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A autonomia do médico no Código de Ética Médica

Tendo em vista a valorização da autonomia do paciente, principalmente com as recentes discussões sobre diretivas antecipadas de vontade e possibilidade de recusa de tratamento, fica uma pergunta: a autonomia do médico ainda existe?

 

Temos abordado muito, principalmente no nosso Instagram, aspectos sobre a autonomia do paciente. Contudo, os profissionais da medicina frequentemente nos questionam sobre a autonomia no exercício da profissão. Tendo em vista a valorização da vontade do paciente, fica a pergunta: ela ainda existe?

 A resposta é positiva, o atual Código de Ética Médica (CEM) aborda sob diversos ângulos a autonomia do médico, mas o que tem que ficar claro desde o primeiro momento é que ela não é absoluta e nem ilimitada. Não podemos esquecer que a medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade, o que deve ser sopesado quando tratamos da autonomia profissional.

O Capítulo I, inciso I, do CEM é o primeiro exemplo de que a autonomia existe e deve ser respeitada, porém, dentro de alguns limites. Ele estabelece que o médico não é obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, porém, é obrigado a executar os serviços nos casos de ausência de outro médico, de urgência/emergência ou caso a recusa traga danos ao paciente. Isso quer dizer que em primeiro lugar vem a saúde do paciente, que não pode ser colocada em risco em razão da vontade do médico. A autonomia pode ser exercida, desde que não traga danos ou risco de danos ao paciente.

 Podemos encontrar um raciocínio similar no inciso XVI do mesmo Capítulo, quando é previsto que não pode haver, por hospitais ou instituições público/privadas, disposições que limitem a escolha dos meios reconhecidos para estabelecer diagnóstico ou executar tratamento, salvo quando em benefício do paciente. Ou seja, o médico, em princípio, tem autonomia e não pode ter sua atuação limitada ou pré-estabelecida pelo local onde atua, porém, caso essa disposição traga maiores benefícios para o paciente ele poderá ser limitado.

  Ainda, o Capítulo II do CEM prevê, no inciso IX, que é direito do médico se recusar a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência. Aqui não há nenhuma limitação no inciso, mas quando entendemos o contexto onde está inserido, devemos entender que essa autonomia não é ilimitada, encontrando barreira nos casos onde não há outro médico para atuar e a saúde do paciente está em jogo.

 Por fim, muito importante destacar que o CEM também condicionou a atuação do médico ao esclarecimento e concordância do paciente, mas, de igual forma, não permitiu que a decisão do paciente sempre seja absoluta, devendo ser adequada do caso concreto e cientificamente reconhecida (inciso XXI do Capítulo I), bem como nos casos de risco de morte (artigos 26 e 31).

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O médico pode, portanto, se recusar a atender um paciente, não concordar em realizar um tratamento requerido, bem como não é possível que um hospital ou qualquer outra instituição determine qual técnica o médico deve utilizar em determinado tratamento. Contudo, apesar de a autonomia do médico ser real, ela é limitada ao bem-estar do paciente. As regras encontram exceções quando há risco para a saúde daquele que está sendo atendido e não há outro profissional para realizar os atos médicos, da mesma forma que deve ficar claro que não há autonomia suficiente para imposição de tratamento sem consentimento daquele que está recebendo.

A autonomia do médico existe enquanto há uma segunda opção de atendimento ou tratamento para o paciente, não colocando-o em risco, gerando dano ou ferindo a sua vontade. A partir do momento que essa segunda opção não existe mais ou há risco/dano para o paciente acaba a autonomia do profissional.

No entanto, isso não quer dizer que o médico é subordinado ou limitado em sua atuação, essas barreiras apenas protegem o bem maior da medicina. Se existisse autonomia absoluta e ilimitada do médico ou do paciente seria impossível realizar uma proteção adequada do paciente, abrindo possibilidade da medicina se tornar em uma disputa de interesses pessoais, quando na verdade é uma ciência que, como dito ao início, está a serviço da saúde do ser humano e da coletividade.

 

Autoras: Ana Beatriz Nieto Martins (OAB/SP 356.287) e Erika Evangelista Dantas (OAB/SP 434.502), sócias do escritório de advocacia Dantas & Martins Advogadas Associadas, especializado em Direito da Saúde (www.dantasemartins.com.br; Instagram: @adv.dantasemartins)

Sobre as autoras
Ana Beatriz Nieto Martins

Advogada (OAB/SP 356.287), sócia no escritório Dantas & Martins Advogadas Associadas, voltado o atendimento de profissionais da saúde, realizando diagnóstico de riscos jurídicos e elaborando condutas preventivas que permitam uma atuação segura e tranquila.

Erika Evangelista Dantas

Advogada (OAB/SP 434.502), sócia do escritório de advocacia Dantas & Martins Advogadas Associadas, especializado em direito da saúde.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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