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O controle jurídico da movimentação de recursos nas campanhas eleitorais:

uma preocupação mundial

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Agenda 06/01/2006 às 00:00

Sumário:1. Considerações iniciais. 2. Breve estudo a respeito do tratamento jurídico dispensado ao controle das campanhas eleitorais em alguns estados estrangeiros. 2.1. O controle jurídico das campanhas eleitorais no Canadá. 2.2. O sistema espanhol. 2.3. A França e a Lei de 29 de janeiro de 1993 ("Lei para a prevenção da corrupção e da transparência da vida econômica e dos procedimentos públicos"). 2.4. A legislação alemã. 3. Algumas conclusões.


1. Considerações iniciais

            Uma das principais preocupações atuais dos Estados, no que diz respeito à implantação de um sistema de governo genuinamente democrático, consiste, exatamente, em garantir a liberdade de escolha dos representantes, preservando-a, o mais possível, de interferências externas, pressões, abuso do poder político e, com mais razão, do abuso do poder econômico, práticas não exclusivas do Brasil.

            Ao estudar-se a legislação estrangeira verifica-se uma preocupação generalizada com a questão, razão pela qual os sistemas de controle de eleições da Espanha, Portugal, França, Alemanha e Canadá, também vêm sendo alvo, como no Brasil, de constantes mudanças no sentido de aperfeiçoamento dos institutos e criação de novas formas de incentivo à transparência das campanhas eleitorais e de controle aos abusos.

            Tal preocupação, embora fruto da história política particular de cada um dos Estados, acentuou-se, de modo geral, a partir da década de 70, coincidindo com a profissionalização da política e a evolução dos meios de comunicação, notadamente da televisão, que veio revolucionar a propaganda eleitoral encarecendo, sobremaneira, as campanhas eleitorais, ao mesmo tempo em que diminuíram os aportes privados para os partidos políticos e candidatos, em decorrência do declínio dos partidos de massa tradicionais.

            A existência de um aparato normativo eficaz, por sua vez, pressupõe a existência de normas descritivas das condutas abusivas, de modo a tipificá-las, atribuindo-lhes, ainda, conseqüências jurídicas, com a previsão de sanções para as práticas contrárias ao direito. Tais regras também deverão incluir a obrigatoriedade de ser conferida total transparência às movimentações de recursos econômicos dos partidos e candidatos, a fim de que se possa conhecer quem pode estar influindo na política.

            Além do controle legal das receitas privadas e despesas, alguns Estados apontam o financiamento público das campanhas eleitorais como a melhor forma de solucionar o problema, uma vez que o fornecimento dos recursos necessários para que partidos e candidatos custeiem as atividades imanentes ao processo eleitoral, aproximaria, por si só, os concorrentes ao pleito, uma vez que a supremacia financeira gerada por um maior aporte de recursos de origem privada restaria bastante minimizada. Por essa razão, esse é o sistema adotado pela maior parte dos Estados europeus.

            Embora o financiamento público possa vir acompanhado de restrições, tais como limite de gastos e do estabelecimento de sistemas públicos de controle, existem informes de que o controle externo de gastos de partido vem sendo minimizado na Europa em conseqüência, sobretudo, da sua vulnerabilidade. Tal constatação levou o sistema de controle de gastos a ser extinto, na Suécia. Soluções criativas, no entanto, vêm sendo encontradas, a exemplo do modelo francês e do alemão, considerados como os mais eficazes.

            Verifica-se, ademais, que o problema do financiamento irregular, uma das principais preocupações dos Estados, não é, primariamente, um problema de finanças, mas das causas que fazem com que os ingressos dos partidos diminuam à medida que seus gastos, ordinários e eleitorais crescem, de modo que, caso não se limite fortemente os gastos, não haverá forma de eliminar os ingressos indesejados.

            Ressalte-se, no entanto, que, independentemente das limitações aos gastos, previstas pelo legislador espanhol em 1991, 1993 e 1994, essa defasagem continua existindo e com ela a tentação do recurso ao financiamento irregular.

            Ao mesmo tempo as chamadas "doações encobertas", resultantes da vontade de não serem expostas à publicidade por parte do doador, do partido, ou de ambas as partes, ou operar como contrapartidas ocultas de atuações ou decisões políticas ou, simplesmente, de manifestar de forma discreta uma preferência política, vêm sendo apontadas como uma marca dos partidos europeus, de modo a chegar quase a consubstanciar-se, na opinião de Sospedra, em um fenômeno geral. [01]

            A maioria dos países europeus contempla a possibilidade de isenção fiscal por doações e por cotas de afiliados. Isso não significa que todos os sistemas europeus contenham uma regulação completa acerca das doações ilegais e das sanções correspondentes. [02]

            Nos próximos tópicos passarão a ser estudados, dentro dos limites necessários, os sistemas de controle das movimentações econômicas de partidos e candidatos na legislação de alguns Estados da Europa e do Canadá.

            Tal estudo baseou-se nos textos legais e em alguns trabalhos doutrinários publicados, sobretudo, na Espanha, os quais buscam, como o presente, encontrar soluções para os principais problemas aqui abordados.


2. Breve estudo a respeito do tratamento jurídico dispensado ao controle das campanhas eleitorais em alguns estados estrangeiros

            2.1. O controle jurídico das campanhas eleitorais no Canadá

            No Canadá, o organismo responsável pela realização de eleições é a Comissão Eleitoral do Canadá a cuja presidência, instituída em 1920, compete exercer a direção geral e a supervisão da aplicação da legislação relativa aos gastos eleitorais. O seu ocupante é nomeado através de uma resolução da Câmara dos Comuns, sendo independente do Governo e dos partidos políticos organizados.

            As regras, atinentes ao financiamento dos partidos políticos e candidatos, encontram-se previstas na Lei Eleitoral do Canadá ("Canada Elections Act") bastante extensa, com 577 artigos. Em 1974, essa lei sofreu importantes reformas, no que diz respeito ao financiamento das eleições, com a edição da Lei sobre Gastos Eleitorais.

            O financiamento é público, tanto direto, como indireto, mas também são permitidos os aportes privados, tanto de pessoas físicas, como jurídicas. Àqueles que contribuem de forma regular para os partidos políticos registrados e para os candidatos, é concedido generoso crédito fiscal. A Lei também prevê o reembolso parcial dos gastos eleitorais que varia em função do número de votos por eles obtidos.

            As doações aos candidatos e partidos encontram-se diretamente relacionadas à declaração de imposto de renda de pessoas físicas. Não existem limitações ao montante de contribuições, porém estão proibidas as anônimas e estrangeiras, podendo ser monetárias e em bens e serviços. O doador recebe do partido ou candidato um recibo oficial que indica a quantidade doada, o qual deverá ser apresentado ao Ministério da Fazenda junto com os demais documentos, no momento de se fazer a declaração anual. Até 99 dólares, há isenção de 75% da quantidade doada; até 999 dólares, a isenção é de 45%. [03]

            O art. 404, da referida Lei de Gastos Eleitorais, veda, ainda, o recebimento de doações oriundas de pessoa que não seja cidadã canadense ou residente permanente do Estado, de corporação ou associação que não tem negócio fixo no Canadá, partido político, governo ou agente de governo estrangeiro. Tais doações, caso recebidas, deverão ser devolvidas aos doadores no prazo de 30 (trinta) dias.

            O uso de contribuições anônimas ou estrangeiras está sujeita à multa de $ 1,000, prisão de até três meses, ou ambas. [04]

            Os candidatos também estão autorizados a utilizar recursos próprios, que poderão ser reembolsados em até 50% (cinqüenta por cento), se tiverem obtido pelo menos 15% dos votos, ou se forem eleitos.

            A Lei também estabelece que apenas agentes registrados e autorizados pelo partido poderão receber contribuições de terceiros para aplicá-las nas campanhas. Em caso de descumprimento, o infrator estará sujeito à multa de $2,000, prisão de até seis meses, ou ambas. [05]

            Os fundos remanescentes de campanha deverão ser, obrigatoriamente, remetidos ao partido político que apoiou o candidato e, no caso de candidatura independente (sem partido), os fundos deverão ser remetidos à Tesouraria do Estado.

            Apenas as contribuições de valor superior a 100 dólares devem ser declaradas em relatórios financeiros e submetidos a auditoria, devendo, nesses casos, ser informado o montante, o nome e o tipo de doador das contribuições, ou seja, até 99 dólares a doação não precisa ser pública.

            Assim como no Brasil, o candidato é o responsável pela sua campanha, embora a legislação preveja as funções de tesoureiro e de auditor, fundamentais para o controle dos gastos e para a elaboração dos relatórios financeiros e de auditoria, respectivamente. Essas atribuições são extremamente importantes, de modo que os seus titulares encontram-se sujeitos a sanções pelo seu descumprimento.

            O tesoureiro deverá abrir conta bancária para depositar todo o dinheiro recebido para a campanha, assim como todos os pagamentos deverão ser realizados através dos recursos nela depositados. O auditor, por sua vez, deverá elaborar relatório sobre a declaração financeira do candidato, apresentada juntamente com os relatórios financeiros de toda a campanha.

            A legislação canadense prevê um rigoroso controle do limite de gastos, tanto do candidato, como do partido [06]. O teto é estabelecido de acordo com uma fórmula que leva em consideração o número de nomes constates da lista preliminar de eleitores e um coeficiente especificado na legislação. O objetivo é contribuir para uma maior eqüidade entre os candidatos, devendo, para que seja eficaz, basear-se em "definições apropriadas", [07] que aumentam a transparência dos recursos, ao mesmo tempo em que facilitam o cumprimento da legislação, que estabelece um valor máximo para cada categoria de gastos.

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            Exceder o teto máximo de gastos é considerada prática ilegal punida, não apenas com multa de até $ 1,000, prisão de até três meses ou ambas, como também o infrator não poderá ser eleito, nem ser servidor público por cinco anos, contados da data da condenação. [08]

            Na opinião de Jean-Pierre Kingsley, "Chief Electoral Officer" no Canadá, em 1999, a combinação da divulgação pública da movimentação financeira e o limite de gastos, parece ter produzido efeito no controle do valor das contribuições individuais que, embora sejam livres, atingiram uma média de 232 dólares por candidato, o que é considerado baixo, naquele país, e não existiram contribuições acima de 100 mil dólares. De acordo com suas informações, no Canadá "todos os gastos que possam influir no resultado de uma eleição estão sujeitos a limites e são inteiramente divulgados". [09]

            De fato, um dos pontos fortes no sistema de controle canadense reside na divulgação pública das informações relativas ao financiamento eleitoral, servindo, sobretudo, para que se possa monitorar o exercício de influências nos candidatos eleitos, por parte dos seus "patrocinadores". Durante o período de campanha eleitoral é publicado diariamente nos jornais do País sumário das contribuições e gastos dos candidatos. Além disso, encontram-se disponíveis na Internet, em caráter obrigatório, não apenas detalhes das contribuições e gastos dos candidatos, como também declarações financeiras dos partidos registrados.

            São desenvolvidos, naquele país, "programas de cumprimento e de aplicação da lei", através de manuais, documentação e rede telefônica gratuita, com o objetivo de informar a todos os interessados a respeito das exigências da Lei Eleitoral, uma vez que o objetivo "é fazer com que todos os intervenientes cumpram voluntariamente com a legislação." [10]

            É obrigatório o envio de declarações (que equivalem à prestação de contas de campanha do direito brasileiro), por parte de todos os candidatos, ao agente eleitoral dentro dos quatro meses seguintes ao dia da eleição, ficando disponíveis para exame durante os seis meses seguintes. O descumprimento implicará na suspensão do seu mandato, caso eleito e na cominação de multa de até $1,000, prisão de até três meses, ou ambas.

            Para identificar o descumprimento à legislação relativa ao financiamento, as declarações de todos os candidatos são submetidas a um processo de auditoria, que também serve para determinar o direito ao reembolso das despesas e os seus valores, ao subsídio do auditor e às sobras de campanha. Além do que poderão ser solicitadas informações complementares, inclusive documentos comprobatórios das contas. A não entrega dos documentos originais, quando solicitada, sujeitará o omisso à multa de até $1,000, prisão de até três meses, ou ambas.

            Um programa de auditoria automatizado contém as declarações de todos os candidatos. Em caso de indícios de descumprimento das normas eleitorais, um dossiê é remetido ao Comissário das Eleições Federais, que é o funcionário nomeado pelo Presidente da Comissão Eleitoral do Canadá e a quem compete garantir a aplicação e cumprimento da Lei eleitoral.

            Caso se verifique que a lei não foi cumprida, dependendo da gravidade da infração poderá ser instaurada investigação ou, na hipótese contrária, se ingressar diretamente com uma ação judicial, conforme seja ou não de interesse público.

            De acordo com o que se expôs, exemplificativamente, as sanções aplicáveis variam da imposição de multa, prisão e perda do direito de votar ou se candidatar por um período de 5 anos. Nos casos em que se verifique a ocorrência de suborno (corrupção eleitoral), a perda do direito à ocupação de cargo público vai para sete anos, após o julgamento final, além da multa e prisão. Nas eleições gerais de 1993, naquele país, verifica-se a referência ao processamento de 10 casos por infrações à Lei sobre o financiamento público e com relação às eleições gerais de 1997, sete casos. [11]

            Em comentário à estrutura relativa ao controle e à prestação de contas, o "Chief Electoral Officer", no exercício de suas funções em 1999, afirmou que, não obstante o grande avanço da legislação canadense com relação ao controle das campanhas eleitorais, "ainda resta muito a fazer". Dentre os maiores desafios elenca a necessidade de restringir os gastos efetuados por terceiros, outros que não partidos e candidatos, uma melhor definição dos gastos eleitorais, e a delegação de maiores poderes ao Comissário das Eleições Federais.

            2.2. O sistema espanhol

            Não se pode negar que na Espanha existe, atualmente, um transtorno social a respeito da questão do sistema de financiamento de campanha, precisamente com relação aos problemas de ingresso ilegal de recursos econômicos, que motivam a necessidade de uma melhor solução jurídica para a questão. Esse problema vem sendo objeto de diversos estudos naquele Estado.

            Os meios de financiamento das campanhas eleitorais incluem recursos próprios, recursos outros de origem privada e financiamento público. Este último vem alcançando importância cada vez maior, uma vez que, nos partidos espanhóis, registra-se um alto índice de inadimplência por parte dos filiados nos aportes financeiros representados pelas cotas periódicas.

            Quanto aos aportes privados esporádicos, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, figuras como as "colectas" têm diminuído consideravelmente nos últimos anos, sobretudo porque comportam um grau de mobilização política na qual as elites partidárias não estão necessariamente interessadas. Não obstante, determinados partidos colocam-se em melhor posição para obter doações importantes, o que pode minar a igualdade da concorrência política e a independência dos partidos e candidatos.

            Em decorrência a esses fatos, a legislação espanhola procura minimizar a interferência do poder econômico a privilegiar determinados partidos, sobretudo os "del establishment", impondo medidas limitantes dos aportes financeiros particulares. Tais limitações visam, também, evitar a dependência política do partido receptor, no que diz respeito aos seus doadores. [12]

            A esse respeito, verifica-se que a Lei Orgânica n.º 05/85, [13] que, atendendo à previsão contida no artigo 81 da Constituição espanhola, disciplinou o Regime Eleitoral Geral, apresenta diversas normas limitativas, relacionadas não apenas às doações de particulares, como aos recursos financeiros provenientes do próprio Estado e sobre o teto máximo de gastos dos partidos. Também se encontra preestabelecido o período de campanha eleitoral, que é bastante curto (quinze dias) [14], fora do qual ficam proibidas as atividades eleitorais.

            Entretanto, o sistema de financiamento privado dos partidos vem levando à ocorrência de inúmeras fraudes. A Lei eleitoral espanhola tem se voltado para o estabelecimento de limites a essa fonte de recursos, penalizando com multa os excessos praticados, sem muito sucesso. [15]

            Embora estejam limitadas as doações de particulares e da Administração, tais limitações não se apresentam eficazes a ponto de evitarem ingressos "clandestinos", face à facilidade em se encontrar meios para margear a legislação, que admite as doações de origem privada, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos. Por esse motivo, há quem defenda a idéia de que talvez sejam mais eficazes nesse sentido, não tanto as proibições, mas a exigência de publicidade sobre doações e doadores. [16]

            Os candidatos não são responsáveis por sua campanha eleitoral, posto que todos os recursos são geridos pelo partido político a que pertencem, através de responsáveis indicados pelos próprios partidos.

            Assim, toda candidatura deve ter um administrador eleitoral responsável pelos ingressos e gastos e pela sua contabilidade, que se ajustará aos princípios vigentes no Plano Geral de Contabilidade. Os partidos, federações ou coalizões que apresentem candidatura em mais de uma província deverão ter, ademais, um administrador geral. Observe-se que os candidatos, por expressa disposição de Lei, não poderão ser administradores eleitorais. [17]

            Os administradores eleitorais deverão obedecer a diversas regras, dentre as quais a que determina a abertura de conta bancária específica para movimentar todos os recursos de campanha. Assim como previsto na legislação brasileira, canadense e francesa, também na Espanha existe a obrigatoriedade de todos os fundos destinados a sufragar gastos eleitorais ingressarem nas mencionadas contas e todos os gastos serem pagos através dos recursos nelas depositados. Os administradores deverão informar à Junta Eleitoral Central e às Juntas provinciais e de zona (a depender do âmbito da eleição), as especificações dessa conta. [18]

            Compete à Junta Eleitoral Central, às Juntas provinciais e de zona, dentro de seu âmbito territorial, velar pelo cumprimento das normas relativas às contas e gastos eleitorais efetuados pelas candidaturas, durante o período compreendido entre a convocatória e o centésimo dia posterior às eleições, apurar as infrações que se produzam no processo eleitoral, sempre que não forem constitutivas de delito, e impor multas.

            Para bem cumprir essa tarefa, a Junta Eleitoral Central poderá receber a colaboração do Tribunal de Contas, podendo requisitar, em todo momento, informações das entidades bancárias a respeito do estado das contas eleitorais, números e identidade dos depositários, e do que entenda necessário para o cumprimento de sua função fiscalizadora. Os administradores eleitorais poderão receber as informações contábeis que considerem necessárias.

            Quanto ao controle das doações privadas, o Tribunal de Contas tem a faculdade de solicitar aos partidos que apresentem relação nominal desses aportes.

            Caso, das investigações realizadas, resultem indícios de condutas constitutivas de delitos eleitorais, as juntas deverão comunicar as ocorrências ao Ministério Fiscal, para o exercício das ações correspondentes, porém as próprias juntas poderão aplicar as sanções às infrações à Lei eleitoral, que não constituam delito. As multas variarão de 20.000 a 200.000 pesetas, caso se tratem de autoridades ou funcionários públicos, e de 5.000 a 100.000 pesetas, se realizada por particulares. Seja qual for o resultado da investigação, o Tribunal de Contas deverá ser comunicado. [19]

            A prestação de contas ao Tribunal de Contas, através da apresentação de uma contabilidade detalhada e documentada, referente aos diversos ingressos e gastos eleitorais, torna-se obrigatória no caso dos partidos que houverem atingido os requisitos exigidos para receber subvenções estatais, ou que houverem solicitado adiantamentos com base na mesma, entre os cem e cento e vinte e cinco dias posteriores às eleições.

            O Estado ressarcirá em 30 dias após a entrega das prestações de contas (caso não conclua sua análise), 90% (noventa por cento) do importe das subvenções. Dentro desse prazo, o Tribunal de Contas pode receber esclarecimentos e documentos suplementares que entender necessários. Dentro dos 200 dias subseqüentes às eleições, o Tribunal de contas deverá se manifestar a respeito da regularidade das contas eleitorais e, caso tenha verificado irregularidades ou violação às restrições estabelecidas em matéria de movimentação de recursos, pode propor ou não a adjudicação ou redução da subvenção estatal ao partido. Se verificar a ocorrência de indícios de condutas constitutivas de delito, serão comunicadas ao Ministério Fiscal. [20]

            Verifica-se um certo rigor no que diz respeito à disciplina dos gastos eleitorais. O limite de gastos, de forma aproximada ao que ocorre no Canadá e na França, é pré-fixado, de acordo com um cálculo que leva em conta o número de habitantes. Assim, para a eleição das "Cortes Generales", o limite de gastos eleitorais será o resultado da multiplicação por, 40 pesetas, do número de habitantes correspondente à população das circunscrições de onde provenham as candidaturas. Nenhum partido poderá realizar gastos eleitorais que superem os limites estabelecidos. [21]

            Além do limite geral, a lei também prevê alguns limites específicos para os gastos eleitorais. Os gastos efetuados com a colocação de cartazes e outras formas de propaganda, nos espaços comerciais autorizados, não poderão exceder a 25% do limite de gastos, da mesma forma que os gastos em publicidade, na imprensa periódica e nas emissoras de rádio de titularidade privada, não poderão exceder a 20% desse limite.

            O Estado subvenciona os gastos efetuados pelos partidos nas campanhas eleitorais. Em nenhum caso a subvenção correspondente a cada grupo político poderá ultrapassar a cifra de gastos eleitorais declarados, justificados pelo Tribunal de Contas, no exercício de sua função fiscalizadora.

            Apesar do financiamento público acompanhar os partidos desde 1977, é comum o recurso aos empréstimos privados para saldar os débitos eleitorais, uma vez que os partidos podem financiar sua atividade mediante o recurso ao crédito, tanto para suas atividades ordinárias, como eleitorais. Entretanto, a legislação espanhola prevê um limite à satisfação das dívidas decorrentes do recurso ao crédito.

            Da mesma forma que na maioria dos países, também se encontram proibidas as doações anônimas [22]. A Lei 5/85 determina que os aportes de fundos às contas de campanha deverão estar acompanhados pelo nome, domicílio e número do documento nacional de identidade ou passaporte, que serão exibidos ao correspondente empregado da entidade depositária.

            Também estão vedadas as doações particulares superiores a dez milhões de pesetas e as procedentes de empresas públicas ou privadas contratantes da Administração Pública, além do que estão proibidas as doações provenientes de governos e entidades públicas estrangeiras. [23]

            Sob este último aspecto, comenta-se que a proibição do ingresso de verbas estrangeiras, sobretudo no que diz respeito a particulares, está fadada a extinguir-se no âmbito da União Européia, posto haver se esvaziado, nos Estados que a integram, a sua utilização como instrumento de política exterior. Além do que, essa proibição nunca foi, de fato, respeitada, uma vez que o extinto PCUS (Partido Comunista da antiga União Soviética) financiou os partidos comunistas da Europa Ocidental, assim como as fundações alemães canalizaram fundos e apoio praticamente a todos os partidos espanhóis de âmbito nacional com representação parlamentar. [24]

            A Lei Eleitoral também prevê, em diversos dispositivos, as sanções aplicáveis às situações que se consubstanciem em delitos eleitorais. Essas sanções tanto estão dirigidas aos servidores públicos, quando observamos a cominação das penas de prisão e multa por abuso do poder político, como aos particulares, que são as que se mostram mais importantes para o presente estudo comparativo.Além disso, aqueles que cometerem delitos, incorrerão na pena de inabilitação para o exercício do sufrágio passivo, ou seja, inelegibilidade [25].

            O art. 146.1.a. da Lei Eleitoral espanhola, prevê a pena de "arresto maior" (detenção provisória), multa de 30.000 a 300.000 pesetas e inelegibilidade, para aqueles que, por meio de recompensas, dádivas, remunerações ou promessas de recompensas, solicitem direta ou indiretamente o voto de algum eleitor, ou lhe induzam à abstenção. [26]Não há, no entanto, qualquer previsão quanto à perda do registro ou do diploma do candidato infrator, muito embora a decretação da inelegibilidade já o exclua do pleito em que conclua pelo cometimento de uma das condutas supra-referidas.

            Ainda dentro do capítulo dos crimes eleitorais, estão previstas as sanções aplicáveis aos administradores gerais e das candidaturas que falsificarem as contas, declarando ou omitindo indevidamente aportes ou gastos, ou usando de qualquer artifício do qual decorra aumento ou diminuição das partidas contábeis. A pena é de prisão e multa de 30.000 a 300.000 pesetas.

            As mesmas penalidades poderão ser aplicadas aos administradores gerais e das candidaturas, e ainda às pessoas autorizadas a dispor das contas eleitorais que se apropriem ou desviem fundos para fins distintos dos contemplados na Lei em comento. As penalidades serão agravadas, se houver ânimo de lucro pessoal. [27]

            Não obstante a instituição do financiamento público na Espanha, a existência de regras limitativas de aportes e gastos eleitorais e a previsão de sanções pelo descumprimento das normas, o que se declarou inicialmente a respeito da realidade européia, quanto a dificuldade no controle dos aportes privados, parece incluir a Espanha.

            2.3. A França e a Lei de 29 de janeiro de 1993 ("Lei para a prevenção da corrupção e da transparência da vida econômica e dos procedimentos públicos")

            Na França, verifica-se um esforço bastante significativo com o objetivo de controlar os partidos e candidatos em suas campanhas eleitorais. Diversas leis se sucederam com essa finalidade, buscando um sistema adequado. Dentre elas, destacaram-se a Lei Orgânica n.º 88-226 e a Lei Ordinária n.º 88-227, ambas de 11 de março de 1988, com o nítido objetivo de reprimir os abusos, através da instituição de um sistema de financiamento público de campanha, limitando o papel desempenhado pelo dinheiro na competição política, sobretudo através dos aportes provenientes das empresas privadas.

            Ao lado do financiamento público, foram instituídas regras referentes à limitação de gastos e de doações de origem privada e fiscalização quanto à aplicação das verbas públicas, além da publicidade da contabilidade dos candidatos e partidos políticos. O modelo francês distingue o controle sobre as contas dos candidatos e dos partidos.

            Em 1988, o limite de gastos variava de 100.000 dólares para a eleição de deputados, 24 milhões de dólares para cada candidato à Presidência no primeiro turno e 28 milhões de dólares para cada um dos candidatos ao segundo turno. Já as doações efetuadas por pessoa física, encontram-se limitadas a 4.000 dólares e por pessoa jurídica, a 10.000 dólares (10% do total de gastos), além do que a soma das doações em dinheiro não podia exceder a 20% da soma das receitas lançadas na conta de campanha do candidato.

            Foi, no entanto, através da Lei de 29 de janeiro de 1993, com o expressivo título de "Lei para a prevenção da corrupção e da transparência da vida econômica e dos procedimentos públicos", aprofundando a Lei de 1988, que a França passou a melhor controlar a movimentação econômica das campanhas eleitorais.

            Essa Lei ampliou o financiamento estatal de 10% para 20% dos gastos máximos, mas reduziu a quantidade global de tais gastos, cujo montante, que era fixo na legislação anterior, passou a ser calculado com um adicional em função do número de habitantes, com o objetivo de adequar esse limite às realidades regionais.

            Nas campanhas eleitorais, as doações particulares feitas aos candidatos também são objeto de várias disposições normativas. Em primeiro lugar, são públicas, sendo vedadas, por exemplo, doações de pessoa jurídica de direito público, cassinos, grêmios, e de procedência estrangeira. [28]

            Dentre as regras estabelecidas no que diz respeito à prestação de contas de campanha, destaca-se a obrigatoriedade da elaboração de balanços por parte de candidatos e partidos, com discriminação das receitas recebidas por origem e despesas por natureza e, após a sua certificação por dois auditores, a respectiva entrega de toda a documentação às Mesas das Assembléias, para serem publicadas no Diário Oficial.

            Na realidade, esse trabalho é realizado por um mandatário (para a gestão das operações econômicas) e um perito contábil (responsável pela prestação de contas). O mandatário é obrigado a abrir conta bancária e a movimentar todos os recursos através dela elaborando, ao final a "conta do mandatário" acompanhada, por sua vez, dos extratos bancários e da fatura. O perito contábil apresenta as contas à Comissão de Contas, em nome do candidato, a qual engloba a conta do mandatário, os nomes dos doadores, cujas somas devem figurar no extrato bancário, as faturas, os recibos de gastos e por último uma avaliação e exame da gestão realizada e dos gastos efetuados [29].

            A Comissão é órgão administrativo independente, cuja função é revisar as contas recebidas. É composta por 9 (nove) membros: 3 (três) da Corte de Cassação, 3 (três) do Tribunal de Contas e 3 (três) do Conselho de Estado. São auxiliados por 160 (cento e sessenta) magistrados da instância superior, dos tribunais administrativos e das câmaras regionais de contas. Existe ainda uma secretaria e 30 (trinta) funcionários do Ministério da Justiça e um serviço de informática [30].

            Nos casos de não aprovação, independente do motivo, a comissão de contas submete o assunto ao Poder Judiciário. Em concreto, o Conselho Constitucional para as eleições legislativas, o Conselho de Estado para as eleições regionais e os Tribunais Administrativos para as eleições locais [31].

            Assim, no modelo francês existe uma instância "ad hoc", a qual verifica se os partidos respeitam ou não o limite de gastos e um controle judicial sobre a atuação dos partidos durante as campanhas eleitorais, com o que se consegue que o controle não seja meramente realizado por instâncias políticas ou administrativas do Estado.

            A limitação dos gastos de campanha, portanto, vem acompanhada por um sistema efetivo de controle judicial. A extrapolação do limite fixado dá ensejo à anulação da eleição.

            Caso o candidato não respeite as normas de financiamento da campanha, os tribunais franceses declaram a sua inelegibilidade, o que, de acordo com informações constantes dos levantamentos efetuados por González-Varas, de fato acontece, na prática. [32]

            Pode ser feita reclamação por parte de outro candidato não eleito. Se houve a ultrapassagem do limite de doações, tal quantia deve ser depositada no Tesouro Público. Caso o candidato receba doações acima do máximo e as utilize, ou não designe mandatário, as sanções são de responsabilidade penal (prisão de 1 mês a um ano e multa).

            O sistema francês se apresenta, portanto, como um dos mais eficazes no que diz respeito ao controle da movimentação econômica das campanhas eleitorais, ao lado do sistema alemão, cujo estudo se inicia.

            2.4. A legislação alemã

            De acordo com afirmações de especialistas alemães e estrangeiros, o sistema alemão é, possivelmente, o mais transparente e de maior controle financeiro do mundo acerca da atividade financeira dos partidos políticos. Para Santiago González-Varas, o direito alemão é exemplo do equilíbrio entre distintos elementos com a finalidade de dar uma solução ao problema dos limites do financiamento público e privado dos partidos, assim como um controle efetivo sobre sua eficácia.

            A própria Constituição daquele país ao regular os partidos, exige, expressamente, que dêem conta publicamente "da procedência e emprego de seus recursos assim como de seu patrimônio". [33] A jurisprudência constitucional tem se encarregado de insistir nesse dever em todos os seus pronunciamentos.

            A Alemanha foi o primeiro país do continente europeu a implantar o financiamento estatal dos partidos políticos (1957). Não obstante, lá ainda se trava um incessante processo de busca de uma solução satisfatória a respeito dos limites desse financiamento, ao mesmo tempo em que objetiva-se incentivar, ao máximo, o financiamento privado.

            O sistema atualmente em vigor prevê o direito dos partidos políticos a serem restituídos pelo Estado pelos gastos realizados nas campanhas eleitorais, em função do número de votos obtidos. Também limita o financiamento estatal ao mesmo montante do aporte privado obtido pelo partido naquele ano (limite relativo), e um valor máximo estabelecido para todos os partidos (limite absoluto).

            Como forma de incentivo às doações dos particulares aos partidos, a legislação alemã prevê um sistema de isenção fiscal, em percentual decrescente em função do valor da doação, com a finalidade de desestimular a doação de quantias vultosas, ao mesmo tempo em que incentiva pequenas doações, como forma de minimizar a influência dos mais abastados nos resultados eleitorais.

            Um outro aspecto original de incentivo às doações privadas e à transparência do financiamento, consiste no fato de que, para cada doação privada, o governo transfere ao partido um determinado valor, proporcional ao recebido do particular, de modo que o próprio partido tem interesse em declarar todos os valores recebidos. Para ter direito a esse "plus" no financiamento estatal e também para que o particular obtenha a isenção fiscal, a doação deverá constar do livro de contas do partido, com identificação completa do doador.

            A comissão de especialistas instituída em 1994, responsável pelo texto da Lei de 28 de janeiro de 1994, aprimorou as técnicas de controle sobre partidos, mediante a especificação dos distintos conceitos (ingressos e gastos), que deverão constar em um livro de contas. Insistiu na necessidade de dar publicidade às doações e no cumprimento fiel aos prazos de entrega dos referidos livros, propondo, ainda, sanções severas como no caso de ingresso de recursos provenientes de fontes vedadas, em que o partido deveria depositar quantia equivalente a cinco vezes o valor doado.

            A maior preocupação do sistema tedesco consiste em controlar a atividade geral dos partidos, mediante a obrigatoriedade da especificação completa de todas as movimentações econômicas no livro de contas, o qual deverá ser encaminhado à presidência do Congresso, após o exame por auditores de contas, que supervisionam a regularidade dos balanços. [34]

            Esses auditores são independentes e a contravenção ou ocultação de fatos no exercício de suas funções dá lugar a severas punições por parte da corporação de auditores, cujo estatuto também prevê responsabilidade penal. Não se encomendou a missão do controle de contas ao Tribunal de Contas porque se desejava um sistema mais independente e externo e alijado das instituições políticas ou administrativas. [35]O Tribunal de Contas, entretanto, realiza a revisão dessas contas, após o recebimento pela Presidência do Congresso.

            Caso os partidos não apresentem os livros de contas, perderão o direito ao financiamento estatal. O livro engloba todos os ingressos, gastos e patrimônio dos partidos políticos [36].

            Uma falha que pode ser apontada no sistema alemão consiste no fato de que a legislação não é clara quanto à obrigatoriedade do candidato fazer constar do livro de contas do partido, as importâncias doadas diretamente para a sua campanha eleitoral.

Sobre a autora
Sídia Maria Porto Lima

analista judiciária do TRE/ PE, bacharel em Direito pela UFPE, especialista em Direito Administrativo e Constitucional e Mestra em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Sídia Maria Porto. O controle jurídico da movimentação de recursos nas campanhas eleitorais:: uma preocupação mundial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 917, 6 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7775. Acesso em: 22 nov. 2024.

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