A PERDA DO CARGO COMO EFEITO DA CONDENAÇÃO SÓ PODE ATINGIR AQUELE OCUPADO NA ÉPOCA DO CRIME
Rogério Tadeu Romano
A perda da função pública ou ainda do cargo público ou mandato eletivo pode vir como efeito de condenação criminal, a teor do artigo 92 do Código Penal.
É caso de interdição temporária de direitos.
O legislador elevou as antigas penas acessórias de interdições de direitos à categoria de penas principais e autônomas, com categoria de alternativas às penas privativas de liberdade inferiores a quatro anos, nos crimes cometidos sem violência à pessoa, nos termos da Lei 9.714, de 25 de novembro de 1998, ou às que seriam aplicadas aos autores de crimes culposos, qualquer que seja a sua quantidade.
Cargo público é o lugar instituído na organização do funcionalismo, com denominação própria, atribuições específicas e o estipêndio correspondente.
Na lição de Hely Lopes Meirelles(Direito administrativo brasileiro, 4ª edição, pág. 381), função pública “é a atribuição ou conjunto de atribuições que a Administração confere a cada categoria profissional, ou remete individualmente a determinação dos servidores para a execução de serviços eventuais”.
Disse Júlio Fabbrini Mirabete(Manual de direito penal, volume I, 7ª edição, pág. 259) que a expressão deve ser analisada nos termos do que dispõe o artigo 327 do Código Penal, que conceitua a figura do funcionário público para os efeitos penais, incluindo cargo, emprego ou função em entidade paraestatal(sociedade de economia mista, empresa pública e fundação instituída pelo Poder Público).
Pontue-se, no campo penal, a lição de Cezar Roberto Bitencourt(Código Penal comentado, 2ª edição, 2004, pág. 306) de que “a perda deve restringir-se somente àquele cargo, função ou atividade no exercício do qual praticou o abuso, porque a interdição pressupõe que a ação criminosa tenha sido realizada com abuso de poder ou violação de dever que lhe é inerente”.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.069.603, entendeu que a expressão “perda da função pública”, prevista como sanção por ato de improbidade, implica em perda de direito de ocupar cargo púbico por meio do qual o agente a desempenhava.
Disse o Ministro Humberto Martins, naquele julgamento, que a sanção de perda da função pública visa a afetar o vínculo jurídico que o agente mantém com a administração pública, “seja qual for a natureza”. Isso porque a intenção da lei é afastar todo e qualquer agente ímprobo da administração.
A perda da função pública ou ainda do cargo público ou mandato eletivo pode vir como efeito de condenação criminal, a teor do artigo 92 do Código Penal.
A matéria foi recentemente abordada no HC 482.458.
Na matéria o STJ trouxe entendimento de que o cargo, função ou mandato a ser perdido pelo funcionário público como efeito secundário da condenação, previsto no art. 92, I, do CP, só pode ser aquele que o infrator ocupava à época da conduta típica. (APn n. 629/RO, Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 28/6/2018, DJe 10/8/2018.
A jurisprudência do STJ pontuou que, "em regra, a pena de perdimento deve ser restrita ao cargo público ocupado em função pública exercida no momento do delito. Assim, a perda do cargo público, por violação de dever inerente a ela, necessita ser por crime cometido no exercício desse cargo, valendo-se o envolvido da função para a prática do delito" (REsp n. 1.452.935/PE, Quinta Turma, DJe 17/3/2017). No mesmo sentido: Resp n. 1.244.666/RS, Sexta Turma, Dje 27/8/2012.
Assim para a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se lê do site do Tribunal, em 9 de dezembro do corrente ano, o cargo público, a função ou o mandato eletivo a ser perdido como efeito secundário da condenação – previsto no artigo 92, I, do Código Penal – só pode ser aquele que o infrator ocupava à época do crime.
Com base nesse entendimento, o colegiado concedeu habeas corpus para reduzir as penas e afastar a determinação de perda do cargo efetivo de duas servidoras públicas municipais condenadas pela prática do crime previsto no artigo 90 da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993), cometido quando ocupavam cargo comissionado.
"A perda do cargo público, por violação de dever inerente a ele, necessita ser por crime cometido no exercício desse cargo, valendo-se o envolvido da função para a prática do delito. No caso, a fundamentação utilizada na origem para impor a perda do cargo referiu-se apenas ao cargo em comissão ocupado pelas pacientes na comissão de licitação quando da prática dos delitos, que não guarda relação com o cargo efetivo, ao qual também foi, sem fundamento idôneo, determinada a perda" – afirmou o relator, ministro Sebastião Reis Júnior.