Quando um condenado deve ser preso?
No próximo dia 7 o Supremo Tribunal Federal deve continuar o julgamento, por ora 4 a 3 a favor da prisão após condenação em segunda instância, e encerrar a discussão sobre essa importante questão infelizmente reduzida em sua amplitude à lógica irracional das torcidas organizadas, pois ou se defende a Operação Lava Jato, o combate à corrupção e a imprescindível prisão dos condenados em segunda instância, ou se é a favor da corrupção e da impunidade. Ocorre que as coisas não são tão simples assim, mas sejamos francos: a relevância do tema para essas torcidas tem relação umbilical com a situação do ex-presidente Lula, condenado em primeira e em segunda instâncias. Essa dicotomia conduz a uma confusão mental nada esclarecedora, pois amplifica vantagem do grupo que fizer mais barulho e não necessariamente do que dispuser dos melhores argumentos. A tática não é nova, tanto que Joseph Goebbels, já nos anos 30 do século passado, na incipiente Alemanha Nazista, apregoava que uma mentira repetida milhares de vezes transforma-se em verdade.
Muito pouco ou quase nada se fala sobre quão lento é um processo no nosso Judiciário, apesar da inserção pela Emenda Constitucional 45, em 2004, que supostamente teria assegurado celeridade processual. No mundo real- e os dados do CNJ comprovam isso- há tribunais ágeis e outros lerdos. A culpa seria da imensa quantidade de recursos disponíveis para os acusados que possuem condições de pagar por bons advogados? Evidente que não. Magistrados deveriam ser obrigados a cumprir, tal qual advogados, os prazos processuais. Ora, se um advogado perde prazo comete infração ética e será responsabilizado perante seu cliente. E o juiz? Bem, para resolver o problema da ineficácia dos magistrados criou-se a figura singular do “prazo impróprio”, que permite ultrapassar o limite legal sem consequências. Essa tolerância compassiva com magistrados morosos evidentemente contagia todo o sistema, pois retarda o final do processo. Eis o ponto em que estamos. Se a Constituição Federal fosse cumprida, o processo teria duração “razoável” e seu trâmite seria célere, de modo que uma pessoa seria considerada culpada por seus atos depois de esgotadas as possibilidades de recurso, tornando despicienda a discussão sobre prisão antes do fim do processo.
Os argumentos em favor da prisão após condenação em segunda instância se concentram principalmente no fato de que as provas não podem ser novamente analisadas por outras instâncias e que a demora do Judiciário conduz à sensação de impunidade. Esses argumentos são relevantes, porém incompletos, pois omitem a possibilidade de reforma da condenação e simplificam demasiadamente a suposta “sensação de impunidade”: ora, esse sentimento de complacência com o malfeitor advém justamente do tempo que demora entre o início e o fim de um processo. A solução seria, portanto, um Judiciário mais ágil, mais rápido, mais eficaz. Já os argumentos em prol da prisão após o trânsito em julgado da condenação criminal em sua grande maioria são maculados por objetivarem pessoa certa e determinada, o ex-presidente Lula, e não a maioria de pessoas presas que depende da Defensoria Pública ou de um advogado dativo.
Vladimir Polízio Júnior, 48 anos, é jornalista, advogado, mestre e doutor em Direito pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina, e pós-doutor em Cidadania e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Universidade de Coimbra, Portugal. Autor, dentre outros, de Novo Código Florestal, pela ed. Rideel, e Lei de Acesso à Informação, pela ed. Juruá. Contato: polizio@polizio.com.br