Na última quarta-feira, 27/11/2019, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região em julgamento do processo do chamado “Sítio de Atibaia” envolvendo o ex-presidente Lula, votou por aumentar a condenação para 17 anos, um mês, e dez dias de prisão, substituindo a decisão de primeira instância que o havia condenado a 12 anos e 11 meses.
No referido julgamento, os Desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Carlos Eduardo Thompson Flores entenderam por bem não seguir o entendimento recentemente aplicado pelo Supremo Tribunal Federal de que “réus delatados devem apresentar suas alegações finais por último, depois dos réus delatores, como forma de assegurar o direito à ampla defesa”. Esse rito não foi observado no processo do sítio de Atibaia na primeira instância.
Em seu voto, O Desembargador Gebran foi até mais incisivo ao mencionar o novo entendimento do STF, pois, para ele, “todos os juízes do Brasil teriam que adivinhar que seria criada uma nova norma”.
O recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (outubro de 2019)
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) havia decidido, na sessão de 02/10/2019, que em ações penais com réus colaboradores e não colaboradores, é direito dos delatados apresentarem as alegações finais depois dos réus que firmaram acordo de colaboração.
Prevaleceu o entendimento de que, como os interesses são conflitantes, a concessão de prazos sucessivos, a fim de possibilitar que o delatado se manifeste por último, assegura o direito fundamental da ampla defesa e do contraditório.
Como a decisão tem repercussão em diversos processos concluídos ou em tramitação, os ministros decidiram que, para garantir a segurança jurídica, “será fixada uma tese” para orientar as outras instâncias judiciais.
O tema foi debatido no Habeas Corpus (HC) 166373, impetrado pelo ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, condenado no âmbito da Operação Lava-Jato. Ele alega que, mesmo tendo sido delatado, teve de apresentar suas alegações finais de forma concomitante com os réus que haviam firmado acordo de colaboração premiada. Com a decisão, foi anulada sua condenação e determinado que o processo retorne à fase de alegações finais para que o acusado possa se manifestar.
Em seu voto, o ministro Dias Toffoli ressaltou que, para se beneficiar do acordo de delação, o colaborador é obrigado a falar contra o delatado e se torna, na prática, uma testemunha de acusação. Para o presidente, o exercício do contraditório só será exercido plenamente se o delatado se manifestar por último.
Caso contrário, não terá a possibilidade de contradizer todas as acusações que possam levar à sua condenação. No caso de ações penais já concluídas, o ministro considera ser necessária a comprovação de que houve prejuízo para a defesa para que o processo retorne à fase de alegações finais.
O direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa deve permear todo o processo legal, garantindo-se sempre a possibilidade de a defesa se manifestar depois do agente acusador.
Vale ressaltar que pouco importa a qualificação jurídica do agente acusador: Ministério Público ou corréu colaborador. Se é um “agente acusador”, a defesa deve falar depois dele. Ao se permitir que os réus colaboradores falem por último (ou simultaneamente com os réus delatados), há uma inversão processual que ocasiona sério prejuízo ao delatado, tendo em vista que ele não terá oportunidade de repelir todos argumentos incriminatórios trazidos pelo réu delator ou para reforçar os favoráveis à sua defesa.
Assim, permitir o oferecimento de memoriais escritos de réus colaboradores, de forma simultânea ou depois da defesa — sobretudo no caso de utilização desse meio de prova para prolação da condenação —, compromete o pleno exercício do contraditório, que pressupõe o direito de a defesa falar por último, a fim de poder reagir às manifestações acusatórias. STF. 2ª Turma. HC 157627 AgR/PR, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 27/8/2019 (Info 949).
Pois bem.
Do ponto de vista eminentemente processual não há como se afirmar que o TRF -4 estava vinculado ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, até mesmo porque, vale lembrar, o STF aplicou esse entendimento no caso concreto do Habeas Corpus (HC) 166373, mas adiou o desfecho do julgamento justamente para a “fixação de uma tese” tendente a orientar as outras instâncias judiciais.
No entanto, é inegável que esta discussão travada no processo do “sítio de Atibaia” vai chegar ao crivo do STF, o qual, se mantiver o seu entendimento, fatalmente anulará a sentença e determinará o retorno do processo à fase de alegações finais, resultando numa grande “ciranda, cirandinha processual” o que, numa visão global, enfraquece a segurança jurídica do sistema judiciário brasileiro.
Fontes:
Site do Supremo Tribunal Federal
Jornal A Folha de São Paulo