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A seleção pública e o princípio da impessoalidade: a exclusão do jornal Folha de São Paulo da licitação do Governo Federal.

Agenda 01/12/2019 às 21:29

No último dia 28 de novembro de 2019, o Governo Federal publicou o edital Pregão n.º 39/2019 para a contratação de serviços de assinatura de jornais, com a exclusão do jornal Folha de São Paulo devido às supostas divergências com o Presidente da República

INTTRODUÇÃO

No dia 29 de novembro de 2019, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União pediu que a Corte apure se o presidente Jair Bolsonaro excluiu o jornal Folha de S. Paulo da licitação para assinatura de jornais por perseguição.

O edital do pregão eletrônico n.º 39/2019 foi publicado nesta quinta-feira (28/11), no Diário Oficial da União, e não traz a Folha na relação de veículos.

Para o Ministério Público, caso a exclusão do jornal não tenha se baseado em motivos legítimos ou critério técnico justificável, "tendo se prestado apenas à perseguição política do jornal", é caracterizado "desvio de finalidade e flagrante atentado aos princípios constitucionais da impessoalidade, isonomia, motivação e moralidade". 

Por fim, o Ministério Público afirma ainda que, se for caracterizada motivação ideológica, o ato pode ser interpretado como censura flagrantemente inconstitucional.

 

I)                   ASPECTO CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal de 1988 dispõe no caput de seu art. 37 uma determinação a todos os agentes públicos, nos seguintes termos:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”

 

Em primeiro lugar, convém esclarecer que o princípio da impessoalidade está relacionado com a finalidade pública. Noutra palavras, significa dizer que a Administração Pública não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento.

E, ainda, com o mesmo arrimo, dispõe sobre as licitações públicas:

“Art.37, XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

No que se refere às contratações públicas, via de regra, deverão ser realizadas mediante processo de licitação pública e, nesse desiderato, o princípio da impessoalidade incide para determinar que todos os participantes devem ser tratados com igualdade, em termos de direitos e obrigações, sem levar em consideração as condições pessoais do licitante ou as vantagens por ele oferecidas, salvo as expressamente previstas em lei ou no instrumento convocatório

II)                LEI FEDERAL N.º 8.666/93

No âmbito infraconstitucional temos um diploma importantíssimo que é a Lei de Licitações que, logo em seu artigo 3º, já dispõe sobre os objetivos de uma licitação, in verbis:

“Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.”

É de se notar, mais uma vez, que a igualdade entre os participantes constitui um dos alicerces da licitação, na medida em que se deseja não apenas permitir à Administração Pública a escolha da melhor proposta, como também assegurar igualdade de direitos a todos os interessados em contratar.

Tanto isso é verdade que no §1º, do mesmo art. 3º, da Lei n.º 8.666/93 é determinada a proibição aos agentes públicos de “admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstâncias impertinentes ou irrelevantes para o específico objeto do contrato, ressalvados os casos expressamente previstos em lei.

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III)              DESVIO DE FINALIDADE

Como é cediço, a Lei Federal n.º 4.717/1965 regulamenta a chamada Ação Popular, instrumento previsto na Constituição Federal, em seu art. 5º,LXXIII, como garantia fundamental. Justamente no art.2 º da referida Lei, estão consagrados os elementos que compõe um ato administrativo e as situações que os podem malucar com vícios.

Conceituando os casos de nulidade, a lei esclarece que “o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.

Assim, caso se comprove a ausência de critérios técnicos para a exclusão do jornal do fornecimento eletrônico a ser contratado pela Presidência da República, sem amparo no atendimento ao interesse público, tal ato estará inquinado de nulidade, sendo passível de apreciação pelos órgãos de controle e da aplicação das sanções previstas ao agente responsável, observado, é claro, o devido contraditório e a ampla defesa.

IV)             IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

 

A Constituição Federal de 1988 dispõe no § 4º de seu art. 37 que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

Justamente regulamentando o supracitado dispositivo constitucional, foi promulgada a Lei Federal n.º 8.429/92, que disciplina em seu art. 11 , inciso I, que constitui ato de improbidade administrativa “ praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência”.

Mas ainda não é só.

O fato é que se tal conduta, em tese, pode configurar ato de improbidade administrativa, o mesmo cenário pode dar suporte a uma situação muito mais grave, uma vez que a nossa Constituição Federal dispõe, em seu art. 85, inciso V, que configura crime de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra “a probidade na administração”.

 

V)               LIBERDADE DE IMPRENSA

A Constituição Federal, em seu art. 220, disciplina que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão, e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Dispõe ainda que “ nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”.

E, por fim, sacramenta que “é vedada toda e qualquer foram de censura de natureza política, ideológica e artística”.

Nunca é demais recordar que a liberdade de imprensa constitui um dos valores fundamentais de uma democracia. Aliás, não à toa, está consagrado logo no “Preâmbulo” de nossa constituição que o Brasil constitui um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício de direitos sociais e individuais, tais como a liberdade, a segurança e o bem-estar, como valores supremos de uma sociedade fraterna e pluralista.

Neste contexto, reforçou o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, em sua manifestação técnica, que a existência de motivação ideológica para o governo federal proceder à exclusão do jornal do fornecimento eletrônico licitatório pode, em tese, configurar uma situação de extrema gravidade, até mesmo dando azo à interpretação do ato como censura flagrantemente inconstitucional, na medida em que o “poder” da União Federal, financeiro e político, seria utilizado para penalizar os organismos de mídias, cujas matérias desagradam pessoalmente o Presidente da República.

 

 

 

Fontes:

Site de notícias “O consultor jurídico”.

Representação-técnica do Subprocurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

 

Sobre o autor
Fernando Magalhães Costa

Autor do PODCAST_Fernando Magalhães: https://bit.ly/fernandomagalhaes. Servidor público federal, Analista Judiciário do TRT da 2ª Região. 2006/2012 - servidor público federal, Técnico Judiciário do TRE-SP. Atuação como Assessor Jurídico Substituto da Presidência na área de Licitações e Contratos. Membro da Comissão Permanente de Licitações e da Equipe de Apoio ao Pregão. Gestor de Contratos. 2001 - Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Lotação: Departamento de Contas Nacionais.

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