eram porque havia a possibilidade concreta de inserirem-se eficazmente nelas.
Observações sobre alguns aspectos da estrutura dos partidos políticos nos períodos de crise econômica.
E o conteúdo é a crise de hegemonia da classe dirigente, que ocorre ou porque a classe dirigente faliu em determinado grande empreendimento político pelo qual pediu ou impôs pela força o consentimento das grandes massas ( como a guerra ), ou porque amplas massas ( especialmente de camponeses e de pequenos burgueses intelectuais ) passaram de repente da passividade política a certa atividade e apresentaram reinvindicações que, no seu complexo desorganizado, constituem uma revolução. Fala-se de “crise de autoridade”, mas, na realidade, o que se verifica é a crise de hegemonia, ou crise do Estado no seu conjunto.
A crise cria situações imediatas perigosas, pois as diversas camadas da população não possuem a mesma capacidade de orientar-se rapidamente e de se reorganizar com o mesmo ritmo. A classe dirigente tradicional, que tem um numeroso pessoal preparado, muda homens e programas e retoma o controle que lhe fugia, com uma rapidez maior do que a que se verifica entre as classes subalternas.
Esta ordem de fenômenos está ligada a uma das questões mais importantes, concernentes ao partido político; isto é, à capacidade de reação do partido contra o espírito consuetudinário, contra as tendências mumificadoras e anacronísticas.
Os partidos nascem e se constituem em organizações para dirigir a situação em momentos historicamente vitais para as suas classes; mas nem sempre eles sabem adaptar-se às novas tarefas e às novas épocas, nem sempre sabem desenvolver-se de acordo com o desenvolvimento do conjunto das relações de força no país a que pertencem ou no campo internacional. A burocracia é a força consuetudinária e conservadora mais perigosa; se ela chega a constituir um corpo solidário, voltado para si e independente da massa, o partido acaba se tornando anacrônico, e nos momentos de crise aguda é esvaziado do seu conteúdo social e permanece como que solto no ar.
Um movimento político pode ser de caráter abertamente militar, mesmo se o exército como tal não participa abertamente dele, um governo pode ser de caráter militar, mesmo se o exército não participa dele.
Não é verdade que o exército, segundo as Constituições, jamais deve fazer política ; o exército deveria exatamente defender a Constituição, a forma legal do Estado e as instituições conexas; por isso, a chamada neutralidade significa apenas apoio à parte retrógada.
Enfim, em toda uma série de países, a influência do elemento militar na vida estatal não significa apenas influência e peso do elemento técnico militar, mas influência e peso da camada social fundamental de origem do elemento técnico-militar.
O governo militar é um parêntese entre dois governos constitucionais; o elemento militar é a reserva permanente da ordem e do conservadorismo, é uma força política que atua “publicamente” quando a “legalidade” está em perigo.
Enfim , consegue, até um determinado ponto, permear o Estado de acordo com os seus interesses e substituir uma parte dos quadros dirigentes; continuando a se manter armado no desarmamento geral, desenha a possibilidade de uma guerra civil entre os seus adeptos armados e o exército regular, no caso de a classe alta mostrar muita disposição de resistência.
O Cesarismo
Pode-se afirmar que o cesarismo exprime uma situação em que as forças em luta se equilibram de modo catastrófico isto é, equilibram-se de tal forma que a continuação da luta só pode sevar à destruição recíproca.
Mas o cesarismo, se exprime sempre a solução “ arbitral” confiada a uma grande personalidade, de uma situação histórico-política caracterizada por um equilíbrio de forças de perspectiva catastrófica, não tem sempre o mesmo significado histórico.
O cesarismo é progressista quando a sua intervenção ajuda a força progressista a triunfar, mesmo com certos compromissos e medidas que limitam a vitória, é reacionário quando a sua intervenção ajuda a força reacionária a triunfar , também neste caso com determinados compromissos e limitações que têm o valor, um alcance e um significado diversos, opostos aos do caso precedente.
O cesarismo é uma fórmula polêmico-ideológica, e não um cânone de interpretação histórica. É possível haver uma solução cesarista mesmo sem um César, sem uma personalidade “ heróica” e representativa.
O cesarismo de César e de Napoleão I foi, por assim dizer, de caráter quantitativo-qualitativo, representou a fase histórica de passagem de um tipo de Estado para outro, uma passagem em que as inovações foram tantas e de tal ordem que representaram uma transformação completa. O cesarismo de Napoleão III foi só e limitadamente quantitativo, não só verificou a passagem de um tipo de Estado para outro, mas só “ evolução” do mesmo tipo, segundo uma linha ininterrupta.
Luta Política e guerra militar
Na guerra militar, alcançado o objetivo estratégico – destruição do exército inimigo e ocupação de soeu território – chega ‘a paz. Além do mais deve-se observar que, para que a guerra termine, é bastante que o objetivo estratégico seja alcançado apenas potencialmente: é suficiente não haver mais dúvidas de que um exército não pode mais lutar e de que o exército vitorioso “ pode” ocupar o território inimigo. A luta política é muitíssimo mais complexa: em certo sentido pode ser comparada ‘as guerras coloniais ou ás velhas guerras de conquista, quando o exército vitorioso ocupa ou se propõe ocupar permanentemente todo ou uma parte do território conquistado. Então , o exército vencido é desarmado e dissolvido, mas a luta continua no terreno político e da “ preparação” militar.
A luta da Índia contra os ingleses , a luta da Alemanha contra a França ou da Hungria, conhece três formas de guerras: de movimento, de posição e subterrânea. A resistência passiva de Gandhi é um guerra de posição, o boicote é guerra de posição, as greves são guerras de movimento, a preparação clandestina de armas e elementos combativos de assalto é guerra subterrânea.
Na luta política não é necessário imitar os métodos de luta das classes dominantes, sem cair em emboscadas fáceis. Nas lutas atuais muitas vezes verifica-se este fenômeno: uma organização estatal debilitada é como um exército enfraquecido; entram em ação grupos de assalto, isto é, as organizações armadas privadas, que têm duas missões: usar a ilegalidade, enquanto o Estado parece permanecer na legalidade, como meio para reorganizar o próprio Estado.
De tudo o que se disse, resulta que no fenômeno do arditismo militar é necessário distinguir entre função técnica e função político-militar: como função de arma especial, o arditismo foi aplicado por todos os exércitos na guerra mundial; como função político-militar verificou-se nos países politicamente não homogêneos e enfraquecidos, cuja expressão era um exército nacional pouco combativo e um Estado-Maior burocratizado e fossilizado na carreira.
A verdade é que não pode escolher a forma de guerra que se quer, a menos que se tenha uma superioridade esmagadora sobre o inimigo, e é sabido quantas perdas custou a obstinação dos Estados – Maiores em não quererem reconhecer que a guerra de posição era imposta pela relação geral das forças em choque. Efetivamente , a guerra de posição não é determinada apenas pela luta de trincheira, mas por todo o dispositivo organizativo e industrial que suporta o exército combatente; e é imposta especialmente pelo tiro rápido dos canhões, das metralhadoras, dos mosquetões, pela concentração das armas num determinado ponto, além de que pela abundância do fornecimento , que permite a substituição rápida do material perdido depois de uma penetração e de um recuo. Outro elemento é a grande massa de homens que participam do dispositivo, de valor muito desigual e que só podem operar como massa.
O conceito de Revolução Passiva
O conceito de revolução passiva deduz-se rigorosamente dos dois princípios fundamentais de ciência política:
- nenhuma formação social desaparece enquanto as forças produtivas que nela se desenvolveram encontrarem lugar para um ulterior movimento progressista
- a sociedade não assume compromissos para cuja solução ainda não tenha surgido as condições necessárias
O gandhismo e o toltoísmo são teorizaçãoes ingênuas e com tintura religiosa da “ revolução passiva” .
Na oposição dialética Sá a tese desenvolve, na realidade todas as suas possibilidades de luta, até atrair para si os chamados representantes da antítese: exatamente nessa formulação consiste a revolução passiva ou revolução-restauração.
A relação “ revolução passiva-guerra de posição “ no Risorgimento italiano também pode ser estudada sob outros aspectos “ pessoal” e o da “ reunião revolucionária” O do “ pessoal” pode ser comparado com o que se verificou na guerra mundial , na relação entre oficiais de carreira e oficiais da reserva, de um lado, e entre soldados das fileiras e voluntários-arditi, de outros.
Sempre a propósito do conceito de ‘ revolução passiva” ou de “ revolução-restauração” no Risorgimento italiano, é necessário colocar com exatidão o problema que, em algumas tendências historiográicas, é denominado das relçõe4s entre condições objetivas e condições subjetivas do evento histórico. Parece que as condições subjetivas existem sempre que existirem condições objetivas, isto na medida em que se trata de simples distinção de caráter didático: logo, a discussão pode versar sobre o grau e a intensidade das força subjetivas, sobre a relação dialética entre as forças subjetivas contrastantes.
Sobre a Burocracia
O problema dos funcionários coincide, em parte, com o problema dos intelectuais. Mas , se é verdade que cada nova forma social teve necessidade de um novo tipo de funcionário, também é verdade que os novos grupos dirigentes jamais puderam prescindir, pelo menos durante certo tempo, da tradição dos interesses constituídos, isto é, das formações de funcionários já existentes e pré-constituídas quando do seu advento.
Entretanto é preciso distinguir nas teorias do centralismo orgânico entre aquelas que ocultam um programa preciso de predomínio real de uma parte sobre o todo e aquelas que representam uma pura posição unilateral de sectários e fanáticos, e que mesmo podendo esconder um programa de predomínio ( em geral de uma individualidade, como a do Papa infalível que levou o catolicismo a se transformar numa espécie de culto do pontífice ), imediatamente não parece ocultar tal programa como fato político consciente. O nome mais exato seria o de centralismo burocrático. A “ organicidade’ só pode ser do centralismo democrático, que é um centralismo em movimento, isto é, uma contínua adequação da organização ao movimento real, um modo de temperar os impulsos dos elementos que brotam do mais fundo da massa na cornija sólida do aparelho de direção que assegura a continuidade e a acumulação regular das experiências. Ele é orgânico por que leva em conta o movimento, que é o modo orgânico de revelar-se da realidade histórica, e não se enrijece mecanicamente na burocracia e, ao mesmo tempo, leva em conta o que é estável e permanente, ou que, pelo menos, move-se numa direção fácil de prever.
De qualquer modo, deve-se destacar que as manifestações deformantes de centralismo burocrático ocorreram em virtude de deficiência de iniciativa e de responsabilidade na base, isto é, do primitivismo político das forças periféricas, inclusive quando elas são da mesma natureza do grupo territorial hegemônico.
O Teorema das proporções definidas
Politicamente, o teorema pode ser aplicado nos partidos, nos sindicatos, nas fábricas, para se ver como cada grupo social tem uma lei de proporções definidas próprias, que varia de acordo com o nível de cultura, de independência mental, de espírito de iniciativa e de senso de responsabilidade e de disciplina dos seus membros mais atrasados e periféricos.
Por isso pode-se dizer que os partidos têm a missão de criar dirigentes capazes, são a função da massa que selecionam, desenvolve, multiplica os dirigentes necessários para que um grupo social definido se articule e, de caos tumultuado, transforme-se em exército político organicamente predisposto.
Hegemonia ( sociedade civil ) e divisão de poderes.
Importância essencial da divisão dos poderes para o liberalismo político e econômico. Toda a ideologia liberal, com as suas forças e as sua fraquezas, pode ser enfeixada no princípio da divisão dos poderes, o que revela a fonte da debilidade do liberalismo: a burocracia, a cristalização do pessoal dirigente, que exerce o poder coercitivo e que, em determinado ponto se transforma em casta. Daí a reinvindicação popular da elegibilidade para todos os cargos, reivindicações que é, simultaneamente, o liberalismo extremo e a sua dissolução.