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O problema da definição dos destinatários da responsabilização prevista na Lei Anticorrupção

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Agenda 25/11/2019 às 23:33

4. EMPRESAS ESTATAIS E FUNDAÇÕES PÚBLICAS NO POLO ATIVO

Conforme já foi objeto de estudo, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações públicas de direito privado integram a Administração Pública indireta30, portanto, estão inseridas no conceito de Administração Pública nacional prevista no caput do art. 1º, da Lei nº. 12.846/201331.

No entanto, não parece ser adequado conceber que os entes públicos de direito privado possam, em qualquer hipótese de verificação dos atos lesivos, valerem-se da prerrogativa de utilizar a lei anticorrupção.

A natureza sui generis de pessoa jurídica de direito privado que a lei conferiu à empresa pública e à sociedade de economia mista teve por objetivo possibilitar sua livre atuação no mercado, em paridade de forças com sociedades empresárias nacionais e internacionais.

Destarte, caso estas figuras possam adotar a responsabilização prevista na lei anticorrupção, em face das pessoas jurídicas que mantém relações voltadas à exploração de atividade econômica, estar-se-á diante de um fator de desequilíbrio nas relações comerciais. Algo que violaria os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência e, além de prejudicar os contratantes das estatais, provocaria a diminuição da participação destas no mercado, dada a perda do caráter comutativo de seus contratos.

Os mencionados princípios seriam violados simultaneamente, nessa hipótese, devido ao fato de a proteção da livre concorrência decorrer do entendimento segundo o qual a livre iniciativa, enquanto liberdade de iniciativa empresarial, pressupõe não apenas a ideia de liberdade para ter acesso ao mercado, mas também a ideia de liberdade para neste permanecer. Por esse motivo, a livre concorrência32 compreende a liberdade para exercer a atividade econômica, sem que haja interferência do Estado ou de outros agentes econômicos privados.

A aplicação da lei anticorrupção às estatais representaria, portanto, uma interferência do Estado na livre concorrência. Situação que não tem amparo constitucional como leciona Manoel Jorge e Silva Neto:

[...] tanto o § 1º, II, como o § 2º do art. 173. [da CF/88] buscam localizar no mesmo plano o Estado-empresário e os entes privados, certamente por ter concluído o constituinte originário que, em um sistema capitalista governado pela regra do livre mercado, seria inaceitável a concessão de privilégios às empresas públicas e sociedades de economia mista, posto que vulnerar-se-iam, a um só tempo, os princípios constitucionais econômicos da liberdade de iniciativa e da livre concorrência. 33

A violação ao princípio da livre concorrência e com este o da livre iniciativa é o principal motivo pelo qual se deve afastar a possibilidade de as empresas públicas e as sociedades de economia mista, nas relações de exploração de atividade econômica, poderem se valer da aplicação das sanções previstas na lei anticorrupção.

O art. 173, § 1º, II, da Constituição Federal34 estabeleceu que as estatais estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, dentre os quais, os direitos e obrigações comerciais. Por esse motivo, não se poderia estabelecer, por meio de lei, um regime próprio de sanções que se aplicasse às relações comerciais firmadas por essas sociedades empresárias.

Destarte, as estatais não se subsomem a condição de Administração Pública nacional prevista no caput do art. 1º, da lei anticorrupção, ou seja, de sujeito ativo da responsabilização prevista neste estatuto, quando figuram nas relações que importam o exercício da atividade econômica.

Não obstante, a Constituição não estabelece paridade de tratamento entre as estatais e demais pessoas jurídicas de direito privado na esfera administrativa. Ao revés disso, o art. 173, §1º, III, da CF/8835, consignou que as estatais devem ser regidas em suas licitações e contratos de obras, serviços, compras e alienações pelos princípios da administração pública.

Essa disposição constitucional visa estabelecer, nessas hipóteses, a adoção de tratamento específico em matéria de Direito administrativo, de modo a proteger, sempre com preponderância, os interesses públicos nas relações havidas com os particulares. Dai porque, em regra, não há igualdade de tratamento entre Estado e particulares nas relações de Direito administrativo.

Os contratos administrativos são bons exemplos disso, pois não guardam a marca da comutatividade, contemplando as chamadas cláusulas exorbitantes36, as quais não seriam comuns ou poderiam, até mesmo, ser consideradas ilícitas nos contratos particulares.

Desta forma, as estatais, quando estiverem atuando no regime de Direito administrativo, seja na realização de licitações ou celebração de contratos dessa natureza, ou, ainda, prestando serviços públicos, impõem-se em face do particular com a superioridade que lhes confere o princípio da supremacia do interesse público37.

Nessas hipóteses, as empresas estatais deverão ser enquadradas no conceito de Administração Pública nacional previsto no art. 1º, da Lei nº. 12.846/2013, podendo adotar os procedimentos de responsabilização previstos no estatuto legal.

As fundações públicas de direito privado, por sua vez, pelo fato de não exercem atividade econômica, não teriam qualquer restrição para figurar no polo ativo da responsabilização da lei anticorrupção.

Em síntese, as empresas públicas e sociedades de economia mista não poderão se valer da responsabilização prevista na lei anticorrupção quando se encontrarem em relações destinadas ao exercício da atividade econômica. No entanto, poderão figurar como sujeitos ativos da referida lei, quando mantiverem relações estritamente regidas pelo Direito administrativo e de prestação de serviço público. Já as fundações públicas de direito privado, em regra, integram o polo ativo da responsabilização prevista na Lei nº. 12.846/2013.

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Sobre o autor
Felipe Jacques Silva

Mestre e Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia - UFBA, Especialista em Direito Civil pela UFBA. Professor Substituto da Faculdade de Direito da UFBA, da Pós-graduação da UNIFACS e de outras faculdades. Sócio-fundador do Escritório Antônio Bastos & Felipe Jacques Advocacia Especializada.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto apresentado como parte da qualificação do Mestrado em Direito do PPGD/UFBA

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