A NECESSIDADE DA PROVA PERICIAL EM AÇÃO SECURITÁRIA POR VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO
Rogério Tadeu Romano
I – A PROVA PERICIAL
A perícia constitui-se numa forma de provar, por meio da qual pessoas especialmente capacitadas, em decorrência de conhecimentos especiais(técnicos e científicos) que possuem, por ordem judicial e mediante compromisso, informam o juiz a respeito da ocorrência de determinados fatos, bem como do significado dos mesmos.
A prova pericial poderá ser dispensada se a prova, se a prova pode ser feita por outros meios(RT 288/421). Já se decidiu, nessa linha de pensar, que se o fato, objeto da prova, independe de conhecimento especial do técnico, e pode ser provado diretamente por intermédio de prova testemunhal, admitir a perícia seria transformar o pedido em mero coletor de prova testemunhal.
Acentua-se que para a perícia, é necessário que compareçam os pressupostos específicos de sua realizabilidade, quais sejam, a necessidade de conhecimentos técnicos ou científicos. É, pois, imprescindível que os fatos a serem provados por seu intermédio necessitem de tais esclarecimentos e interpretação.
Ensinou Arruda Alvim(Manual de direito processual civil, volume 2, terceira edição, pág. 382) que referindo-se ao aspecto técnico, quis o legislador significar um conhecimento especial, como o de um agricultor, um sapateiro, um mecânico, mas não necessariamente científico. No que pertine ao conhecimento cientifico, quis, de forma especificada, salientar a necessidade de alguém que tenha qualificação cientifica especial, ou seja, em decorrência de estar apropriado de saber científico, oriundo de estudo, ou seja, alguém que tenha estudado o assunto, regular e cientificamente.
Mas a lei não impede que o juiz independentemente de peritagem, se utilize de seus conhecimentos técnicos.
É na fase do saneamento que deve ser pedida a prova pericial.
Tem-se entendido que que o juiz não fica vinculado ao laudo pericial, podendo formar sua convicção a partir de outros elementos probatórios existentes nos autos(JUTACivSP 83/251,83/270,84/399, dentre outros).
O juiz, se tiver dúvidas que persistam, mesmo após a realização da perícia, poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia que terá por objeto os mesmos fatos considerados pela primeira. Mas a segunda não substituirá a primeira e o juiz apreciará, de conformidade com a usa convicção, o valor de ambas.
Há, aliás, decisões entendendo que ao juiz é reconhecido poder discricionário no exercício de iniciativa na determinação da prova pericial e na deliberação da segunda perícia.
A função do perito não pode ser objeto de delegação e o seu laudo há de ser fundamento, respondendo aos quesitos formulados pelas partes.
II – O CASO REPORTADO
Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o julgamento antecipado da lide, em ação de indenização securitária relacionada a vícios de construção, depois de negada à parte a oportunidade de produção de prova pericial, implica cerceamento de defesa.
O colegiado anulou decisões das instâncias ordinárias que não admitiram a realização de perícia em ação de indenização proposta pela compradora de um imóvel contra a seguradora, em decorrência de vícios de construção. O imóvel havia sido adquirido pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH), com adesão ao seguro habitacional obrigatório.
No julgamento antecipado da lide, o pedido foi considerado improcedente. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), confirmando a sentença, afirmou que a perícia era dispensável, porque a ação se baseava em vícios de natureza construtiva e a seguradora não tinha responsabilidade por eles, já que o contrato cobria apenas os danos decorrentes de causa externa, que atuassem de fora para dentro sobre o prédio.
A apólice excluía "todo e qualquer dano sofrido pelo prédio ou por benfeitorias que seja causado por seus próprios componentes, sem que sobre eles atue qualquer força anormal".
Ao recorrer ao STJ, a dona do imóvel alegou cerceamento de defesa, por ter sido julgado o mérito da ação antes mesmo da realização da prova técnica. Sustentou ainda que o contrato de seguro é um contrato de adesão, que deve ser interpretado de maneira mais favorável ao consumidor.
Tal se deu no julgamento do REsp 1.837.372.
III – OS VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO
Quando a lei fala em solidez e segurança do trabalho, quer dizer a segurança de modo geral e específico, abrangendo danos causados por infiltrações, vazamentos, quedas de blocos de revestimentos, como exemplo.
Assim, inclui-se na garantia quinquenal todo defeito que compromete a destinação do imóvel, pois a segurança também significa garantia de que a construção serve ao fim a que foi destinada. Estendo todo esse entendimento também ao solo. O construtor não se exime ao dever de analisar o solo, para saber se este poderá receber uma construção, pois a função do mesmo é ser técnico, analisando todas as formas legais e formais para que aquela obra tenha garantida sua solidez e segurança.
Anomalias que afetam o desempenho de produtos ou serviços, ou os tornam inadequados aos fins a que se destinam, causam transtornos ou prejuízos materiais ao consumidor. Podem decorrer de falha de projeto, ou da execução, ou ainda da informação defeituosa sobre sua utilização ou manutenção (item 3.75 da ABNT NBR 13752/dez96). Vícios construtivos são, portanto, todas as falhas construtivas que causam prejuízo material ao consumidor, e que implicam em gastos financeiros para repará-los, ou seja, afetam o bolso do consumidor, e podem ser divididos em dois grandes grupos: os aparentes e os ocultos.
VÍCIOS APARENTES:
São as falhas construtivas ostensivas, detectáveis facilmente mesmo por leigos em construção. Exemplos: vidro quebrado ou manchado, diferentes tonalidades no revestimento ou na pintura, azulejo decorado aplicado de forma equivocada, quebrando o esquema do desenho geométrico projetado, falta de espelhos nas instalações elétricas, portas descoladas ou trincadas, vazamentos existentes no ato da entrega, material de acabamento empregado diferente do que consta do memorial descritivo de venda, etc.
VÍCIOS OCULTOS:
São as falhas construtivas inexistentes no ato da entrega (ou só detectáveis nessa ocasião por técnicos especializados), e que surgem ou só são detectadas algum tempo depois da entrega. Exemplos: curto-circuito nas instalações elétricas, infiltrações ou vazamentos de água que são detectados apenas depois da entrega, trincas, fissuras, gretamentos de placas cerâmicas, recalques de fundação, inclinação de prédios, desbotamento da pintura da fachada, etc.
IV – O CONTRATO DE SEGURO HABITACIONAL
Destaco aqui alguns pontos daquele julgamento do STJ.
Clovis Beviláqua há muito qualificou o seguro como um verdadeiro “contrato de boa-fé” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Vol. II. Ed. Histórica. Rio de Janeiro: Rio, 1979. p. 573).
A própria causa do contrato de seguro é a garantia de interesse legítimo do segurado em relação a riscos predeterminados.
Da essência da boa-fé objetiva deflui o dever do segurador de atender às justas expectativas do segurado à vista da natureza e da função do contrato de seguro.
O caso envolveu a figura do seguro habitacional.
Tem-se o que segue:
. SEGURO HABITACIONAL O seguro habitacional é uma garantia fundamental e obrigatória para o crédito imobiliário, com benefícios para todas as partes envolvidas. Garante, por exemplo, que a família permaneça com o imóvel se houver morte ou invalidez total e permanente da(s) pessoa(s) que compôs (compuseram) renda para o financiamento, por meio da quitação total ou parcial da dívida junto ao agente financeiro, a depender do percentual de participação de cada um na composição da renda. Também garante a indenização ou a reconstrução do imóvel, caso ocorra dano físico causado por riscos cobertos pela seguradora, de acordo com a apólice contratada. Os seguros contratados são: DFI – Seguro contra Danos Físicos ao Imóvel – tem por finalidade assegurar a cobertura de riscos de natureza material, tais como incêndio, explosão, alagamento, inundação, desmoronamento, destelhamento, entre outros, ocorridos no período do financiamento. O valor assegurado do DFI corresponde, na concessão do contrato, ao valor de avaliação do imóvel e, na evolução do contrato, ao valor atualizado da garantia.MIP – Seguro por Morte ou Invalidez Permanente – O seguro de morte e invalidez permanente permite a liquidação da dívida (ou parte da dívida quando houver mais de um participante no contrato de financiamento) na hipótese de falecimento do mutuário por qualquer causa ou invalidez permanente, seja por doença ou acidente. O valor assegurado do MIP corresponde, na concessão do financiamento, ao valor do financiamento e, na evolução do contrato, ao valor do saldo devedor. Os percentuais da alíquota deste seguro variam durante a vigência do financiamento, de acordo com a faixa etária de cada devedor.
No âmbito do SFH, o seguro habitacional obrigatório ganha conformação diferenciada, uma vez que integra a política nacional de habitação, destinada a facilitar a aquisição da casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população. Trata-se, pois, de contrato obrigatório que visa à proteção da família, em caso de morte ou invalidez do segurado, e à salvaguarda do imóvel que garante o respectivo financiamento imobiliário, resguardando, assim, os recursos públicos direcionados à manutenção do sistema.
Acentuou ainda a ministra Nancy Andrighi que a interpretação fundada na boa-fé objetiva, contextualizada pela função socioeconômica que desempenha o contrato de seguro habitacional obrigatório vinculado ao SFH, leva a concluir que a restrição de cobertura, no tocante aos riscos indicados, deve ser compreendida como a exclusão da responsabilidade da seguradora com relação aos riscos que resultem de atos praticados pelo próprio segurado ou do uso e desgaste natural e esperado do bem, tendo como baliza a expectativa de vida útil do imóvel, porque configuram a atuação de forças normais sobre o prédio.
Aliás, decidiu o STJ que, “em se tratando de seguro habitacional, de remarcada função social, há de se interpretar a apólice securitária em benefício do consumidor/mutuário e da mais ampla preservação do imóvel que garante o financiamento”, concluindo pela “impossibilidade de exclusão do conceito de danos físicos e de ameaça de desmoronamento, cujos riscos são cobertos, de causas relacionadas, também, a vícios construtivos” (EDcl no AgRg no REsp 1.540.894/SP, julgado em 24/05/2016, DJe de 02/06/2016 – grifou-se). Na ocasião do julgamento, bem apontou o e. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, no voto condutor do acórdão: O contrato de seguro habitacional tem cunho social, porque erigido de modo obrigatório para o resguardo da garantia do financiamento contraído sob as normas do SFH.
Os vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional obrigatório, cujos efeitos devem se prolongar no tempo, mesmo após a conclusão do contrato, para acobertar o sinistro concomitante à vigência deste, ainda que só se revele depois de sua extinção (vício oculto). Nesse sentido, é o entendimento mais recente da terceira Turma: REsp 1.804.965, julgado em 24/09/2019, pendente de publicação; REsp 1.717.112/RN, julgado em 25/09/2018, DJe 11/10/2018; EDcl no AgInt no REsp 1.561.601/SP, julgado em 02/09/2019, DJe 05/09/2019; AgInt no AREsp 1.171.213/PR, julgado em 01/07/2019, DJe 06/08/2019.
V – CONCLUSÕES
Daí porque imprescindível a prova pericial para a constatação ou não dos vícios reportados em ação própria.