Um dia qualquer você tenta constituir um crédito e descobre que o seu nome se encontra inscrito nos cadastros de inadimplentes: SPC, SERASA, CADIN, ou em qualquer outro.
Ao buscar informações sobre a origem da inscrição negativa ainda descobre que o débito decorre de IPVA do carro que você acabou de adquirir e de período anterior à aquisição.
Todavia, o que você acaba descobrindo, também, é que o débito realmente é seu, então, vem o susto e a pergunta: “Como assim?”
Mas, e se a realidade fática fosse vista por outro ângulo, em que você descobre que teve seu nome negativado por débitos de IPVA sobre veículo que você vendeu há 02 (dois) meses e de período anterior à venda, ou seja, por débito gerado no período em que você era o proprietário do veículo, “e ai?”
E aí, que o órgão credor apenas pode cobrar o débito decorrente de IPVA do atual proprietário registrado no momento da cobrança, não podendo fazê-lo ao proprietário anterior ainda que débito decorra do período em que este era o dono do veículo à época.
Assim, a cobrança realizada sobre o proprietário anterior é ato irregular e indevido, podendo gerar a condenação do infrator ao pagamento de indenização por danos morais.
O IPVA é um Imposto Estadual devido sobre a Propriedade de Veículos Automotores, sendo este o fato gerador do referido tributo, de tal sorte que somente o proprietário do veículo pode ser contribuinte do imposto.
O art. 131, inciso I, do Código Tributário Nacional estabelece que “são pessoalmente responsáveis o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos". Posto isto, o adquirente do veículo se torna responsável pelo pagamento dos débitos de IPVA, sendo desinfluente o exercício em que ocorreu o fato gerador.
Portanto, a inscrição negativa do nome do ex-proprietário constitui-se em ato ilícito que acarreta constrangimento, angústia, abalo moral, danos à honra, à imagem, passíveis de condenação do infrator ao pagamento de indenização por danos morais.
O STJ já se posicionou a respeito deste tema ao afastar a reparação de danos extrapatrimoniais pela inscrição indevida em órgão restritivo de crédito do nome do proprietário atual do veículo que ajuizou ação contra o Estado:
“TRIBUTÁRIO. IPVA. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO ADQUIRENTE POR DÉBITOS ANTERIORES. LEGITIMIDADE. INSCRIÇÃO NO CADIN. POSSIBILIDADE.1. Por força do art. 131, |, do CTN, o adquirente do veículo se torna responsável pelo pagamento dos débitos de IPVA, sendo desinfluente o exercício em que ocorreu o fato gerador. 2. A inscrição regular do responsável tributário no cadastro de inadimplentes, por não se qualificar como ato ilícito, não ocasiona dano moral indenizável.3. Recurso especial provido, devendo os autos retornarem ao Tribunal de origem para exame dos demais temas suscitados nos recursos de apelação.”(Rel. Ministro Gurgel De Faria — STJ - Recurso Especial nº 1.306.407 - RS (2011/0214836-4) – DJ: 30/11/2016).
Saliente-se ainda que no Recurso Especial 1.667.974, em que foi relator o Ministro Geraldo Og Nicéas Marques Fernandes aduziu que “Quanto aos débitos tributários, esta corte de Justiça possui o entendimento firmado de que a obrigatoriedade prevista do artigo 134 do CTB, qual seja, a comunicação pelo alienante de veículo sobre a ocorrência de transferência da propriedade ao órgão de trânsito competente sob pena de responder solidariamente em casos de eventuais infrações de trânsito, não se aplica extensivamente ao pagamento do IPVA, pois o imposto não se confunde com penalidade”.
Logo, o disposto no art. 134 do CTN prevê a solidariedade entre vendedor e comprador do veículo APENAS em relação às multas de trânsito impostas até a data em que a venda do carro for comunicada ao fisco, conforme se vê nas seguintes decisões:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N° 3/STJ. IPVA. ALIENAÇÃO DE VEÍCULO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO, NA FORMA DO ART. 134 DO CTB. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO GERA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA AO ANTIGO PROPRIETÁRIO, EM RELAÇÃO AO PERÍODO POSTERIOR À ALIENAÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A obrigação de expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando for transferida a propriedade, prevista no art. 123, I, do CTB, é imposta ao proprietário adquirente do veículo pois, em se tratando de bem móvel, a transferência da propriedade ocorre com a tradição. 2. A responsabilidade solidária prevista no art. 134 do CTB refere-se às penalidades (infrações de trânsito), não sendo possível interpretá-lo ampliativamente para criar responsabilidade tributária ao antigo proprietário, não prevista no CTN, em relação a imposto ou taxa incidente sobre veículo automotor, no que se refere ao período posterior à alienação. Precedentes. 3. Agravo interno não provido.”(AgInt no REsp 1598122/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 02/08/2016, DJe 12/08/2016)
“TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. IPVA. ALIENAÇÃO DO AUTOMÓVEL. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO ÓRGÃO DE TRÂNSITO. VALORES DEVIDOS PELO NOVO PROPRIETÁRIO. ILEGITIMIDADE DA COBRANÇA DIRECIONADA AO ANTIGO PROPRIETÁRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. 1. Segundo o entendimento jurisprudencial do STJ, ocorrida a tradição do veículo, não há como determinar que o antigo proprietário responda pela cobrança do IPVA. 2. O STJ pacificou a orientação de que o quantum da verba honorária, em razão da sucumbência processual, está sujeito a critérios de valoração previstos na lei processual, e sua fixação é ato próprio dos juízos das instâncias ordinárias, às quais competem a cognição e a consideração das situações de natureza fática. 3. Nesses casos, esta Corte Superior atua na revisão da verba honorária somente quando esta tratar de valor irrisório ou exorbitante, o que não se configura neste caso. Assim, o reexame das razões de fato que conduziram a Corte de origem a tais conclusões significaria usurpação da competência das instâncias ordinárias.4. Dessa forma, aplicar posicionamento distinto do proferido pelo aresto confrontado implicaria, necessariamente, o reexame da matéria fático-probatória, o que é obstado a este Tribunal Superior, conforme determinado na Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial."5. Agravo Regimental não provido.”(AgRg no AREsp 793.588/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/02/2016, DJe 19/05/2016)
Os Automóveis são bens móveis cuja transferência dá-se com a tradição, portanto, a ausência de efetiva transferência do veículo junto ao DETRAN para o novo adquirente constitui providência administrativa objetivando dar ciência do ato a terceiros pelo qual não vincula a responsabilidade do ex-proprietário sobre o IPVA afastando a responsabilidade tributária, o que não ocorre com eventuais multas de trânsito, já que quanto a estas a responsabilidade é solidária.
De outra forma, o atual proprietário do veículo que tenha sido prejudicado pela cobrança de uma dívida anterior à aquisição do bem pode ajuizar ação judicial contra o proprietário anterior para reaver o prejuízo material decorrente de tal fato. Todavia, é necessário considerar se o proprietário anterior deu conhecimento ao atual proprietário da existência desse débito, se as partes envolvidas acordaram quem assumiria a responsabilidade sobre o débito; ou se houve uma má fé ou omissão por parte do proprietário anterior para auferir vantagem ilícita ludibriando o adquirente.
Sendo assim, o melhor é estabelecer claramente no contrato de compra e venda de veículos todas as condições e obrigações dos contratantes para evitar problemas futuros à qualquer das partes, bem como se cercar de toda a atenção levantando a situação do veículo junto ao DETRAN, emitindo certidões e documentos hábeis a provar a condição do automóvel no momento da aquisição do bem, sem deixar de formalizar a transferência do mesmo.