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O CRIME DO ARTIGO 90 DA LEI DE LICITAÇÕES

Agenda 24/11/2019 às 10:44

O PRESENTE ARTIGO, DIANTE DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ, TRAZ ALGUMAS ANOTAÇÕES SOBRE A HIPÓTESE DELITIVA APONTADA.

O CRIME DO ARTIGO 90 DA LEI DE LICITAÇÕES

Rogério Tadeu Romano

Há o crime de frustrar ou fraudar o caráter competitivo das licitações, artigo 90 da Lei n. 8666/93, onde o sujeito ativo é o concorrente que frustra ou frauda, mediante ajuste, combinação ou outro expediente qualquer, a natureza competitiva do procedimento licitatório, valendo-se de outro concorrente ou do servidor público ou agindo só, como ensina Diógenes Gasparini (Crimes na Licitação, Editora NDJ, 3ª edição, pág. 102).

Não há nesse crime nada que possa sugerir uma finalidade específica como é própria do elemento subjetivo do tipo, em face do seu especial fim de agir, também chamado de dolo específico (a partir de expressões do tipo, a fim de.... com o propósito de... no intuito de...com motivo de..., sempre a demonstrar uma disposição ou motivação especial, o que não ocorre nessa aludida figura delitiva).

 Tem-se que surge o dolo específico quando exija o tipo, como condição da própria tipicidade, que o agente realize a ação visando a uma determinada finalidade, diversa da vontade acrisolada à conduta. Desta sorte, no dolo específico observa-se o acréscimo de certa intenção à vontade genérica de realizar o comportamento incriminado. Há, portanto, explícita na estruturação típica do delito, uma intenção que se agrega e adiciona a outra, de cunho genérico, necessária para a constituição jurídica do crime. É a vontade que excede à do tipo, ampliando seu conteúdo subjetivo”.

Portanto, a omissão eloquente nesse dispositivo legal, ao não fazer referência explícita a qualquer finalidade específica, como é própria do dolo específico, isso fala por si mesmo, o que bem demonstra que essa construção jurisprudencial hoje predominante nessa Col. Corte Superior se deu em descompasso com as melhores lições do direito penal, das quais por certo o Pretório Excelso se valeu ao assim decidir: “...Na maioria das vezes, a lesividade ao erário público decorre da própria ilegalidade do ato praticado. Assim o é quando dá-se a contratação, por município, de serviços que poderiam ser prestados por servidores, sem a feitura de licitação e sem que o ato administrativo tenha sido precedido da necessária justificativa” (RE nº 160.381-0/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12.08.1994).

No entanto, anoto que, por maioria de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou integralmente a denúncia oferecida contra o deputado federal João Paulo Kleinübing (PSD-SC) pela suposta prática de crime de responsabilidade e fraude em licitação referente a fatos ocorridos quando ele era prefeito de Blumenau (SC). A decisão foi tomada no julgamento do Inquérito (INQ) 4103.

O julgamento teve início, quando o relator do caso, ministro Teori Zavascki (falecido), votou pelo recebimento parcial da denúncia, apenas quanto ao delito previsto no artigo 90 da Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações), o qual criminaliza a conduta de “frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação”. Na ocasião, o ministro Dias Toffoli pediu vista dos autos.

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Consoante o site do STF, em 7 de novembro de 2017, para o ministro Toffoli, a peça acusatória não descreve o dolo específico do agente, situação que deve levar ao reconhecimento de sua inépcia. “Trata-se de um defeito formal da denúncia”, concluiu.

O tipo envolve concurso de agentes. Ora, a lei fala em ajuste ou combinação, isto pode ocorrer quando os sujeitos envolvidos arranjam um acordo para assegurar a vitória de um deles ainda que por condições paralelas.   Afronta‐se nessa conduta o caráter competitivo da competição.  

 

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o crime do art. 90 da Lei n. 8.666/1993 é formal e prescinde da existência de prejuízo ao erário, haja vista que o dano se revela pela simples quebra do caráter competitivo entre os licitantes interessados em contratar, causada pela frustração ou pela fraude no procedimento licitatório. A decisão (AgRg no REsp 1793069/PR) teve como relator o ministro Jorge Mussi:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FRAUDE À LICITAÇÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PROVA. PARTICIPAÇÃO DIRETA DO RÉU. SÚMULA N. 7/STJ. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO E DANO AO ERÁRIO. AGRAVANTE GENÉRICA (ART. 61, II, G, CP). BIS IN IDEM. NÃO CONFIGURADO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A alegação de inépcia da denúncia fica superada com a superveniente prolação da sentença condenatória, na qual houve exaustivo juízo de mérito acerca dos fatos delituosos denunciados. Precedentes. 2. A análise do tema relativo à ausência de indicação de prova da participação direta do réu na prática do delito é inviável em recurso especial, por demandar o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada na espécie ut Súmula n. 7/STJ. 3. Consoante orientação jurisprudencial desta Corte, o delito descrito no art. 90 da Lei n. 8.666/1993, é formal, bastando para se consumar a demonstração de que a competição foi frustrada, independentemente de demostração de recebimento de vantagem indevida pelo agente e comprovação de dano ao erário (HC 341.341/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 16/10/2018, DJe 30/10/2018). 4. É perfeitamente factível a incidência da agravante genérica prevista no art. 61, II, g, do Código Penal no crime de fraude em licitação, porquanto foi violado dever inerente à função pública que o recorrente exercia, circunstância que não integra o tipo previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1993 (REsp 1484415/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 22/02/2016). 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1793069/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 10/09/2019, DJe 19/09/2019).

Precedentes no mesmo sentido, segundo levantamento no Ius Brasil, em artigo específico na matéria:

Sobre o tema, na linha do Ius Brasil, tem-se:

O crime previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1993 classifica-se como comum, não se exigindo do sujeito ativo nenhuma característica específica, podendo ser praticado por qualquer pessoa que participe do certame.

Acórdãos

É possível a incidência da agravante genérica prevista no art. 61IIg, do Código Penal, no crime de fraude em licitação, quando violado dever inerente à função pública, circunstância que não integra o tipo previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1993.

Acórdãos

 É possível o concurso de crimes entre os delitos do art. 90 (fraudar o caráter competitivo do procedimento licitatório) com o do art. 96, inciso I (fraudar licitação mediante elevação arbitraria dos preços), da Lei de Licitações, pois tutelam objetos distintos, afastando-se, portanto, o princípio da absorção.

Acórdãos

Decisões Monocráticas

8) Em relação ao delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1993, o termo inicial para contagem do prazo prescricional deve ser a data em que o contrato administrativo foi efetivamente assinado.

Acórdãos

Decisões Monocráticas

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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