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MANIPULAÇÃO NAS TAXAS DE CÂMBIO?

Agenda 03/12/2019 às 11:16

O ARTIGO EXPÕE SOBRE EPISÓDIO RECENTE NA POLÍTICA CAMBIAL DO BRASIL E SUAS CONSEQUÊNCIAS NO CAMPO DAS RELAÇÕES COMERCIAIS E NO DIREITO PENAL.

MANIPULAÇÃO NAS TAXAS DE CÂMBIO?

Rogério Tadeu Romano

Donald Trump anunciou no dia 2 de dezembro do corrente ano que pretende reintroduzir tarifas sobre as importações de aço e de alumínio do Brasil e da Argentina. O chefe da Casa Branca acusou os dois países sul-americanos de manipulação cambial, prejudicando os produtores norte-americanos. 

“O Brasil e a Argentina têm feito uma desvalorização maciça das suas moedas”, escreveu Trump no Twitter, acrescentando que o restabelecimento das tarifas terá “efeito imediato”. 

. Acentuou a Veja em sua edição de 29 de novembro de 2019:

O ministro da Economia, Paulo Guedes, na segunda-feira, dia 25, deu um recado aos brasileiros preocupados com a recente alta do dólar. Em  resposta a um jornalista em Washington, Guedes disse: “É bom se acostumar com câmbio mais alto e juro mais baixo por um bom tempo”.

Imediatamente, a moeda brasileira encolheu quase 2% e o dólar fechou em 4,24 reais, o maior valor nominal desde 1994. No dia seguinte, a moeda americana abriu o mercado em 4,27 reais, encolheu um pouco de valor e fechou na quarta em 4,26 reais, cravando outro recorde nos 25 anos de existência da moeda brasileira. Tal oscilação é alarmante para todos os brasileiros que pretendem viajar para o exterior ou que fizeram compras em moeda americana em seus cartões de crédito. Como o cálculo de câmbio leva em conta taxas de transferência de divisas, impostos, além das margens de corretagem dos agentes financeiros, é bem provável que o valor de conversão para as operações feitas na última semana chegue bem perto de 5 reais. Ou seja, quem comprou um iPhone 11 nos Estados Unidos no crédito por 700 dólares no fim de outubro vai pagar por volta de 3 500 reais na fatura ó quase 200 reais a mais do que se o valor de conversão fosse o do dia da compra.

Menciono ainda o que disse a revista Veja:

O plano de Guedes é manter o dólar mais caro e a Selic mais baixa por um período longo. Isso vai estimular investimentos em infraestrutura e dar fôlego às indústrias exportadoras. Com esse arranjo, o governo pretende que os especuladores internacionais que hoje operam no mercado deem lugar a investidores interessados em aplicar recursos em infraestrutura, produção de bens e no setor de serviços.

Em corajoso artigo em seu site Luiz Nassif(Erro na balança comercial  reforça suspeita de manipulação do câmbio por Guedes) tem-se:

Há novos indícios de que as declarações de Paulo Guedes em Washington, sobre o novo patamar do dólar, visaram gerar um movimento especulativo de alta do dólar.

O colega Fernando Brito chama a atenção para a manobra adicional de elevação do dólar.

No dia 13 de novembro, o dólar já vinha pressionado devido à situação internacional, aos movimentos populares na América Latina e aos resultados nas transações correntes – afetados pela baixa entrada de dólares nos leilões do pré-sal. Mesmo assim, as expectativas eram de que o câmbio se apreciasse nas semanas seguintes.

Em suma, um quadro de volatilidade propício para grandes tacadas especulativas, mas com o mercado levemente vendedor.

Em tempos de raios e trovoadas, o papel da autoridade monetária é a de manter a calma. É nesse quadro, que Paulo Guedes e equipe entram em campo.

No dia 18 de novembro, a Secretaria de Comércio Exterior anunciou um déficit comercial de US$ 492 milhões na terceira semana de novembro. Com o déficit previsto na balança comercial, o Banco Central estimou um déficit em transações correntes em novembro da ordem de US$ 5,8 bilhões.

No dia 23 de novembro, alavancados pelas notícias do déficit em transações correntes, o dólar bateu em R$ 4,21. Em vez de acalmar o mercado, no dia 26, uma segunda-feira, Paulo Guedes declarou um liberou geral para o câmbio: “Quando você tem política fiscal mais forte e juro mais baixo, o câmbio de equilíbrio é mais alto. Então que o câmbio esteja em torno de R$ 4, R$ 4 e pouco, subindo, é normal quando a gente troca o ‘mix’”, afirmou ele, depois de um evento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). “O Brasil é agora um país de juro mas baixo e câmbio um pouco mais alto”. No dia 28 de outubro o dólar estava em R$ 3,9919. No dia 27 de novembro, bateu na máxima de R$ 4,2586, uma alta de 6,7%.

No dia 28 de novembro, começa a reversão. O Banco Central entra no mercado vendendo US$ 1 bilhão. Ao mesmo tempo, a Secretaria de Comércio Exterior admite que cometeu um erro gigante, de 40% nos resultados das exportações em novembro – que passaram de US$ 9,7 bilhões para US$ 13,5 bilhões, eliminando o déficit em transações correntes.

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O dólar acalmou. Houve realização de lucros dos que compraram no período pré-declarações de Guedes.

É mais um elemento para a Procuradoria de Contas investigar esse episódio inédito, de uso de fake News com insider information.

Esse assunto é de máxima importância para uma investigação do Ministério Público Federal para saber se houve ou não um delito contra o colarinho branco. É preciso saber se houve a figura do insider information.

Colho do GGN de 29 de novembro do corrente ano:

A representação junto ao Tribunal de Contas da União do subprocurador Lucas Rocha Furtado, do Ministério Público de Contas, sobre as declarações do Ministro da Economia Paulo Guedes, de que o governo não iria conter a alta de dólar, entra pela primeira vez em um dos nervos expostos da corrupção financeira: o do insider information (informação privilegiada) na área do Banco Central.

É um estratagema que custa mais ao país do que corrupções de empreiteiras em obras públicas e foi praticado por muitos governos:

O jogo é simples.  Pega-se um ativo sensível às declarações, o câmbio. Há um jogo de braços em torno da cotação de equilíbrio, levando em conta os seguintes fatores:

  1. O fluxo de entrada e saída de moedas.
  2. Os limites de alta suportados pelo Banco Central, já que desvalorização excessiva pode impactar a inflação.
  3. Analise do quadro político interno.

Tudo isso leva o dólar a se fixar em determinados limites. De repente, Guedes dá duas declarações controvertidas: a favor do AI-5 e a favor da desvalorização do real.

Imediatamente há um salto na cotação da moeda, com perdedores e ganhadores. Lamento corrigir os analistas que interpretaram a alta como reação do mercado às ameaças contra a democracia. A alta foi efeito direto do anuncio de Guedes, de que o BC não iria intervir no mercado. Trata-se de um mercado bilionário, no qual pequenas oscilações da moeda produzem grandes lucros – ou prejuízos.

No momento seguinte, o Banco Central passou a vender dólares para conter a alta. Portanto, as declarações de Guedes tiveram o efeito de permitir um salto pontual nas cotações do dólar, até serem desmentidas pela própria atuação do BC.

Quem sabia da declaração comprou dólares um pouco antes e vendeu logo em seguida, assim que houve o salto nas cotações. Portanto, as investigações são bastante simples: basta conferir quem adquiriu dólares de forma expressiva antes das declarações de Guedes e vendeu imediatamente ao BC.

Trata-se de um caso mais grave do que o insider information tradicional, porque a intenção explícita de Guedes foi apenas o de provocar um salto pontual nas cotações.”

Sobre esse delito já escrevi.

O mercado de câmbio é regulamentado e fiscalizado pelo Banco Central e compreende as operações de compra e de venda de moeda estrangeira, as operações em moeda nacional entre residentes, domiciliados ou com sede no País e residentes, domiciliados ou com sede no exterior e as operações com ouro-instrumento cambial, realizadas por intermédio das instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio pelo Banco Central, diretamente ou por meio de seus correspondentes.

Câmbio é a operação de troca de moeda de um país pela moeda de outro país.

No Brasil, o mercado de câmbio é o ambiente onde se realizam as operações de câmbio entre os agentes autorizados pelo Banco Central e entre estes e seus clientes, diretamente ou por meio de seus correspondentes.

Incluem-se no mercado de câmbio brasileiro as operações relativas aos recebimentos, pagamentos e transferências do e para o exterior mediante a utilização de cartões de uso internacional, bem como as operações referentes às transferências financeiras postais internacionais, inclusive vales postais e reembolsos postais internacionais.

À margem da lei, funciona um segmento denominado mercado paralelo. São ilegais os negócios realizados no mercado paralelo, bem como a posse de moeda estrangeira oriunda de atividades ilícitas.

Podem ser autorizados pelo Banco Central a operar no mercado de câmbio: bancos múltiplos; bancos comerciais; caixas econômicas; bancos de investimento; bancos de desenvolvimento; bancos de câmbio; agências de fomento; sociedades de crédito, financiamento e investimento; sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários; sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários e sociedades corretoras de câmbio.

Esses agentes podem realizar as seguintes operações:

_·    a) bancos, exceto de desenvolvimento, e a Caixa Econômica Federal: todas as operações previstas para o mercado de câmbio;

b) bancos de desenvolvimento; sociedades de crédito, financiamento e investimento e agências de fomento: operações específicas autorizadas pelo Banco Central;

c) sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários; sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários e sociedades corretoras de câmbio:

c1.) operações de câmbio com clientes para liquidação pronta de até US$100 mil ou o seu equivalente em outras moedas; e

c2.) operações no mercado interbancário, arbitragens no País e, por meio de banco autorizado a operar no mercado de câmbio, arbitragem com o exterior.

Além desses agentes, o Banco Central também concedia autorização para agências de turismo e meios de hospedagem de turismo para operarem no mercado de câmbio. Atualmente, não se concede mais autorização para esses agentes, permanecendo ainda apenas aquelas agências de turismo cujos proprietários pediram ao Banco Central autorização para constituir instituição autorizada a operar em câmbio. Enquanto o Banco Central está analisando tais pedidos, as agências de turismo ainda autorizadas podem continuar a realizar operações de compra e venda de moeda estrangeira em espécie, cheques e cheques de viagem, relativamente a viagens internacionais.

As instituições financeiras autorizadas a operar em câmbio podem contratar correspondentes (pessoas jurídicas em geral) para a realização das seguintes operações de câmbio:

a) execução ativa ou passiva de ordem de pagamento relativa a transferência unilateral (ex: manutenção de residentes, transferência de patrimônio, prêmios em eventos culturais e esportivos ) do ou para o exterior, limitada ao valor equivalente a US$ 3 mil dólares dos Estados Unidos, por operação;

b) compra e venda de moeda estrangeira em espécie, cheque ou cheque de viagem, bem como carga de moeda estrangeira em cartão pré-pago, limitada ao valor equivalente a US$ 3 mil dólares dos Estados Unidos, por operação; e

c) recepção e encaminhamento de propostas de operações de câmbio.

A relação dos agentes autorizados a operar no mercado de câmbio pode ser consultada em: Câmbio e Capitais Internacionais

Quaisquer pagamentos ou recebimentos em moeda estrangeira podem ser realizados no mercado de câmbio, inclusive as transferências para fins de constituição de disponibilidades no exterior e seu retorno ao País e aplicações no mercado financeiro. As pessoas físicas e as pessoas jurídicas podem comprar e vender moeda estrangeira ou realizar transferências internacionais em reais, de qualquer natureza, sem limitação de valor, observada a legalidade da transação, tendo como base a fundamentação econômica e as responsabilidades definidas na respectiva documentação.

Embora do ponto de vista cambial não exista restrição para a movimentação de recursos, os agentes do mercado e seus clientes devem observar eventuais restrições legais ou regulamentares existentes para determinados tipos de operação. Como exemplo, relativamente à colocação de seguros no exterior, devem ser observadas as disposições dos órgãos e entidades responsáveis pela regulação do segmento segurador.

Os artigos 37 e 38 da Lei 12.529 fazem previsão das penas, a começar de multa de 0,1%(um décimo por cento) a 20%(vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível a sua estimação. Porém, no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações ou entidades ou pessoas constituídas de fato ou bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre  R$50.000,00(cinqüenta mil reais) e R$2.000.000.000,00(dois bilhões de reais), a teor do artigo 37, II. O inciso III do mesmo dispositivo legal impõe multa, no caso de administrador, direta ou indiretamente, responsável pela infração cometida, quando comprovada a sua culpa ou dolo, de 1%(um por cento) a 20%(vinte por cento) daquela aplicada à empresa, no caso do inciso I do caput deste artigo, ou as pessoas jurídicas ou entidades, nos casos previstos no inciso II do artigo 37. Se houver reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro. No caso de cálculo do valor da multa de que trata o inciso I do caput do artigo 37, o CADE poderá considerar o faturamento total da empresa ou do grupo de empresas, quando não vier a dispor do valor do faturamento do ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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