NOTAS
[1] Utilizamos a locução latina “a priori” porque a experiência mostra que a observância do princípio da isonomia nem sempre é alcançada. Com efeito, há na lei do ICMS infrações fiscais em que o dolo é ínsito à conduta, como, por exemplo, a emissão ou o recebimento de documento fiscal que consigne importância inferior ao valor da operação (al. “e” do inc. IV do art. 85 da Lei 6.374/1989). Nesse caso, a percentagem da multa é 100% (cem por cento) e a base de cálculo da multa é a diferença entre o valor real da operação e o declarado ao fisco. Há infrações, contudo, que podem ser praticadas de forma dolosa ou culposa, como, por exemplo, a falta de pagamento do imposto, quando o documento fiscal relativo à respectiva operação ou prestação tenha sido emitido mas não escriturado regularmente no livro fiscal próprio (al. “b” do inc. I do art. 85 da Lei 6.374/1989). Nessa infração, menos grave que a anterior, a percentagem da multa é 75% (setenta e cinco por cento), mas a base de cálculo da multa é o valor do imposto. Conforme se vê, no segundo exemplo, condutas dolosa e culposa são punidas com o mesmo rigor, o que não atende ao princípio da isonomia em sua face positiva.
[2] Há também a "norma permissiva", "que atribui à pessoa a faculdade de fazer ou não fazer, ou de proceder dêste (sic) ou daquele modo, ficando, pois, a forma ou a prática do ato a seu serviço. Dizem-se, também, normas facultativas" (SILVA, 1973, p. 1068).
A lei do ICMS (6.374/1989) possui “normas permissivas”, mas é sempre possível referirmo-nos a “norma proibitiva” a ela equivalente. Por exemplo, pelos textos do “caput” do art. 36 da lei e do item 3 do § 1° do artigo, podemos construir norma que “permite” ao contribuinte creditar-se de imposto relativo a mercadoria entrada ou a prestação de serviço recebida, desde que o imposto seja destacado em documento hábil, o documento seja emitido por contribuinte em situação regular perante o fisco e esteja acompanhado, quando exigido, de comprovante de recolhimento do imposto. Isso significa: “não é permitido” ou “é proibido” ao contribuinte creditar-se de imposto destacado em documento que não preenche qualquer das três condições.
[3] Na legislação do ICMS, “pagar” o imposto tem um significado diferente de “recolher” o imposto. “Recolher” imposto é o ato de entregar dinheiro ao Estado-credor. “Pagar” imposto é declará-lo como devido à Fazenda Pública do Estado. Assim: i) é possível “pagar” ICMS, sem, contudo, recolhê-lo; ii) “não pagar” ICMS devido é “sonegação”, “fraude” ou “conluio”; iii) “não recolher” ICMS declarado é “inadimplência”.
[4] Assim era com o IPVA, até que o art. 7° da Lei 12.181/2005 revogou o inc. I do art. 18 da Lei 6.606/1989, que sujeitava a penalidade a falta de pagamento do imposto.
[5] Disponível em: <https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/Home.aspx#> / Acesso Rápido ICMS / . Lei 6.374/89 Acesso em: 02/11/2019.
[6] Regulamento do ICMS (Decreto 45.490/2000). Disponível em:
<https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/Home.aspx#> / Regulamento do ICMS . RICMS 2000 - Tabela de Artigos Acesso em: 02/11/2019. Dispõe o inc. I do art. 184 do Regulamento do ICMS:
"Art. 184 - Considerar-se-á desacompanhada de documento fiscal a operação ou prestação acobertadas por documento inábil, assim entendido, para esse efeito, aquele que:
I - for emitido por contribuinte que não esteja em situação regular perante o fisco nos termos do item 4 do § 1º do artigo 59;
. . . ".
[7] Para evitar o "bis in idem", o § 3° do art. 85 da Lei 6.374/1989 enumera penalidades que não devem ser aplicadas cumulativamente. Como é óbvio, o legislador não conseguiu prever todos os casos possíveis.
[8] É a que “se refere ao próprio fato probando, ou consiste no próprio fato” (SANTOS, 1989-1991, p. 329).
[9] É a que não se “refere ao próprio fato probando, mas sim a outro, do qual, por trabalho do raciocínio, se chega àquele, ... São provas indiretas as presunções e indícios” (SANTOS, 1989-1991, p.330).
[10] Conta Fiscal é uma conta corrente efetuada pela Fazenda Pública do Estado, onde, para cada exercício, são registrados os débitos fiscais declarados pelo contribuinte e os recolhimentos de ICMS por ele efetuados, ordenados por data e agrupados por período de apuração do imposto (mês).
[11] De acordo com o caput do art. 331 do RICMS/2000, o imposto deve ser recolhido por ocasião da remessa, por guia especial, que acompanhará a mercadoria, para ser entregue ao destinatário.
[12] A expressão “escriturada regularmente”, que consta da norma jurídica geral e abstrata sancionadora (al. “e” do inc. I do art. 85 da Lei 6.374/1989), e que por isso é colocada no relato da infração, deve ser interpretada como a que seria escriturada regularmente, se o imposto tivesse de ser pago por meio de "conta gráfica".
[13] Antes de a Lei 16.497/2017 revogar a alínea “a” do inc. II do art. 85 da Lei 6.374/1989 e colocar a situação fática descrita no antecedente dessa norma no antecedente da alínea “c” do mesmo inciso, a multa para o caso de não ter havido a correspondente entrada das mercadorias no estabelecimento era mais gravosa: 50% (cinquenta por cento) do valor indicado no documento como o da operação, em vez de 35% (trinta e cinco por cento) desse valor, conforme prescrito no consequente da norma da alínea “c”.
[14] Prova da não-entrada de determinado tipo de mercadoria no estabelecimento pode ser feita por meio de “levantamento específico”. Por exemplo: mercadoria infungível (veículo automotor, identificável por número do chassi e número do motor) não entrou no estabelecimento quando ela não se encontrava no estoque de mercadorias existente no dia de início de fiscalização nem o contribuinte exibiu Nota Fiscal de saída dessa mercadoria, emitida até referido dia; mercadorias fungíveis (substituíveis por outra da mesma espécie, qualidade e quantidade) não entraram no estabelecimento quando, em "levantamento específico" em período que abrange as supostas entradas e termina no dia de início de fiscalização, partindo-se do estoque inicial, somadas todas as entradas e subtraídas todas as saídas dessa espécie de mercadoria, a diferença entre os estoques finais "contábil" e "físico" for maior ou igual à soma dos totais indicados nas Notas Fiscais com créditos de ICMS impugnados. A diferença será maior se, no período, houve saídas da mercadoria sem a emissão de Notas Fiscais.
[15] "Art. 320 - Na saída de mercadoria a título de demonstração, promovida por estabelecimento comercial ou industrial, será emitida Nota Fiscal, sem destaque do valor do imposto.
§ 1º - Ocorrendo o decurso do prazo de que trata o artigo anterior, será emitida, no 61º (sexagésimo primeiro) dia, contado da saída original, outra Nota Fiscal para efeito de:
1 - recolhimento do imposto devido, que se fará por guia de recolhimentos especiais, com atualização monetária e acréscimos legais;
2 - transmissão, quando for o caso, do correspondente crédito ao destinatário.
§ 2º - Além da data da emissão e dos dados relativos ao destinatário, na Nota Fiscal prevista no parágrafo anterior constarão apenas:
1 - o número de ordem, a série e a data de emissão da Nota Fiscal original;
2 - a expressão "Emitida nos termos do Artigo 320 do RICMS";
3 - o número, a data e o valor da guia de recolhimentos especiais aludida no item 1 do parágrafo anterior;
4 - o destaque do valor do imposto recolhido.
§ 3º - Essa Nota Fiscal será lançada no livro Registro de Saídas, mediante utilização, apenas, das colunas 'Documento Fiscal' e 'Observações', devendo nesta constar a expressão 'Emitida nos termos do Artigo 320 do RICMS'."
[16] "Art. 85 - O descumprimento das obrigações principal e acessórias, ... :
I - infrações relativas ao pagamento do imposto:
( . . . )
g) falta de pagamento do imposto, quando indicado outro Estado ou Distrito Federal como destino da mercadoria, não tenha esta saído do território paulista – multa equivalente a 50% (cinquenta por cento) do valor total da operação;
. . . ".
[17] "Art. 85 - O descumprimento das obrigações principal e acessórias, ... :
( . . . )
IV - infrações relativas a documentos fiscais e impressos fiscais:
( . . . )
b) emissão de documento fiscal que consigne declaração falsa quanto ao estabelecimento de origem ou de destino da mercadoria ou do serviço; emissão de documento fiscal que não corresponda a saída de mercadoria, a transmissão de propriedade da mercadoria, a entrada de mercadoria no estabelecimento ou, ainda, a prestação ou a recebimento de serviço – multa equivalente a 30% (trinta por cento) do valor da operação ou prestação indicado no documento fiscal;
. . . ".
[18] "Art. 184 - Considerar-se-á desacompanhada de documento fiscal a operação ou prestação acobertadas por documento inábil, assim entendido, para esse efeito, aquele que:
( . . . )
III - contiver declaração falsa, ou estiver adulterado ou preenchido de forma que não permita identificar os elementos da operação ou prestação;
. . . " (grifamos).
[19] "Art. 85 - O descumprimento das obrigações principal e acessórias, ... :
( . . . )
III - infrações relativas a documentação fiscal na entrega, remessa, transporte, recebimento, estocagem ou depósito de mercadoria ou, ainda, quando couber, na prestação de serviço:
a) entrega, remessa, transporte, recebimento, estocagem ou depósito de mercadoria desacompanhada de documentação fiscal – multa equivalente a 35% (trinta e cinco por cento) do valor da operação, aplicável ao contribuinte que tenha promovido a entrega, remessa ou recebimento, estocagem ou depósito da mercadoria; 15% (quinze por cento) do valor da operação, aplicável ao transportador; sendo o transportador o próprio remetente ou destinatário – multa equivalente a 50% (cinquenta por cento) do valor da operação;
. . . " (grifamos).
[20] "Art. 23 - O local da operação ou da prestação, para efeito de cobrança do imposto e definição do responsável, é:
( . . . )
§ 3º - Presume-se interna a operação quando o contribuinte não comprovar a saída da mercadoria do território paulista com destino a outro Estado ou ao Distrito Federal, ou a sua efetiva exportação.
. . . "
[21] De acordo com o inc. XXXIX do art. 5º da Constituição Federal, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. O preceito pode ser estendido à infração tributária e à sanção a ela correspondente.
[22] De acordo com o inc. II do art. 5° da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A norma legal que prescreve o dever jurídico cometido ao sujeito passivo deve, portanto, ser expressa. Deve indicar o fato ou a situação em que o sujeito passivo deve agir de forma oposta à descrita na hipótese da norma geral e abstrata sancionadora. No direito penal, porém, a conduta lícita não precisa estar expressa na lei. Basta que o sujeito se abstenha de praticar a conduta descrita na hipótese da norma geral que prescreve a pena, salvo se essa ação for uma excludente da ilicitude.
[23] "Art. 85 - O descumprimento das obrigações principal e acessórias, ... :
I - infrações relativas ao pagamento do imposto:
( . . . )
l) falta de pagamento do imposto, em hipótese não prevista nas demais alíneas deste inciso – multa equivalente a 100% (cem por cento) do valor do imposto;
( . . . )
II - infrações relativas ao crédito do imposto:
( . . . )
j) crédito indevido do imposto, em hipótese não prevista nas alíneas anteriores, incluída a de falta de estorno – multa equivalente a 100% (cem por cento) do valor do crédito indevidamente escriturado ou não estornado, sem prejuízo do recolhimento da respectiva importância;
. . . ”. (grifamos)
[24] A multa aplicada, de 75% (setenta e cinco por cento) do imposto devido, é a prevista na al. "b" do inc. I do art. 85 da Lei 6.374/1989.
[25] “Pedidos” de clientes contêm geralmente os dados essenciais da operação, tais como: data, discriminação das mercadorias, quantidades e valores totais de cada tipo de mercadoria, valor total do pedido, de modo que é possível calcular o valor do imposto não declarado ao fisco.
[26] Sobre o “motivo” do ato administrativo, assim se manifesta Maria Sylvia Zanella di Pietro:
“Com relação ao motivo, eu sempre o relaciono com o fato; motivo é o fato. Costuma-se definir o motivo como o pressuposto de fato e de direito do ato administrativo. O motivo precede à prática do ato, ele é alguma coisa que acontece antes da prática do ato e que vai levar a Administração a praticar o ato. Por exemplo, o funcionário pratica uma infração, a infração é o fato. O ato é a punição e o motivo é a infração; ele tem um fundamento legal, embora nem sempre a lei defina o motivo com muita precisão; normalmente quando nós falamos com base no artigo tal, nós estamos mencionando o motivo, o pressuposto de direito, porque aquele fato vem descrito ou vem previsto na norma; na hora em que aquele fato descrito na norma acontece no mundo real, surge um motivo para a administração praticar o ato.
Por exemplo, a lei diz: o funcionário que faltar 30 dias consecutivos incide em abandono de cargo. A falta por 30 dias é a infração, que levará a Administração a instaurar o processo e aplicar a pena”.
[27] "Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
I - quando a lei assim o determine;
( . . . )
VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;
IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.
Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública".
[28] Para Paulo de Barros Carvalho (2008a, p. 458), “a autoridade administrativa não está autorizada a majorar a pretensão tributária, com base em mudança de critério jurídico. Pode fazê-lo, sim, provando haver erro de fato. Mas como o direito se presume conhecido por todos, a Fazenda não poderá alegar desconhecê-lo, formulando uma exigência segundo determinado critério e, posteriormente, rever a orientação, para efeito de modificá-la. A prática tem demonstrado a freqüência (sic) de tentativas da Administração, no sentido de alterar lançamentos, fundando-se em novas interpretações de dispositivos jurídico-tributários. A providência, entretanto, tem sido reiteradamente barrada nos tribunais judiciários, sobre o fundamento explícito no art. 146 do Código Tributário Nacional: ...”
De acordo com Ricardo Lobo Torres (in "Auto de infração e defesa administrativa fiscal". Revista de Direito Processual Geral 48: Rio de Janeiro, 1995, p. 179), o lançamento é insuscetível de revisão por erro de direito, na órbita administrativa. A revisão só será possível com a impugnação do sujeito passivo ao lançamento (Disponível em:
<https://www.pge.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=MjAyMg%2C%2C>
Acesso em: 03/11/2019).
Assim, constatado erro de direito na acusação fiscal, a autoridade julgadora deve cancelar a exação.
[29] Hugo de Brito Machado (in "Curso de direito tributário". São Paulo: Malheiros, 1995, p. 121) admite a revisão do lançamento em face de erro de fato ou de direito. Para ele: essa é "a conclusão a que conduz o princípio da legalidade, pelo qual a obrigação tributária nasce da situação descrita na lei como necessária e suficiente à sua ocorrência". Muitos autores aproximam o "erro de direito" da "modificação no critério jurídico" adotado pela autoridade administrativa no exercício do lançamento, de que trata o art. 146 do CTN. Para Hugo de Brito Machado (obra citada, p. 121), porém, "há mudança do critério jurídico quando a autoridade administrativa simplesmente muda de interpretação, substitui uma interpretação por outra, sem que se possa dizer que qualquer das duas seja incorreta".
Para Eurico Marcos Diniz de Santi (obra citada, p. 267), "há potencial ilegalidade do 'ato-norma' ante os casos de 'erro de fato' ou 'erro de direito'." "Como a Administração pauta-se pelo princípio da 'estrita legalidade', cinge-se no dever de invalidar ou se possível convalidar o ato-norma administrativo que se apresentar nessa situação".
Paulo Antonio Fernandes Campilongo (obra citada, p. 211) filia-se à corrente “que admite a revisão de lançamento, seja em decorrência de erro de fato ou erro de direito, desde que respeitados os limites adjetivos, objetivos e temporais postos no sistema”.
[30] No REsp 1148444/MG, em que foi Relator o Ministro Luiz Fux, julgado em 14/04/2010 em sede de recurso repetitivo (nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil – CPC), foi reconhecida a legitimidade de créditos do ICMS destacados em Notas Fiscais emitidas antes da declaração de inidoneidade dos documentos, porque o adquirente demonstrou ter agido de boa-fé. De acordo com a decisão, a boa-fé é caracterizada quando o contribuinte adquirente toma as cautelas necessárias antes de realizar as operações e comprova a realização destas. A decisão consolidou entendimento firmado há anos no Superior Tribunal de Justiça.
[31] São provas concludentes ou inequívocas de simulação de existência de estabelecimento: não haver edifício no endereço indicado como local do estabelecimento do suposto fornecedor; inexistência do número do suposto estabelecimento, na rua indicada no documento; contrato de locação do estabelecimento falso; declaração do locador, de haver retomado a posse do imóvel antes de ocorridas as supostas operações; estabelecimento comercial com dimensões exíguas, incompatíveis com as quantidades e os volumes das mercadorias que, supostamente, teriam por lá circulado.
[32] Quando o transporte das mercadorias é por conta do remetente ou de empresa transportadora por este contratada, pode o adquirente ter agido de boa-fé, mesmo no caso de as mercadorias não terem saído do estabelecimento indicado nos documentos que acompanharam o transporte das mercadorias. O Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) aceita como prova da boa-fé: fotograma de cheque em nome do fornecedor, com valor coincidente com o de Nota Fiscal ou com o total de grupo de Notas Fiscais com datas de emissão próximas; duplicata comercial relativa a Nota Fiscal, quitada em banco ou em cartório de protestos; comprovante de depósito em conta corrente de titularidade do suposto vendedor.