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Análise da pulsão de morte e a política do inimigo

Agenda 06/12/2019 às 20:53

Neste artigo será analisado a construção da teoria de pulsão de morte e os casos observados por Freud, bem como será feito a aplicação da teoria de pulsão de morte em conjunto com a teoria da política do inimigo de Carl Schmitt na esfera do direito.

O BEM VERSUS O MAL AO LONGO DA FILOSOFIA

A ideia de dualidade é bastante difundida pelo ocidente, entender este conceito é de suma importância para a Teoria das Pulsões, assim, partindo do filosofo Platão que trabalhava com o dualismo de corpo-alma, na obra Fédon inicia-se o estudo sobre o desejo como algo inferior ao corpo, posteriormente, em Symposium no Banquete se debate o problema de Eros acerca da existência de um mundo sensível e outro inteligível.

Na obra Dialogo - Timeu, Platão busca a concepção da gênese do Cosmo e do homem, partindo da premissa que existe uma natureza original que é a combinação inicial entre o sensível e o inteligível, anterior a corrupção que surge a partir do momento inicial, o homem que vem perturbar a natureza, sendo assim simultaneamente parte da natureza e princípio de sua perversão. (Gracia-Roza, 1990)

Platão trabalha com mais uma dualidade a ordem e o desvio, que posteriormente Freud utilizará na construção da teoria das pulsões, sendo a pulsão um desvio do instinto. (Gracia-Roza, 1990)

Outro conceito importante é do movimento das pulsões, Aristóteles entende que o mundo está em movimento, porém não é idêntico, portanto, há o movimento natural que tem em seu princípio o próprio móvel não sofrendo forças externas e, o movimento não-natural que age contrário ao natural ligado ao caso. (Gracia-Roza, 1990)

Destaca-se que Sócrates, em o Banquete quanto a Eros profere a celebre frase: como quer governar os outros se não governa a si mesmo, esse possuía uma ideai unitária da alma, de que essa está livre de todos os sentimentos que prendem o corpo, eis que “desejo é sempre desejo de alguma coisa que não se tem ou, quando se tem, teme-se perdê-la”, assim, “os desejos e as paixões têm sua sede no corpo e não na alma”. (Rocha, 2011).

Na linha de Platão, Freud adota a dualidade da pulsão de vida e morte, onde o orgânico atuaria de forma a retornar ao estado inorgânico, tema que será abordada nos próximos tópicos.

Quanto a mitologia grega, se faz necessário destacar o mito de Eros o deus do amor (na mitologia romana o cúpido) que com seu arco e flecha enlaçava o amor de homens, mulheres e deuses e, do outro lado havia Thanatos o deus da personificação da morte.

Eros um dia “adormeceu numa caverna, embriagado por Hipno (deus do sono e irmão de Thanatos). Ao sonhar e relaxar suas flechas se espalharam pela caverna, misturando-se às flechas da morte”. Ao acordar, Eros recolheu um número determinado de flechas e sem querer levou algumas que pertenciam a Thanatos, ou seja, Eros a partir deste dia passou a portar flechas de amor e morte. (Esopo, 1984)

Paralelamente, o conceito de pulsão na psicanálise é uma abstração teórica adotando a dicotomia mente e corpo, sendo que essas pulsões convivem dentro do sujeito buscando um equilíbrio, entre o prazer e desprazer, amor e morte.

DIFERENÇA ENTRE OS PROCESSO DO INCONSCIENTE E CONSCIENTE

No determinismo nenhum pensamento, sentimento ou lembrança acontece por acaso, embora as sensações pareçam ser espontâneas, elas estão conectadas por eventos ocultos que se encontram no inconsciente, Freud entende que a vida mental se desenrola de forma continua entre os pensamento e sentimentos.

O consciente é parte da mente que lida com as informações que o sujeito tem ciência, os processos tentam estabelecer conexões de forma intencional, entre o que está acontecendo ao redor com sensações já vividas.

O pré-consciente é uma porção do inconsciente que se torna consciente, são memorais que podem ser lembradas e acessadas facilmente pelo sujeito, seria o intermediário entre o consciente e inconsciente.

No inconsciente se encontram processos que nunca foram conscientes, lembranças traumáticas que são reprimidas e ficam no inconsciente influenciando as atitudes do sujeito por conexões criadas, essas são ordenados temporalmente e inacessíveis pelo consciente, salvo situações excepcionais.

A título de ilustração, suponhamos que o aparelho mental seja um iceberg, a parte que está acima da água é o consciente, uma faixa logo abaixo do nível da água seria o pré-consciente e a parte mais profunda que se encontra submersa seria o inconsciente.

Freud desenvolveu um método de acessar o inconsciente, por meio da fala do sujeito endereçada à escuta do psicanalista, que irá reconhecer as determinações e os efeitos das interferências nas ações e no aparelho psíquico do paciente, surgindo, assim, a clínica psicanalítica. 

Freud entende que o “processo encontrado no inconsciente como sendo o processo psíquico ‘primário’, em contraposição com o processo ‘secundário’, que é o que impera em nossa vida de vigília normal. ” (Freud, 2018)

Assim, os sentimentos de prazer e desprazer predominam sobre todos os estímulos externos e, podem ser usados como um índice do que está acontecendo no interior do sujeito, eis que “no inconsciente, as catexias podem com facilidade ser completamente transferidas, deslocadas e condensadas”, sendo tal processo mais primitivo “do que o intuito de obter prazer e evitar desprazer”. (Freud, 2018)

PRINCIPIO DO PRAZER

Freud em sua obra intitulada Além do princípio do prazer, entende que o princípio de prazer decorre do princípio de constância, partindo da hipótese de que a mente se esforça para manter os níveis mínimos e constantes de excitação, visando a prevalência do princípio de prazer, eis que “qualquer coisa que seja calculada para aumentar essa quantidade está destinada a ser sentida como adversa ao funcionamento do aparelho”, portanto, será desagradável. (Freud, 2018)

A relação com a constância surge por conta do princípio de Fechner que trabalha a ideia da tendência no sentido da estabilidade, assim, haveria uma relação entre os sentimentos de prazer e desprazer.

Em outras palavras, a atividade psíquica teria o seu funcionamento mental regido na expulsão da tensão desagradável, ou seja, pelo princípio do prazer, onde os níveis de prazer e desprazer regulam a libido do sujeito.

No que tange, a influência dos instintos de autopreservação do ego, Freud entende, nesse caso que “o princípio de prazer é substituído pelo princípio de realidade”, sendo que a realidade atua como um adiamento da obtenção de satisfação, ou seja, uma “tolerância temporária do desprazer como uma etapa no longo e indireto caminho para o prazer”. (Freud, 2018)

O princípio da realidade se opõe ao princípio do prazer, funcionando como um desvio do resultado, prazer, em decorrência de condições que vão sendo impostas ao sujeito pelo mundo exterior, está ligado ao plano da realidade enquanto o do prazer fica nas fantasias inconscientes.

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Logo, temos que desprazer é a percepção de algo experimentado pelo sujeito, que pode nascer de uma pressão por parte de instintos insatisfeitos, ou “ser a percepção externa do que é aflitivo em si mesmo ou que excita expectativas desprazerosas no aparelho mental, isto é, que é por ele reconhecido como um perigo”. (Freud, 2018)

Freud para elaborar a Teoria das Pulsões continuou seus estudou sobre os casos de neurose traumática comuns, onde observou que o desprazer se relaciona ao perigo, tendo duas características operando simultaneamente no aparelho psíquico do agente: a surpresa do susto e um ferimento ou dano infligidos, para tanto, ele diferencia o susto das demais figuras citadas nos termos abaixo transcritos:

‘Susto’, ‘medo’ e ‘ansiedade’ são palavras impropriamente empregadas como expressões sinônimas; são, de fato, capazes de uma distinção clara em sua relação com o perigo. A ‘ansiedade’ descreve um estado particular de esperar o perigo ou preparar-se para ele, ainda que possa ser desconhecido. O ‘medo’ exige um objeto definido de que se tenha temor. ‘Susto’, contudo, é o nome que damos ao estado em que alguém fica, quando entrou em perigo sem estar preparado para ele, dando-se ênfase ao fator da surpresa. Não acredito que a ansiedade possa produzir neurose traumática; nela existe algo que protege o seu sujeito contra o susto e, assim, contra as neuroses de susto. (Freud, 2018)

Quando há à falta de preparação do sujeito para a ansiedade, a violência mecânica do trauma liberara “uma quantidade de excitação sexual que gera um efeito traumático” em contrapartida “o dano físico simultâneo, exige uma hipercatexia narcisista do órgão prejudicado, sujeitaria o excesso de excitação”. (Freud, 2018)

Nesse sentido, Ernst Jünger em sua obra nos traz um exemplo do procedimento acima, eis que retrata um sodado que atuou na linha de frente na primeira guerra mundial, o personagem em uma de suas passagens fica vidrado com a situação que encontrou em um local atingido por granada onde “o chão estava vermelho de poças de sangue, havia capacetes e cinturões esburacados jogados por ali” e, que tal cena causou nos presentes um amortecimento no entusiasmo. (Jünger, 2013)

Assim, no “quadro sintomático apresentado pela neurose traumática” de guerra ou dos tempos de paz, que se aproxima do “da histeria pela abundância de seus sintomas motores semelhantes; em geral, contudo, ultrapassa-o em seus sinais fortemente acentuados de indisposição subjetiva” eis que há uma “perturbação muito mais abrangentes e gerais das capacidades mentais”. (Freud, 2018)

Neste contexto, Freud ainda sob forte influência dos acontecimentos da Primeira Guerra Mundial, permanece analisando o tratamento aplicado aos neuróticos de guerra e, com base nesses relatos repensa a própria natureza da repetição do sintoma neurótica articulado com o trauma, criando o conceito de pulsão de morte. (Freud, 2018)

COMPULSÃO A REPETIÇÃO

A construção de pulsão de morte é baseada nas atitudes observadas por Freud que o levaram a partir da dedução logica e teórica dos fenômenos clínicos, a verificar se “o inconsciente deve tornar-se consciente”. (Freud, 2018)

O primeiro caso citado em sua obra é a brincadeira de uma criança que segura o carretel pelo cordão e o arremessa entre as cortinas o fazendo desparecer, durante a ação profere um expressivo ‘o-o-ó’ e, ato continuo puxava pelo condão o carretel para fora da cama novamente proferindo um alegre ‘da‘ (‘ali’) ao carretel reaparecer.

Essa brincadeira originou uma prova convincente de que, o ser humano, mesmo sob a dominância do princípio de prazer, desenvolve “maneiras e meios suficientes para tornar o que em si mesmo é desagradável num tema a ser rememorado e elaborado na mente”. (Freud, 2018)

Freud concluiu, desse experimento, que a repetição do jogo desaparecimento e retorno dos objetos, o prazer maior da criança se ligava ao ato de volta, tendo como interpretação do jogo, “à grande realização cultural da criança, a renúncia instintual (isto é, a renúncia à satisfação instintual) que efetuara ao deixar a mãe ir embora sem protestar”, ou seja há uma transferência para o objeto. (Freud, 2018)

Acerca da compulsão à repetição, essa pode ser observada nas primeiras atividades da vida mental infantil e nos eventos do tratamento psicanalítico, trata-se da repetição de experiências “desagradáveis pela razão adicional de poderem dominar uma impressão poderosa muito mais completamente de modo ativo do que poderiam fazê-lo simplesmente experimentando-a de modo passivo”. (Freud, 2018)

A compulsão à repetição apresenta “em alto grau um caráter instintual e, quando atuam em oposição ao princípio de prazer, dão a aparência de alguma força ‘demoníaca’ em ação”, eis que é apoiada pelo desejo de reprimir o esquecido, haja vista que “a novidade é sempre a condição do deleite”. (Freud, 2018)

Observa-se que, Freud, Lacan, Kierkegarrd e Nietzsch, partilham do mesmo pensamento de que a repetição implica em “algo novo, que ela se opõe terminantemente as leis da natureza, assim se opõe as generalidades do habito”. (Gracia-Roza, 1990)

Quanto a neurose de transferência do prazer, temos que o objeto da pulsão não é fixo, nem previamente determinado, ele atua como um meio pelo qual a pulsão consegue atingir seu objetivo, a satisfação.

Na literatura há casos da neurose supracitada, a título de exemplo cita-se a epopeia escrita por Tasso, chamada Gerusalemme Liberata, que retrata Tancredo matando sua amada Clorinda em diversas maneiras, primeiro em um duelo que a mesma se encontrava disfarçada de amadura, depois ao cortar uma árvore altaneira ouve-se a voz de sua amada chorando, portanto, claramente temos um ciclo de neurose de transferência, onde a figura da amada disfarçada de inimigo, o motiva a cometer atos de repetição.

PULSÃO DE MORTE DE FREUD

Antes de adentrar ao tema propriamente dito, insta relembrar as figuras já abordadas neste artigo, quais sejam: dualidade, movimento de pulsões, o funcionamento do aparelho psíquico em relação ao inconsciente, neurose traumática de guerra, compulsão à repetição, pulsão de autoconservação, neurose de transferência do prazer ao objeto.

Freud para desenvolver a teoria da pulsão de morte, estudou algumas premissas, dentre elas, “o fato de tudo o que vive morre por razões internas”, o que leva a crer que “o objetivo de toda vida é a morte”, gerando uma crença interna de necessidade de morte, ao contrário da noção primitiva que estava relacionada à influência de um inimigo ou de um espírito mau. (Freud, 2018)

Freud partindo da teoria desenvolvida por E. Hering de que duas ações que agem concomitantemente no agente “em direções contrárias, uma construtiva ou assimilatória, e a outra destrutiva ou dissimilatória.”, identificou nessas duas direções tomadas pelos processos vitais a atividade de dois pulsos instintuais, os de vida ligado aos instintos sexuais e os de morte equiparado aos instintos do ego, para tanto se baseou na filosofia de Schopenhauer, a morte seria “o ‘verdadeiro resultado e, até esse ponto, o propósito da vida’, ao passo que o instinto sexual é a corporificação da vontade de viver.” (Freud, 2018)

Freud conceitua pulsões como “a expressão da inércia inerente à vida orgânica”, ou seja, as necessidades psíquicas e orgânicas que movem o sujeito a um determinado fim, que reside dentro desse em um conflito permanente e não resolvido, a pulsão possui uma fonte na excitação corporal, uma finalidade, uma pressão e um objeto que é suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional, sendo dívida em dois tipos, a de vida e a de morte, que juntas compõe os pensamentos. (Freud, 2018)

A título de ilustração das características da pulsão se faz a comparação dessa com a sede, a sede possui como fonte a necessidade de líquidos para hidratar o corpo, com a finalidade de satisfazer sua vontade, pressão é a energia que a pessoa emprega, o objeto não é apenas a água, mas todo os atos que a pessoa praticou para eliminar a sede.

A pulsão de vida é toda demanda interna que nos leva ao prazer, está ligada a criação e realização projetos, tendo como fonte de energia a libido.

Na primeira Teoria de Freud as pulsões de vida abrangem as pulsões sexuais e de autoconservação das unidades vitais existentes, sendo também conhecida pelo termo “Eros”.

Assim, as pulsões de vida não têm o caráter regressivo característico das pulsões, mas sim um caráter construtivo, uma vez que um princípio fundamental de tal pulsão é o princípio de ligação, que consiste em instituir unidades cada vez maiores e conservá-las, princípio este que está associado a nova concepção de Freud sobre a sexualidade.

Já, na segunda teoria de Freud, as pulsões de vida passam a se contrapor as pulsões de morte, visando a destruição das unidades vitais, reconduzindo o ser ao estado anorgânico, seria uma força que ataca o psiquismo e faz a pessoa paralisar o trabalho do eu, em direção ao desejo de não desejar. (Freud, 2018)

A pulsão de morte pelo olhar da segunda teoria, busca o isolamento, a estagnação e atos de destruição que levam a morte, existe uma fonte não nomeada por Freud.

Insta destacar que o Princípio de Nirvana proposto por Barbara Low exprime a tendência da pulsão de morte, de zerar ou levar a excitação do aparelho psíquico ao menor nível possível, tal ideia foi utilizada por Freud, para construção da pulsão de morte.

Freud após promover sua investigação observou a existência de “uma distinção nítida entre os instintos do ego e os instintos sexuais, e a visão de que os primeiros exercem pressão no sentido da morte e os últimos no sentido de um prolongamento da vida”. (Freud, 2018)

Assim, temos que o “instinto reprimido nunca deixa de esforçar-se em busca da satisfação completa, que consistiria na repetição de uma experiência primária de satisfação”, onde o aparelho psíquico não apenas descarrega como também relaciona a libido, a situações desagradáveis. (Freud, 2018)

Essa atividade gera “formações reativas e substitutivas, bem como sublimações, que não bastarão para remover a tensão persistente do instinto reprimido”, onde a tendência a destruição gera uma satisfação libidinal, assim “a diferença de quantidade entre o prazer da satisfação que é exigida e a que é realmente conseguida, é que fornece o fator impulsionador que não permite qualquer parada em nenhuma das posições alcançadas”, desencadeando a fobia neurótica que é ‘instinto para a perfeição’, uma “tentativa de fuga da satisfação de um instinto”. (Freud, 2018)

O conflito psíquico ocasionado pelas pulsões de agressão ou destruição, pode gerar manifestações de “masoquismo, a reação terapêutica negativa e o sentimento de culpa dos neuróticos.

A título de elucidação, cita-se o filme “O Tambor”, onde o sujeito em uma cena perde um ente querido, e visualiza-se que no luto há a perda de interesse pelas atividades, onde o sujeito transfere sua libido da atividade e a transfere na pessoa que foi perdida, gerando uma aplicação extrema.

REPERCUSSÃO DA TEORIA DE PULSÃO DE MORTE

Posteriormente, em 1926 Freud ao estudar a inibição, sintoma e angústia, abandona o caráter biológico das pulsões e, parte para o campo da metapsicologia, onde observa manifestações da tirania de um superego sádico sobre o eu, nos sujeitos que apresentam resistência ao tratamento analítico, a reação terapêutica negativa e masoquismo.

Observa-se que, as manifestações do superego do sentimento de culpa e a busca de punição inconscientes, representam a força da pulsão de morte que é “psiquicamente ligada pelo superego e assim se torna reconhecível” (Freud, 1975).

A título de exemplo cita-se o sujeito melancólico, onde o superego desse sujeito está em estado de pura cultura da pulsão de morte, eis que o sujeito se autocrítica, massacra, culpa e se recrimina, onde o superego transforma a pessoa em nada.

A teoria de pulsão de morte foi criticada na época por possuir uma visão biologicista e, o fato de que a pulsão de morte por si só é silenciosa não aparece em estado puro, ela surge quando se percebe a existência de vestígios de satisfação que motivam o sujeito, ou seja, a pulsão não deriva da clínica.

Lacan no Seminário 7 entende que só existe a pulsão de vida quando a força da contradição e negatividade como originaria para pensar a linguagem, ao analisar o ser e o desejo, adota um viés ontológico para fundamentar o gozo mortífero, tendo como elemento a noção de conflito originário, acompanhado da ausência de identidade no processo da fala e, a repetição estaria no significante, ao contrário de Freud que trabalha com a acepção biologista na pulsão de morte, e na dualidade dos pulsos.

Assim, temos que enquanto Freud liga a ideia de pulsão de morte a destruição como algo anti-cultural, Lacan visualiza na pulsão uma vontade de criação como algo anti-natural.

A POLÍTICA DO INIMIGO

Carl Schmitt entende que existe duas figuras, a do amigo e do inimigo onde “a distinção especificamente política, à qual podem ser relacionadas as ações e os motivos políticos, é a diferenciação entre amigo e inimigo. ” (Schmitt, 2002).

Observa-se uma dualidade entre amigo e inimigo, se transportamos para esfera moral, teremos as contraposições do bom e mau; o belo e o feio, útil e o prejudicial, o barato e o caro.

No que tange a esfera do político, não se visualiza tal dualidade, eis que o termo político “não designa um domínio de atividade próprio, mas apenas o grau de intensidade de uma associação ou de uma dissociação de pessoas”, unidas pelo mesmo ideal.  (Schmitt, 2002).

Assim, a relação política é autônoma e distinta, eis que “qualquer antagonismo religioso, moral, econômico, étnico ou qualquer outro se transforma em um antagonismo político quando for suficientemente forte para agrupar efetivamente os homens em amigos e inimigos. ” (Schmitt, 2002).

Partindo das premissas acima, o inimigo é definido como um indivíduo público ou uma unidade política, que atua de forma hostil e nunca inimicus, podendo a violência vir a ser declarada, nessa hipótese haverá um combate regulado entre os inimigos e, eventualmente, pode o conflito gerar uma luta de vida ou morte.

A forma do político de Schmitt é constituído pela “estrutura fundamental do seu realismo político o pragmatismo das relações fáticas, embora com referência ao Direito e à Ordem”, pois na origem do político e do Direito há uma dualidade entre o racional e irracional. (Lima, 2019)

No âmbito psicanalítico, a política do inimigo estaria relacionada diretamente relacionada ao exercício da pulsão de morte pelo indivíduo que é produtora de diferenças e destruição, eis que a cultura, reunião de nações ou família são emanadas por pulsões de vida. (Gracia-Roza, 1990)

Na esfera do direito, Willis Santiago Guerra Filho faz uma análise entre direito, justiça e violência, abaixo transcrita:

“O direito, nessa configuração, se apresenta em um estado de tensão permanente entre o ideal de justiça, jamais realizado – ao menos, abstratamente, como a verdade, que é a forma da justiça, sendo também ela um ideal regulador, para os que a buscam, seja pela ciência, seja pela filosofia -, e a realidade da violência, na qual se ampara o poder, poder de pôr e impor o direito, sendo a violência a forma cujo conteúdo é o sofrimento causado a um sujeito, passivo, por outro sujeito, ativo, para sujeitá-lo à simples violência de uma vontade de poder, de um desejo de sujeição para tentar suprir uma carência de ser, próprio de este ser ficcional, artificioso, desejante, por incompleto, que somos os humanos, enquanto seres terrestres, o húmus da terra, mundanos. É assim que o direito pode ser atraído – e traído - pela força, negativa, malévola, desse meio e instrumento por excelência do poder que é a sociedade, aquelas que a modernidade só reconhece como formas inacabadas dela mesma, em estágios primitivos de seu próprio desenvolvimento, um desenvolvimento que, ao contrário do que se pensava – e à maioria ainda parece pensar, se é que ainda pensa mesmo - cada vez se nos apresenta como tendo por etapa final a destruição da humanidade, ao invés da sua redenção - e assim, talvez, destruição também de tudo o mais que compõe esse planeta singular em que nos encontramos, com esse conjunto de singularidades, improbabilidades mesmo, que como por um milagre propiciou a vida inteligente, autoconsciente.”

Da leitura do trecho acima, fazendo um paralelo com a força motriz da pulsão de morte, se observa que Platão já dizia que o homem que vem perturbar a natureza com sua perversão, onde a destruição culmina em violência, não em redenção.

Kant utiliza o termo "mal radical" para explicar as oscilações entre razão e vontade, na tentativa de designar uma propensão natural ao mal inerente ao ser humano, que decorre do conflito interno entre respeito pela lei moral e amor-próprio.

Por fim, enfatiza-se que Kant, relaciona o conflito a liberdade, julgando ser uma predisposição natural do homem a inclinar-se a ceder aos seus desejos, sendo um orientador de suas ações a moral, onde o mal radical diz respeito ao fundamento da possibilidade de todo mal moral que o homem pode vim a promover para alcançar seus objetivos.

Referências bibliográficas

GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. O Mal Radical em Freud, Zahar; Edição: 4ª (1 de maio de 1990);

GUERRA FILHO, Willis Santiago. (Anti-) Direito e força de lei/lei. In Revista Panoptica, ano 1, n.º 04, p.72/73. Disponível em: http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/6AntiDireitoefoadelei.pdf Acesso em: 15 out. 2019.

CANTARINI, Paola e GUERRA FILHO, Willis Santiago, Teoria Poética do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

ESOPO, Grécia Antiga in Meltzer, São Paulo: Casa do Psicólogo, 1984.

JÜNGER, Ernst. Tempestade de Aço, Cosac & Naify; Edição: 1a (23 de abril de 2013);

LIMA, Deyvison Rodrigues. O conceito do político em Carl Schmitt. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/argumentos/article/view/18996/29715 Acesso em: 15 out. 2019.

ROCHA, Zeferino. O Desejo na Grécia Antiga. Recife: Editora Universitária – UFPE. Série Estudos Universitários. 2011.

SCHMITT, Carl. O Conceito do Político, Edições 70; Edição: 1a (3 de julho de 2015).

SIGMUND, Freud. Além do Princípio do Prazer, tradução do alemão de Renato Zwick, Porto Alegre, RS: L&PM, 2018.

SIGMUND, Freud. (1975) The standard edition of the complete psychologycal works of Sigmund Freud. London: Hogarth Press.

SIGMUND, Freud. (1917-1920) "o homem dos lobos" e outros textos, Companhia das Letras; Edição: 1a (19 de março de 2010).

Sobre a autora
Nancy Sampedro

Mestranda em Direitos Difusos e Coletivos na PUC/SP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo redigido para disciplina de Direito e Psicologia da PUC/SP

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