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As mortes em Paraisópolis e a responsabilidade civil do Estado.

Uma breve análise da relação entre a ação estatal e a tragédia ocorrida na comunidade

Agenda 04/12/2019 às 03:04

Trata-se de um panorama crítico sobre os aspectos da Responsabilidade Civil do Estado em relação à tragédia em Paraisópolis ocorrida em 01/12/2019, baseando-se em uma visão jurídica.

No dia 1º de dezembro de 2019, nove pessoas morreram pisoteadas na zona sul de São Paulo após uma confusão generalizada ocorrida momentos depois de uma ação policial dispersar um baile funk que ali ocorria. A partir desse momento, nasceu um fato com várias versões e vários pontos de vistas diferentes, principalmente entre a comunidade internauta.

Desse modo, busca-se, por meio deste artigo, uma análise geral de um dos aspectos dessa discussão, qual seja, a responsabilidade civil da Administração, uma vez que é ela a titular dos atos praticados por seus agentes, conforme veremos a seguir.

AFINAL, DE QUEM É A CULPA?

Uns culpam a polícia por tais mortes, tendo como o argumento de que a Polícia Militar cercou o baile de forma a impossibilitar uma saída segura e, com o uso de munições químicas, provocou imenso tumulto ocasionando as mortes das pessoas.

Outros, no entanto, culpam vários outros fatores tais como a precariedade do local sem segurança estrutural para uma saída urgente. Culpam também os próprios frequentadores do baile haja vista a proximidade com vários criminosos presentes no local, sendo estes, de acordo com a polícia, o objetivo da abordagem. E, por fim, culpam o instinto humano de fuga onde não se observa o cometimento de certos atos frente a um estado de pura necessidade.

Tendo em isso em vista, como o Direito aborda os presentes fatos? Há culpa? Há negligência? Se sim, por parte de quem? Haja vista que não tem conhecimento de nenhum policial ter matado qualquer jovem ali, ocasionando assim a falta no nexo causal. Tampouco se sabe quem realmente concorreu à morte das vítimas neste contexto. Logo, quem culpar?

Em um primeiro momento, devemos apenas nos debruçar sobre o aspecto de responsabilidade civil na situação e esquecer toda a parte penal presente no acontecimento. Logo, convido o leitor a realizar uma breve análise no que tange puramente a Responsabilidade Civil do Estado de modo a responder a seguinte questão: Pode o Estado ser responsabilizado por tais mortes?

 

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A responsabilidade civil do Estado é aquela que obriga a Fazenda Pública a ressarcir o dano causado aos seus administrados ou a terceiros por ação ou omissão de seus agentes públicos, no desempenho de suas funções, de modo a resguardar todas as pessoas e instituições ao quadro da ordem jurídica. Ou seja, isso mostra que o Estado não é inatingível e também está sujeito a indenizar quando vier a trazer prejuízo para qualquer pessoa.

Sabe-se que o Estado age por meio dos seus agentes, pessoas físicas incumbidas da função estatal, a qual prestará algum tipo de serviço público. No caso em questão, o agente público responsável pelos atos de abordagem policial foram todos os agentes policiais ali presentes, representados pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.

A ação desses agentes públicos dentro do contexto estava ligada a dispersão do baile funk que se acometia no dia 1º de dezembro do presente ano de 2019. De acordo com o apurado, a força policial utilizou-se de munição química não letal, além de suas técnicas direcionadas a contenção de tais eventos.

Observa-se que não desejamos adentrar no mérito se houve abuso de autoridade, extrapolação ou exagero por parte dos agentes, mas sim, apenas explicar em que processo se encaixa o serviço efetuado pelo Estado no exemplo.

Voltando a questão da Responsabilidade Estatal, temos que discorrer sobre a Responsabilidade Objetiva e a Responsabilidade Subjetiva do Estado.

Para a comunidade jurídica, o Estado só passa a ter responsabilidade de arcar com determinado prejuízo se diante de uma conduta comissiva praticada por seu agente público sendo tal responsabilidade existente, independente da existência de dolo ou culpa por parte dele. Ou seja, o ato praticado pelo agente é dado como ato praticado pela própria Administração Pública de modo a ser esta, a responsável pelo ato ora praticado. Já por outro lado, quando estivermos diante de uma omissão do Estado, essa responsabilidade que antes era objetiva, passa a ser subjetiva. Nesse caso o particular lesado deverá demonstrar a culpa da Administração sobre as modalidades de negligência, imprudência ou imperícia com nexo de causalidade ao dano sofrido.

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Nesse momento, o que se pode ter em relação à tragédia de Paraisópolis é no que tange ao dano causado às vítimas. De modo que não se configura, a priori, qualquer atitude comissiva dos agentes de segurança pública com direta causalidade com as mortes. Há de se valer que se fosse realizada aqui uma análise sob o aspecto penal, sequer haveria a possibilidade da união entre o dolo e a conduta, fatores cruciais a penalização de qualquer conduta comissiva. No entanto, como não é objeto de nossa discussão, verifica-se a possibilidade de ligar a ação dos agentes ao resultado morte das vítimas uma vez que o que gerastes o desespero entre os envolvidos fora a abordagem realizada pela Polícia Militar. Logo, o nexo de causalidade da morte das pessoas é conectado ao tumulto, todavia, o tumulto está diretamente ligado à abordagem policial.

Sob essa ótica, seria plausível tanto uma discussão sobre a causalidade superveniente relativamente independente que não por si só produziu o resultado, como também, seria plausível discussões a respeito de uma responsabilização do Estado por imprudência, sendo este um comportamento de precipitação ou falta de cuidados em uma ação que de certo modo relaciona-se a culpa e não ao dolo, modificando assim o procedimento para responsabilização da Administração.

De qualquer maneira, ainda que fosse discutida somente sob o aspecto da responsabilidade civil do Estado, haveria necessidade de se explorar a teoria do risco administrativo e de suas excludentes, conforme se observa a seguir.

 

A TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO

Por essa teoria, a obrigação de indenizar surge por si só do ato lesivo em face da vítima, não se exigindo dolo ou culpa por parte do agente público e, por assim concluir, da Administração em si. Basta que o dano aconteça, claro, sem o concurso do lesado. Todavia, essa teoria admite causas excludentes de responsabilidade tais como o caso fortuito, a força maior e culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.

E aí entra o ponto chave em relação ao caso de Paraisópolis. Há a possibilidade de se verificar culpa nas atitudes de terceiros frente a essa tragédia? Talvez ilógico atribuir exclusivamente a culpa à vítima, uma vez que seria até mesmo sádico culpar alguém por ser pisoteado. No entanto, é plenamente possível responsabilizar determinado organizador do evento quando sabido de sua indenidade. Valeria aí a regra passada ao caso da Boate Kiss, onde foram mortas 242 pessoas em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 27 de janeiro de 2013, provocada pela imprudência e pela má condição de segurança do local. No fato acima, foram acusados os empresários responsáveis pela boate.

Claro se torna a responsabilidade dos organizadores desse evento uma vez que realizaram tamanha festa sem autorização Estatal e sem as mínimas condições de segurança.

Quando o terceiro é o único responsável pelo evento danoso levando a vítima para determinada lesão, o Estado não pode ser responsabilizado. No entanto, configurada a culpa concorrente (não exclusiva de terceiro) juntamente com os atos do Estado, não haverá exclusão da responsabilidade em face à Administração, mas sim, uma atenuação.

 

ENTÃO, HÁ POSSIBILIDADE DE O ESTADO SER RESPONSABILIZADO?

Conforme vimos, é provável que o Estado deva ser responsabilizado civilmente pelos danos causados pelas mortes das vítimas em Paraisópolis. Isso porque há uma ligação lógica entre a conduta dos agentes do Estado e a morte de tais pessoas. Seja devido à falta de estratégia e previsibilidade de variáveis como um tumulto generalizado; Seja por uma linha de conexão entre a abordagem, o tumulto e as mortes em si. Há um elo claro entre a conduta dos agentes públicos com a formação de um terror entre os envolvidos, e deste terror, existe uma reposta direta na perda de nove pessoas.

Há de se levar em conta que a finalidade do Estado é constituir-se de um meio no qual todos os indivíduos situados em um determinado território venha a atingir seus fins tais como a manutenção da ordem, segurança, defesa e a manutenção de um bem comum. Ou seja, a Administração não pode, por meio da imprudência em não esperar um tumulto em larga escala, gerar consequências tão trágicas a partir de uma operação administrativa de segurança pública.

No entanto, é justo que o Estado não seja completamente responsabilizado por tal tragédia uma vez que o intuito da Polícia era simplesmente o de manter a ordem pública. Deve-se valer que tais agentes não entraram com a intenção de matar ninguém, restando tal resultado unicamente pela falta de condições básicas de segurança no local, circunstâncias essas ignoradas pelos próprios frequentadores do baile.

Culpar a Polícia Militar é demasiadamente injusto pois abstém da responsabilidade terceiros que lucram com tais eventos bem como retira do governo o erro por não disponibilizar meios mais seguros de diversão e cultura.

Por fim, tal tragédia serve de aprendizado para toda a sociedade de que a questão em si não é ligada à questão de erros ou acertos do Estado em si, mas também, da cultura e do modo que se organizam as comunidades. E nisso o Direito trabalha em conjunto com várias outras disciplinas buscando sempre o melhor ápice do que é justo levando em contata todas as variáveis dentro de fatos cujos detalhes delimitam quem é, ou não, culpado.

 

 Referência bibliográfica

Bolzan. Fabrício. Responsabilidade Civil do Estado. Disponível em: https://fabriciobolzan.jusbrasil.com.br/artigos/121819348/responsabilidade-civil-do-estado. Portal JusBrasil. Acesso em dezembro de 2019.

Sobre o autor
Leandro Ferreira da Mata

Cientista Jurídico; bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio Brasília; Especialista em Direito da Criança, Juventude e dos Idosos e em Segurança Pública e Organismo Policial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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