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Da aplicabilidade da multa pelo descumprimento ao CDC pelos institutos de proteção ao consumidor estaduais em face da Caixa Econômica Federal.

Agenda 20/11/2019 às 09:29

O presente artigo surgiu a partir da discussão judicial, em casos concretos, acerca da aplicabilidade de multas por descumprimento do CDC por parte de institutos de proteção ao consumidor estaduais (PROCON-AL) em face da Caixa Econômica Federal.

Da aplicabilidade da multa por descumprimento ao cdc pelos institutos de proteção ao consumidor estaduais em face da caixa econômica federal.

 

"A uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê" (J. J. Canotilho apud Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, pág. 220.)

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No tempo presente, parece dominar a aspiração a algo que é conceitualmente impossível, porém altamente desejável na prática: a não-prevalência de um só valor e de um só princípio (constitucional), senão a salvaguarda de vários simultaneamente. (Zagrebelsky, El Derecho Dúctil, Ley, derechos, justicia, Trad. De Marina Gascón, 3ª edição, Edt. Trotta S.A., Madrid, 1999, p. 13 citado pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes  nos Embargos Infringentes 1.289-DF).

 

Autor: Sérgio Ricardo Freire de Sousa Pepeu.

 

O presente artigo surgiu a partir da discussão judicial, em casos concretos, acerca da aplicabilidade de multas por descumprimento do CDC por parte de institutos de proteção ao consumidor estaduais (PROCON-AL) em face da Caixa Econômica Federal.

Com efeito, sob a argumentação da suposta incompetência do PROCON/AL para a aplicação da multa nem face da empresa pública federal, a Caixa Econômica Federal por diversas vezes faltou a audiências propostas pelo PROCON para a apuração de atos atentatórios ao Código de Defesa do Consumidor, não reconhecendo a legitimidade do pré-falado instituto de proteção ao consumidor.

Demonstraremos, cientificamente, a incorreção dos atos da CEF nestes processos, o que foi reconhecido judicialmente.

 

Da Competência dos Procons para a emissão de multa em desfavor da Caixa Econômica Federal por ofensa ao cdc;

 

A CEF por meio de corpo jurídico sustenta em seus processos que em virtude de sua natureza jurídica, Empresa Pública Federal, seria atentar contra o princípio federativo atribuir à órgão estadual, competência para aplicar multa ou qualquer outro tipo de sanção a si.

Defende, ainda, que deveria o PROCON ao receber a denúncia do desconto indevido de poupança de cliente ou qualquer outro tipo de ato atentatório ao CDC comunicar à SDE (Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça), ao qual, por meio do seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, caberia notificar ao Banco Central, que seria segundo a empresa, o único órgão administrativo competente para a aplicação de multa/sanção administrativa.

 

Pois bem, a proteção do consumidor é, inexoravelmente, um dos maiores desafios atuais do mundo jurídico. Em nosso tempo, o homem vive em função de um novo modelo associativo denominado ‘a sociedade de consumo’ (mass consumption society ou konsumgesellschaft) caracterizado pelo incontável número de produtos e serviços colocados à disposição do consumidor, pelo domínio do crédito e da publicidade, e, especialmente para o caso vertente, pelas dificuldades de acesso à justiça.

 

A necessidade de tutela legal do consumidor se impõe em virtude da sua vulnerabilidade, pois se antes fornecedor e consumidor ocupavam situação de relativo equilíbrio nas relações de consumo, agora é o fornecedor quem detém a posição dominante na pré-falada situação jurídica.

 

Tornou-se imprescindível, então, a intervenção do Estado, com especial relevo para o Poder Judiciário, a quem cabe dirimir os conflitos decorrentes da implementação e da formulação das políticas e regras de consumo.

 

Tão importância deu a Constituição Federal, a tutela do consumidor, que além de esposar no artigo 5º que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, em seu artigo 48 da ADCT determinou que no prazo de 120 (cento e vinte) dias fosse elaborado código de defesa do mesmo.

 

Pois bem, como é de ensinamento de José Afonso da Silva “o princípio geral que norteia a repartição de competências é o predominância do interesse. Predominando o interesse geral, a competência é da União; predominando o interesse regional, a competência é dos Estados; e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local.”[1]

 

Nesta senda, indubitável é a possibilidade dos outros entes estatais aplicarem multas às entidades bancárias (observe-se que o expediente utilizado pela CEF no tocante à competência privativa da união para estipular multas aos bancos está também sendo defendido por outras instituições financeiras) consoante é o escólio de Zelmo Denari, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, ad litteram:

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“Municípios do nosso Estado e de outras unidades da federação têm editado leis reguladoras do tempo máximo de permanência nas filas para atendimento bancário. Na hipótese de descumprimento, os textos legislativos municipais prevêem a cominação de pesadas sanções pecuniárias e até a suspensão de alvará de licença para funcionamento da atividade, nos casos de reincidência.

Sabidamente, os bancos –instituições financeiras que mais prosperam neste País – prestam maus serviços à população. Após o advento do computador, reduziram drasticamente o número de empregados para minimizar os respectivos custos e aumentar os seus lucros. Por isso, questionam a constitucionalidade dessa iniciativa municipal, argumentando 0que a organização dos bancos e o controle do sistema financeiro nacional é matéria reservada à competência da União.

À luz das considerações feitas neste título, é inarredável a competência suplementar dos Municípios para legislar sobre relações de consumo, e o tema em pauta envolve a utilização de serviços bancários, Resta induvidosa, portanto a competência legislativa dos entes municipais para editar normas de bom atendimento aos Municípios, nos bancos e demais instituições de crédito, bem como cominar sanções repressivas das respectivas infrações[2]”. (grifos nossos)

 

Partindo do raciocínio da dita empresa pública, inviável seria a aplicação de multas por entidade estadual de proteção do meio-ambiente, em face do princípio federativo, v.g, à Petrobrás, empresa pública federal, em caso de danos à fauna e a flora no espaço físico pertinente ao estado, o que é incabível.

 

Na mesma esteira, nunca é demais lembrar a redação do artigo 173, Parágrafo 1º, Inciso II da Carta Excelsa que dispõe, in verbis:

 

“Art. 173...

§1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica e de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

 

Ora, partindo do conceito da CEF da inaplicabilidade da multa por órgão estadual esta seria agraciada com um benefício que não é concedido às demais instituições bancárias.

Não podemos esquecer que a defesa do consumidor foi alçada à condição de cláusula pétrea da Constituição.

Sendo a norma em foco de hierarquia constitucional é necessário para encontrar seu conteúdo ser preciso partir daquelas regras de hermenêutica especificamente constitucionais de que tratam os constitucionalistas modernos (É incorreto querer interpretar os preceitos constitucionais através dos tradicionais critérios que, comumente, são utilizados na interpretação das normas jurídicas em geral, pois, no dizer de BONAVIDES, como as Constituições na sociedade heterogênea e pluralista, repartida em classes e grupos, cujos conflitos e lutas de interesses são os mais contraditórios possíveis, não podem apresentar-se senão sob a forma de compromisso ou pacto, sendo sua estabilidade quase sempre problemática, é de convir que a metodologia clássica é insuficiente e, por isso "tinha que ser substituída ou modificada por regras interpretativas correspondentes a concepções mais dinâmicas do método de perquirição da realidade constitucional"[3]

Uma interpretação constitucional "exige uma consideração unitária, que não afaste a possibilidade de antinomias, nem de normas constitucionais inconstitucionais, mas que faça ver todas as disposições de núcleo constitucional sob o prisma esclarecedor dos imediatamente eficazes e nada inócuos princípios superiores, apesar de, não raro, serem estes veiculados em normas de eficácia limitada"[4] Entre tais regras, destaca-se a da máxima eficácia ou da máxima otimização das normas constitucionais, que, ligado ao fenômeno da juridicização da Constituição, e ao reconhecimento e incremento de sua força normativa, segundo J. J. GOMES CANOTILHO, "pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê"[5]

Pois o que define o critério de competência é da predominância de interesse (consoante afirma José Afonso da Silva) ainda assim existiria a competência do Estado-Membro para aplicação de multa do CDC no âmbito de sua atribuição à entidade pública federal.

No julgamento dos Embargos Infringentes 1.289-DF, noticiado no Informativo 306 de 28 de abril de 2003 do Pretório Excelso, O Ministro-Relator Gilmar Ferreira Mendes, usando da lição do professor italiano ZAGREBELSKY discorre de forma brilhante acerca do “pensamento do possível” em sede constitucional, sendo este nada mais que a “concordância prática das diversidades” em que estão em jogo, um suposto conflito de normas constitucionais, ad litteram:

 

“O exame desta questão avivou-me a memória para uma reflexão de Gustavo Zagrebelsky sobre o ethos da Constituição na sociedade moderna. Diz aquele eminente Professor Italiano no seu celebrado trabalho sobre o direito dúctil – il diritto mitte:

- As sociedades pluralistas atuais – isto é, as sociedades marcadas pela presença de uma diversidade de grupos sociais com interesses, ideologias e projetos diferentes, mas sem que nenhum tenha força suficiente para fazer-se exclusivo ou dominante e, portanto, estabelecer a base material da soberania estatal no sentido do passado – isto é, as sociedades dotadas em seu conjunto de um certo grau de relativismo, conferem a Constituição não a tarefa de estabelecer diretamente um projeto predeterminado de vida em comum, senão a de realizar as condições de possibilidade da mesma – (Zagrebelsky, El Derecho Dúctil, Ley, derechos, justicia, Trad. De Marina Gascón, 3ª edição, Edt. Trotta S.A., Madrid, 1999, p. 13).

Em seguida observa aquele eminente professor:

- No tempo presente, parece dominar a aspiração a algo que é conceitualmente impossível, porém altamente desejável na prática: a não-prevalência de um só valor e de um só princípio, senão a salvaguarda de vários simultaneamente.  O imperativo teórico da não-contradição – válido para a scientia juris – não deveria obstaculizar a atividade própria da jursiprudentia de intentar realizar positivamente a “concordância prática” das diversidades, e inclusive das contradições que, ainda que assim se apresentem na teoria, nem por isso deixam de ser desejáveis na prática. “Positivamente”: não portanto mediante a simples amputação de potencialidades constitucionais, senão principalmente mediante prudentes soluções acumulativas, combinatórias, compensatórias, que conduzam os princípios constitucionais a um desenvolvimento conjunto e não a um declínio conjunto – (Zagresbelky, El Derecho Dúctil, cit., p. 16).

 

Corolário lógico do aventado é que a não-possibilidade de aplicação de multa à CEF levaria a minimização de cláusula constitucional e, principalmente, a própria negativa de vigência do Código de Defesa do Consumidor.

 

 Bibliografia

 

Livros e Artigos consultados:

 

1.BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, Saraiva: Ano 2004.

2. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, vários autores, Forense Universitária, 2001.

3. DA SILVA, José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional, Malheiros: 2006.

4. ESPINDOLA, Conceito de Princípios Constitucionais, Saraiva, 2004.

 

 

 

Sítios da Internet visitados:

 

  1. www.jus.com.br.
  2. www.stf.gov.br.
  3. www.cef.com.br
  4. www.pge-al.gov.br

 


[1] In Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, vários autores, p. 580, Forense Universitária, 2001.

[2] Idem, item 2, p. 579-580.

[3] Curso de Direito Constitucional, p. 452.

[4] apud Ruy Samuel Espíndola, Conceito de Princípios Constitucionais[4].

[5] apud. Luís Roberto Barroso, Ob. Cit., p. 220.

 

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