"(...) Apesar de ser uma prática ainda sem norma legal, pôde-se perceber através do estudo ora realizado que o Testamento Vital vem sendo realizado, utilizando-se das Resoluções do Conselho Federal de Medicina e dos princípios da dignidade da pessoa humana e do princípio da autonomia privada. Mas isso não faz com que a criação de uma norma se torne desnecessária, pelo contrário, é de extrema importância, para que a mesma possa versar sobre questões formais atinentes ao tema(...)"
RESUMO. O diagnóstico de um estado terminal e a ideia de morrer são duas situações difíceis de encarar na prática pelo paciente e pelo próprio profissional da saúde. O presente trabalho acadêmico de revisão bibliográfica objetiva refletir sobre a atuação e as estratégias de enfrentamento da medicina diante do processo morte e morrer e a atuação conjunta do paciente, onde este possa expressar através de documento hábil como deseja ou não ter um tratamento médico quando não mais puder exprimir sua vontade, mais conhecido como diretivas antecipadas de vontade, nesse caso, o testamento vital. Destaca-se alguns apontamentos do processo de tratamento para o paciente em estado terminal frente à falta de respaldo na legislação brasileira que assegure que o desejo do paciente será respeitado, tendo em vista a omissão legislativa que trate especificamente sobre o tema. Enfatiza, ainda, as atitudes defensivas dos profissionais da medicina frente a atuação no processo do estado terminal do paciente com receio de sofrerem sansões ético profissional, bem como da família do paciente. Ressalta a importância de respeitar a vontade do paciente, uma vez que esse respeito tem como base os direitos fundamentais inerentes ao ser humano e os princípios constitucionais que são: autonomia privada da vontade e dignidade da pessoa humana, e por fim, a importância da segurança do profissional médico para a atuação e planejamento de cuidados necessários ao paciente em processo terminal. O presente artigo foi realizado através de revisão de bibliografia, com pesquisa sistemática em doutrinas, sites jurídicos, revista eletrônica, legislação e jurisprudências que proporcionaram o embasamento teórico necessário ao tema.
Palavras-chave: Testamento vital. estado terminal. morte. vontade.
Abstract
The diagnosis of a terminal state and the idea of dying are two difficult situations to face in practice by the patient and by the health professional himself. The present academic work of bibliographic review aims at reflecting on the performance and strategies of coping with the medicine before the death and dying process and the joint action of the patient, where he can express through a skillful document how he wishes or not to have a medical treatment when he does not the more they can express their will, better known as anticipated directives of will, in this case, the living will. Some notes on the treatment process for the terminally ill patient are highlighted in the absence of support in Brazilian legislation that ensures that the patient's wishes will be respected, given the legislative omission that deals specifically with the topic. It also emphasizes the defensive attitudes of the medical professional regarding the performance in the process of the terminal state of the patient for fear of suffering professional ethics, as well as the patient's family. It stresses the importance of respecting the patient's will, since this respect is based on the fundamental rights inherent to the human being and the constitutional principles that are: private autonomy of the will and dignity of the human person, and finally the importance of the security of the human being. medical professional for the actuation and planning of care necessary to the patient in terminal process.
Keywords: vital testament. terminal state. death. will.
1 INTRODUÇÃO
A morte e como morrer é um dos fenômenos da condição humana mais sofrível por mais comum e natural que seja o ato de finalização da vida. Acredita-se que por tal motivo sua discussão muitas vezes é evitada e ignorada. Especialmente na seara legislativa que se abstém de discutir questões ligadas ao tema direito de saúde.
O direito de decidir como morrer é um processo que está em discussão há algum tempo no Brasil, tendo como ponto de partida as legislações alienígenas que já trataram de elaborar dispositivos capazes de assegurar ao paciente em estado terminal o respeito à sua vontade. O Brasil ainda não possui norma específica que trate sobre o tema, contudo, há apenas resoluções do CFM (Conselho Federal de Medicina) e Enunciados do CNJ (conselho nacional de justiça), que trata do testamento vital, porém, se mostram normas que não tem a força de garantir segurança ao paciente, bem como a equipe médica, diante de uma situação onde o paciente não deseje se submeter a tratamentos paliativos.
O presente artigo visa problematizar a forma como o paciente em estado terminal, em conjunto com os profissionais da saúde, lidam com a ideia da morte com o mínimo de sofrimento possível para o paciente. O objetivo é refletir sobre a atuação e as estratégias de enfrentamento por parte dos profissionais da medicina frente à falta de normas que assegurem legalmente ao paciente, a autonomia quanto à escolha de qual tratamento deseja se submeter.
Diante destes objetivos foi realizada uma revisão bibliográfica apontando para autores que trabalham com as diretivas antecipadas de vontade, mais especificamente sobre o Testamento Vital. Além de livros e artigos retirados de bases de dados como enunciados do Conselho Nacional de Justiça e do Código de Ética Médica.
A primeira parte do presente trabalho apresenta o conceito de testamento civil em comparação com o testamento vital, bem como, as modalidades de testamento já previstas no ordenamento jurídico pátrio e as espécies de diretivas antecipadas de vontade.
Em segundo momento, foi discutido sobre os princípios basilares do testamento vital que são os princípios da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade e ainda sobre a atuação médica diante do testamento vital, ou seja, o agir da medicina frente à falta de normas que trate sobre o tema e a autonomia do paciente diante do estado de finidade da vida humana.
Na última parte é feita uma abordagem sobre o testamento vital no ordenamento jurídico brasileiro, as resoluções do conselho federal de medicina que dispuseram tratar do tema e a falta de norma regulamentadora do mesmo no Brasil.
2 TESTAMENTO VITAL
Cabe de início trazer à baila de conceito Testamento Civil, sendo este, o ato jurídico destinado a produção de efeitos post mortem, onde o testador em ato de disposição de última vontade pode dispor da totalidade ou parte de seus bens, diferenciando-se do Testamento Vital que é redigido com eficácia jurídica antes da morte.
A ilustre doutrinadora Maria Berenice Dias, através das palavras de Pontes de Miranda conceitua o Testamento Civil como:
Ato pelo qual a vontade de alguém é declarada para o caso de morte, com eficácia de reconhecer, transmitir ou extinguir direitos. Trata-se de ato essencialmente solene, sujeito a condição suspensiva, pois sua eficácia está condicionada a evento futuro e certo: a morte do testador. O testamento torna-se perfeito e acabado no momento da declaração de vontade e irrevogável quando da abertura da sucessão. O testamento só é eficaz com a morte do testador. Durante a vida deste, só há expectativa, só existe esperança (MIRANDA, p. 353, apud DIAS, 2014).
O Código Civil brasileiro em vigência, no seu artigo 1.857 dispõe que: “toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade de seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte”.
Através do conceito de Testamento Civil, percebe-se que este não possui as mesmas características do Testamento Vital, tema que será dissecado no percurso deste trabalho acadêmico.
Antes de falar, especificamente, do Testamento Vital, é necessário explicar que o mesmo, juntamente com o Mandato Duradouro, são espécies do gênero das Diretivas Antecipadas de Vontade, sendo que ambos os documentos serão utilizados quando a pessoa em fase terminal ou acometida de doença grave não puder exprimir sua vontade livre e consciente.
Segundo PONA (2015), as diretivas antecipadas de vontade são:
Diretivas antecipadas de vontade são gênero, conhecidas na origem como advance directives, e trata-se de documentos por meio dos quais uma pessoa expressa antecipadamente suas preferências em relação aos tratamentos e cuidados médicos que deseja ou não receber para a ocasião em que não mais possa expressar-se autonomamente ou, então, nomeia um procurador para tomada das decisões em seu lugar (PONA, 2015, p.40).
Ainda sobre as diretivas antecipadas de vontade, o Provimento nº 260/CGJ/2013, do Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro do Estado de Minas Gerais, aborda em seu artigo 260, que “pela declaração antecipada de vontade, o declarante poderá orientar os profissionais médicos sobre cuidados e tratamentos que quer ou não receber, no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”.
Já o Mandato duradouro, segundo o entendimento da autora DADALTO (2015):
É um documento no qual o paciente nomeia um ou mais “procuradores” que deverão ser consultados pelos médicos em caso de incapacidade – definitiva ou não, quando estes tiverem que tomar alguma decisão sobre recusa de tratamento. O procurador de saúde decidirá tendo como base a vontade do paciente (DADALTO, 2015, p.91).
Após breve explanação sobre o que são as Diretivas Antecipadas de Vontade e o que é o Mandato Duradouro, torna-se essencial a conceituação do testamento vital.
Como bem se discute LIPPEMAN (2015, p.17), o Testamento Vital é conceituado como “uma declaração escrita da vontade de um paciente quanto aos tratamentos aos quais ele não deseja ser submetido caso esteja impossibilitado de se manifestar”.
A escritora e advogada atuante na área do direito de saúde, Luciana Dadalto, um dos poucos profissionais da área jurídica a escrever sobre o assunto no Brasil, busca conceituar o Testamento Vital como sendo:
Um documento de manifestação de vontades pelo qual uma pessoa capaz manifesta seus desejos sobre suspensão de tratamentos, a ser utilizado quando o outorgante estiver em estado terminal, em estado vegetativo permanente ou com uma doença crônica incurável, impossibilitado de manifestar livre e conscientemente sua vontade (DADALTO, 2015, p.97).
Mesmo que de forma gradativa, o ordenamento jurídico brasileiro vem evoluindo com relação a seu posicionamento sobre o tema Testamento Vital, com a elaboração do Enunciado 528, da V Jornada de Direito Civil quando embasa e conceitua o Testamento Vital:
É válida a declaração de vontade expressa em documento autêntico, também chamado “testamento vital”, em que a pessoa estabelece disposições sobre o tipo de tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja no caso de se encontrar sem condições de manifestar a sua vontade (CJF, 2011). [1]
O termo Testamento Vital se originou das errôneas traduções da palavra living will pois, segundo estudos realizados pela autora Luciana Dadalto (2015, p.97), “pelo dicionário Oxford, a tradução correta para a palavra living pode ser o substantivo sustento, o adjetivo vivo ou o verbo vivendo; já a palavra will tem como significado as palavras vontade, desejo e testamento. Sendo assim, a tradução correta seria desejos de vida ou disposições de vontade de vida.”
3 MODALIDADES DE TESTAMENTO COM PREVISÃO NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
O presente artigo buscou tratar especificamente do Testamento Vital, porém é de suma importância trazer a baila outras modalidades de testamentos que são já previstos no ordenamento jurídico pátrio. Com relação à forma externa do testamento, a legislação brasileira admite que a disposição de última vontade seja expressa por meio das várias espécies de testamento, conforme disposto no artigo 1.862, CC, que prevê os testamentos ordinários e no artigo 1.886 do código civil para os testamentos especiais.
3.1 Testamento Público
A mestra Maria Helena Diniz (2009), em seu curso de direito civil conceituou o testamento público da sua melhor forma:
O testamento público é o lavrado Tabelião de notas ou por seu substituto em livro de notas, de acordo com a declaração de vontade do testador, exarada verbalmente, em língua nacional, perante o mesmo oficial e na presença de duas testemunhas idôneas e desimpedias (DINIZ, 2009, p.221).
Conforme conceito nota-se que no testamento público todos os atos são praticados perante a autoridade competente, no caso tabelião de notas, competindo a esta autoridade exigir toda documentação das partes, bem como exigir todas as formalidades para que não incorra nas hipóteses de nulidade do ato.
3.2 Testamento Cerrado
O testamento cerrado é a modalidade de testamento que se processa ou se elabora fora do âmbito de um cartório de notas, que pode ser redigido pelo próprio testador ou por alguém a seu rogo, e posteriormente levado a crivo do tabelião que analisará se o documento preencheu ou não as formalidades legais. Se preenchido todas as formalidades é lavrado o auto de instrumento de aprovação, que visa dar autenticidade ao ato.
O ilustre doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2009) foi categórico ao conceituar o testamento cerrado da seguinte forma:
O testamento cerrado, secreto ou místico, outrora chamado de nuncupação implícita, é escrito pelo testador, ou por alguém a seu rogo e por aquele assinado, com caráter sigiloso, completado pela instrução de aprovação ou autenticação lavrado pelo tabelião ou por substituto legal, em presença do disponente e duas testemunhas idôneas (GONÇALVES, 2010, p 268).
Veja que há uma distinção entre o testamento público e o cerrado, sendo que no primeiro é ato exclusivo tabelião ou seu substituto e no segundo a função dessas autoridades é apenas de dar autenticidade ao ato.
3.3 Testamento Particular
O testamento particular deverá ser escrito pelo testador, não podendo conter rasura. O testador deverá assinar o seu testamento, na presença das testemunhas perante pelo menos três testemunhas idôneas que também assinem, conforme literalidade do (art. 1.876, §§ 1° e 2°, CC).
As testemunhas deverão ouvir o testamento, sendo informadas do conteúdo do mesmo. Após ouvirem, deverão assinar o testamento e se qualificarem.
3.4 Testamentos Especiais (marítimo, aeronáutico e militar).
Os testamentos especiais são modalidades que ocorrem geralmente em situações excepcionais conforme traz DINIZ (2015, p. 228), que bem se discute sobre o tema “admite-se o nosso direito, em caso de emergência e a título provisório, o testamento marítimo e o aeronáutico”. O testamento marítimo deverá ser realizado em um navio brasileiro (não pode ser estrangeiro ou particular). O testamento aeronáutico, por sua vez, deverá ser realizado dentro de um avião de espécie militar ou comercial. Em ambos os casos, ele deverão estar em movimento, não apenas dentro do navio ou avião. Será escrito pelo comandante na presença de duas testemunhas.
No testamento militar, o testador deverá estar a serviço das forças armadas, podendo ser militar público, militar escrito ou nuncupativo.
O militar público será realizado no tabelião do próprio quartel. Já o militar escrito é realizado pelo próprio testador, na presença de duas testemunhas e validado pelo oficial de patente. Por fim, o nuncupativo é realizado de forma oral, que em momento de perigo realiza o testamento para duas testemunhas.
4 PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O TESTAMENTO VITAL
4.1 Princípio da dignidade da pessoa humana e da autonomia privada
O ordenamento jurídico pátrio ainda não tem legislação que regulamente e defina o Testamento Vital, não havendo da mesma forma norma contrária no sentido de torná-lo ineficaz. A aplicabilidade do Testamento Vital vai encontrar guarita em alguns princípios constitucionais basilares do ordenamento jurídico brasileiro, como o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da autonomia da vontade, pois não há que se falar em direito a vida, sem que esta seja digna.
Ficando claro que em um Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana se sobrepõe em relação aos demais princípios, por se tratar de um direito fundamental. Segundo Alexandre de Moraes (2005. p.30) “o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais”.
Nas palavras da renomada DIAS (2013), pode-se observar a importância do princípio da dignidade da pessoa humana:
Trata-se do princípio fundante do Estado Democrático de Direito, sendo afirmado já no primeiro artigo da Constituição Federal. A preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional. Sua essência é difícil de ser capturada em palavras, mas incide sobre uma infinidade de situações que dificilmente se consegue elencar de antemão. Talvez possa ser identificado como o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções e experimentado no plano dos afetos (DIAS, 2013, p.65).
Frente a todos os direitos fundamentais, não se deve considerar o direito à vida isoladamente, cabendo levar em consideração que tal direito não é soberano, nem necessariamente um dever, sob pena de se transformar a vida em direito para quem a deseja e obrigação para quem não a quer, excluindo, assim, o direito de uma morte digna e autonomia sobre a própria vida.
O princípio da dignidade da pessoa humana fundamenta o Testamento Vital no sentido de que é direito de todos os sujeitos uma morte digna. Sendo este princípio fundamental que se encontra elencado na Constituição Federal em seu artigo 1º, a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, III - a dignidade da pessoa humana e dele irradiam os demais princípios presentes nessa norma fundamental.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:III- a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988[2]).
O autor Sidney Guerra com base nas palavras do autor Ingo Wolfgang Sarlet conceitua a dignidade da pessoa humana como:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos. (SARLET, 2001, apud GUERRA, 2015, p.75).
A dignidade da pessoa humana deve ser respeitada, sendo ela um direito fundamental, elencada na Constituição Federal de 1988. O autor André Ramos Tavares (2013, p. 440), acredita que “a dignidade da pessoa humana considera o homem como um “ser em si mesmo” e não como “instrumento para alguma coisa”.
Percebe-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, traz uma ideia de democracia, sendo um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Considerado pela doutrina como o “Princípio dos Princípios” sendo incidente à todo cidadão desde a concepção do útero materno.
Não resta dúvida que a dignidade da pessoa humana é como um princípio basilar, o maior de todos, e deste deriva o princípio da autonomia privada, sendo também necessária a compreensão do mesmo dentro do estudo do Testamento Vital.
O direito à autonomia se materializa no respeito à vontade do indivíduo, considerando seus valores morais e crenças religiosas. É o reconhecimento do domínio que o ser humano possui sobre sua própria vida.
A vontade humana deve ser expressa, a fim de que possa ser realizada. O querer do sujeito acerca das disposições relativas ao tratamento médico que deseja ser submetido é de fundamental importância. Essa vontade pode ser reconhecida através da autonomia privada.
Segundo entendimento do autor PONA (2015):
Autonomia relaciona-se com a faculdade do indivíduo autor regulamentar seus próprios interesses e na seara jurídica, hodiernamente, apresenta-se compreendida como autodeterminação, conceito que permite ao poder jurídico concedido pelo ordenamento ao indivíduo (denominado autonomia privada) englobar as esferas patrimonial e extrapatrimonial dos interesses dos sujeitos (PONA, 2015, p.177).
A Constituição Federal de 1988, por sua vez, também dispõe sobre o princípio da autonomia privada da vontade em seu artigo 5º, inciso II, segundo o qual a pessoa é capaz de decidir sobre sua vida desde que tal ato não contrarie a lei:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:II- ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (BRASIL, 1988[3]).
A partir das considerações feitas, observa-se que tanto o princípio da dignidade da pessoa humana como o princípio da autonomia privada da vontade servem como base para o estudo do Testamento Vital, podendo ser usado como apoio, devido a inexistência de norma regulamentadora na legislação brasileira.
Ambos os princípios determinam que o indivíduo tem o direito de determinar acerca dos tratamentos que pretende ou não submeter caso venha a ser acometido por uma doença ameaçadora da vida, permitindo que se tenha sua vontade expressa, optando por uma morte digna.
5 ATUAÇÃO MÉDICA DIANTE DO TESTAMENTO VITAL
A falta de norma específica que trate sobre o tema, acaba gerando insegurança sobre como se deve agir em relação a legalidade ou não quanto a prática do médico, ao levar em consideração o testamento vital. Essa problemática em aceitar o testamento vital torna recorrente pela falta de conhecimento dos profissionais da medicina em relação a efetividade do mesmo.
O importante é a busca de maiores informações, sobre o tema pela comunidade médica, para que possam fazer valer a vontade de seus pacientes.
O médico poderá enfrentar duas situações, uma em que o paciente já estará com seu Testamento Vital em mãos devidamente registrado em cartório e a outra em que o paciente irá estabelecer o Testamento Vital juntamente com o próprio médico.
A autora Luciana Dadalto explica como agir em cada uma dessas situações:
Paciente chega para a consulta/internação com o testamento vital:
Anexar uma cópia do testamento vital no prontuário do paciente; Conversar com o paciente sobre as vontades dele escritas no testamento vital, explicando as implicações delas; Questionar o paciente se ele já conversou com a família sobre essas vontades, explicando que a vontade dele prevalece sobre a vontade da família; Seguir a vontade do paciente sempre que ela não estiver em desacordo com os ditames da legislação e do Código de Ética Médica, lembrando que o médico poderá se utilizar da objeção de consciência médica, quando não concordar com alguma disposição.Paciente chega para a consulta/internação sem o testamento vital, mas manifesta vontade para o médico:Conversar com o paciente sobre a vontade que ele está manifestando, explicando do ponto de vista técnico, as implicações desta, especialmente sobre o cuidados/tratamentos/procedimentos que ele pode aceitar e recusar; Não impor sua vontade; Anotar a vontade manifestada no prontuário; Informar ao paciente que essa vontade prevalecerá sobre a vontade da família; Sugerir que o paciente registre o testamento vital em um Cartório de Notas (o termo correto é “lavrar escritura pública”); Seguir a vontade do paciente sempre que ele não estiver em desacordo com os ditames da legislação e do Código de Ética Médica, lembrando que o médico poderá se utilizar da objeção de consciência médica, quando não concordar com alguma disposição. (TESTAMENTO VITAL, 2015)[4]
Importante salientar que, além do Testamento Vital ser considerado uma realidade no cenário brasileiro, a falta de legislação que o defina abre espaço para que o médico possa ser processado e condenado criminalmente por aceitar a prática da ortotanásia. Ainda segundo entendimento da autora Luciana Dadalto:
Tal possibilidade é remota. Os casos concretos que já existem demonstram que o Poder Judiciário tende a entender que a prática da ortotanásia não é crime, ao contrário da eutanásia, tanto que a resolução CFM 1995/2012 foi considerada constitucional, reconhecendo o dever do médico em seguir a vontade do paciente manifestada no testamento vital (DADALTO, 2015)
O Testamento Vital está intimamente ligado ao conceito de ortotanásia, podendo este testamento ser definido como um pedido de ortotanásia, que será expresso através de um documento.
A ortotanásia, também chamada de eutanásia passiva, consiste em aliviar o sofrimento de um paciente em estado terminal através da suspensão de tratamentos que prolonguem a vida, mas não curem nem melhoram a enfermidade.
Segundo entendimento da autora Cecília Lôbo Marreiro (2014), a respeito da ortotanásia:
[...] na ortotanásia, uma vez que o médico se omite, tão somente, em empregar os meios extraordinários de tratamentos pois só prolongarão o sofrimento, mas mantém todos os cuidados paliativos necessários para o conforto do doente. Assim, a morte não advém da conduta do médico, pois já se encontrava instalada. (MARREIRO, 2014, p.149).
Veja que a ortotanásia ressalta a importância da não utilização de meios extraordinários, pois mesmo sem a utilização, o doente poderá viver mais e em boas condições, sem grandes sofrimentos para ele, assim como seus para seus familiares, tendo em vista que esses meios são fúteis e não irão alterar o seu estado de terminalidade.
5.1 Autonomia do Paciente Terminal
Diante da terminalidade da vida, exige-se compreender o quadro clínico daquele considerado paciente em estado terminal e, diante dessa situação de fragilidade, deve-se avaliar o grau de autonomia que ainda lhe resta, principalmente no que se refere a capacidade de decidir sobre o rumo do seu próprio tratamento.
O conceito de paciente terminal não é algo simples de se estabelecer, cabendo desde logo salientar que não existem critérios totalmente aceitos para apontar um paciente como terminal. São grandes as contribuições doutrinárias que tendem em possibilitar o reconhecimento do ser humano neste trágico momento de sua vida.
Segundo Serrão (1998, p. 86), “os pacientes terminais são doentes a quem os cuidados paliativos são dirigidos, isto é, sem possibilidades de cura e que se sabe que a sua morte está próxima”.
Contudo, não significa dizer, que, necessariamente, em razão de seu estado clínico, o doente terminal não teria condições de agir livremente em relação aos atos da vida civil e, especificamente, a maneira de encarar e determinar o desenvolvimento do seu próprio tratamento médico, considerando-se autônoma a pessoa que “não somente delibera e escolhe seus planos, mas que é capaz de agir com base nessas deliberações” (DINIZ, 2007, p. 368).
A autonomia privada é basicamente a vontade expressa do paciente, baseado em suas crenças religiosas e seus valores morais; é a liberdade de manifestar sua vontade e de mostrar que tem domínio sobre sua vida, corpo e mente. Tomando como base estas características do princípio da autonomia privada, a autora Luciana Dadalto explica o conceito deste como sendo:
Aquele que legitima a ação do indivíduo, conformada à ordem pública e permeada pela dignidade da pessoa humana, ou, em outras palavras, a autonomia privada como aquela que garante aos indivíduos perseguirem seus interesses individuais, sem olvidar da intersubjetividade, da inter-relação entre autonomia pública e privada. Significa dizer que a autonomia privada não é o poder do indivíduo de fazer tudo o que lhe der vontade, não se traduz em uma ampla liberdade, muito antes pelo contrário, significa que a autonomia privada garante ao indivíduo o direito de ter seu próprio conceito de “vida boa” e de agir buscando tal objetivo, direito este que encontra barreiras na intersubjetividade, de modo que a autodeterminação do indivíduo deve ser balizada pelas relações interpessoais e tal balizamento é feito pelas normas jurídicas (DADALTO, 2015, p. 17- 18).
Observa-se nesse sentido que a autonomia privada do paciente terminal é de suma importância na realização do Testamento Vital, pois é através dela que se pode garantir que o indivíduo seja protagonista das suas decisões e que elas sejam realmente obedecidas.
A autonomia privada tem grande significância nessa relação, outrora, já acorrera muitas situações em que os médicos decidiam qual tratamento seria utilizado com os pacientes, sem que estes tivessem conhecimento de sua real situação. Hoje se considera crucial que o médico, juntamente com sua equipe, respeite a autonomia de vontade do seu paciente.
6 TESTAMENTO VITAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A declaração prévia de vontade do paciente terminal, conhecida no Brasil por testamento vital, é uma questão, que a cada dia, ganha fôlego nas diversas searas de conhecimento. Contudo, em que pese sua significância como símbolo de súplica ao direito de viver uma morte de feição humana, no ordenamento jurídico pátrio, até o momento, não há legislação específica sobre o tema, motivo pelo qual se impõe verificar a possibilidade do testamento vital ser reconhecido na órbita jurídica brasileira.
Frente a essa omissão cabe o presente trabalho explanar como se dá a prática do testamento vital no Brasil, sem lei especifica que o defina.
6.1 Resoluções do conselho Federal de Medicina sobre o tema
Conforme elucidado anteriormente, o Testamento Vital não possui norma específica que o regulamente, e, em razão disso, foram criadas Resoluções pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) de n° 1.805/2006 e n° 1.995/2012, que apesar de não possuírem força de lei, funcionam como base a serem seguidas pelos médicos, sendo que a não observância das mesmas podem acarretar até mesmo a cassação da permissão para exercício da medicina.
É sabido que as Resoluções do CFM não são suficientes para tornar válida a prática do Testamento Vital, mas são de grande valia, principalmente no que se refere à melhor decisão tomada pelos médicos, diminuindo o receio que existe por parte da equipe médica em aceitar o Testamento Vital.
A autora Luciana Dadalto explica sobre a Resolução:
Em 28 de novembro de 2006, o CFM editou a Resolução nº 1.805 que, segundo consta no preâmbulo, permite ao médico limitar ou suspender, na fase terminal de enfermidades graves, tratamentos que prolonguem a vida do doente. Contudo devem ser mantidos “os cuidados necessários para aliviar sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal” (DADALTO, 2015, p.155)
A Resolução n° 1.805/2006 possui apenas três artigos, sendo uma norma que vincula apenas à comunidade médica.
Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário (PORTAL MEDICO)[5]
Para que esta Resolução fosse aprovada, um longo caminho teve que ser percorrido, pois segundo explica Luciana Dadalto (2015), o Ministério Público Federal do Distrito Federal ajuizou ação civil pública, em 09 de maio de 2008 contra o CFM, questionando a Resolução n° 1.805/2006 e afirmando que o CFM não tem poder regulamentador para estabelecer como comportamento ético uma conduta que é tipificada como crime.
Pode-se observar que o MPF em sua ação civil pública confunde claramente a prática da eutanásia que realmente é uma conduta tipificada como crime, com a ortotanásia que trata da Resolução nº 1.805/2006.
No que se refere a eutanásia, os autores Maria de Fátima Freire de Sá e Bruno Torquato de Oliveira Naves, entendem que:
Nos dias atuais, a nomenclatura eutanásia vem sendo utilizada como a ação médica que tem por finalidade abreviar a vida de pessoas. É a morte de pessoa que se encontra em grave sofrimento decorrente de doença, sem perspectiva de melhora produzida por médico, com o consentimento daquela. A eutanásia, propriamente dita, é a promoção do óbito. É a conduta, por meio da ação ou omissão do médico, que emprega, ou omite, meio eficiente para produzir a morte em paciente incurável e em estado de grave sofrimento, diferente do curso natural, abreviando-lhe a vida. É aquele ato em virtude do qual uma pessoa dá a morte a outra, enferma e parecendo incurável, ou a seres acidentados que padecem dores cruéis, a seu rogo ou requerimento e sob impulsos de exacerbado sentimento de piedade e humanidade. (SÁ; NAVES, 2015, p. 375-376).
Já a ortotanásia segundo a autora Luciana Dadalto, através das palavras do Juiz Federal Roberto Luís Luchi Demo:
A ortotanásia não antecipa o momento da morte, mas permite tão somente a morte em seu tempo natural e sem utilização de recursos extraordinários postos à disposição pelo atual estado da tecnologia os quais apenas adiam a morte com sofrimento e angústia para o doente e sua família. (DADALTO, apud, 2015, p.157-158).
Vale ressaltar que a referida Resolução tem surtido efeitos e, através dela, pode-se defender a prática da ortotanásia no Brasil, sendo aceita pelo CFM.
Depois de aprovada a Resolução nº 1805/2006, que trata da ortotonásia, o Conselho Federal de Medicina aprovou, no dia 31 de agosto de 2012, a Resolução nº 1.995 sendo esta a primeira a tratar das diretivas antecipadas de vontade no Brasil. Esta se concentra em respeitar a vontade do paciente, e, assim, como a resolução anterior, não possui nenhuma relação com a prática da eutanásia.
Essa resolução trouxe grande avanço e maior conhecimento acerca das diretivas antecipadas de vontade, apesar de não ser muito extensa, contendo apenas três artigos.
Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.§ 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.§ 2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.§ 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.§ 4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente.§ 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação. (Conselho Federal de Medicina)[6]
Assim como a Resolução nº 1.805/2006, esta também foi considerada pelo Ministério Público Federal como inconstitucional, como se observa nas palavras da autora Luciana Dadalto:
Seguindo o que parece ser um comportamento reiterado de alguns membros do Ministério Público Federal, o Procurador da República de Goiás, Ailton Benedito de Souza, ajuizou em 31 de janeiro de 2012, Ação Civil Pública com a finalidade de ter declarada, pelo Poder Judiciário, a inconstitucionalidade da Resolução nº 1.995/2012, sob o argumento de que ela “extravasa o poder regulamentar do CFM, impõe riscos á segurança jurídica, alija a família de decisões que lhe são de direito e estabelece instrumento inidôneo para o registro de diretivas antecipadas de pacientes.” (DADALTO, 2015, p. 166).
Essa ação civil pública foi indeferida no dia 15 de março de 2013 pelo juiz federal Jesus Crisóstomo de Almeida.
8 TESTAMENTO VITAL FRENTE A FALTA DE NORMA REGULAMENTADORA
Como já dito em capítulo anterior, o Testamento Vital não possui lei específica no Brasil, mas isso não quer dizer que a sua prática não seja válida. O Testamento Vital encontra guarita nas Resoluções do Conselho Federal de Medicina, bem como nos princípios da autonomia privada e da dignidade da pessoa humana.
As Resoluções do CFM foram de grande valia para o Testamento Vital, tornando válida a prática do médico. Tais Resoluções são vinculadas especificamente para a comunidade médica, sendo obrigatória a aceitação por parte da mesma em relação ao Testamento Vital, a não ser que este esteja em desacordo com as normas do Código de Ética Médica.
O próprio Código de Ética Médica, Resolução nº 1.931/2009, em seu artigo 41, prevê, ainda que de forma implícita, o testamento vital:
Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. (CFM, 2010).[7]
Os princípios também são grandes norteadores do Testamento Vital, pois defendem o direito do paciente de escolher o que acredita ser melhor para ele, utilizando-se do princípio da autonomia da vontade para decidir a quais tratamentos deseja ou não ser submetido e também, através do princípio da dignidade da pessoa humana poder fazer valer o direito a ter morte digna, de maneira natural, sem prolongamentos e sem sofrimento.
Dessa forma, baseando-se nos princípios, pode-se observar através das palavras da autora Luciana Dadalto que:
O testamento vital é expressão de autonomia do sujeito, garantidor da dignidade deste, pois ao garantir ao indivíduo o direito de decidir sobre os tratamentos aos quais deseja ser submetido caso se torne um paciente terminal, preserva sua vontade e evita sua submissão ao esforço terapêutico – prática que visa manter a vida mesmo sem condição de reversibilidade da doença, - considerado pela presente pesquisa um tratamento desumano diante da comprovação que este esforço não causará nenhuma vantagem objetiva ao paciente, vez que não impedirá a morte deste. (DADALTO, 2015, p.179).
Além das resoluções e dos princípios, o Testamento Vital também encontra base no Enunciado nº 37 da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça, que foi realizada nos dias 14 e 15 de maio de 2014.
Esse enunciado fala especificamente sobre as diretivas antecipadas dispondo que:
ENUNCIADO Nº 37As diretivas ou declarações antecipadas de vontade, que especificam os tratamentos médicos que o declarante deseja ou não se submeter quando incapacitado de expressar-se autonomamente, devem ser feitas preferencialmente por escrito, por instrumento particular, com duas testemunhas, ou público, sem prejuízo de outras formas inequívocas de manifestação admitidas em direito (Enunciado CNJ)[8]
O Testamento Vital não possui norma específica no Brasil, mas apesar disso já existem casos em que esse documento foi aceito pelas equipes médica tomando como base os princípios constitucionais e as Resoluções. Importante ressaltar que estas não são suficientes para a legalização do mesmo, no ordenamento jurídico brasileiro, necessário se faz portanto, a criação de uma lei específica que disponha sobre questões formais atinentes ao tema.
8.1 Forma e Características do Testamento Vital
Quanto à forma de elaboração e característica do Testamento Vital, vale observar que em alguns países quem tem legislação semelhante à legislação brasileira, o Testamento Vital pode ser público ou privado, como bem observa a autora Luciana Dadalto explica que:
Em países com tradição jurídica semelhante á do Brasil como Espanha, por exemplo, o testamento vital pode ser público ou privado. Na primeira, modalidade, o documento é registrado em cartório, por meio de escritura pública, sem a presença de testemunhas. Na segunda, o documento deve ser assinado por testemunhas, contudo, não há previsão legal do número de testemunhas necessário. (DADALTO, 2015, p.184).
É importante esclarecer que após realizado o registro do Testamento Vital em cartório, este terá fé pública, por ter sido lavrado por pessoa investido de atribuições públicas, no caso por tabelião de notas. Por ter sido confeccionado em Cartório Notas, sua acessibilidade será segura, necessitando apenas expedir uma certidão, a fim de garantir a efetividade do mesmo. Importante também que se anexe o Testamento Vital ao prontuário médico, para que a equipe médica tome conhecimento do mesmo e trazendo maior segurança ao profissional da medicina.
Cabe ressaltar, quanto ao discernimento, que este é requisito essencial para que se possa elaborar um testamento vital. Luciana Dadalto, através das palavras de Naves e Sá, afirma que:
O paciente precisa ter discernimento para a tomada de decisão. Discernimento significa estabelecer diferença; distinguir, fazer apreciação. Exige-se que o paciente seja capaz de compreender a situação em que se encontra. Em direito, a capacidade de fato (ou capacidade para o exercício) normalmente se traduz em poder de discernimento, no entanto, diante do quadro clínico, o médico deverá atestar se o nível de consciência do paciente permite que ele tome decisões. (NAVES; SÁ, 2002 apud DADALTO, 2015, p.73-74).
É importante salientar que para realizar o Testamento Vital é necessário que se tenha alcançado a maioridade e seja capaz, pois este é um ato unilateral, revogável e personalíssimo. Todavia, entende-se que o menor que queira redigir um Testamento Vital, poderá fazê-lo desde que haja autorização judicial, comprovando que apesar da menoridade, o indivíduo possui discernimento para a prática do ato.
8.2 Prazo de Validade do Testamento Vital
Acerca do prazo de validade do Testamento Vital, seguindo os exemplos do que acontece em outros países, onde a prática do mesmo já é legal, a autora Luciana Dadalto, através das palavras de Sánchez defende que:
O testamento vital deve ter prazo de validade, sob o argumento de que são documentos dinâmicos que não podem ser esquecidos depois de elaborados, e que a Medicina avança constantemente, portanto, seria possível que determinada enfermidade considerada incurável na data da elaboração do documento tenha se tornado curável na data de sua aplicação. Este argumento foi adotado pelo legislador português que prevê, na Lei nº25/2012, um prazo de validade de cinco anos para as DAV. (SÁNCHEZ, 2003 apud DADALTO, 2015, p. 189-190).
Semelhantemente também é o entendimento do professor e advogado, Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior (2016) que acredita que “em tese, no Brasil não existe prazo de validade para tal manifestação de vontade escrita, porém, por analogia, deverá ser adotado o prazo de 05 anos, conforme os demais países que permitem a realização do testamento vital”.
Em entendimento contrário, a autora Luciana Dadalto, acredita que:
Conforme já mencionado, as declarações prévias de vontade do paciente terminal são, por essência, revogáveis, razão pela qual discorda-se da fixação do prazo de validade nestes documentos, pela total desnecessidade, vez que a qualquer tempo o outorgante pode revogar a manifestação anterior. (DADALTO, 2015, p. 190)
Fazendo-se uma comparação com o Testamento Civil, observa-se que se trata de manifestação de vontade do indivíduo, podendo ser revogado a qualquer tempo pelo testador. Da mesma forma, no Testamento Vital, o indivíduo que houver feito o mesmo, poderá revogá-lo a qualquer tempo.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Testamento Vital é um tema que vem sendo discutido e crescendo diariamente no Brasil, pois a maioria das pessoas possui certo receio com relação à forma como será o momento da sua morte; querem que seja com o mínimo de sofrimento possível. É basicamente isso de que se trata o Testamento Vital, a morte no seu devido tempo, sem prolongar através de métodos que causem mais dor ao paciente e aos seus familiares.
Apesar de ser uma prática ainda sem norma legal, pôde-se perceber através do estudo ora realizado que o Testamento Vital vem sendo realizado, utilizando-se das Resoluções do Conselho Federal de Medicina e dos princípios da dignidade da pessoa humana e do princípio da autonomia privada. Mas isso não faz com que a criação de uma norma se torne desnecessária, pelo contrário, é de extrema importância, para que a mesma possa versar sobre questões formais atinentes ao tema.
Resta induvidoso que o Testamento Vital consiste em um documento onde o indivíduo que se vê diante de uma doença terminal, tenha a opção, por meio do mesmo, de escolher sobre quais tratamentos deseja ou não ser submetido. É necessária a feitura de uma norma específica sobre o tema, mas a sua ausência não impede a existência do mesmo no Brasil, concluindo-se portando que há a possibilidade de existir o Testamento Vital no ordenamento jurídico brasileiro.
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[1] VER: V Jornada de Direito Civil: Conselho Nacional de Justiça.https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/597. Acessado em 22 de Maio de 2019.
(Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>). Acessado em 17 de agosto de 2019.
[3]( Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>). Acessado em 17 de Agosto de 2019.
[4] VER: Testamento Vital. //testamentovital.com.br/conduta-medica-diante-testamento-vital/>). Acessado em 22 de Maio de 2019.
[5] (Disponível em <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm>). Acessado em 23 de Maio de 2019.
.[6]VER: Portal Medicoc (Disponível em <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1995_2012.pdf>).
[7] VER:Resoluçãodo Conselho Federal de Medicina. Disponível em <http://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/codigo%20de%20etica%20medica.pdf>)
[8] VER: Enunciados do CNJ. (Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/ENUNCIADOS_APROVADOS_NA_JORNADA_DE_DIREITO_DA_SAUDE_%20PLENRIA_15_5_14_r.pdf>)