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O homicídio praticado pelo policial militar em serviço ou em razão da função frente ao dolo eventual e a culpa consciente

Agenda 15/01/2006 às 00:00

O órgão de acusação deve observar a estrita legalidade ao realizar o juízo de adequação típica da ação do policial militar que pratique um homicídio no desempenho de atividade de policia ostensiva ou agindo em razão da função.

INTRODUÇÃO

A atividade de policiamento ostensivo, por sua natureza, expõe o policial militar a situações de tomada de decisão instantânea frente a ações de risco pessoal ou de terceiros, fazendo uso da força letal, que pode não ser justificada segundo as hipóteses do art. 23 do Código Penal ou circunstância exculpante, que afastaria sua culpabilidade.

Como a análise da ação culposa ou dolosa é realizada quando da tipificação da conduta [1], o órgão de acusação deverá subsumir o resultado morte ao tipo culposo ou doloso [2], e nesta operação mental do acusador surge o problema da tênue diferenciação entre o dolo eventual e a culpa consciente, cuja repercussão ao réu é de grande relevância.

Buscaremos junto ao referencial teórico esclarecer as diferenças entre estas duas formas de manifestação de culpa lato sensu.


1. A LEGALIDADE COMO GARANTIA DO POLICIAL MILITAR QUANDO DA DENÚNCIA PELA PRÁTICA DE HOMICÍDIO.

O Homicídio doloso ou culposo possui o mesmo desvalor do resultado, a morte, diferenciando-se as condutas pelo desvalor da ação. [3]

A adequação típica, juízo eminentemente técnico e realizado pelo Ministério Público quando da denúncia, deve considerar o desvalor da ação [4] do policial militar, se foi na forma dolosa ou culposa, garantia esta de que sua ação será apreciada segundo o principio da legalidade (adequação típica). [5]

Constituindo-se em adequação típica, não se pode argüir que em caso de dúvida entre a ação doloso ou culposa, possa o MP [6] denunciar o policial militar pelo tipo doloso, com o argumento de que ao júri caberá decidir sobre a tipicidade da ação, quando a este carece o conhecimento técnico exigido dos profissionais do direito. [7]

Sendo imotivado o julgamento proferido pelo júri, não pode o Ministério Público transferir o juízo de adequação típica entre a ação com dolo eventual ou culpa consciente ao tribunal popular, que se pronunciará sem o adequado conhecimento desta questão de extrema complexidade.

1. 1 O princípio da proporcionalidade no juízo de adequação típica

Na atribuição constitucional de promover privativamente a ação penal pública, o MP deverá levar em consideração o princípio constitucional da proporcionalidade quando da adequação típica do homicídio.

Entretanto, adverte Xavier Philippe [8] que há princípios mais fáceis de compreender do que definir. A proporcionalidade entra na categoria destes princípios.

Não sendo fácil esta definição, estabelecesse duas definições de proporcionalidade, uma ampla e outra restrita.

Em sentido amplo, entende Pierre Muller [9] que o principio da proporcionalidade é a regra fundamental tanto aos que exercem quanto os que padecem o poder.

Numa dimensão menos larga, o principio se caracteriza pelo fato de presumir a existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios a que são levados a cabo.

Nesta ultima acepção, entende Muller que há violação ao princípio da proporcionalidade, com a ocorrência de arbítrio, toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados, ou quando a desproporção entre meio e fim é particularmente evidente, ou seja, manifesta.

O principio da proporcionalidade pretende, por conseguinte, instituir uma relação entre fim e meio, confrontando o fim com o fundamento de uma intervenção com os efeitos desta para que se torne possível um controle do excesso.

José Joaquim Gomes Canotilho [10] denomina o princípio da proporcionalidade de princípio da proibição do excesso. Este excesso é o do legislador no uso de sua discricionariedade política, vindo a ser o sobredito princípio um limite constitucional ao eventual arbítrio do legislador:

Este princípio, atrás considerado como também um subprincípio densificador do Estado de direito democrático significa, no âmbito específico das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, que qualquer limitação, feita por lei ou com base na lei, deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida). A exigência da adequação aponta para a necessidade de a medida restritiva ser apropriada para a prossecução dos fins invocados pela lei (conformidade com os fins). A exigência da necessidade pretende evitar a adoção de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias que, embora adequadas, não são necessárias para se obterem os fins de proteção visados pela Constituição ou a lei.

O princípio da proibição do excesso (ou proporcionalidade em sentido amplo), constitui um limite constitucional à liberdade de conformação da adequação típica. A Constituição, ao autorizar a lei a restringir direitos, liberdades e garantias, de forma a permitir ao acusador a realização de uma tarefa de concordância prática justificada pela defesa de outros bens ou direitos constitucionalmente protegidos, impõe uma clara vinculação ao exercício dos poderes discricionários do MP. Em primeiro lugar, entre o fim da autorização constitucional para a emanação da denúncia e o exercício do poder discricionário de adequação típica ao realizar esse fim deve existir uma inequívoca conexão material de meios e fins. Em segundo lugar, no exercício do seu poder ou liberdade de conformação dos pressupostos das restrições de direitos, liberdades e garantias, o MP está vinculado ao princípio material da proibição do excesso.

Portanto, cabe ao MP esta dificílima tarefa de formar o juízo de tipicidade, observando o principio da proporcionalidade como freio ao excesso na adequação típica do fato a norma. [11]


2 O DOLO E A CULPA

O Dolo é a forma mais grave de que poderá revestir-se a culpa. Representação e vontade são elementos indispensáveis ao dolo. Não se concebe uma sem a outra, mesmo porque só de deseja aquilo que previamente se representa. [12]

O CPB definiu o dolo, em seu art. 18, I com a expressão "quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo". Nessa expressão, embora na vontade da produção do resultado esteja implicitamente compreendida a representação, o legislador penal emprestou ênfase maior à vontade.

Este, segundo nosso Código Penal, compõe-se de um elemento intelectivo (conhecimento dos elementos do tipo penal) e de um elemento volitivo, consistente na vontade de realizá-lo.

O dolo poderá ser determinado ou indeterminado. O dolo determinado é a forma mais intensa dentre as várias modalidades de dolo. Nela, o agente previu e fez o que desejava fazer. O dolo indeterminado poderá ser alternativo ou eventual. No dolo alternativo, o agente quer, indiferentemente, um resultado ou outro (matar ou ferir). Representa com probabilidade o evento (na representação do dolo direto, tem a certeza de obter o que tenciona)

No dolo eventual, previsto na parte final do art. 18, o agente assume o risco da realização do evento. Ao representar mentalmente o evento, o autor aquiesce, tendo uma antevisão duvidosa de sua realização; seja como for, dê no que der, não deixo de agir".

A vontade e não a representação constitui a essência do dolo eventual. A decisão de agir, mesmo com a possibilidade de realização do evento, é uma situação psicológica característica, impregnada de volição. Constitui de qualquer modo uma decisão da vontade diante do evento previsto como possível.

Prever o evento e não se abster da conduta equivale a querer.

O dolo eventual, embora menos grave que o dolo determinado ou direto, não pode ser expresso em termos aproximativos ou negativos. O agente haverá de emitir um juízo afirmativo: o evento poderá verificar-se.

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Os elementos integrantes do dolo eventual são dois: a representação do resultado como possível e a anuência do agente a verificação do evento, assumindo o risco de produzi-lo.

A culpa se divide em duas espécies: culpa inconsciente e consciente.

Na primeira, o sujeito não prevê o resultado, embora fosse previsível se tomasse as necessárias cautelas quanto ao risco que sua ação poderia causar.

Na culpa consciente (com previsão), o agente previu o resultado sem desejá-lo. E age com confiança segura de que o evento previsto como possível não iria jamais realizar-se. Com se vê, a culpa consciente avizinha-se do dolo eventual, onde o agente, ao prever o resultado como possível, embora não o deseje diretamente, o aceita. A diferença entre ambos está na conduta psicológica assumida pelo agente, após a previsão do evento. Na culpa consciente, o sujeito não aceita o resultado. Age convencido da não realização do evento.

2.1 DOLO EVENTUAL

A simples assertiva contida no art. 18, I, in fine não é suficiente para caracterizar a ação dolosa, na forma eventual. [13] A expressão "assumir o risco" é imprecisa, para distinguir o dolo eventual da culpa consciente e deve ser interpretada em consonância com a teoria do consentimento. [14]

Entendendo necessária a presença do elemento volitivo, estabelecendo uma relação de vontade entre o resultado e o agente, Bitencourt assevera que é insuficiente a mera ciência da probabilidade do resultado ou a atuação consciente da possibilidade concreta da produção desse resultado, como sustentam os defensores da teoria da probabilidade. [15]

Não basta a previsão do resultado. É necessário o consentimento, a aceitação, anuência, ou seja, que diante da concreta evidência do resultado morte, o agente não cesse a ação, demonstrando desprezo pela vida de outrem.

O Policial Militar prevendo o resultado morte e mesmo assim vem a consentir com este, não interrompendo a ação, age com dolo eventual. Para tanto, requer-se o conhecimento pelo agente, quando da conduta, o conhecimento de todas as circunstancias que vem a converter este fato em um fato típico. [16]

O agente tem que ter, claramente, diante de si a possibilidade de escolha, minimamente pensada, de que se não cessar sua conduta, poderá matar o abordado ou suspeito, e mesmo assim, continua com a ação. [17]

Segundo Santos, o "dolo eventual se caracteriza, no nível intelectual, por levar a sério a possível produção do resultado típico e, no nível da atitude emocional, por conformar-se com a eventual produção do resultado desse resultado". [18]

Assim, verifica-se que o policial militar deverá realizar a ação com o conhecimento de que poderá causar a morte da pessoa abordada, e, concomitantemente, de forma ponderada e mediante possibilidade de conduta diversa, não modificar sua ação, demonstrando que pouco se importa com a vida do cidadão, persistindo com a ação e obtendo o resultado previsto.

Atos que denotem que o resultado morte não foram prescindidos desta análise pelo agente, bem como atos posteriores ou mesmo no transcorrer da ação que demonstrem a tentativa de evitação do resultado (socorro imediato, tentativa de reanimação, disparo que visava não atingir região vital) podem demonstrar que não agiu o policial militar com dolo, na forma eventual. [19]

Em suma, o dolo eventual deve se aproximar do dolo direito, onde o agente age com o fim do resultado criminoso querido, e não da culpa consciente, onde o agente não deseja o resultado.

2.2 CULPA CONSCIENTE

A responsabilidade penal em regra é somente a título de dolo, e apenas, excepcionalmente, na forma culposa (art. 18, § único do CP), por ser o dever de evitação indireto, pois o fim visado pelo agente é lícito. [20]

Na culpa consciente, o policial militar tem a previsão do resultado morte, porém age convictamente que não irá ocorrer, por sua habilidade com o manuseio da técnica policial, v.g.

Trata-se da forma mais grave da culpa, que se aproxima quase que de forma imperceptível do dolo eventual.

Não basta, portanto, a simples previsão do resultado. O policial militar deverá, de forma inequívoca, demonstrar que prosseguiu com a ação quando de forma ponderada, poderia tomar decisão diversa.

A imprudência consciente "se configura pela representação do risco não permitido ou da lesão do cuidado objetivo, caracterizada pela confiança na evitação do resultado: o autor representa a possibilidade de realização do tipo, mas confia na ausência do resultado lesivo, ou porque subestima o perigo, ou porque superestima a capacidade pessoal, ou porque acredita na sorte." [21]

No plano intelectual, a culpa consciente caracteriza-se pela leviandade na produção do resultado, e no plano emocional, pela confiança na não produção do resultado; no dolo eventual, no plano intelectual o agente leva a sério a ocorrência do resultado previsto, no plano emocional, conformando-se com a produção do eventual resultado. [22]

Assim, se o policial militar ao utilizar erroneamente a técnica policial de abordagem ou uso da força, prevendo o resultado morte, e haver provas nos autos de que poderia ser tomada ação diversa, e mesmo assim, consente o agente com o resultado, haverá dolo eventual; caso não seja apurado que o policial consentiu com o resultado, confiando na sua não ocorrência e demonstrando a tentativa de evitação do resultado (socorro imediato, tentativa de reanimação, disparo que visava não atingir região vital), haverá culpa consciente.


3. HOMICÍDIO DOLOSO QUALIFICADO E DOLO EVENTUAL

Os tipos penais de homicídio doloso qualificado, previstos no art. 121, § 2º e incisos do CP são tipos penais em que o resultado morte requer motivos, meios, modos e finalidades próprias. [23]

São elementos subjetivos do tipo, onde "o especial fim ou motivo de agir aparece em certas definições de delitos condiciona ou fundamenta a ilicitude do fato. Trata-se, portanto, de elemento subjetivo do tipo de ilícito, que se apresenta de forma autônoma, junto ao dolo". [24]

Diante da finalidade específica, adredemente requerida pelo legislador ao tipificar a ação, poder-se-ia compatibilizar os tipos penais de homicídio qualificado com a forma de dolo eventual?

Como visto, o dolo na forma eventual não prescinde do conhecimento de todas as circunstâncias, objetivas e subjetivas do tipo.

Nos tipos penais de homicídio qualificado, não basta o evento morte, eis que agregadas várias circunstâncias qualificadoras do crime, as quais exigem o dolo na forma direta. [25]

Se o agente realiza a ação com resultado morte previsto, utilizando meio insidioso, v.g., necessariamente a ação terá de seguir a forma dolosa direta, e não eventual. As figuras qualificadas de homicídio requerem um dolo "específico", e não genérico, sendo incompatível a indiferença do agente com o resultado, que não é apenas a morte da vítima, mas além desta, com as circunstâncias que qualificam a ação.

O próprio apenamento das modalidades dolosas qualificadas de homicídio evidenciam que o legislador não tratou com da mesma forma que a figura simples, do caput do art. 121 do CP.

Assim, fundamentamos que o homicídio doloso qualificado não comporta a forma de dolo eventual, senão apenas o dolo direto.


4 CONCLUSÃO

A repercussão que a morte de um cidadão quando praticada pelo agente encarregado de cumprir a lei causa comoção junto a comunidade e forte repercussão na mídia.

Entretanto, não podem os operadores do direito, em especial o órgão oficial de acusação, deixar de observar a estrita legalidade ao realizar o juízo de adequação típica da ação do policial militar que pratique um homicídio no desempenho de atividade de policia ostensiva ou agindo em razão da função.

Fundamentamos que a tipificação da ação na forma dolosa eventual requer não somente a assunção do risco (previsão), mas o consentimento do policial militar que, podendo, deixa de agir de forma diversa.

Adredemente tipificar a conduta do policial militar, que tem na arma de fogo um meio letal de emprego, a forma dolosa eventual não encontra guarida nos mais renomados estudiosos do tema. O direito penal não pode corporificar pré-conceitos e institucionalizar a violência [26], que quando feita por quem tem condições de analisar com acuidade as provas acostas a investigação preliminar – inquérito policial militar – acenar ao público leigo com acusações distantes de um direito penal do fato, humanitário e legalista.

Que se denuncie, julgue e condene o policial militar, como todo cidadão, na medida de sua culpabilidade.

De lege ferenda, a criação de um tipo penal especifico para o homicídio culposo na forma consciente, com pena intermédia entre o culposo inconsciente e o doloso eventual, poderia clarear o vácuo existente na legislação.


Notas

  1. Adotamos a doutrina finalista da ação, que pretendeu seguir, na integralidade, a reforma penal de 1984 da parte geral do CP.

  2. LUISI, Luiz. O tipo penal e a teoria finalista da ação. Dissertação apresentada a faculdade de direito da URGS para livre docência da cadeira de direito penal. Porto Alegre: editora a nação, p. 71:

    Dentro deste entendimento, ou seja, o dolo como elemento do tipo penal, ele é apenas uma realidade psíquica. Não é valorado. É somente o propósito, a intenção do agente, sem caracterizá-lo como censurável ou não, isto é, sem conotações axiológicas.

  3. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, v.1. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 17:

    a tipicidade de um comportamento proibido é enriquecida pelo desvalor da ação e pelo desvalor do resultado lesando efetivamente o bem juridicamente protegido, constituindo-se o que se chama de tipicidade material.

  4. BITENCOURT, Cezar Roberto, Desvalor da Ação e Desvalor do Resultado nos Crimes Culposos de Trânsito, in Boletim IBCCrim - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais nº 64, março/1998, página 14:

    Para começar, a ação do indivíduo que, limpando sua arma de caça, em determinado momento, involuntariamente dispara, atingindo um "pedestre", que passava em frente à sua casa, será igual a ação de um motorista que, dirigindo embriagado, atropela e mata alguém? A ação de indivíduo que, desavisadamente, joga um pedaço de madeira de cima de uma construção, atingindo e matando um transeunte, terá o mesmo desvalor que a ação de um motorista que, dirigindo em excesso de velocidade ou passando o sinal fechado, colhe e mata um pedestre? Inegavelmente o resultado é o mesmo: morte de alguém; o bem jurídico lesado também é o mesmo: a vida humana. Mas a forma ou modalidade de praticar as ações desvaliosas seriam as mesmas, isto é, o desvalor das ações seria igual? As respostas a estas indagações exigem, a nosso juízo, uma reflexão mais profunda.

  5. SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna Teoria do Fato Punível. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 29:

    c) como tipo de garantia (tipo em sentido amplo) realiza a função político-criminal atribuída ao principio da legalidade (art. 5º, XXXIX, CF), expressa na formula nullum crimem, nulla poena sine lege, e compreende todos os pressupostos da punibilidade: além dos caracteres do tipo de injusto (tipicidade e antijuridicidade), também os fundamentos de reprovação do autor pela realização do tipo de injusto (culpabilidade), assim como as condições objetivas de punibilidade e os pressupostos processuais.

  6. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 87:

    E quanto ao principio do in dubio pro societate no momento de oferecer denuncia, existe? Nesta parte, temos nova posição doutrinaria. Se a prova da qualificadora (ou do próprio fato em si) for fraca, não admitimos mais o oferecimento de denuncia com base no principio do in dubio pro societate, e, se for oferecida, a denúncia não deve ser recebida. O principio do in dubio pro societate não é compatível com o Estado Democrático de Direito, onde a dúvida não pode autorizar uma acusação, colocando uma pessoa no banco dos réus. Penitenciamo-nos do nosso entendimento anterior. O ministério público, como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais e sociais indisponíveis, não pode, com base na duvida, manchar a dignidade da pessoa humana e ameaçar a liberdade de locomoção com uma acusação penal. O só fato de acusar alguém já impede o exercício de determinados direitos civis e políticos. (...) O ministério publico tem de ter consciência do seu papel na sociedade, não podendo tornar-se uma fabrica de fazer denuncias, em especial se for com base no famigerado principio que não tem nenhuma previsão legal.

  7. DELMANTO, Celso. Código Penal comentado. 6ª ed. Atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 33:

    Evidentemente, havendo duvida quanto ao conteúdo psicológico da conduta – sempre de difícil aferição – prevalecerá a hipótese menos gravoso de culpa consciente, em face do primado favor libertatis, que é a fonte de todo Estado Democrático de Direito, o qual, em matéria de probatória nos campos penal e processual penal, se traduz na máxima in dubio pro reo.

  8. Xavier Philippe, Le Contrôle de Proportionnalité dans les Jurisprudence Constitutionelle et Administrative Française, Aix-Marseille, 1990, p.7, apud Paulo Bonavides, in Curso de Direito Constitucional, 3a Ed., São Paulo, Editora Saraiva, p. 356.

  9. Pierre Muller, Zeitschrif für Recht, Band 97, 1978, Basel, p. 531, apud Paulo Bonavides, in Curso de Direito Constitucional, 3a Ed., São Paulo, Editora Saraiva, p. 357.

  10. Canotilho, J.J. Gomes, Direito Constitucional, 5a Ed., Coimbra, Almedina, 1991, apud, José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 14a Ed. Editora Malheiros, p. 94.

  11. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit, p. 246:

    há uma operação intelectual de conexão entre a infinita variedade de fatos possíveis da vida real e o modelo típico descrito na lei. Essa operação, que consiste em analisar se determinada conduta apresenta os requisitos que a lei exige, para qualificá-la como infração penal, chama-se "juízo de tipicidade".

  12. COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários aos Crimes do novo Código de Trânsito. São Paulo: Saraiva, 1998.

  13. SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit, p. 61:

    A definição do dolo eventual da imprudência consciente, como conceitos simultaneamente excludentes e complementares, é uma das mais controvertidas e difíceis questões do direito penal, porque se fundamenta na identificação de atitudes diferenciáveis, em ultima instancia, pela situação afetiva do autor. De modo geral, o dolo eventual constitui decisão de possível lesão do bem jurídico protegido no tipo, e a imprudência consciente representa leviana confiança na exclusão do resultado de lesão, mas a determinação das identidades e das diferenças entre dolo eventual e imprudência consciente requer a utilização de critérios mais precisos.

  14. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 178.

  15. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit, p. 262.

  16. SÁNCHEZ, Bernardo Feijoo. El Dolo Eventual:

    De acuerdo con lo dicho hasta ahora el injusto doloso se caracterizaría porque una persona toma la decisión de realizar un hecho a pesar de conocer (abarcar intelectualmente) todas las circunstancias fácticas que van a convertir ese hecho en un hecho típico. En el injusto doloso el autor se decide con conocimiento del alcance de su decisión por una actuación jurídico-penalmente relevante. Todo ciudadano que « tiene la realización del hecho típico ante los ojos » tiene el deber de evitar que se produzca ese hecho. Si alguien sabe que va a hacer algo lesivo para intereses ajenos lo que se espera de un ciudadano que tiene en cuenta.

  17. SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit, p. 64:

    a teoria do consentimento, elaborada por MEZGER, define dolo eventual pela atitude de aprovação do resultado típico previsto como possível, que deve agradar ao autor. Assim, não age com dolo eventual o medico que realiza intervenção cirúrgica indicada pela experiência profissional, mas leva a serio a possibilidade de morte do paciente, ou alguém que atira para salvar o amigo da vitima de agressão e leva a serio a possibilidade de atingir o amigo.

  18. IDEM, Ibidem. p. 62.

  19. IDEM, Ibidem. p. 65:

    a teoria da não-comprovada vontade de evitação do resultado (também conhecida como teoria da objetivação da vontade de evitação do resultado), desenvolvida por ARMIN KAUFMANN em bases finalistas, coloca o dolo eventual e a imprudência consciente na dependência da ativação de contra-fatores para evitar o resultado representado como possível: imprudência consciente se o autor ativa contra-fatores, dolo eventual se não ativa contra-fatores para evitação do resultado.

  20. SÁNCHEZ, Bernardo Feijoo, op. cit:

    En realidad, lo que sucede es que la infracción del deber es tan palmaria en el dolo que no hace falta detenerse o insistir sobre este aspecto normativo del delito doloso. Es evidente que cuando el legislador define una conducta como típica establece el deber de evitar su realización. En el delito imprudente, en sentido contrario, se hace continua referencia al deber de cuidado como un deber menos evidente que, además, sirve como criterio para limitar los límites del injusto específicamente penal. El autor doloso tiene el deber directo o inmediato de evitar un hecho típico, mientras el autor imprudente se ve afectado por un deber de evitación más indirecto o mediato: el deber de cuidado. En nuestro C. P. el injusto doloso es el prototipo de injusto penal, suponiendo el injusto imprudente un supuesto excepcional

  21. SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit, p. 105.

  22. IDEM, Ibidem. p. 106.

  23. DELMANTO, Celso. Op. cit, p. 249.

  24. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Op. cit, p. 179.

  25. IDEM, Ibidem. p. 177:

    há dolo direto quando o agente se propõe à realização da conduta típica. O dolo aqui se confunde com a intenção. A vontade se dirige à realização do fato que configura o delito. A dúvida em se alcançar o resultado é irrelevante. Há dolo direto também quanto ao meio e ao resultado que necessariamente estão ligados à realização da conduta típica, mesmo que não sejam desejados pelo agente.

  26. BECCARIA, Cesare Bonasena. dos delitos e das penas. Tradução J. Cretella Jr e outro. 2ª ed. São Paulo:RT, 1999, p. 73:

    Por este motivo, em alguns governos que tem toda a aparência de liberdade,a tirania esconde-se ou infiltra-se, despercebida, em algum ângulo descuidado do legislador, ali tomando forca e crescendo.

Sobre o autor
Rafael Monteiro Costa

capitão da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Processual Civil, Ambiental, Penal e Processual Penal pela ULBRA de Canoas (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Rafael Monteiro. O homicídio praticado pelo policial militar em serviço ou em razão da função frente ao dolo eventual e a culpa consciente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 928, 15 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7833. Acesso em: 23 dez. 2024.

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